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Efeitos da alteração na posição do selim da bicicleta sobre a corrida subsequente

The effects of bicycle seat tube angle on subsequent running

Resumos

O propósito desse estudo foi analisar os efeitos da alteração no ângulo do tubo do selim (ATS) da bicicleta sobre variáveis fisiológicas e biomecânicas, durante o ciclismo e no desempenho de corrida subsequente. Seis triatletas amadores do sexo masculino (24,1+7,8 anos; 71,3+7,6 kg; 1,76+4,8 m) submeteram-se, em dias diferentes e aleatórios, a dois testes de 20km de ciclismo (um a 73º e outro a 80ºATS) em uma intensidade autosselecionada, em suas próprias bicicletas, acopladas a um ciclossimulador com transição imediata para o desempenho de corrida na distância de 3km. A intensidade autosselecionada, no primeiro teste de ciclismo, foi fixada durante o segundo teste. Não foram observadas diferenças significantes durante o ciclismo entre os diferentes ATS. Durante a corrida, a velocidade do 2ºkm foi significativamente maior no ângulo de 80º (3,99+0,44m/s) comparado ao de 73º (3,92+0,45m/s), sem diferença significativa (P= 0,065) entre os ângulos na velocidade média total (4,07+0,46m/s a 73º e 4,18+0,47m/s a 80º). Houve um aumento significativo na frequência de passada a 73º quando comparado a 80º ATS no 3ºkm (88,2+0,12 passadas/min e 91,2+0,12 passadas/min, respectivamente) e na média total da corrida (87,6+0,12 passadas/ min para 90,0+0,08 passadas/min, respectivamente). Dessa forma, podemos concluir que as alterações no ATS não modificaram significantemente as variáveis fisiológicas e biomecânicas, durante o ciclismo, assim como o rendimento dos 3 km de corrida subsequentes. Entretanto, as diferenças observadas na mecânica, no ritmo da corrida e a tendência (P= 0,065) de melhora do desempenho indicam um pequeno mais significativo efeito sobre a corrida realizada após o ciclismo com ATS mais elevado, aspectos que podem ser relevantes para o rendimento final em uma competição.

Ciclismo; Corrida; Engenharia humana; Desempenho atlético; Metabolismo energético


The objective of this study was to investigate the effects of two different (73° and 80°) seat tube angles (STAs) on physiological and biomechanical variables during cycling and on subsequent running performance. Six male triathletes (24.1±7.8 year; 71.3±7.6 kg; 1.76±4.8 m) completed two 20-km cycling trials (at 73° or 80°) at self-selected intensity on their own bikes using a cycle simulator and immediately transitioned to a 3-km running trial on a track at maximum pace. The trials were performed randomly on different days. The self-select intensity adopted in the first 20-km cycling trial was also used in the second cycling trial. There were no significant differences between the 73° and 80° STAs during the cycling trials. The pace during the 2nd km of the running trial was significantly lower at 73° (3.92+0.45m/s) compared with 80º (3.99+0.44m/s); however, there was no significant difference (P = 0.065) between the STAs in terms of total mean pace (4.07+0.46m/s at 73º and 4.18+0.47m/s at 80º). The stride rate (88.2+0.12 stride/min) and total mean (87.6+0.12 stride/min) during the 3rd km of the running trial were significantly lower at 73° compared with 80º (91.2+0.12 stride/min and 90.0+0.08 stride/min, respectively). Therefore, the changes in the STAs did not affect significantly the physiological and biomechanical variables during cycling neither subsequent 3-km running performance. However, the differences found in the stride rate, running pace, and tendency of better running performance (P = 0.065) suggest a small but significant effect on the running trial performed after cycling using higher STA. These aspects may have a relevant influence on the final race classification.

