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Contratura isquêmica do miocárdio: estudo experimental em ratos

Resumos

A contratura isquêmica do miocárdio (CIM) tem sido muito utilizada na investigação da fisiopatologia da isquemia global do coração. Este trabalho descreve um modelo experimental adequado ao estudo da CIM, em ratos. Foram empregados 8 animais da raça Wistar, anestesiados com éter sulfúrico. O coração, removido rapidamente por toracotomia, foi imerso em solução de NaCl 0,9% a 37°C. Por meio de um cateter-balão de látex introduzido na cavidade ventricular esquerda, insuflado sob pressão de 20 mmHg e conectado a um eletrofisiógrafo, registrou-se o início da CIM (TCI) e sua intensidade (IC). A dP/dT do fenômeno foi calculada. Definiu-se uma elevação de 5 mmHg na linha de base do traçado como indicativa do início da contratura. O ponto de inflexão da curva representou a intensidade da contratura (IC). A dP/dT foi calculada. Os resultados (média ± desvio padrão) obtidos foram semelhantes aos da literatura: TCI (min) = 15,5 ± 0,59; IC (mmHg) = 62,0 ± 5,81; dP/dT (mmHg/min) = 14,2 ± 3,05.

Contração miocárdica; Isquemia miocárdica


Ischemic contracture of the heart (ICH) has been largely employed for the investigation of global heart ischemia physiopathology. We herein describe a simple ICH experimental model. Eight Wistar rats, anesthetized with sulfuric ether, were studied. The heart was rapidly removed by thoracotomy, and then immersed in a 37°C saline bath. A latex balloon catheter placed in the left ventricle and distended to 20 mmHg was used to detect ICH onset (ICHO) and intensity (ICHI). A 5 mmHg baseline elevation pepresented ICHO. ICHI was represented by peak balloon pressure. ICH dP/dT was calculated. The results (mean ± standard deviation) were similar to the literature: ICHO (min) = 15.5 ± 0.59; ICHI (mmHg) = 62.0 ± 5.81; dP/dT (mmHg/min) = 14.2 ± 3.05.

Myocardial contraction; Myocardial ischemia


Contratura isquêmica do miocárdio:

estudo experimental em ratos

Eduardo Tiveron VELUDO* * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. , Alexandre Luiz ARANHA* * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. , Alexandre PACCHIONI* * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. , Gustavo Ribeiro de OLIVEIRA** * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. , Albert Amin SADER*** * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. , Yvone Avalloni de Moraes V. A. VICENTE*** * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. , Walter V. A. VICENTE*** * Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

RBCCV 44205-367

Veludo E T, Aranha A L, Pacchioni A, Oliveira G R, Sader A A, Vicente Y A M V A, Vicente W V A - Contratura isquêmica do miocárdio: estudo experimental em ratos. Rev Bras Cir Cardiovasc 1997; 12 (3): 288-91.

RESUMO: A contratura isquêmica do miocárdio (CIM) tem sido muito utilizada na investigação da fisiopatologia da isquemia global do coração. Este trabalho descreve um modelo experimental adequado ao estudo da CIM, em ratos. Foram empregados 8 animais da raça Wistar, anestesiados com éter sulfúrico. O coração, removido rapidamente por toracotomia, foi imerso em solução de NaCl 0,9% a 37°C. Por meio de um cateter-balão de látex introduzido na cavidade ventricular esquerda, insuflado sob pressão de 20 mmHg e conectado a um eletrofisiógrafo, registrou-se o início da CIM (TCI) e sua intensidade (IC). A dP/dT do fenômeno foi calculada. Definiu-se uma elevação de 5 mmHg na linha de base do traçado como indicativa do início da contratura. O ponto de inflexão da curva representou a intensidade da contratura (IC). A dP/dT foi calculada. Os resultados (média ± desvio padrão) obtidos foram semelhantes aos da literatura: TCI (min) = 15,5 ± 0,59; IC (mmHg) = 62,0 ± 5,81; dP/dT (mmHg/min) = 14,2 ± 3,05.

DESCRITORES: Contração miocárdica, ratos. Isquemia miocárdica, ratos.

