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Influência da estenose residual negativa após o implante de stents coronarianos em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST

Outcomes of patients with non-ST elevation acute coronary syndrome and a negative residual stenosis after coronary stenting

Resumos

FUNDAMENTOS: A presença de estenose residual (ER) negativa após o implante de stents coronarianos em pacientes com infarto do miocárdio está associada a piores desfechos clínicos. A influência da ER no prognóstico de pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST não foi bem estudada. MÉTODO: Pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST tratados com implante de stents coronarianos foram incluídos, e a ER e o fluxo coronariano foram avaliados imediatamente após o procedimento. Pacientes com ER < 0% foram comparados a um grupo controle com ER 0-30% quanto à ocorrência de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) em um ano. RESULTADOS: As características clínicas foram semelhantes em ambos os grupos. A ER média foi de -10,3 ± 6,4% no grupo ER < 0% (n = 94) e de 2,1 ± 5,2% nos controles (n = 298) (P < 0,001). Pacientes com ER < 0% tinham vasos menores (P < 0,001) e apresentaram maior escore de agressividade (P < 0,001), que foram preditores independentes de ER negativa, comparativamente aos pacientes com ER 0-30%. Os índices de sucesso clínico do procedimento (100% vs. 98,7%), fluxo coronariano TIMI 3 (100% vs. 99,3%), ECAM intra-hospitalares (0% vs. 0,6%) e trombose subaguda (1,1% vs. 0,3%) não foram estatisticamente diferentes nos pacientes com ER < 0% e nos controles. Os índices de revascularização do vaso-alvo (8,9% vs. 7,9%) e de ECAM em um ano (10% vs. 10%) também foram semelhantes nos pacientes com ER < 0% e nos controles. CONCLUSÕES: A ocorrência de ER negativa após o implante de stents coronarianos em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST foi associada a vasos menores e a estratégias de implante mais agressivas, mas não à piora do fluxo coronariano ou a índices mais elevados de ECAM.

Angina instável; Stents; Doença das coronárias


BACKGROUND: Negative residual stenosis (RS) after coronary stenting is associated with worse antegrade flow and increased mortality in patients with acute myocardial infarction. Its influence on outcomes of patients with non-ST elevation acute coronary syndromes is unknown. METHODS: Patients with acute coronary syndrome with non-ST elevation treated with coronary stenting were included and RS and coronary flow were assessed immediately after the procedure. Patients with RS < 0% were compared to a control group with RS 0-30% for the occurrence of one-year MACE. RESULTS: Baseline clinical characteristics were similar in both groups. Mean residual stenosis was -10.3 ± 6.4% in the < 0% RS group (n = 94) and 2.1 ± 5.2% in controls (n = 298) (P < 0.001). Patients with RS < 0% had smaller vessels (P < 0.001) and were treated with a higher aggressiveness score (P < 0.001), which were independent predictors of the occurrence of negative RS. Clinical procedural success rates (100% vs. 98.7%) and coronary TIMI 3 flow rates (100% vs. 99.3%) were similar in both groups. In-hospital MACE (0% vs. 0.6%) and subacute thrombosis rates (1.1% vs. 0.3%) were not statistically different. One-year target vessel revascularization rates (8.9% vs. 7.9%) and one-year MACE rates (10% vs. 10%) were also similar. CONCLUSIONS: Negative residual stenosis after coronary stenting in patients with non-ST elevation acute coronary syndrome was associated with smaller vessels and more aggressive implantation strategies, but not with worse coronary flow or higher MACE rates.

Angina, unstable; Stents; Coronary disease


ARTIGO ORIGINAL

Influência da estenose residual negativa após o implante de stents coronarianos em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST

Outcomes of patients with non-ST elevation acute coronary syndrome and a negative residual stenosis after coronary stenting

Alexandre Schaan de Quadros; Rogério Sarmento-Leite; Carlos A. M. Gottschall

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia - Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandre Schaan de Quadros Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Unidade de Pesquisa Av. Princesa Isabel, 370 - Santana Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90620-001 E-mail: alesq@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTOS: A presença de estenose residual (ER) negativa após o implante de stents coronarianos em pacientes com infarto do miocárdio está associada a piores desfechos clínicos. A influência da ER no prognóstico de pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST não foi bem estudada.

