Acessibilidade / Reportar erro

Incidência e características das lesões em praticantes de kitesurf

Incidence and characteristics of kitesurfer injuries

Resumos

O kitesurf é uma modalidade esportiva recente, mistura surf, windsurf e wakeboard, sua principal característica é a relação com a intensidade e a direção do vento, possuindo elevado índice de lesões. Desta forma, a pesquisa teve como objetivo verificar o tipo, região corporal e agente etiológico das lesões ocorridas em praticantes de kitesurf, nas cidades de Pelotas e Rio Grande, RS. Uma amostra de 50 praticantes, com média de idade, estatura, massa corporal e tempo de prática no esporte, respectivamente, de 30,7 ± 7,9 (anos), 175,9 ± 6,6 (cm), 79,4 ± 11,5 (kg), 4,2 ± 2,7 (anos), foi utilizada. O instrumento para coleta de dados foi um questionário, com perguntas abertas e fechadas. Foram encontradas 73 lesões entre todos os participantes do estudo e a maior parte deles apresentou mais de um tipo de lesão. A entorse foi o tipo de lesão mais frequente, 35,6%, o local mais acometido foram os membros inferiores, 50,7% e o agente etiológico que ocasionou a maioria das lesões foi a manobra, 57,5%. Destaca-se a necessidade de trabalho proprioceptivo, aumentando o poder de recrutamento muscular em situações extremas; de trabalho de flexibilidade, principalmente, de tronco e membros inferiores, locais mais acometidos pelas lesões e de trabalho corporal global, para aumento de resistência muscular.

Lesão; Prevenção; Exercício físico


Kitesurfing is a new sport and consists of a combination of surf, windsurf and wakeboard. Its main characteristics are the relationship with wind speed and direction and the high rate of injuries. The aim of this study was to determine the type, body region, and etiological agent of injuries in kitesurfers from the towns of Pelotas and Rio Grande, RS. A sample of 50 kitesurfers (mean age: 30.7 ± 7.9 years, height: 175.9 ± 6.6 cm, body weight: 79.4 ± 11.5 kg, and practice time: 4.2 ± 2.7 years) was studied. A questionnaire with open and closed questions was used for data collection. Seventy-three injuries were identified in all participants and most of them had more than one type of injury. Sprain was the most frequent type of injury (35.6%) and the lower limbs were the most affected (50.7%). The maneuver was the etiological agent that caused most injuries (57.5%). This study suggests proprioceptive exercise to increase the power of muscle recruitment in extreme situations; stretch training especially of the trunk and lower limbs, the sites most affected by injuries, and global workout to increase muscle endurance.

Injury; Prevention; Physical exercise


ARTIGO ORIGINAL

DOI: 10.5007/1980-0037.2011v13n3p195

Incidência e características das lesões em praticantes de kitesurf

Joscelito de Oliveira BerneiraI; Marlos Rodrigues DominguesI; Marina Arejano de MedeirosIII; César Augusto Otero VaghettiII

IUniversidade Federal de Pelotas. Escola Superior de Educação Física. Pelotas, RS. Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande. Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências. Rio Grande, RS. Brasil

IIIFisioVida. Clínica de Fisioterapia. Rio Grande, RS. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Joscelito de Oliveira Berneira Rua Dr. Romano, 401. Bairro Três Vendas CEP: 96065-650. Pelotas, RS. Brasil E-mail: joberneira@gmail.com

