Acessibilidade / Reportar erro

Doença aterosclerótica da artéria renal

Renal artery atherosclerotic disease

Resumos

Neste artigo, os autores discutem aspectos relacionados ao diagnóstico e ao tratamento da doença aterosclerótica da artéria renal. Destacam, também, as indicações para a revascularização de pacientes com estenose significativa da artéria renal.

obstrução da artéria renal, terapia; obstrução da artéria renal, diagnóstico; arteriosclerose, epidemiologia; angioplastia; contenedores


In the present article, the authors address aspects related to the diagnosis and the management of renal artery atherosclerotic disease. The authors also point out the indications for the revascularization of patients with significant stenosis in renal artery.

renal artery obstruction, therapy; renal artery obstruction, diagnosis; arteriosclerosis, epidemiology; angioplasty; stents


ARTIGO DE REVISÃO

Doença aterosclerótica da artéria renal

Renal artery atherosclerotic disease

Marco V. WainsteinI; Pedro LemosII

IHospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Hospital Moinhos de Vento

IIInstituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo

Correspondência Correspondência: Marco V. Wainstein Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Serviço de Cardiologia - Hemodinâmica Sala 2059 Rua Ramiro Barcelos, 2350 Porto Alegre - RS - Brasil - CEP 90035-003 E-mail: mvwainstein@uol.com.br

RESUMO

Neste artigo, os autores discutem aspectos relacionados ao diagnóstico e ao tratamento da doença aterosclerótica da artéria renal. Destacam, também, as indicações para a revascularização de pacientes com estenose significativa da artéria renal.

Descritores: obstrução da artéria renal, terapia. obstrução da artéria renal, diagnóstico. arteriosclerose, epidemiologia. angioplastia. contenedores.

SUMMARY

In the present article, the authors address aspects related to the diagnosis and the management of renal artery atherosclerotic disease. The authors also point out the indications for the revascularization of patients with significant stenosis in renal artery.

Descriptors: renal artery obstruction, therapy. renal artery obstruction, diagnosis. arteriosclerosis, epidemiology. angioplasty. stents.

As manifestações relacionadas com a doença aterosclerótica da artéria renal (DAAR) vêm provocando grande polêmica quanto ao diagnóstico e ao tratamento1. Um número crescente de pacientes com hipertensão ou com insuficiência renal de causa não definida está sendo diagnosticado como portadores de DAAR quando apresentam uma estenose variando entre 50 a 100% (obstrução completa) do diâmetro luminal2. A estenose hemodinamicamente significativa, capaz de reduzir cronicamente o fluxo sangüíneo renal e ativar o sistema renina-angiotensina, é considerada um estreitamento da artéria renal entre de 70 a 80%1,2. As estenoses >70%, geralmente, estão associadas com a presença de hipertensão ou de diminuição da função renal ou de ambas, sendo indicado, na maioria das vezes, um método de revascularização.

A DAAR pode apresentar-se de maneira assintomática, com redução da função renal ("nefropatia isquêmica") e como hipertensão renovascular1. Dados da literatura indicam que a DAAR pode ser considerada uma causa importante de insuficiência renal crônica terminal3 e de hipertensão secundária. Essas manifestações podem ocorrer isoladamente ou associadas.

Os dados de prevalência de DAAR foram obtidos a partir de estudos de autópsias ou de pacientes selecionados com fatores de risco (idade avançada, doença vascular periférica, doença coronariana, hipertensão, insuficiência cardíaca, insuficiência renal, diabete melito). A verdadeira prevalência obtida de pacientes não selecionados não está determinada4. Em pacientes com doença coronariana documentada, a prevalência de estenose de artéria renal pode variar de 11 a 23%5. Em pacientes submetidos à cinecoronariografia, a prevalência de estenose acima de 70% da artéria renal pode chegar a 16%6. A DAAR hemodinamicamente significativa pode ocorrer em pacientes com função renal normal e sem hipertensão, dificultando a sua investigação diagnóstica.