Athletic performance; Bicycling; Energy metabolism; Human Engineering; Running


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da alteração na posição do selim da bicicleta sobre a corrida subsequente

The effects of bicycle seat tube angle on subsequent running

Rodrigo Baltazar; Mariana Borges de Andrade; Fabrizio Caputo

Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde e do Esporte. Laboratório de Pesquisas em Desempenho Humano. Florianópolis, SC. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fabrizio Caputo Laboratório de Pesquisas em Desempenho Humano Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, UDESC. Rua Pascoal Simone, 358, Coqueiros 88080-350 - Florianópolis, SC. E-mail: fabrizio.caputo@udesc.br

RESUMO

O propósito desse estudo foi analisar os efeitos da alteração no ângulo do tubo do selim (ATS) da bicicleta sobre variáveis fisiológicas e biomecânicas, durante o ciclismo e no desempenho de corrida subsequente. Seis triatletas amadores do sexo masculino (24,1+7,8 anos; 71,3+7,6 kg; 1,76+4,8 m) submeteram-se, em dias diferentes e aleatórios, a dois testes de 20km de ciclismo (um a 73º e outro a 80ºATS) em uma intensidade autosselecionada, em suas próprias bicicletas, acopladas a um ciclossimulador com transição imediata para o desempenho de corrida na distância de 3km. A intensidade autosselecionada, no primeiro teste de ciclismo, foi fixada durante o segundo teste. Não foram observadas diferenças significantes durante o ciclismo entre os diferentes ATS. Durante a corrida, a velocidade do 2ºkm foi significativamente maior no ângulo de 80º (3,99+0,44m/s) comparado ao de 73º (3,92+0,45m/s), sem diferença significativa (P= 0,065) entre os ângulos na velocidade média total (4,07+0,46m/s a 73º e 4,18+0,47m/s a 80º). Houve um aumento significativo na frequência de passada a 73º quando comparado a 80º ATS no 3ºkm (88,2+0,12 passadas/min e 91,2+0,12 passadas/min, respectivamente) e na média total da corrida (87,6+0,12 passadas/ min para 90,0+0,08 passadas/min, respectivamente). Dessa forma, podemos concluir que as alterações no ATS não modificaram significantemente as variáveis fisiológicas e biomecânicas, durante o ciclismo, assim como o rendimento dos 3 km de corrida subsequentes. Entretanto, as diferenças observadas na mecânica, no ritmo da corrida e a tendência (P= 0,065) de melhora do desempenho indicam um pequeno mais significativo efeito sobre a corrida realizada após o ciclismo com ATS mais elevado, aspectos que podem ser relevantes para o rendimento final em uma competição.

Palavras-chave: Ciclismo; Corrida; Engenharia humana; Desempenho atlético; Metabolismo energético.

ABSTRACT

The objective of this study was to investigate the effects of two different (73° and 80°) seat tube angles (STAs) on physiological and biomechanical variables during cycling and on subsequent running performance. Six male triathletes (24.1±7.8 year; 71.3±7.6 kg; 1.76±4.8 m) completed two 20-km cycling trials (at 73° or 80°) at self-selected intensity on their own bikes using a cycle simulator and immediately transitioned to a 3-km running trial on a track at maximum pace. The trials were performed randomly on different days. The self-select intensity adopted in the first 20-km cycling trial was also used in the second cycling trial. There were no significant differences between the 73° and 80° STAs during the cycling trials. The pace during the 2nd km of the running trial was significantly lower at 73° (3.92+0.45m/s) compared with 80º (3.99+0.44m/s); however, there was no significant difference (P = 0.065) between the STAs in terms of total mean pace (4.07+0.46m/s at 73º and 4.18+0.47m/s at 80º). The stride rate (88.2+0.12 stride/min) and total mean (87.6+0.12 stride/min) during the 3rd km of the running trial were significantly lower at 73° compared with 80º (91.2+0.12 stride/min and 90.0+0.08 stride/min, respectively). Therefore, the changes in the STAs did not affect significantly the physiological and biomechanical variables during cycling neither subsequent 3-km running performance. However, the differences found in the stride rate, running pace, and tendency of better running performance (P = 0.065) suggest a small but significant effect on the running trial performed after cycling using higher STA. These aspects may have a relevant influence on the final race classification.