RESUMO

O kitesurf é uma modalidade esportiva recente, mistura surf, windsurf e wakeboard, sua principal característica é a relação com a intensidade e a direção do vento, possuindo elevado índice de lesões. Desta forma, a pesquisa teve como objetivo verificar o tipo, região corporal e agente etiológico das lesões ocorridas em praticantes de kitesurf, nas cidades de Pelotas e Rio Grande, RS. Uma amostra de 50 praticantes, com média de idade, estatura, massa corporal e tempo de prática no esporte, respectivamente, de 30,7 ± 7,9 (anos), 175,9 ± 6,6 (cm), 79,4 ± 11,5 (kg), 4,2 ± 2,7 (anos), foi utilizada. O instrumento para coleta de dados foi um questionário, com perguntas abertas e fechadas. Foram encontradas 73 lesões entre todos os participantes do estudo e a maior parte deles apresentou mais de um tipo de lesão. A entorse foi o tipo de lesão mais frequente, 35,6%, o local mais acometido foram os membros inferiores, 50,7% e o agente etiológico que ocasionou a maioria das lesões foi a manobra, 57,5%. Destaca-se a necessidade de trabalho proprioceptivo, aumentando o poder de recrutamento muscular em situações extremas; de trabalho de flexibilidade, principalmente, de tronco e membros inferiores, locais mais acometidos pelas lesões e de trabalho corporal global, para aumento de resistência muscular.

Palavras-chave: Lesão; Prevenção; Exercício físico.

INTRODUÇÃO

O kitesurf é uma modalidade esportiva recente, cuja prática depende das condições climáticas e ambientais. O esporte, que mistura surf, windsurf e wakeboard, tem evoluído muito e atraído cada vez mais adeptos ao redor do mundo1. No Brasil, a quantidade de praticantes tem crescido principalmente no verão, quando as intensidades dos ventos e o calor favorecem a sua prática. O Rio Grande do Sul destaca-se em relação às condições ideais para a prática do kitesurf: ventos fortes e constantes, em função da formação de planície litorânea bastante extensa localizada ao sul do estado, com pouca influência de barreiras naturais.

O esporte possui categorias distintas: o freestyle, em que o kitesurfista realiza diversos movimentos, manobras (similares às do wakeboard), saltos e giros, com o uso de uma prancha bidirecional; e o kitewave, no qual o praticante executa manobras nas ondas, bastante semelhante ao próprio surf. Outras categorias do kitesurf incluem o próprio ato de velejar e muitas competições são realizadas na forma de regatas. Os principais equipamentos utilizados para a prática, além das pranchas, são o trapézio (espécie de cinturão, colocado entre a região lombar e o quadril, conectando o kite ao praticante) e o kite. As diferenças entre as pranchas nas categorias são as alças para o posicionamento dos pés, o peso e o shape (formato). No estilo livre, a prancha utilizada possui material e dimensões iguais aos de uma prancha de wakeboard; as alças são largas, permitindo um rápido e fácil encaixe dos pés. Já as alças da prancha de wakeboard são botas apertadas, dificílimas de serem calçadas. No kitewave, o formato das pranchas é similar ao das de surf; entretanto, são mais fortes e consequentemente, mais pesadas, para suportar a velocidade e o impacto na água. Utilizam também alças de fácil posicionamento dos pés. O deslocamento no ambiente aquático é realizado por um kite (vela) semelhante a um paraglider, funcionando como uma vela, como no caso do windsurf, o qual é preso no trapézio.

A principal característica dessa modalidade é a estreita relação com a intensidade e a direção do vento. A propulsão no kite é realizada com base na teoria de Bernoulli2, a mesma teoria de sustentação das aeronaves, segundo a qual, a velocidade do vento é inversamente proporcional à pressão. Assim, o formato dos kites proporciona pressão negativa em cima dele e positiva embaixo, gerando uma força de sustentação perpendicular à direção do vento. O controle dessa variável é extremamente importante, pois ventos muito fortes dificultam o domínio do equipamento, ao passo que ventos fracos impedem a redecolagem do kite na água, podendo ocasionar hipotermia3, afogamento e perda do material.

