Acessibilidade / Reportar erro

Questão simples, resposta multivariada

EDITORIAL

Questão simples, resposta multivariada

Fausto FeresI; Ivana Carneiro FeresII; Roberto Vieira BotelhoIII

IInstituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP, Brasil

IIComplexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos - São Paulo, SP, Brasil

IIIInstituto do Coração do Triângulo - Uberlândia, MG, Brasil

Correspondência Correspondência: Fausto Feres. Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera São Paulo, SP, Brasil - CEP 04012-180 E-mail: fferes@lee.dante.br

A análise da custo-efetividade dos stents farmacológicos (SFs) é extremamente importante e necessária, mas desafiadora. Talvez a maior premência vá de encontro ao que a ciência tem nos demonstrado recentemente em relação a esses dispositivos: o benefício clínico incontestável em todos os subgrupos analisados em cenários randomizados ou de mundo real.1,2 Completamos, no início deste ano, dez anos de utilização dessa fascinante tecnologia em nosso meio. Vários estudos têm demonstrado a eficácia e a segurança desses dispositivos na redução da reestenose coronária, quando comparados aos stents não-farmacológicos (SNFs).3-5 Os dados favoráveis a seu emprego levaram à expansão de sua utilização em várias geografias. Os cardiologistas passaram a confrontar, de um lado, uma nova tecnologia de alto custo e, de outro, o benefício incontestável que ela proporciona. Esse é a questão a ser respondida: a custo-efetividade.

Ver pág. 21

No estudo publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Ferreira et al.6 compararam o desempenho do SF Taxus® com o do SNF Liberté®, em pacientes consecutivos, não-randomizados. Mesmo nos países em que a relação de preço SF/SNF não é tão exaltante como a apresentada nessa amostragem, e apesar da redução da reestenose em todos os subgrupos analisados com SFs, o desenvolvimento de um modelo para extração máxima dos benefícios conseguidos com esses dispositivos faz-se necessário. Em um desses modelos recentemente publicado,7 o número necessário de pacientes a serem tratados (NNT) com SFs para se evitar nova revascularização do vaso-alvo variou de 6 a 80. Isso significa que em determinados subgrupos a reestenose foi tão baixa com os SNFs que seria necessário tratar 80 pacientes com SFs para se evitar um novo procedimento. Por outro lado, em outros subgrupos a reestenose com os SNFs foi mais elevada e o NNT com SFs para se evitar um novo procedimento foi de apenas 6. A importância desses conceitos gera uma apropriada discussão no momento da tomada de decisão e o médico deve ser o julgador do benefício clínico vs. políticas populacionais de saúde pública, buscando otimização da incorporação das novas tecnologias.

O conceito de custo-efetividade pode ser traduzido como a diferença entre o custo de duas intervenções, expresso em valor monetário, dividido pela diferença entre suas efetividades, expressas em anos de vida ganhos (expectativa de vida) ou outros desfechos menos importantes, como complicações prevenidas e eventos não-fatais evitados.8 Em relação aos SNFs, a questão é a seguinte: qual o custo adicional para cada nova revascularização evitada? Em nosso meio os valores encontrados para se evitar uma nova revascularização e/ou evento no vaso-alvo foram de R$ 47 mil na análise de Polanczyk et al.9, de R$ 131 mil na análise de Ferreira et al.10 e de incríveis R$ 190 mil no estudo de Quadros et al.11. Duas variáveis influenciam essas elevadas cifras, bem superiores aos US$ 1.650 encontrados no estudo americano de Cohen et al.12. São elas: a baixa incidência de reestenose clínica com os SNFs, exatamente o que vemos no estudo publicado nesta edição (consequentemente, maior número de pacientes a serem tratados com SF é necessário para se evitar uma reestenose), e os altos preços para ambos os stents, assim como a alta relação de custos SF/SNF (sempre superior a 3 ou em números absolutos, com diferença de preços entre eles superior a R$ 8 mil).

No trabalho de Ferreira et al.6, observamos que a comparação se baseou em valores altos, tanto do SF (cerca de R$ 11 mil) como do SNF (cerca de R$ 4 mil - demasiadamente caro!). Apesar da relação de custo entre os dois no estudo (SF quase 3 vezes mais caro que o SNF) não ser aquela comumente observada em nosso meio

Outro aspecto menos relevante para a análise proposta, mas considerável sob o prisma da melhor tecnologia disponível, foi o emprego do stent Taxus®, eluidor de paclitaxel. Esse é um SF de primeira geração, com resultados comprovadamente inferiores aos dos stents de segunda geração.13

Ferreira et al.6 procuraram informações a partir de um desenho observacional, consecutivo, não-randomizado, cujos resultados não foram monitorados, tampouco adjudicados por um comitê externo independente. Sob essas considerações, os dados são analisados.

Em um estudo observacional, não-randomizado, variáveis aferidas antes da intervenção sob análise e não modificáveis ou não afetadas pela intervenção são chamadas covariáveis.

O escore de propensão14 é um método que busca equilibrar essas covariáveis para conferir independência à variável analisada. Em outras palavras, avaliar o impacto de viés de seleção sobre o efeito do tratamento. É uma ferramenta aplicada no início da análise, com efeito similar ao da análise multivariada empregada por regressão, desde os eventos, retrogradamente, até seus determinantes.