Key words: Athletic performance; Bicycling; Energy metabolism; Human Engineering; Running.

INTRODUÇÃO

O triatlo é uma modalidade de longa duração, no qual o atleta compete de modo sequencial na natação, ciclismo e corrida. Um importante aspecto no triatlo seria o efeito que uma modalidade exerce sobre a outra e consequentemente, no desempenho final de uma competição. Há um empirismo por parte dos praticantes da modalidade, de que mudanças na geometria da bicicleta podem melhorar o desempenho na corrida. Uma alteração comum na geometria da bicicleta é a utilização de um suporte de selim ou até mesmo de bicicletas que permitem pedalar com um ângulo do tubo do selim (ATS) mais acentuado (~80º). O ATS de uma bicicleta é definido na intersecção do tubo do selim com uma linha paralela ao solo. Um maior ATS permite mais conforto e eficiência em posição aerodinâmica com antebraços repousados sobre o guidom aerodinâmico1,2. Este aspecto poderia resultar numa transição mais eficiente para a etapa de corrida e consequentemente, melhora do rendimento. No entanto, há poucas evidências científicas que sustentem essa premissa.

Estudos anteriores encontraram diferenças significativas no gasto energético em diferentes ATS, com as maiores angulações (>80°), sendo mais eficientes (i.e. menor VO2) comparadas às menores angulações (<70°)1,2. Porém, nestes estudos os indivíduos não utilizaram guidões aerodinâmicos (aero-bar), comumente usados em provas de triatlo. Demonstrando a influência da posição aerodinâmica, Gnehm et al.3 estimaram uma economia de até 100W em ciclistas profissionais, utilizando guidões aerodinâmicos (posição aerodinâmica) comparado à posição tradicional (postura mais ereta e menor ATS). Por outro lado, ao pedalar em uma posição aerodinâmica, os ciclistas demonstram um maior gasto energético quando a resistência do ar não foi levada em consideração3,4. Esse aumento no gasto energético parece ser dependente da especificidade do treinamento4, 5, uma vez que os triatletas, os quais treinam periodicamente em posições aerodinâmicas, não demonstraram diferenças no gasto energético quando foram comparados nas diferentes posições.

Especificamente em relação ao triatlo, poucos trabalhos têm investigado os possíveis efeitos da alteração no ATS sobre o rendimento na corrida subsequentemente. Garside e Doran6 avaliaram o efeito de dois diferentes ATS (73° e 81°) sobre o desempenho de 10 km de corrida e encontraram uma melhora significativa no desempenho da corrida pedalando na angulação de 81° ATS. Além disso, os autores observaram que a melhora no desempenho de corrida ocorreu durante a primeira metade dos 10 km de corrida. Entretanto, neste estudo os sujeitos pedalaram em uma intensidade pré-determinada (70%VO2max), o que difere da estratégia de ritmo e intensidade adotada durante uma competição de Triatlo. Além disso, as modificações no ATS e altura do guidão provavelmente modificaram os ângulos do tronco, quadril e joelho. Tentando isolar esses aspectos, Jackson et al.7 após modificarem o ATS (73° e 81°) mantendo constante os ângulos do tronco, quadril e joelho, não encontraram alterações fisiológicas significantes tanto durante o ciclismo (ATS 73° vs. 81°) quanto durante a corrida subsequente. Apesar deste último estudo ter utilizado ritmos autosselecionados durante o ciclismo, a velocidade de corrida foi fixa entre os dois testes, o que não permitiu observar o efeito da alteração do ATS sobre o desempenho de corrida.