Acredita-se que algumas particularidades desse esporte estejam relacionadas a um elevado índice de lesões, tanto em praticantes recreativos quanto em atletas, como, por exemplo, as longas caminhadas com o kite no ar, as quais, segundo relatos, geram grandes impactos na região do calcâneo, podendo ocasionar inflamação do tecido conjuntivo, ou esporão de calcâneo, devido ao trauma repetitivo e aos arrastões, em que o kitesurfista perde o controle do kite, sendo arrastado na água ou em terra. Durante a prática, conforme Nickel et al.4, o kitesurfista pode desenvolver velocidades de 48 a 64 Km/h e, conforme Spanjesberg e Schipper5, alturas acima de 15 m, fatores que podem estar diretamente relacionados ao índice de lesões. Outro aspecto interessante é que as lesões mencionadas podem ser causadas pelo baixo nível de aptidão física, necessária à prática do esporte, uma vez que as capacidades físicas de resistência e força não são determinantes para o deslocamento do velejador, mas sim a habilidade motora para o controle do kite.

A escassez de estudos e a crescente popularidade da modalidade, segundo Spanjesberg e Schipper5, caracterizada como esporte de alto risco, sugerem um aumento nas investigações sobre o esporte. Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar a incidência, as circunstâncias e as características das lesões mais frequentes; as regiões do corpo mais afetadas e a causa da lesão de praticantes de kitesurf das cidades de Pelotas e Rio Grande, RS.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Após a aprovação no Comitê de Ética da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, sob protocolo n° 070/2009, participaram da pesquisa 50 (47 do sexo masculino e 3 do sexo feminino) praticantes, com média de idade 30,7 ± 7,9 (anos), estatura 175,9 ± 6,6 (cm), massa corporal 79,4 ± 11,5 (kg) e tempo de prática 4,2 ± 2,7 (anos). Por praticantes entenda-se todos os indivíduos que praticam o esporte por recreação e também aqueles que participaram de competições. Devido ao fato de o esporte ser recente e de existirem poucas competições ao longo do ano no sul do Brasil, os praticantes não possuem uma rotina de treino mínima que permita classificá-los como atletas amadores.

Foi utilizado como instrumento de pesquisa um questionário específico, desenvolvido após aplicações e comentários de um grupo de 10 kitesurfistas experientes sobre versões preliminares; procedimentos similares aos descritos por Dyson et al.6. Após análise do material e seus respectivos ajustes, construiu-se o modelo de questionário final utilizado no trabalho, constituído por 42 perguntas abertas e fechadas, contendo questões sobre as características individuais: idade, massa, estatura e tempo de prática na modalidade; características das lesões: ocorrência de lesões, região do corpo acometida, tipo de lesão, mecanismos causadores; condições ambientais no dia da lesão: intensidade do vento, ondulação e/ou marolas e temperatura ambiente e aptidão física subjetiva: nível de aptidão física e aptidão física exigida para a prática.

A coleta dos dados foi realizada entre agosto e setembro de 2009, nas praias do Cassino (praia oceânica - Rio Grande/RS) e Laranjal (praia de lagoa - Pelotas/RS). Os sujeitos da amostra foram selecionados por conveniência, já que os pesquisadores realizaram as entrevistas nos locais mencionados em virtude das boas condições ambientais para a prática do kitesurf, com ventos acima de 14 (nós). O único critério de inclusão do sujeito na pesquisa foi praticar o kitesurf há pelo menos um ano. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados através de convite verbal dos pesquisadores, que também aplicaram os questionários. Foi considerada lesão todo o impedimento imediato à continuidade da prática do esporte, no mesmo dia ou nos dias subsequentes ao ocorrido, relatado pelos sujeitos entrevistados.

A partir das respostas obtidas, estruturou-se o banco de dados no pacote estatístico Excel®for Windows®. Foi utilizada estatística descritiva para análise e apresentação dos resultados, feita através da verificação de valores de média, desvio-padrão, coeficiente de variância, frequência simples e percentagem.

RESULTADOS

As características da amostra podem ser observadas na Tabela 1.