INTRODUÇÃO

Em 1955, MELROSE et al. (1) lançaram as bases da cardioplegia ao injetarem uma solução de citrato de potássio no ponto inicial da aorta de cães submetidos a circulação extracorpórea. Apesar da pouca receptividade inicial devido ao efeito cáustico da alta concentração de potássio (200 mEq/l), o interesse pela proteção miocárdica reavivou-se, em 1972, quando COOLEY et al. (2) descreveram fenômeno geralmente mortal, "stone heart", caracterizado pela contratura do miocárdio submetido a longos períodos de isquemia, na ausência de cardioplegia.

O "stone heart" guarda certa analogia com as contraturas uterina e tetânica, e parece decorrer do comprometimento da capacidade de relaxamento do miocárdio submetido à isquemia prolongada (3). Uma das hipóteses bioquímicas mais aceitas para explicá-lo imputa a exaustão das reservas energéticas do miocárdio, particularmente de adenosina trifosfato (ATP), como mecanismo desencadeador da contratura.

Alguns autores postulam que, ao se reduzir a concentração de ATP a 10% do valor normal (4), atinge-se uma condição metabólica crítica para o surgimento desse fenômeno, decorrente da interligação forte e prolongada entre os filamentos de actina e miosina (3, 4). Uma vez iniciada a contratura, sua intensidade agrava-se rapidamente, à medida que os níveis de ATP continuam a cair (3). Ao mesmo tempo, o colapso das bombas iônicas, ATP dependentes, determina aumento do cálcio intracelular que, provavelmente, além de modular a contratura, ativa várias enzimas, como fosfolipases e proteases, danosas às membranas celulares. Além disso, a pletora de ions cálcio inibe a produção de ATP remanescente, de forma a fechar um círculo vicioso, de deterioração metabólica, potencialmente letal (5).

Modelos experimentais, em ratos, têm sido amplamente utilizados (6-9) nas investigações da contratura isquêmica do miocárdio (CIM), podendo ser extendidos a diversos outros animais de experimentação como coelhos (5, 10-12), furões (4) e porcos (10, 13, 14). O objetivo deste trabalho foi desenvolver, em nosso Laboratório, um modelo para estudo da CIM. A escolha do animal deveu-se às vantagens caracterizadas pelo acesso e remoção simples e rápida do coração, bem como por prescindir-se de ventilação mecânica.

MATERIAL E MÉTODOS

Empregaram-se 8 ratos Wistar de 280 g a 320 g de peso, anestesiados com éter sulfúrico. Seccionaram-se transversalmente todos os planos da parede abdominal logo abaixo da transição toracoabdominal e, rapidamente, rebatido o plastrão torácico, graças à secção costal bilateral e, a partir desse momento, a contagem do tempo de isquemia. Aberto o saco pericárdico, rebatido o coração e exposição do pedículo cardíaco, após secção dos vasos da base, o coração era colocado em uma cuba contendo solução de cloreto de sódio a 0,9% à temperatura de 37°C.

Grande parte do átrio esquerdo era removida para exposição adequada da valva mitral, a fim de facilitar a inserção do balão na cavidade ventricular; realizada sutura em bolsa, com Polipropileno 5.0, no anel mitral, destinada a evitar a exteriorização do todo ou parte do balonete. Em seguida, fixava-se, com tira de esparadrapo, o cateter-balão à borda da cuba do banho-maria, de modo que o coração permanecesse completamente imerso e, aproximadamente, no mesmo plano do transdutor do fisiógrafo. A montagem experimental encontra-se esquematizada na Figura 1.


Fig.1 - Representação esquemática da montagem experimental utilizada para estudo da CIM: 1 = fisiógrafo; 2 = transdutor de pressão; 3 = torneira metálica; 4 = seringa (1 ml); 5 = torneira plástica; 6 = manômetro de mercúrio; 7 = coração com o balão de látex no interior do ventrículo esquerdo; 8 = banho-maria.

Um tubo de Polivinil, perfurado transversalmente cerca de 2 mm da ponta, foi introduzido num preservativo até que tomasse contato com a superfície interna da extremidade do mesmo. Com fio de algodão 2.0, amarrava-se o preservativo, a 8 mm da ponta do tubo de Polivinil. O conjunto cateter-balão era, então, imerso em água e testado por insuflação de ar, a fim de averiguar a eventual presença de vazamentos. Na extremidade oposta ao balonete, conectava-se ao tubo de Polivinil um intermediário metálico rosqueado em torneira plástica de 3 vias.