Assim, ainda permanecem lacunas sobre os possíveis efeitos das diferentes geometrias da bicicleta no rendimento do Triatlo devido à grande variedade de protocolos adotados. A maior parte dos estudos encontrados na literatura, envolvendo a avaliação da técnica de pedalada, utiliza cargas fixas e iguais para todos os sujeitos6,8. Entretanto, estas cargas podem sub ou superestimar a intensidade autosselecionada pelos avaliados durante uma competição. Além disso, quando o objetivo é avaliar modificações no desempenho seria interessante tentar aproximar o máximo possível de uma condição real de competição. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi analisar os efeitos do ATS da bicicleta sobre variáveis fisiológicas durante o ciclismo e no desempenho de corrida subsequente em triatletas, adotando uma intensidade autosselecionada em ambos, ciclismo e corrida, tornando a condição mais próxima a de uma competição de triatlo. A nossa hipótese é que tornando as condições mais próximas à competição, o menor gasto energético associado ao maior ATS1,2 (80º) poderá promover uma melhora no desempenho da corrida no triatlo.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Amostra

Participaram do estudo 6 triatletas do sexo masculino (24,16 + 7,8 anos;176 ± 4,8 cm; 71,3 + 7,6 kg), com experiência mínima de 3 anos em competições estaduais e nacionais e que não faziam uso regular de qualquer tipo de medicamento. Todos foram informados textual e verbalmente sobre os objetivos e os métodos desse estudo, e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Os procedimentos desse estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade na qual o estudo foi realizado (Protocolo 166/2009).

Os sujeitos foram orientados a se apresentarem para os testes descansados, alimentados, hidratados e a não realizarem esforços intensos nas 48 horas antecedentes aos mesmos. Os testes foram realizados no mesmo local e horário do dia.

Protocolo de teste

Foram realizadas duas sessões experimentais, em ordem aleatória, com intervalos de 72 hs. Os testes consistiam em 20 km de ciclismo, a 73° ou 80° ATS, seguidos por 3 km de corrida máxima. Os ATS foram ajustados para 73° ou 80°, utilizando diferentes canotes, um reto que posicionava o selim a 73° e outro com uma inclinação que proporcionava o ângulo de 80°. Em função das diferentes geometrias entre os quadros, ajustes foram realizados, movimentando o selim para frente ou para trás sobre seu trilho para que fosse atingido o ângulo predeterminado (73° ou 80°). O Ângulo foi mensurado através de um goniômetro, considerando como referência o ponto no qual a reta entre o trocanter do ciclista e o eixo do movimento central da bicicleta perfazia o ângulo predeterminado com uma reta paralela ao solo.

Os atletas realizaram os 20 km na própria bicicleta acoplada a um ciclossimulador (Computrainer Pro, Racer Mate, Seattle, USA) utilizando um software específico (Computrainer Coaching Software, Racer Mate, Seattle, USA). Os 3 km correndo foram realizados em uma pista de 200 metros de atletismo sintética ao ar livre. Todos os triatletas realizaram ambos os testes individualmente, sendo também instruídos a completar o teste (20 km pedalando e 3 km correndo) o mais rápido possível. Durante os primeiros 3 km do ciclismo, os triatletas autosselecionaram uma velocidade e cadência que foi mantida durante os 17 km restantes. No outro dia de teste, o ciclismo foi realizado com a mesma velocidade e cadência de pedaladas determinadas no teste anterior. A frequência cardíaca foi mensurada continuamente durante todos os testes (Polar S610i, Polar, Kempele, Finlândia). Em ambos os testes, foram coletadas amostras de sangue do lóbulo da orelha no repouso, no 5º, 10º, 15º e 19º km do ciclismo, e ao final da corrida.

Através do Computrainer Coaching Software, foram registradas as seguintes informações: Velocidade (km/h); Potência (W) e Cadência (rpm), a cada 1,5 s e, posteriormente reduzidas a valores médios do último quilometro para o 5º, 10º, 15º e 19º km.

Determinação do lactato sanguíneo

Para a determinação do lactato sanguíneo, foram coletados do lóbulo da orelha, sem hiperemia, 25 µl de sangue em capilar heparinizado, sendo, a seguir, imediatamente transferido para microtubos de polietileno com tampa - tipo Eppendorff - de 1,5 ml, contendo 50 µl de solução de NaF 1% e armazenado em gelo. A análise do lactato foi realizada através de analisador eletroquímico modelo YSI 1500 (Yelow Spring Instruments, USA).