A seguir, a representação da avaliação subjetiva dos sujeitos da pesquisa em relação ao seu nível de condicionamento físico e aptidão física exigida para a prática.

Observou-se que 80% dos entrevistados acreditam que o nível individual de condicionamento físico é adequado para a prática; apenas 20% acreditam que não apresentam um nível de condicionamento físico adequado. Já ao fato de a modalidade exigir uma excelente aptidão física: 60% responderam que não é preciso e 40% acreditam ser necessário.

Em relação à frequência das lesões, os resultados indicam que 64% da amostra apresentaram lesões. A análise do total de acometidos entre os participantes da pesquisa mostrou a ocorrência de 73 lesões. Entre os lesionados, 46% apresentaram múltiplas lesões. A frequência e o tipo de lesão por região de ocorrência no corpo podem ser observadas na Tabela 2.

Analisando a Tabela 2, percebe-se que os tipos de lesões mais citados foram a entorse, 35,6%; contusão, 21,9%; e distensão, 16,4%. Quanto ao segmento corporal, de acordo com a pesquisa realizada, 50,7% das lesões ocorreram nos membros inferiores; 28,8%, nos membros superiores; e 20,5%, distribuídas entre a cabeça e o tronco.

A observação das lesões dos membros inferiores apresentou maior prevalência na região do joelho, seguida pelos tornozelos e pés, coxas e pernas. Entre as lesões dos membros superiores, as maiores prevalências foram nos ombros, mãos e dedos, seguidos pelos braços. Em relação às lesões distribuídas entre a cabeça e o tronco, as costelas e as costas foram as regiões mais lesadas, seguidas da cabeça, olhos, esterno e ouvidos.

Os agentes etiológicos causadores das lesões podem ser observados no gráfico da Figura 2.


Observando a Figura 2, pode-se perceber que o mecanismo causador da maioria das lesões foi a realização de manobras, com uma ocorrência de 57,5%, seguido dos equipamentos, 15,1% e da manobra e equipamento, 13,7%.

Na Tabela 3, podem ser vistas as condições climáticas e ambientais nos dias em que ocorreram as lesões.

DISCUSSÃO

Os principais resultados encontrados nesta pesquisa indicam que 64% da amostra relataram algum tipo de lesão, sendo que 35,6% delas foram do tipo entorse e as manobras foram responsáveis pelo maior índice de acidentes, com a alta ocorrência de 57,5%. Outros dados interessantes encontrados foram as características ambientais nos dias em que tais lesões ocorreram, citadas pelos sujeitos da pesquisa: mais da metade dos acidentes ocorreram com fortes ventos - entre 17-25 nós -, com ondulação e/ou formação de marolas inferior a 0,5 metros e clima quente.

Confrontados os resultados com o tempo médio de prática na modalidade, 4,2 anos, percebe-se que existe um grande índice de lesões em um curto intervalo de tempo. Os dados obtidos estão muito próximos aos descritos por Cruz7, ao relatar, em pesquisa realizada com 36 kitesurfistas da Paraíba, que 72 % da amostra apresentaram algum tipo de lesão. Esse alto índice pode ser explicado em função de a habilidade motora para a prática do kitesurf exigir baixo nível das capacidades físicas, resistência aeróbia, anaeróbia e força muscular. Portanto, com pouco tempo de prática, em aulas de iniciação, o praticante já está apto a velejar, independentemente da sua condição física. No caso do estudo de Nickel et al.4, 235 kitesurfistas foram acompanhados durante 6 meses, sendo encontradas 124 lesões e uma incidência de aproximadamente 7.0 lesões por cada 1000 horas de prática. Os mesmos autores relataram que a taxa era inferior a de outros esportes, mas não diretamente comparável, pois a maioria dos participantes do estudo praticava a modalidade em nível não competitivo.

O presente estudo apontou que 46% dos sujeitos pesquisados apresentaram mais de uma lesão, multiplicidade comum a atletas que desenvolvem sua modalidade em contato direto com possíveis causadores de lesões externos. Exemplo disso são os esportes de contato, como o futebol9, ou esportes radicais que sofrem influências das condições do ambiente4.