Esse escore promove, então, um efeito de "randomização" para as variáveis conhecidas. Sofre a limitação das covariáveis desconhecidas, que não são incluídas na análise. Seu emprego não dispensa a pré-especificação das análises sugeridas, assim como o cálculo amostral para poder e precisão da ferramenta.

O estudo em questão propõe comparação de duas intervenções inadequadas à randomização por questões éticas; por isso, as ferramentas de controle de covariáveis, como o escore de propensão, se aplicam muito bem.

Os resultados ora apresentados somente se qualificam como geradores de hipótese, em decorrência da fragilidade imposta pelo viés de seleção.

Os autores comentam sobre essa limitação, imanente ao escore de propensão.

Salienta-se, também, que, mesmo nesse ambiente, o cálculo amostral é fundamental para se estabelecer o poder e a precisão da amostra, ou seja, considerando a capacidade equilibradora do escore de propensão, o tamanho amostral nos permite negar a hipótese nula?

Assim, nesta edição mais informações são oferecidas à literatura para o julgamento de um tema complexo. Sua interpretação merece considerações sobre o desenho do estudo, o método de atenuação de viés de seleção, o tipo de SF empregado e a relação de custos entre os dois tipos de stents, antes que se formulem conclusões absolutas.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 19/3/2012

Aceito em: 20/3/2012

  • 1. Kirtane AJ, Gupta A, Iyengar S, Moses JW, Leon MB, Applegate R, et al. Safety and efficacy of drug-eluting and bare metal stents: comprehensive meta-analysis of randomized trials and observational studies. Circulation. 2009;119(25):3198-206.
  • 2. Sousa A, Costa JR Jr, Moreira AC, Cano M, Maldonado G, Costa RA, et al. Long-term clinical outcomes of the Drug-Eluting Stents in the Real World (DESIRE) Registry. J Interv Cardiol. 2008;21(4):307-14.
  • 3. Moses JW, Leon MB, Popma JJ, Fitzgerald PJ, Holmes DR, O'Shaughnessy C, et al. Sirolimus-eluting stents versus standard stents in patients with stenosis in a native coronary artery. N Engl J Med. 2003;349(14):1315-23.
  • 4. Stone GW, Ellis SG, Cox DA, Hermiller J, O'Shaughnessy C, Mann JT, et al. A polymer-based, paclitaxel-eluting stent in patients with coronary artery disease. N Engl J Med. 2004; 350(3):221-31.
  • 5. Venkitachalam L, Lei Y, Stolker JM, Mahoney EM, Amin AP, Lindsey JB, et al. Clinical and economic outcomes of liberal versus selective drug-eluting stent use: insights from temporal analysis of the multicenter Evaluation of Drug Eluting Stents and Ischemic Events (EVENT) Registry. Circulation. 2011;124(9):1028-37.
  • 6. Ferreira E, Araújo DV, Azevedo VMP, Ferreira Jr A, Junqueira CLC, Amorim B, et al. Uso do escore de propensão na análise de custo-efetividade com utilização seletiva de stents farmacológicos e não-farmacológicos. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2012;20(1):21-8.
  • 7. Yeh RW, Normand SL, Wolf RE, Jones PG, Ho KK, Cohen DJ, et al. Predicting the Restenosis Benefit of Drug-Eluting Versus Bare Metal Stents in Percutaneous Coronary Intervention. Circulation. 2011;124(14):1557-64.
  • 8. Rassi A Jr. Economic analysis of drug-eluting coronary stents in Brazil: a choice for all or just for a few patients? Arq Bras Cardiol. 2007;88(4):376-7.
  • 9. Polanczyk CA, Wainstein MV, Ribeiro JP. Cost-effectiveness of sirolimus-eluting stents in percutaneous coronary interventions in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2007;88(4):464-74.
  • 10. Ferreira E, Araujo DV, Azevedo VM, Rodrigues CV, Ferreira A Jr, Junqueira CL, et al. Analysis of the cost-effectiveness of drug-eluting and bare-metal stents in coronary disease. Arq Bras Cardiol. 2010;94(3):286-92, 306-12.
  • 11. Quadros AS, Gottschall CAM, Sarmento-Leite R. Custo-efetividade dos stents revestidos com drogas em vasos de grande calibre. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2006;14(3):306-13.
  • 12. Cohen DJ, Bakhai A, Shi C, Githiora L, Lavelle T, Berezin RH, et al. Cost-effectiveness of sirolimus-eluting stents for treatment of complex coronary stenoses: results from the Sirolimus-Eluting Balloon Expandable Stent in the Treatment of Patients With De Novo Native Coronary Artery Lesions (SIRIUS) trial. Circulation. 2004;110(5):508-14.
  • 13. Stone GW, Rizvi A, Sudhir K, Newman W, Applegate RJ, Cannon LA, et al.; SPIRIT IV Investigators. Randomized comparison of everolimus- and paclitaxel-eluting stents. 2-year follow-up from the SPIRIT (Clinical Evaluation of the XIENCE V Everolimus Eluting Coronary Stent System) IV trial. J Am Coll Cardiol. 2011;58(1):19-25.
  • 14. Joffe MM. Invited commentary: propensity scores. Am J Epidemiol. 1999;150(4):327-33.
  • Correspondência:
    Fausto Feres.
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04012-180
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br