Análise da cinemática da corrida

A frequência de passada (FP), comprimento de passadas (CP) foram determinados em todos os testes de corrida a partir de vídeos registrados em uma filmadora (Sanyo VPC-CA65), em um trecho reto de 20m previamente marcado com cones. A FP foi calculada utilizando o tempo necessário para se realizar cinco ciclos completos de passadas, e expressa em frequência de passadas por minuto. O CP foi calculado dividindo a velocidade média do trecho de 20 m pela FP.

Análise Estatística

Foram calculados as médias e desvios padrões dos dados obtidos. A normalidade dos dados foi verificada através do teste de Shapiro-Wilk. As comparações entre os ângulos foram realizadas pelo Test-t Student para dados pareados. Em todos os testes foi adotado um nível de significância de p ≤ 0,05.

RESULTADOS

A tabela 1 apresenta valores médios e desvio padrão das variáveis biomecânicas e fisiológicas durante o ciclismo com ATS de 73º e 80º. Não foram observadas diferenças significantes entre os diferentes ângulos do selim para todas as variáveis analisadas no presente estudo. Na figura 1, é demonstrado o comportamento do lactato sanguíneo durante o ciclismo com ATS de 73º e 80º. Não houve diferenças na concentração de lactato ao longo do teste, para cada uma das condições estudadas, como também entre as condições.


Na tabela 2, foram apresentadas as variáveis biomecânicas determinados durante a corrida realizada após o ciclismo com ATS de 73º e 80º. Observou-se que a velocidade média foi maior no 2º km do teste com ângulo de 80º, comparado a 73º. Não foram observadas diferenças nas outras velocidades (1º e 3º km, e velocidade média total) entre os ângulos de 73º e 80º. A frequência de passadas aumentou significativamente no 3º km e no total da corrida do teste com ângulo de 80º comparado a 73º. Não foram observadas diferenças no CP em todas as condições analisadas. Os valores de pico da FC (185,8 + 5,3 e 184,3 + 7,9 bpm) e [La] (10,7 + 1,5 e 10,1 + 2,4mMol/L) durante a corrida não foram diferentes entre 73º e 80º, respectivamente.

DISCUSSÃO

O presente estudo apresenta relevância na escolha do equipamento mais adequado para triatletas. A proposta inicial das avaliações, de um ritmo auto-selecionado no ciclismo e corrida máxima proporcionou maior similaridade ao teste comparado com a dinâmica de uma prova de triatlo. Tal aspecto diferencia-se dos estudos anteriores que usaram cargas pré determinadas. Mesmo utilizando situações mais próximas à competição, nossa hipótese inicial foi parcialmente confirmada, uma vez que o aumento do ATS causou modificações na técnica (FP) e no ritmo (maior velocidade no segundo quilometro) da corrida, com uma tendência de melhora no desempenho total da corrida.

No presente estudo, não foram observadas diferenças fisiológicas significantes durante o ciclismo entre os ATS de 73º e 80º. Estes achados corroboram os resultados encontrados por outros estudos6,7. Com relação às respostas fisiológicas, a estabilidade observada nas concentrações de lactato sanguíneo ao longo dos 20km de ciclismo (aumentos menores que 1 mM entre o 5º e 19ºkm, Figura 1), indicam que os atletas pedalaram dentro do domínio pesado de exercício. O domínio pesado compreende exercícios realizados a partir da menor intensidade de esforço no qual o lactato se eleva em relação aos valores da linha de base (i.e. Limiar de Lactato) e tem como limite superior a intensidade correspondente à máxima fase estável de lactato ou a Potência crítica9. Estas respostas corroboram os dados de Denadai e Balikian10 os quais demonstraram que durante os 20km de ciclismo em uma competição de triatlo os indivíduos pedalaram na intensidade abaixo do Limiar Anaeróbio. Portanto, o nosso objetivo de simular uma intensidade próxima de uma competição parece ter sido alcançada. Um fator limitante deste estudo foi a ausência de medidas diretas do VO2, que poderia de modo mais preciso indicar possíveis modificações no gasto energético durante o ciclismo entre os diferentes ATS. No entanto, estudos anteriores que objetivaram observar o efeito de modificações no ATS sobre a corrida subsequente não encontraram alterações no VO2 durante o ciclismo nas diferentes condições6,7.