A entorse foi a lesão mais prevalente: 35,6%, com maior percentual nos membros inferiores: 59,5%. Observando que o principal causador da lesão foi a manobra, é possível sugerir que esse tipo de situação envolve o movimento de pivô no joelho, rotação do fêmur em relação à tíbia fixa, podendo ocasionar ruptura ou estiramento dos ligamentos, cápsula articular e cisalhamento do menisco. No estudo com surfistas profissionais brasileiros11, a entorse apresentou prevalência de 25,9%, tendo a manobra como principal causador da lesão e os membros inferiores como o local mais atingido, resultado semelhante ao do presente estudo. O surf foi a base da modalidade kitewave, na qual o uso do kite é justamente a principal diferença entre esta e aquele. Durante as manobras nas ondas, os movimentos são parecidos com os realizados no surf. Essas manobras são adaptadas e criam novos conceitos e nomes, mas a mecânica é muito similar.

Já com relação a lesões no tornozelo e pé, o mais comum é a supinação excessiva, ou seja, inversão e flexão plantar extremas, que podem gerar rupturas em diferentes graus dos ligamentos, além de luxações e, muitas vezes, até fraturas.17

As lesões desportivas nos membros inferiores apresentam frequência maior em vários esportes, inclusive em atividades físicas como a musculação e a corrida. Um dos motivos levantados por pesquisadores é o desequilíbrio muscular entre agonistas e antagonistas e o baixo nível de flexibilidade dos isquiostibiais18,19,25. O resultado é a instabilidade articular, muitas vezes acompanhada de dor crônica, edema recorrente e perda de mobilidade. Alguns autores relatam índices entre 40-72% de instabilidade articular após a entorse, levando em consideração ambos os tratamentos: cirúrgico e conservador20. A instabilidade patelar pode ser gerada por um desequilíbrio durante o recrutamento neuromuscular entre as porções do quadríceps, vasto lateral, vasto medial e reto femural, em diferentes padrões de agachamento no esporte21, principalmente nos assimétricos.

Além de uma análise criteriosa sobre as capacidades físicas utilizadas nas diferentes modalidades esportivas, verificando a necessidade de aumento da amplitude de movimento ou força muscular, também é necessário um trabalho proprioceptivo. A propriocepção é o trabalho eficiente do sistema neuromuscular entre agonistas, antagonistas e sinergistas, envolvendo coordenação intra e intermuscular dos músculos em questão; portanto, durante os movimentos desportivos, é o principal mecanismo de defesa em uma situação de estresse articular9.

Entre os praticantes entrevistados pelo presente estudo, a contusão, com 21,9%, obteve o segundo maior percentual dos agravos referidos; os membros inferiores e a cabeça e o tronco representaram as regiões de maior ocorrência.

A contusão, segundo Vieira24, é uma lesão por trauma direto com amassamento dos tecidos moles. Considerando que manobras e equipamentos são os maiores causadores das lesões (Figura 2), pode-se, assim, explicar o fato de a contusão apresentar alto índice, pois durante a aterrissagem de manobras, podem ocorrer quedas na água e, juntamente com os equipamentos, proporcionar traumas diretos em todas as partes do corpo. No estudo de Nickel et al.4, a contusão foi a maior responsável pelas lesões, devido ao forte impacto contra obstáculos (molhes, barcos, pedras); em um desses casos, ocorreu um acidente fatal. O presente estudo não apresentou tais ocorrências, muito provavelmente devido às características geológicas das praias.