MÉTODO: Pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST tratados com implante de stents coronarianos foram incluídos, e a ER e o fluxo coronariano foram avaliados imediatamente após o procedimento. Pacientes com ER < 0% foram comparados a um grupo controle com ER 0-30% quanto à ocorrência de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) em um ano.

RESULTADOS: As características clínicas foram semelhantes em ambos os grupos. A ER média foi de -10,3 ± 6,4% no grupo ER < 0% (n = 94) e de 2,1 ± 5,2% nos controles (n = 298) (P < 0,001). Pacientes com ER < 0% tinham vasos menores (P < 0,001) e apresentaram maior escore de agressividade (P < 0,001), que foram preditores independentes de ER negativa, comparativamente aos pacientes com ER 0-30%. Os índices de sucesso clínico do procedimento (100% vs. 98,7%), fluxo coronariano TIMI 3 (100% vs. 99,3%), ECAM intra-hospitalares (0% vs. 0,6%) e trombose subaguda (1,1% vs. 0,3%) não foram estatisticamente diferentes nos pacientes com ER < 0% e nos controles. Os índices de revascularização do vaso-alvo (8,9% vs. 7,9%) e de ECAM em um ano (10% vs. 10%) também foram semelhantes nos pacientes com ER < 0% e nos controles.

CONCLUSÕES: A ocorrência de ER negativa após o implante de stents coronarianos em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST foi associada a vasos menores e a estratégias de implante mais agressivas, mas não à piora do fluxo coronariano ou a índices mais elevados de ECAM.

Descritores: Angina instável. Stents. Doença das coronárias.

ABSTRACT

BACKGROUND: Negative residual stenosis (RS) after coronary stenting is associated with worse antegrade flow and increased mortality in patients with acute myocardial infarction. Its influence on outcomes of patients with non-ST elevation acute coronary syndromes is unknown.

METHODS: Patients with acute coronary syndrome with non-ST elevation treated with coronary stenting were included and RS and coronary flow were assessed immediately after the procedure. Patients with RS < 0% were compared to a control group with RS 0-30% for the occurrence of one-year MACE.

RESULTS: Baseline clinical characteristics were similar in both groups. Mean residual stenosis was -10.3 ± 6.4% in the < 0% RS group (n = 94) and 2.1 ± 5.2% in controls (n = 298) (P < 0.001). Patients with RS < 0% had smaller vessels (P < 0.001) and were treated with a higher aggressiveness score (P < 0.001), which were independent predictors of the occurrence of negative RS. Clinical procedural success rates (100% vs. 98.7%) and coronary TIMI 3 flow rates (100% vs. 99.3%) were similar in both groups. In-hospital MACE (0% vs. 0.6%) and subacute thrombosis rates (1.1% vs. 0.3%) were not statistically different. One-year target vessel revascularization rates (8.9% vs. 7.9%) and one-year MACE rates (10% vs. 10%) were also similar.

CONCLUSIONS: Negative residual stenosis after coronary stenting in patients with non-ST elevation acute coronary syndrome was associated with smaller vessels and more aggressive implantation strategies, but not with worse coronary flow or higher MACE rates.

Descriptors: Angina, unstable. Stents. Coronary disease.

Após o implante de stent coronariano, índices mais baixos de reestenose e trombose podem ser esperados quando diâmetros luminais maiores são alcançados após o procedimento1-5. Podem ser necessárias estratégias de implante mais agressivas para se alcançar resultados ótimos, o que pode causar a expansão do stent além do diâmetro de referência do vaso, que resulta em estenose residual negativa e o fenômeno angiográfico conhecido como efeito de step-up, step-down6-12. É bem conhecida a eficácia clínica da alta pressão versus baixa pressão no implante, mas poucos estudos se concentraram na influência da estenose residual negativa nos resultados a curto e longo prazos.

Previamente relatamos que a hiperexpansão do stent pós-procedimento está associada a índice mais elevado de oclusão de ramos laterais maiores, mas não a pior prognóstico clínico a longo prazo13. Iakovou et al.14 relataram que a expansão do stent além de 100% do diâmetro do vaso de referência estava associada a picos mais elevados de creatina quinase fração MB (CK-MB) e a índices mais baixos de revascularização do vaso-alvo em um ano. Gibson et al.15 demonstraram que pior perfusão do miocárdio e aumento do risco de eventos cardiovasculares estão associados a estenose residual negativa depois de implante de stent em pacientes com infarto agudo do miocárdio. Maior embolização distal, vasoconstrição coronariana ou lesões maiores na parede do vaso foram postuladas como mecanismos potenciais para os resultados adversos.

A síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST é uma apresentação clínica muito frequente em pacientes tratados com intervenções coronárias percutâneas, e a presença de trombose simultânea também poderia predispor à diminuição do fluxo sanguíneo coronariano. Neste estudo, analisamos os resultados clínicos a curto e longo prazos em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST que apresentaram estenose residual negativa após implante de stent coronariano, comparados a grupo controle com implante de stent sem essa característica angiográfica.

MÉTODO

Pacientes

Foram considerados elegíveis para inclusão neste estudo todos os pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST submetidos a intervenção coronária percutânea com stents coronarianos em nossa instituição entre abril de 1997 e dezembro de 2001. Síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST foi definida como angina que piorou ou se intensificou, com ou sem dor torácica em repouso, nos últimos 2 meses antes do procedimento. Foram excluídos do estudo pacientes com choque cardiogênico, implante de balão intra-aórtico ou aqueles com estenose residual > 30% depois do implante do stent. Os pacientes foram incluídos consecutivamente, desde que preenchidos os critérios supracitados.

O estudo foi aprovado pelo conselho de ética institucional e todos os participantes assinaram o termo de consentimento.

Todos os dados foram registrados prospectivamente em formulários padrão e analisados pelo software SPSS para Windows 11.0.

Procedimento de implante

Todos os pacientes estavam recebendo aspirina e tienopiridínicos por ocasião da intervenção coronária percutânea. Foram administrados bolus intravenosos de heparina durante o procedimento para alcançar tempo de coagulação ativada > 300 segundos. Em todos os casos, nitroglicerina intracoronariana foi administrada rotineiramente antes da angiografia. Técnicas padrão de intervenção coronária percutânea foram utilizadas16 na colocação dos stents, e na maioria dos casos o tratamento envolveu pré-dilatação com balão. Um procedimento de implante do stent foi considerado bem-sucedido se não resultasse em eventos cardiovasculares adversos maiores durante o período de hospitalização do paciente. Evento cardiovascular adverso maior intra-hospitalar foi definido como a combinação de morte cardíaca, infarto agudo do miocárdio ou revascularização de urgência.

Análise angiográfica

Todas as análises angiográficas foram executadas com angiografia quantitativa (Siemens Axiom Artis - Munique, Alemanha). O diâmetro do vaso-alvo foi definido como o diâmetro médio dos segmentos luminais proximal e distal à lesão. A gravidade da estenose foi medida em duas projeções ortogonais. O comprimento da lesão foi medido "ombro a ombro". Lesões mais longas foram consideradas uma única lesão somente quando um segmento normal < 10 mm de comprimento se encontrava entre elas. As estenoses foram classificadas de acordo com critérios estabelecidos pelo American College of Cardiology (ACC)17, sendo as lesões complexas definidas como aquelas do tipo B2/C. A relação balão/artéria foi definida como a razão entre o diâmetro nominal do balão usado para implantar o stent, de acordo com os dados fornecidos pelo fabricante do balão, e o diâmetro do vaso-alvo. O escore de agressividade foi utilizado para avaliação da intensidade do dano vascular provocado pelo implante do stent, e definido como o produto da relação balão/artéria multiplicado pela pressão máxima (atm) utilizada para liberação da prótese, conforme proposto por Hoffmann et al.7. O fluxo sanguíneo coronariano pósprocedimento foi analisado de acordo com a classificação TIMI18.

Os participantes do estudo foram classificados em dois grupos, de acordo com a presença de estenose residual negativa após o implante. A ocorrência de estenose residual negativa foi determinada pela medida do diâmetro luminal médio do stent imediatamente depois de sua expansão, comparado ao diâmetro do vaso-alvo. O grupo com estenose residual negativa (estenose residual < 0%) apresentava estenose residual inferior a 0%; no grupo controle, a estenose variava entre 0% e 30%.

Acompanhamento e critérios de avaliação do estudo

Os pacientes foram acompanhados durante um ano por avaliação clínica em consultório, contato com o médico responsável ou por telefone. O controle angiográfico foi realizado somente quando sinais ou sintomas de isquemia recorrente do miocárdio estavam presentes.