Tem sido demonstrada uma melhora no desempenho da corrida no triatlo quando a carga do ciclismo foi reduzida através da diminuição da resistência do ar (pedalando atrás de outro ciclista)11 com o uso dos guidões aerodinâmicos12, modificações na cadência de pedalada13, intensidade mantida constante ao longo do teste14 ou com o ATS acentuado (81°)6. Neste último estudo, foi verificada uma possível estratégia de corrida progressiva após pedalar com o ATS de 73º, sugerindo que embora essa estratégia possa levar a um pior desempenho inicial, este poderia ser compensado permitindo que o atleta corra os próximos quilômetros em um ritmo mais rápido, possibilitando uma melhora do desempenho final de prova15. Entretanto, os sujeitos iniciaram os primeiros 5km de corrida com uma maior velocidade após pedalar com o ATS de 80º, comparado ao ATS de 73º, levando a uma melhora no desempenho dos 10km com o ATS mais elevado6. Assim, a vantagem de um ângulo mais elevado seria permitir aos triatletas iniciar a etapa de corrida mais rapidamente, alcançando, assim, uma média de velocidade superior a comparada a uma menor angulação6. Na tentativa de corrigir uma possível limitação do estudo de Garside e Doram6, que foi a utilização da mesma intensidade relativa para todos os sujeitos durante o ciclismo, Jackson et al.7 elaboraram um teste combinado de ciclismo e corrida com ritmo autosselecionado em ambas as modalidades (próximo ao de competição), e não encontraram mudança fisiológica significativa durante a corrida. Apesar da adoção de um ritmo autosselecionado, o desenho experimental utilizado não permitiu aos autores observar efeitos da alteração do ATS sobre o rendimento de corrida, uma vez que a velocidade autosselecionada foi fixada nos dois testes de corrida7.

Em nosso estudo, foi adotado uma intensidade autosselecionada no ciclismo e máximo na corrida, a fim de investigar alterações significativas no desempenho da corrida em triatletas. A maior velocidade observada no segundo quilômetro da corrida, após pedalar com o ATS de 80º, comparado ao de 73º, sugere uma menor diminuição do ritmo para esse estágio da avaliação, o qual é caracterizado por uma queda na velocidade, comparada aos estágios iniciais (1º km) de corrida em ambas as condições. Além disso, corroborando, em parte, os achados de Garside e Doran6, nós observamos uma tendência (p=0,065) de melhora no desempenho de corrida após pedalar com um ATS de 80º. O uso da geometria com 80º ATS poderia reduzir os efeitos deletérios do ciclismo sobre a corrida, minimizando alterações no recrutamento muscular, quando comparados com os padrões durante o ciclismo com um ATS de 73º6. Reforçando esta possível explicação, Ricard et al.16 demonstraram uma diminuição significativa na atividade do músculo bíceps femoral quando o ciclismo foi realizado em um ATS de 82º, comparado ao de 72º. Além disso, Heiden e Burnett17 sugeriram que uma redução na ativação do bíceps femoral poderia melhorar a corrida durante o Triatlo. Um aspecto que poderia ajudar a explicar a ausência de diferença estatística significante no tempo total de corrida, para o presente estudo, comparado ao estudo de Garside e Doram6, seria a distância total do teste de corrida, 3km e 10 km, respectivamente, a qual acarreta diferenças, principalmente, no ritmo adotado, participação dos sistemas energéticos e padrão de recrutamento muscular18. Além disso, o baixo número de sujeitos também contribuiu para um menor poder estatístico, o que poderia ter levado a um erro do tipo II.