A distensão muscular foi descrita em 16,4% das lesões, número bastante significativo, principalmente, quando cruzamos os dados e percebemos que, nesse caso, aparece uma ligação mais estreita com os membros superiores. Segundo Vercruyssen et al.8, praticantes de kitesurf realizam contínuos esforços isométricos dos membros superiores, devido à flexão de cotovelo de aproximadamente 90° e elevada posição dos antebraços para guiar a barra de comando que controla o kite. Assim, os ombros, local anatômico com maiores acometidos nos membros superiores, são sobrecarregados, caracterizando uma possível causa para distensão. As altas taxas de lesões ocasionadas pelas manobras podem estar relacionadas também ao elevado índice de distensão dos membros superiores porque o kitesurfista realiza vários movimentos de forma rápida e abrupta, muitas vezes sem apresentar aptidão física e técnica apropriadas para a execução das manobras. Alguns movimentos e posturas realizados pelos kitesurfistas podem ser, então, bastante agressivos às estruturas articulares e musculares. Segundo Santos, Duarte e Galli18, quanto melhor for o nível técnico, é esperado que o indivíduo faça o melhor uso de sua energia e que melhor seja a antecipação e, utilizando de forma racional a diversidade de movimentos, consequentemente o risco de lesões tende a ser menor. Entretanto, no esporte, nem sempre a melhor técnica evita movimentos lesivos, como é o caso da natação, no qual para realizar uma braçada com ótima performance, a articulação do ombro é exposta a uma amplitude máxima de movimento, com o manguito rotador pressionado pela cabeça do úmero. A única maneira de prevenção, portanto, é o fortalecimento dos respectivos músculos.

Analisando a Tabela 3, percebe-se que 68,5% das lesões foram ocasionadas com ventos fortes. Petersen et al.10 verificaram que a situação mais comum de ocorrência da lesão foi a perda de controle sobre o kite, na praia ou perto dela, devido a erros técnicos do kitesurfista ou às condições do vento. Apesar de existir pouca comprovação científica, parece haver uma relação entre os acidentes e a intensidade do vento5, ou seja, a ocorrência de ventos fortes aumenta as probabilidades de acidentes. Podemos formular duas hipóteses para explicar tal relação. A primeira é a de que o kitesurf, em condições de vento forte, requer uma pipa pequena, extremamente veloz, necessitando, por sua vez, de uma grande experiência na modalidade, ou seja, de maior habilidade motora para seu controle. Outro aspecto é que ventos de 25 nós podem facilmente atingir os 30 ou mais em determinados instantes, fazendo com que o praticante perca o controle do equipamento com facilidade.

As lesões crônicas apresentaram uma pequena incidência, provavelmente em virtude do pequeno tempo de prática da maioria dos atletas. Lombalgias ou lombociatalgias, tendinites e bursites crônicas, ou até mesmo artrose podem aparecer com o aumento do tempo de prática do esporte, por serem patologias causadas pelo excesso de uso ou pelo uso indevido de determinada articulação.

Além disso, houve a constatação de que mais da metade dos praticantes, 60%, acredita que o kitesurf pode ser realizado com um baixo nível de condicionamento físico e também de que a maioria deles, 80%, acredita possuir um nível de condicionamento físico suficiente para a prática. Isso indica que o nível de aptidão física desses indivíduos pode ser realmente baixo e que talvez isso possa ter contribuído para o alto índice de lesões. A afirmação vem ao encontro do estudo de Domingues et al.25, que investigaram a relação entre aptidão física e lesões desportivas, demonstrando existir uma relação de aumento do número de lesões conforme a diminuição do nível de aptidão física.

O estudo apresenta algumas limitações, a seleção da amostra por conveniência pode gerar um viés no sentido de que praticantes com lesões mais sérias não seriam abordados por essa metodologia por estarem afastados realmente da prática desportiva. Por não haver nenhum tipo de cadastro dos praticantes desse esporte em nossa região, a forma de abordagem dos atletas não poderia ser diferente da que foi utilizada. Além disso, os dados referidos pelos próprios Kitesurfistas estão sujeitos ao viés de memória.