Graças à conexão, em série, da torneira plástica do catéter-balão com a torneira metálica acoplada ao transdutor de um fisiógrafo de inscrição à tinta, de quatro canais (Narco Bio-Systems, EUA), dispunha-se de duas vias laterais livres (uma de cada torneira). A da torneira do cateter-balão era conectada, por meio de uma extensão de Polivinil, a um manômetro de coluna de mercúrio, enquanto que a da torneira metálica adaptava-se uma seringa de 1 ml contendo água destilada.

Insuflava-se o balonete até atingir uma pressão de aproximadamente 20 mmHg, enquanto se mantinha fechada a via de entrada do fisiógrafo. Uma vez insuflado o balão, manipulavam-se ambas as torneiras de modo a conectar o cateter-balão com o registrador e se iniciava o traçado. O tempo decorrido desde a abertura da cavidade torácica até a insuflação do balão foi de, aproximadamente , 5 minutos. Para facilitar o procedimento, foi mantida a torneira metálica em suporte, no mesmo plano horizontal em que se encontravam o transdutor do fisiógrafo, o nível zero do manômetro de mercúrio e o coração imerso em banho-maria.

O fisiógrafo, para realização de até 4 experimentos simultâneos, foi calibrado para responder à pressão intracavitária com uma deflexão de 25 mm, para cada 100 mmHg, com velocidade de deslocamento do papel de 0,005 cm/seg. Os traçados obtidos foram semelhantes ao da Figura 2.


Fig.2 - Traçado correspondente ao fenômeno da CIM. A linha de base representa a pressão de insuflação do balão; neste caso, 24 mmHg. A seta indica o início da contratura (TCI).

Considerou-se o tempo até o início da contratura isquêmica (TCI) como correspondente ao intervalo desde a abertura do tórax até a detecção de uma elevação de 5 mmHg na linha de base do traçado. O ponto de inflexão da curva, de positiva para negativa, traduziu a intensidade da contratura. A razão entre a intensidade da contratura e o tempo decorrido desde seu início (TCI) até a inflexão da curva correspondeu à dP/dT do fenômeno.

RESULTADOS

Os resultados (média ± desvio padrão) encontram-se na Tabela 1

CONCLUSÃO

O modelo experimental empregado mostrou-se adequado ao estudo da CIM, obtendo-se resultados semelhantes aos da literatura.

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Veludo E T, Aranha A L, Pacchioni A, Oliveira G R, Sader A A, Vicente Y A M V A, Vicente W V A - Ischemic contracture of the heart: an experimental assay in rats. Rev Bras Cir Cardiovasc 1997; 12 (3): 288-91.

ABSTRACT: Ischemic contracture of the heart (ICH) has been largely employed for the investigation of global heart ischemia physiopathology. We herein describe a simple ICH experimental model. Eight Wistar rats, anesthetized with sulfuric ether, were studied. The heart was rapidly removed by thoracotomy, and then immersed in a 37°C saline bath. A latex balloon catheter placed in the left ventricle and distended to 20 mmHg was used to detect ICH onset (ICHO) and intensity (ICHI). A 5 mmHg baseline elevation pepresented ICHO. ICHI was represented by peak balloon pressure. ICH dP/dT was calculated. The results (mean ± standard deviation) were similar to the literature: ICHO (min) = 15.5 ± 0.59; ICHI (mmHg) = 62.0 ± 5.81; dP/dT (mmHg/min) = 14.2 ± 3.05.

DESCRIPTORS: Myocardial contraction, rats. Myocardial ischemia, rats.

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Apresentado ao 23º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. Recife, PE, 20 a 23 de março, 1996.

** Do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

*** Do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Endereço para correspondência: Walter V. A. Vicente. Deptº de Cirurgia. H. C. - Ribeirão Preto. Campus da USP. Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: 14049-900. Telefax: (016) 6330836. Internet: vicente@uhura.fmrp.usp.br

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  • *
    Da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 1999
    • Data do Fascículo
      Jul 1997
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