O critério de avaliação primário do estudo foi uma combinação de eventos cardiovasculares ad-versos maiores, incluindo morte relacionada a causas cardíacas, infarto agudo do miocárdio, cirurgia de revascularização do miocárdio e revascularização percutânea do vaso-alvo um ano após o procedimento inicial de implante do stent. Características clínicas, do procedimento e angiográficas e dados do acompanhamento da população em estudo na fase intra-hospitalar foram registrados prospectivamente em banco de dados específico. Todos os eventos cardiovasculares adversos maiores que ocorreram durante o período intra-hospitalar e no primeiro ano após o implante do stent foram registrados no banco de dados. Outros eventos adversos registrados foram trombose subaguda (definida como oclusão no stent ocorrida > 24 horas mas < 30 dias depois do implante do stent) e oclusão dos grandes ramos laterais (> 2,0 mm).

Análise estatística

Variáveis categóricas foram expressas em percentis e variáveis contínuas, como média ± desvio padrão. As diferenças entre os dois grupos estudados foram avaliadas pelo teste do qui-quadrado (variáveis categóricas) e pelo teste t de Student para variáveis independentes (variáveis contínuas). A sobrevida livre de eventos cardiovasculares adversos maiores durante o período de acompanhamento de um ano foi analisada pelo método atuarial e a diferença entre as curvas de sobrevida foi avaliada pelo método de log-rank. Foi realizada análise multivariada para corrigir diferenças entre os grupos, que poderiam ter influenciado os índices de eventos cardiovasculares adversos maiores em um ano, e para avaliar fatores associados com a ocorrência de estenose residual negativa19. Em todos os testes, o valor de P < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS

Comparativamente aos pacientes do grupo com estenose residual 0-30%, os pacientes com estenose residual < 0% apresentavam idade, sexo, frequência de fatores de risco cardíaco, histórico médico e fração de ejeção ventricular esquerda semelhantes (Tabela 1). Quanto às características angiográficas, a extensão da doença arterial coronariana, o vaso-alvo envolvido e a localização da lesão também foram semelhantes nos dois grupos (Tabela 2). As características das lesões, como calcificação, trombos e complexidade angiográfica, também não diferiram de modo significativo.

No período do estudo, foram implantados os seguintes stents: 182 Multilink DuetTM ou TristarTM (Guidant/Advanced Cardiovascular Systems - Santa Clara, Estados Unidos), 130 TenaxTM (Biotronik - Berlim, Alemanha) e 112 BX VelocityTM (Cordis, Johnson & Johnson Interventional - Miami Lakes, Estados Unidos). O diâmetro médio do vaso-alvo foi significativamente menor nos pacientes com estenose residual < 0% que naqueles com estenose residual 0-30% (3,11 ± 0,46 mm vs. 3,37 ± 0,42 mm; P < 0,001), e houve tendência a menor comprimento médio da lesão no primeiro grupo (10,06 ± 4,72 mm vs. 10,94 ± 4,44 mm; P = 0,09) (Tabela 3). Os pacientes com estenose residual < 0% foram tratados com relações mais elevadas balão/artéria (1,05 ± 0,09 vs. 0,99 ± 0,06; P < 0,001) e maior escore de agressividade (13,92 ± 2,50 vs. 12,81 ± 2,34; P < 0,001), comparativamente aos pacientes com estenose residual 0-30%, porém a pressão de implante não foi estatisticamente diferente. O tipo de stent implantado não foi estatisticamente diferente no grupo de pacientes com estenose residual 0-30% ou estenose residual < 0% (MultilinkTM = 41% vs. 44%, TenaxTM = 33% vs. 30% e BX VelocityTM = 28% vs. 25%). A gravidade média da estenose foi inferior em pacientes com estenose residual < 0%, comparativamente aos pacientes com estenose residual 0-30%, tanto antes (82,02 ± 9,50% vs. 84,13 ± 9,30%; P = 0,05) quanto após (-10,32 ± 6,44% vs. 2,14 ± 5,23%; P < 0,001) o implante do stent. O diâmetro luminal final após o implante de stent foi semelhante nos pacientes com ou sem estenose residual negativa (3,39 ± 0,44 mm vs. 3,33 ± 0,42 mm; P = 0,69). Pela análise multivariada, os preditores independentes da estenose residual negativa foram a relação balão/artéria, o escore de agressividade e os vasos pequenos.

