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Ampliação da via de saída do ventrículo direito com pericárdio autólogo pediculado na tetralogia de Fallot

CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Ampliação da via de saída do ventrículo direito com pericárdio autólogo pediculado na tetralogia de Fallot

Ulisses Alexandre Croti; Domingo Marcolino Braile; Airton Camacho Moscardini; Marcelo Felipe Kozak

Serviço de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica de São José do Rio Preto - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ulisses Alexandre Croti Hospital de Base - FAMERP Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5544 CEP 15090-000 São José do Rio Preto - SP - Brasil Fone (Fax): 17 - 97726560 / 3201 5025 E-mail: uacroti@uol.com.br

DADOS CLÍNICOS

Criança com 1 ano e 2 meses, 7,1 kg, sexo feminino, natural de Ilha Solteira, SP. Encaminhada ao nosso Serviço após ser adotada por família que não conhecia a história pregressa.

No exame físico da primeira consulta, apresentava-se em BEG, eupneica, pálida ++/4+, hidratada e cianótica ++/4+. Notava-se baixo ganho ponderal e nutricional, episódios constantes de cianose e déficit motor em membro superior direito, como conseqüência de um acidente vascular cerebral prévio, para o qual fazia uso de fenobarbital.

A ausculta cardíaca apresentava-se com bulhas em dois tempos, hiperfonese da segunda bulha em bordo esternal esquerdo baixo (BEE) e sopro sistólico ejetivo +++/6+ em BEE médio-alto. Ausculta pulmonar era normal. Abdome sem alterações. Pulsos periféricos presentes, cheios e simétricos. Saturação periférica de 82% em ar ambiente.

Introduzido propanolol, orientado retorno para exames complementares e agendada operação para correção do defeito. Devido a problemas sociais, retornou após nove meses em mau estado geral, com febre e diarréia. O quadro clínico e os exames orientavam para enterovirose e, após cinco dias na enfermaria, evoluiu com significativa melhora, porém com crises de cianose freqüentes, fato que associado ao problema social desencadeou a indicação de correção cirúrgica na mesma internação.

ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal, freqüência 150 bat/min. SÂP +45º, SÂQRS + 120º, QTC 0,43 s. Sobrecarga atrial direita com onda P apiculada e amplitude de 3 mm em D2. Sobrecarga ventricular direita com amplitude de R em V1 de 25 mm.

RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca com índice cardiotorácico de 0,54, com arco médio moderadamente escavado e arco aórtico à esquerda. Transparência dos campos pleuro-pulmonares normal.

ECOCARDIOGRAMA

Tetralogia de Fallot (T4F) de anatomia desfavorável, com situs solitus em levocardia, conexões venoatrial, atrioventricular e ventriculoarterial normal. Diâmetros da aorta de 18 mm, anel valvar pulmonar, artéria pulmonar direita e esquerda confluentes e também com 9 mm. Ao Doppler contínuo, fluxo turbulento e acelerado com gradiente de pico sistólico entre o ventrículo direito (VD) e o tronco pulmonar de 73,8 mmHg, chamando a atenção importante componente infundibular devido a aspecto da curva com pico tardio (Figura 1).


DIAGNÓSTICO

Na primeira consulta, foi fortemente considerada a hipótese de T4F, corroborada por ecocardiograma de outro Serviço, sendo medicada com propanolol. O uso prévio de fenobarbital e as freqüentes crises de ausência conseqüentes ao acidente vascular cerebral prévio, associadas à cianose importante indicavam a operação urgente. Porém, a situação social da criança dificultou o tratamento em momento adequado, expondo-a a maior risco cirúrgico.

OPERAÇÃO

Na indução anestésica, apresentou grave crise de hipóxia com saturação periférica de 32%. Em caráter de emergência foi iniciada a toracotomia transesternal mediana, abertura do pericárdio, confecção de bolsas em aorta e veias cavas, heparinização com 4 mg/kg, introdução das cânulas em aorta e veias cavas e iniciado auxílio da circulação extracorpórea com hipotermia a 28ºC.

Após pinçamento aórtico, iniciada cardioplegia sangüínea, hipotérmica a 4ºC, anterógrada, intermitente, com volume de 20 ml/kg em intervalos de 20 minutos, a qual foi administrada após abertura do átrio direito e drenagem do átrio esquerdo através do septo interatrial.

Incisão na face anterior do tronco pulmonar, anel valvar pulmonar e via de saída do ventrículo direito (VSVD). O anel valvar medido com a vela de Hegar era de 9 mm e, de acordo com a superfície corpórea, deveria ser de 11,3 mm, logo necessitou ampliação.

O pericárdio à esquerda foi cuidadosamente dissecado, preservando maior número possível de vasos sangüíneos e deixado pediculado para ampliação dos componentes direitos (Figura 2). A sutura do pericárdio, aos componentes que deveriam ser ampliados, foi iniciada pela borda lateral e concluída implantando-se o pericárdio pediculado em forma de telhado (Figura 3). Em toda a sutura foi utilizado fio de polidioxanona 6-0. O intuito era permitir o crescimento e evitar calcificações futuras, entre outros problemas sabidamente existentes com diversos materiais que podem ser utilizados para este fim [1-3].



A comunicação interventricular (CIV) foi fechada com placa de pericárdio bovino, com sutura contínua de polipropileno 6-0 através da abertura na VSVD.

O tempo de perfusão foi de 84 minutos e isquemia miocárdica de 56 minutos.

Na Unidade de Terapia Intensiva apresentou sangramento maior que habitual, com significativa alteração do coagulograma. Foi encaminhado ao centro cirúrgico para revisão de hemostasia e constatada síndrome do coágulo retido. Evoluiu com pneumonia, tratada com antibioticoterapia adequada por 14 dias.

O ecocardiograma de controle intra-hospitalar sugeriu imagem de endocardite, sendo optado tratamento clínico com antibioticoterapia. Os exames seqüentes demonstraram presença de CIV residual de 2 mm sem repercussão hemodinâmica.

Recebeu alta hospitalar somente no 23º dia de pós-operatório, aguardando mais de uma semana a decisão do Conselho Tutelar pela guarda da criança.

Com seguimento de um ano e sete meses em nosso ambulatório, está com adequado ganho pondo-estatural e dentro dos limites de normalidade para a idade, assintomática, em grau funcional I NYHA, com ecocardiograma sinalizando a presença de insuficiência pulmonar de grau moderado a importante e função global de VD normal.

Artigo recebido em 28 de outubro de 2008

Artigo aprovado em 21 de novembro de 2008

  • 1. Ilbawi MN, Idriss FS, DeLeon SY, Muster AJ, Gidding SS, Berry TE, et al. Factors that exaggerate the deleterious effects of pulmonary insufficiency on the right ventricle after tetralogy repair. Surgical implications. J Thorac Cardiovasc Surg. 1987;93(1):36-44.
  • 2. Croti UA, Barbero-Marcial M, Jatene MB, Riso AA, Tanamati C, Aiello VD, et al. Classificação anatômica e correção cirúrgica da atresia pulmonar com comunicação interventricular. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2001;16(4):321-36.
  • 3. Silva, PR. Retalho de pericárdio pediculado vascularizado autógeno para aortoplastia e correção da coarctação simples de aorta torácica, ou associada à hipoplasia, atresia ou interrupção do arco aórtico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(4):453-60.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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