Como em outras complicações ateroscleróticas, a DAAR é uma doença progressiva. Estudos angiográficos seqüenciais têm demonstrado que a estenose da artéria renal ocorre numa freqüência variável nos pacientes seguidos por um período entre 6 meses e 15 anos, embora não seja universal. Essa progressão pode ser superestimada pela avaliação de pacientes que já têm a lesão diagnosticada e também pelo uso de métodos não invasivos, como a angiorressonância5. Quanto mais intensa a estenose, maior a probabilidade de comprometimento da função renal. A estenose da artéria renal entre 50 e 70% deve ser acompanhada pelo risco de progressão da lesão, de atrofia renal e de oclusão da artéria renal, sendo a freqüência destas complicações estimada em aproximadamente em 20, 10 e 5% ao ano, respectivamente7. Outro estudo, comparando a estenose de artéria renal <60% e >60%, mostrou que a incidência cumulativa de atrofia renal, em 2 anos, era de 11,7% e de 20,8%, respectivamente4.

Freqüentemente, há coexistência da doença renal e da doença coronariana aterosclerótica. Em estudo realizado em pacientes submetidos a cineangiocoronariografia eletiva, durante o qual foi realizada a avaliação angiográfica das artérias renais, não houve complicações relacionadas ao procedimento ou ao uso de um volume maior de contraste. Esse estudo detectou uma prevalência de lesões estenóticas de 50 a 75%, em 4,3%, e de >75%, em 4,8% dos casos. A presença de DAAR, mesmo assintomática, teve um efeito na mortalidade quando comparada à ausência de lesão, 89 e 57%, respectivamente. Quanto mais significativa a estenose, maior o efeito na mortalidade, independente das lesões coronarianas8.

Existe uma grande discussão quanto ao manejo das lesões estenóticas significativas. Como regra, o tratamento invasivo deve ser indicado quando houver alta suspeita de que as manifestações clínicas do paciente possam ser diretamente relacionadas à obstrução da artéria renal. Esta avaliação, que inclui tanto aspectos anatômicos quanto funcionais, pode ser realizada por meio de uma série de métodos diagnósticos não invasivos, como a cintilografia, a ultra-sonografia, ressonância magnética e, mais recentemente, a angiotomografia computadorizada. De modo geral, o índice de resistência da artéria renal calculado por Doppler é um dos métodos mais aceitos para avaliar o benefício do tratamento da estenose de artéria renal. Também, o tamanho renal, a presença de atrofia cortical e a determinação do fluxo renal, por métodos bioquímicos ou por cintilografia, são importantes na avaliação funcional do paciente com estenose de artéria renal suspeita ou já diagnosticada.

Ainda não está definido se a revascularização da artéria renal comprometida pode alterar a mortalidade ou a história natural da doença9. Uma recente metanálise, que envolveu três ensaios clínicos comparando tratamento clínico com angioplastia renal, demonstrou tendência de superioridade da revascularização sobre o tratamento clínico na melhora da creatinina sérica10. Entretanto, nesse estudo, o número de pacientes foi relativamente pequeno e, fundamentalmente, o número de stents implantados foi muito reduzido, com alto índice de realocação de pacientes inicialmente randomizados no grupo de tratamento clínico para angioplastia. Diversos estudos não-randomizados e séries de casos demonstraram benefício do uso de stents na DAAR, resultando em melhora ou estabilização da função renal em, aproximadamente, 75% dos casos9,11. Watson et al.12 avaliaram o efeito do implante de stents em pacientes com DAAR e níveis séricos de creatinina > 1,5 mg/dL e obtiveram significativa recuperação ou estabilização da função renal. Recentemente, em outro estudo13, o implante de stent foi avaliado em 215 pacientes com lesões ateroscleróticas graves de artérias renais. Os autores demonstraram queda significativa dos níveis de creatinina em 52% dos pacientes, sendo a função renal inicial o principal preditor de melhora da função renal (quanto menor a creatinina inicial, maior a chance de benefício com tratamento percutâneo).

O controle da hipertensão, freqüentemente, pode ser alcançado com o tratamento medicamentoso. A identificação dos pacientes que poderão apresentar benefício com a revascularização é bastante difícil9 e não existem estudos randomizados que compararam, exclusivamente, a revascularização percutânea com stents e o tratamento clínico conservador, em pacientes com DAAR. Exemplos de indicações habituais para a revascularização da artéria renal são listados no Quadro 1. O manejo de pacientes com estenose da artéria renal, sem as características apresentadas no Quadro 1, deve ser definido caso a caso, freqüentemente, necessitando avaliações sucessivas para melhor apreciar eventuais modificações do quadro clínico ao longo da evolução.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A doença aterosclerótica da artéria renal é uma condição prevalente, especialmente em pacientes com coronariopatia associada. O diagnóstico da doença arterial renal deve ser ativamente pesquisado, em particular, em pacientes hipertensos com disfunção renal, que apresentam maior probabilidade de se beneficiar de tratamento percutâneo subseqüente. As indicações mais aceitas para tratamento da estenose da artéria renal incluem hipertensão arterial grave e/ou de difícil controle medicamentoso, perda progressiva da função renal e edema agudo de pulmão associado a crise hipertensiva, com estenose comprovada da artéria renal. Deve-se, entretanto, ressaltar que, aparentemente, são os pacientes com função renal ainda preservada aqueles que mais beneficiam-se com a revascularização.