Sugere-se, para estudos futuros, o acompanhamento dos praticantes por uma equipe de saúde, durante um período mínimo de um ano, agregando, assim, um volume grande de dados obtidos no momento das lesões.

CONCLUSÕES

Os achados sugerem que o kitesurf pode ser considerado um esporte de alto-risco, já que o índice de lesões é bastante elevado e todas as partes do corpo ficam expostas. Foi possível verificar, também, uma grande variabilidade de lesões, o que sugere a necessidade de um trabalho global, que envolva desde a flexibilidade ao treinamento de resistência muscular. Aliado a isso, o trabalho de propriocepção deve ser intenso, para contribuir de maneira eficiente na ativação dos mecanismos de estabilização articulares em situações extremas, tipo de ação que pode contribuir para a preparação física do praticante ou atleta e também diminuir a prevalência de algumas lesões.

Pode-se concluir que no kitesurf, independente do tempo de prática, as lesões são muito frequentes. São variáveis influenciadoras dessas particularidades as condições ambientais, climáticas e oceanográficas, e principalmente, a facilidade com que o praticante pode aprender a velejar de kitesurf mesmo tendo um baixo nível de aptidão física. Outro aspecto importante é que um kitesurfista inexperiente pode não respeitar os fatores de segurança básicos que envolvem essa prática, como a observação da intensidade do vento, que aumenta os riscos de lesão de maneira diretamente proporcional.

Sendo o kitesurf uma modalidade relativamente nova, é necessário traçar um perfil das necessidades do esporte, a partir de informações como a prevalência das lesões; mas só é possível traçar uma estratégia eficiente de prevenção, conhecendo o potencial agressivo da modalidade. Considerando que se trata de um dos primeiros estudos para esse tipo de modalidade, incentivam-se publicações futuras, que possam contribuir para um conhecimento mais amplo e abrangente do perfil do esporte, assim como correlacionar a aptidão física dos praticantes com as lesões encontradas.

