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A Importância da Correta Análise de Custo-Efetividade para a Introdução de Novas Tecnologias no Sistema Único de Saúde

Muita coisa mudou nesses últimos anos em relação à disponibilidade para uso de novos dispositivos para a Cardiologia Intervencionista em nosso país.

Na década de 1990, era comum brincarmos com nossos colegas americanos que, apesar do enorme potencial econômico daquele país, e ao contrário do que ocorria no Brasil, os intervencionistas tinham que esperar anos a fio para usar - e ganhar experiência - com dispositivos extremamente úteis para o tratamento das crianças com cardiopatias congênitas.

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Isso mudou drasticamente. Com a maior autonomia e o controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na aprovação e regulação do uso em humanos de novos dispositivos não fabricados no Brasil,1Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Compêndio da Legislação Sanitária de Dispositivos Médicos - Versão 3.4. Brasília: ABDI; 2011.,2Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 185, de 22 de outubro de 2001 Registro, cadastramento, alteração, revalidação e cancelamento de registro de produtos médicos. Brasília; 2001. o hiato entre o desenvolvimento de materiais cada vez melhores e seu emprego clínico aumentou bastante. Hoje, não são mais suficientes demonstrar a comprovação de eficácia e de segurança, e nem consequentemente obter os respeitados selos de aprovação, tal como o CE Mark, para permitir acesso a esses novos materiais.

A demora para liberação tem sido de tamanha magnitude que dispositivos tal qual a valva Melody® para a posição pulmonar, com mais de 14 anos de uso contínuo na Europa e já com liberação pela Food and Drug Administration para uso nos Estados Unidos,3McElhinney DB, Hellenbrand WE, Zahn EM, Jones TK, Cheatham JP, Lock JE, et al. Short and medium-term outcomes after transcatheter pulmonary valve placement in the expanded multicenter US melody valve trial. Circulation. 2010;122(5):507-16. tiveram apenas recentemente seu uso permitido em nosso país.

O leitor não deve pensar que minha posição é contrária à regulação da entrada de novos dispositivo no país pela ANVISA. Certamente, não! O controle do uso de dispositivos médicos é assunto muitíssimo sério para a saúde da população, bem como para a sanidade financeira do sistema de saúde, e como tal deve ser encarado. O rigor no controle da agência estatal deve ser apoiado por todos nós. Apenas dessa maneira poderemos utilizar, em nossos pacientes, dispositivos que ofereçam segurança e eficiência no longo prazo.

No entanto, os entraves burocráticos e o pequeno número de técnicos especializados para essa vital atividade levam à espera de vários anos para que possamos beneficiar nossos pacientes com o melhor que a moderna tecnologia em saúde pode oferecer.

Este é o cenário atual para pacientes que são beneficiários de planos de saúde suplementar, os quais, cedo ou tarde, têm acesso às novas tecnologias para correção de defeitos congênitos do coração.

Mas, e os pacientes que não têm essa facilidade e que fazem parte dos 70% da população que depende do Sistema Único de Saúde (SUS)? Esses são pacientes que também queremos tratar, ou seja, pacientes para quem podemos fazer a diferença ao usarmos técnicas percutâneas e com o mínimo impacto clínico e social. Assim, deve ser possível reduzir a estada prolongada nos cada vez mais escassos leitos hospitalares, diminuindo o tempo de recuperação, bem como os eventuais impactos financeiros e ocupacionais sobre os pais que, corretamente, devem ficar ao lado de seus filhos durante sua recuperação.4Rossi Filho RI, Manica JLL, Cardoso CO. Oclusão percutânea de comunicação interatrial pelo sistema único de saúde: uma opção economicamente viável. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2010;18(2):212-22.

Essa multidão de crianças deve esperar ainda mais para ter acesso a materiais usados desde há muito em outros países e já disponíveis em nosso próprio para os que têm acesso à saúde suplementar? Isso sem falar no risco que há de outros materiais, mais avançados e melhores, serem desenvolvidos - seria essa a teoria "do deixar a tecnologia envelhecer para torná-la mais barata"?