Mudanças significativas na frequência de passadas foram observadas no teste de corrida com ATS de 80º, quando comparado ao de 73º, sem diferenças no comprimento da passada. Esse tipo de alteração nos padrões técnicos (aumento da frequência de passadas) são comumente observados como estratégia para aumento da velocidade, conforme demonstrado por Garside e Doram6 nos primeiros 5 km. Por outro lado, alguns estudos que avaliaram o efeito da fadiga sobre a técnica de corrida observaram uma diminuição no comprimento de passadas, e um aumento na frequência de passadas como uma tentativa de manter a mesma velocidade de deslocamento19,20. Como ambas as condições de corrida analisadas no presente estudo foram precedidas pelo ciclismo e não foram observadas alterações no comprimento de passada, o aumento na frequência de passadas observado após pedalar com o ATS de 80º parece representar uma tentativa de aumento na velocidade (apesar da ausência de significância estatística), sugerindo que a utilização de uma bicicleta com um ATS mais inclinado poderia reduzir os efeitos deletérios do ciclismo sobre a corrida.

Ao avaliar os resultados do nosso estudo, é importante abordar algumas das suas limitações. Provavelmente, o fator mais importante a se considerar é que, sob condições de competição, os atletas experimentam uma grande variedade de topografias e condições ambientais. Estes podem afetar as respostas às mudanças no ATS e infelizmente, são condições difíceis de serem reproduzidas em laboratório. Outra limitação foi a utilização de uma amostra relativamente pequena de triatletas amadores, o que pode ter afetado o poder estatístico e a transferência dos nossos resultados para atletas de diferentes níveis. Além disso, os dados fisiológicos obtidos em situações controladas de laboratório não podem representar com precisão o que ocorreria durante uma competição de triatlo, e especificamente, no modelo experimental utilizado neste estudo não foi realizada a etapa de natação que poderia, também, interferir nos resultados18. As possíveis alterações na aerodinâmica gerada pela alteração do ATS causariam modificações no custo metabólico, possíveis de serem observadas durante o ciclismo de campo, foram anuladas durante o ciclismo estacionário em laboratório. Portanto, esse possível efeito não pode ser observado no presente estudo.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados obtidos, podemos concluir que a alteração do ATS não afetou as variáveis fisiológicas durante o ciclismo, mas apresentou uma tendência de melhora no rendimento da corrida subsequente ao ciclismo realizado com um maior ATS, pelo menos no grupo de sujeitos estudados. Além disso, as modificações na técnica e no ritmo da corrida indicam um pequeno, mas significativo efeito do ATS de 80º, sugerindo que a utilização de uma bicicleta com um ATS mais inclinado poderia reduzir os efeitos deletérios do ciclismo sobre a corrida, aspectos que podem ser relevantes para o rendimento final em uma competição. Por conseguinte, ao analisar a escolha do ATS, triatletas deverão enfatizar a melhor combinação de aerodinâmica, geração de força, conforto e manuseio, mantendo ângulos similares ao que eles estão habituados nos treinamentos. Outros fatores, tais como topografia do percurso, condições climáticas, antropometria do triatleta, tipo de triatlo (com permissão ou não para pedalar logo atrás de outro atleta), e da duração do evento também podem desempenhar um papel na escolha do ATS.

Recebido em 14/02/11

Revisado em 19/04/11

Aprovado em 15/06/11

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  • Endereço para correspondência:
    Fabrizio Caputo
    Laboratório de Pesquisas em Desempenho Humano
    Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, UDESC.
    Rua Pascoal Simone, 358, Coqueiros
    88080-350 - Florianópolis, SC.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      15 Jun 2011
    • Revisado
      19 Abr 2011
    • Recebido
      14 Fev 2011
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