Recebido em 09/8/10

Revisado em 03/11/10

Aprovado em 09/11/10

  • 1. Petersen W, Nickel C, Zantop T, Zernial O. Kitesurfing injuries. A trendy youth sport. Orthopade 2005;34(1):419-25.
  • 2. Munson BR, Young DF, Okiishi TH. Fundamentos da mecânica dos fluidos. São Paulo: Edgard Blucher; 2004.
  • 3. Exadaktylos AK, Sclabas, GM, Blake I, Swemmer K, Mccormick G, Erasmus P. The kick with the kite: an analysis of kite surfing related off shore rescue missions in Cape Town, South Africa. Br J Sports Med 2005;39(5):26-9.
  • 4. Nickel C, Zernial O, Musahl V, Hansen U, Zantop T, Petersen W. A prospective study of kitesurfing injuries. Am J Sports Med 2004;33(4):921-7.
  • 5. Spanjersberg WR, Schiper IB. Kitesurfing: When fun to trauma - The dangers of a new extreme sport. J Trauma 2007;63(3):76-80.
  • 6. Dyson R, Buchanan M, Hale T. Incidence of sports injuries in elite competitive and recreational windsurfers. Br J Sports Med 2006;40(4):346-50.
  • 7. Cruz WS. Prevalência das lesões desportivas músculo-esqueléticas nos praticantes de kitesurf do estado da Paraíba. [Monografia de Graduação-Curso de Fisioterapia]. João Pessoa (PB): Centro Universitário de João Pessoa; 2008.
  • 8. Vercruyssen F, Blin N, Huillier DL. Assesment of physiological demand in kitesurfing. Eur J Appl Physiol 2009;105(1):103-9.
  • 9. Suda EY, Souza RV. Análise da performance funcional em indivíduos com instabilidade do tornozelo: Uma revisão sistemática da literatura. Rev Bras Med Esporte 2009;15(3):233-7.
  • 10. Petersen W, Rau J, Hansen U, Zantop T, Stein V. Mechanisms and prevention of windsurfing injuries [in German]. Sportverletz Sportschaden 2003;17(3):118-122.
  • 11. Base LH, Alves MAF, Martins EO, Costa RF. Lesões em surfistas profissionais. Rev Bras Med Esporte 2007;13(4):251-3.
  • 12. Petersen W, Hansen U, Zernial O, Nickel C, Prymka M. Mechanisms and prevention of kitesurfing injuries [in German]. Sportverletz Sportschaden 2002;16(3):115-21.
  • 13. Hostetler SR, Hostetler TL, Smith GA, Xiang H. Characteristics of water skiing-related and wakeboarding-related injuries treated in emergency departments in the United States, 2001 -2003. Am J Sports Med 2005;33(7):1065-70.
  • 14. Pollock ML, Carrol JF, Graves JE, Leggett SH, Braith RW, Limacher M, et al. Injuries and adherence to walk/jog and resistance training programs in the elderly. Med Sci Sports Exerc 1991; 23(10):1194-200.
  • 15. Reenstrom, AFH, Lynch, SA. Lesões ligamentares do tornozelo. Rev Bras Med Esporte 1999;5(1):13-23.
  • 16. Blankevoort, L, Huiskes, R, De Lange, A. Recruitment of knee joint ligaments. J Biomech Engin 1991;113(1):94-103.
  • 17. Suda EY, Cantuária AL, Sacco ICN. Mudanças no padrão da EMG de músculos do tornozelo e pé pré e pós-aterrisagem em jogadores de voleibol com instabilidade funcional. Rev Bras Med Esporte 2008;14(4):341-7.
  • 18. Santos SG, Duarte MFS, Galli ML. Estudo de algumas variáveis físicas como fatores de influência nas lesões em judocas. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2001;3(1):42-54.
  • 19. Kauer JB, Antúnez MLV, Fração VB, Vaz MA. Avaliação da razão de torque dos músculos flexores e extensores do cotovelo em paratletas. Rev Bras Biomec 2006;12(7):39-46.
  • 20. Aquino CF, Viana SO, Fonseca ST, Bricio RS, Vaz DV. Mecanismos neuromusculares de controle da estabilidade articular. Rev Bras Ciên Mov 2004;12(2):35-42.
  • 21. Alves FSM, Oliveira FS, Junqueira CHBF, Azevedo BMS, Dionísio VC. Análise do padrão eletromiográfico durante os agachamentos padrão e declinado. Rev Bras Fisioter 2009;13(2):164-72.
  • 22. Conte M, Júnior EM, Chalita LVAS, Gonçalves A. Exploração de fatores de risco de lesões desportivas entre universitários de educação física: estudo a partir de estudantes de Sorocaba/SP. Rev Bras Med Esporte 2002;8(4):1- 6.
  • 23. Raymundo JLP, Reckers LJ,Locks R,Silva L,Hallal PC. Perfil das lesões e evolução da capacidade física em atletas profissionais de futebol durante uma temporada. Rev Bras Ortop 2005;40(6):341-8.
  • 24. Vieira MSR. Lesões de partes moles. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001.
  • 25. Domingues SPT, Conte M, Más EF, Ramalho LCB, Godoi VJ, Teixeira LFM, et al. Implicações do nível de aptidão física na gênese de lesões desportivas. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2005;7(2):29-35.
  • Endereço para correspondência:
    Joscelito de Oliveira Berneira
    Rua Dr. Romano, 401. Bairro Três Vendas
    CEP: 96065-650. Pelotas, RS. Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      09 Nov 2010
    • Revisado
      03 Nov 2010
    • Recebido
      09 Ago 2010
    Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário Trindade, Centro de Desportos - RBCDH, Zip postal: 88040-900 - Florianópolis, SC. Brasil, Fone/fax : (55 48) 3721-8562/(55 48) 3721-6348 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: rbcdh@contato.ufsc.br