As evidências atuais sugerem que a revascularização percutânea com implante de stents na artéria renal possa resultar em preservação ou recuperação da função renal em um número significativo de pacientes. Estes resultados deverão ser confirmados por grandes estudos randomizados, que se encontram em andamento. Os marcadores prognósticos indicativos de benefício da revascularização são também alvo de discussão. Dentre estes, o mais aceito é o índice de resistência da artéria renal calculado por Doppler.

Recebido em: 06/12/2006

Aceito em: 05/01/2007

  • 1. Textor SC, Wilcox CS. Renal artery stenosis: a common, treatable cause of renal failure? Annu Rev Med 2001;52:421-42.
  • 2. Simon G. What is critical renal stenosis? Implications for treatment. Am J Hypertens 2000;13:1189-93.
  • 3. Tuttle KR. Ischemic nephropathy. Curr Opin Nephrol Hypertens 2001;10:167-73.
  • 4. Zoccali C, Mallamaci F, Finocchiaro P. Atherosclerotic renal artery stenosis: epidemiology, cardiovascular outcomes, and clinical prediction rules. J Am Soc Nephrol 2002;13:S179-83.
  • 5. Conlon PJ, Little MA, Pieper K, Mark DB. Severity of renal vascular disease predicts mortality in patients undergoing coronary angiography. Kidney Int 2001;60:1490-7.
  • 6. Plouin PF, Rossignol P, Bobrie G. Atherosclerotic renal artery stenosis: to treat conservatively, to dilate, to stent, or to operate? J Am Soc Nephrol 2001;12:2190-6.
  • 7. van Ampting JM, Penne EL, Beek FJ, Koomans HA, Boer WH, Beutler JJ. Prevalence of atherosclerotic renal artery stenosis in patients starting dialysis. Nephrol Dial Transplant 2003;18:1147-51.
  • 8. Aqel RA, Zoghbib GJ, Baldwin SA, Auda WS, Calhoun DA, Coffey CS, et al. Prevalence of renal artery stenosis in high-risk veterans referred to cardiac catheterization. J Hypertens 2003;21:1157-62.
  • 9. Textor SC. Managing renal arterial disease and hypertension. Curr Opin Cardiol 2003;18:260-7.
  • 10. Rundback JH, Sacks D, Kent C, Cooper C, Jones D, Murphy T, et al. Guidelines for the reporting of artery revascularization in clinical trials. Circulation 2002;106:1572-85.
  • 11. Ives NJ, Wheatley K, Stowe RL, Krijnen P, Plouin PF, van Jaarsveld BC, et al. Continuing uncertainty about the value of percutaneous revascularization in atherosclerotic renovascular disease: a meta-analysis of randomized trials. Nephrol Dial Transplant 2003;18:298-304.
  • 12. Watson PS, Hadjipetrou P, Cox SV, Piemonte TC, Eisenhauer AC. Effect of renal artery stenting on renal function and size in patients with atherosclerotic renovascular disease. Circulation 2000;102:1671-7.
  • 13. Zeller T, Frank U, Muller C, Burgelin K, Sinn L, Bestehorn HP, et al. Predictors of improved renal function after percutaneous stent-supported angioplasty of severe atherosclerotic ostial renal artery stenosis. Circulation 2003;108:2244-9.
  • 14. White CJ. Catheter-based therapy for atherosclerotic renal artery stenosis. Circulation 2006;113:1464-73.
  • Correspondência:

    Marco V. Wainstein
    Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Serviço de Cardiologia - Hemodinâmica
    Sala 2059 Rua Ramiro Barcelos, 2350
    Porto Alegre - RS - Brasil - CEP 90035-003
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      06 Dez 2006
    • Aceito
      05 Jan 2007
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br