Não posso acreditar que essa é a posição vigente, pois, recentemente, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) foi reestruturada e, aparentemente, debruçou-se sobre tais temas com grande cuidado e isenção.

Acredito que as demandas dos cardiologistas pediátricos do país, responsáveis pela conduta de tratamento dessas crianças, devem ser avaliadas com cuidado e respeito.

Para tanto, devemos fazer nossa parte, que é fornecer aos órgãos do Ministério da Saúde, responsáveis pela avaliação e eventual introdução das novas tecnologias, o suporte científico para adequada tomada de decisão. Essa avaliação deve ser baseada nas reais necessidades de nossa população de pacientes, que nós, cardiologistas, conhecemos bem, e também na análise cuidadosa do impacto dessas novas tecnologias no orçamento do país. As necessidades dos pacientes e a nossa capacidade de tratá-los são conhecidas por todos que se interessam pelo tema e estão publicadas em literatura nacional e internacional, quer em publicações originais, quer em dissertações de mestrado ou teses de doutorado.

Muito raros, no entanto, são os estudos da relação custo-efetividade do uso de (não tão) novas tecnologias. O artigo de Costa et al.,5Costa RN, Ribeiro MS, Silva AF, Ribeiro RA, Berwanger O, Biasi A, et al. Custo-efetividade incremental do tratamento cirúrgico vs percutâneo da persistência do canal arterial com o Amplatzer duct occluder em crianças. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22(2):168-79. publicado nesta edição, é exemplo de como se deve avaliar seriamente esse tema. Esse grupo, além de suas diversas contribuições à Cardiologia Intervencionista do país, também tem se voltado à análise de custos dos procedimentos.

Embora a maioria dos órgãos pagadores de serviços médicos veja a relação custo-benefício pela ótica do custo, e não do benefício auferido pelos pacientes, a análise de custo-efetividade incremental do tratamento da persistência do canal arterial realizada por Costa et al.5Costa RN, Ribeiro MS, Silva AF, Ribeiro RA, Berwanger O, Biasi A, et al. Custo-efetividade incremental do tratamento cirúrgico vs percutâneo da persistência do canal arterial com o Amplatzer duct occluder em crianças. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22(2):168-79. permite projetar o impacto a longo prazo do uso dessa nova tecnologia. E o resultado, após avaliação rigorosa da literatura específica, demonstrou que pequena redução nos custos atuais do material empregado permitirá o emprego dessa técnica nos pacientes que mais precisam dela.

Espero que essa publicação seja seguida de muitas outras, formando base teórica cientificamente sólida, na qual o Ministério da Saúde, instado por nossa sociedade e com a sustentação da sociedade civil, possa se apoiar para tomar decisões sobre a incorporação de novos dispositivos que tragam reais benefícios à nossa população.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Compêndio da Legislação Sanitária de Dispositivos Médicos - Versão 3.4. Brasília: ABDI; 2011.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 185, de 22 de outubro de 2001 Registro, cadastramento, alteração, revalidação e cancelamento de registro de produtos médicos. Brasília; 2001.
  • 3
    McElhinney DB, Hellenbrand WE, Zahn EM, Jones TK, Cheatham JP, Lock JE, et al. Short and medium-term outcomes after transcatheter pulmonary valve placement in the expanded multicenter US melody valve trial. Circulation. 2010;122(5):507-16.
  • 4
    Rossi Filho RI, Manica JLL, Cardoso CO. Oclusão percutânea de comunicação interatrial pelo sistema único de saúde: uma opção economicamente viável. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2010;18(2):212-22.
  • 5
    Costa RN, Ribeiro MS, Silva AF, Ribeiro RA, Berwanger O, Biasi A, et al. Custo-efetividade incremental do tratamento cirúrgico vs percutâneo da persistência do canal arterial com o Amplatzer duct occluder em crianças. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22(2):168-79.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2014
  • Aceito
    16 Jun 2014
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