Os índices de sucesso clínico (100% vs. 98,7%) e de fluxo coronariano TIMI grau 3 após o procedimento (100% vs. 99,3%) foram semelhantes em pacientes com estenose residual < 0% e naqueles com estenose residual 0-30%. Evento cardiovascular ad-verso maior na fase intra-hospitalar (0% vs. 0,6%), índices de trombose subaguda (1,1% vs. 0,3%) e perda dos grandes ramos laterais (4,3% vs. 3,4%) também não foram estatisticamente diferentes nos dois grupos de pacientes.

Os dados do acompanhamento clínico em um ano foram obtidos em 97% (380/392) da nossa população de estudo. Em 30% dos pacientes (120/392), angiografia de controle foi realizada em decorrência de novos sintomas ou quando foi detectada isquemia miocárdica. Os grupos com estenose residual < 0% e 0-30% apresentaram índices semelhantes de eventos cardiovasculares adversos maiores (10% vs. 10%; P = 1,00), revascularização percutânea do vaso-alvo (8,9% vs. 7,9%; P = 0,77), nova intervenção coronária percutânea (6,7% vs. 5,5%; P = 0,68), cirurgia de revascularização do miocárdio (4,4% vs. 3,1%; P = 0,54), infarto agudo do miocárdio (3,8% vs. 3,0%; P = 0,88) e morte cardíaca (2,2% vs. 2,8%; P = 0,78). Naqueles pacientes que se submeteram a angiografia de controle no acompanhamento, a reestenose angiográfica ocorreu com frequência semelhante em ambos os grupos (12,0% vs. 12,8%). Pela análise multivariada, o único preditor independente de eventos cardiovasculares adversos maiores em um ano foi o comprimento da lesão, conforme mostra a Tabela 4.

DISCUSSÃO

Neste estudo, os resultados clínicos de pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesni velamento do segmento ST que apresentaram estenose residual negativa após implante de stent coronariano foram, de modo geral, semelhantes àqueles com implante de stent ótimo e estenose residual 0-30%. A presença de estenose residual negativa não foi associada a piora do fluxo coronariano nem a maior índice de eventos cardiovasculares. Nessa população, o único preditor independente de eventos cardiovasculares adversos maiores em um ano foi o comprimento da lesão, mas não a presença de estenose residual < 0%. A estenose residual negativa foi associada a vasos menores, a maior relação balão/artéria e ao escore de agressividade descrito por Hoffmann et al.7.

Na prática atual da cardiologia intervencionista, o operador pode escolher o tamanho do stent e a estratégia do implante, visando à obtenção de diâmetro luminal final semelhante ao diâmetro do vaso de referência, ou adotar uma abordagem mais agressiva, que pode incluir o aumento do tamanho do stent e o uso de pressões mais altas e balões maiores8-12. Embora um grande corpo de evidências demonstre relação inversa entre lúmen pós-procedimento e índices de revascularização percutânea do vaso-alvo, não se sabe se a expansão do stent além do diâmetro real do vaso irá resultar em benefício clínico adicional.

A associação entre estenose residual negativa após o implante de stent e evento cardiovascular adverso maior foi analisada em diversos estudos. Em uma série de pacientes com infarto agudo do miocárdio, Maekawa et al.20 encontraram incidência aumentada do fenômeno de no-reflow (32% vs. 11%; P = 0,03) e insuficiência cardíaca (28% vs. 14%; P = 0,04) em pacientes com estenose residual negativa após o implante de stent. Em uma série consecutiva de 989 pacientes, Iakovou et al.14 relataram pico mais elevado de CK-MB após o procedimento em pacientes com stents hiperexpandidos. Recentemente, Gibson et al.15 demonstraram que a estenose residual negativa após intervenção coronária percutânea de resgate/adjuvante em 748 pacientes com infarto agudo do miocárdio e elevação do segmento ST foi associada a perfusão miocárdica anormal e mortalidade mais elevada. Juntos, esses achados sugerem que a embolização distal com ou sem vasoconstrição coronariana pode ocorrer quando um stent coronariano é hiperexpandido, especialmente em pacientes com infarto agudo do miocárdio. Entretanto, no presente estudo, não pudemos demonstrar maior risco para eventos cardiovasculares adversos maiores a curto prazo ou piora do fluxo sanguíneo coronariano em uma coorte contemporânea de pacientes com angina instável e estenose residual negativa após implante de stent. O fato de apenas 15% da nossa população de estudo apresentar trombo coronariano visível na angiografia pode ter contribuído para tais achados.

A associação entre estenose residual negativa após implante de stent e reestenose coronariana também foi abordada em diversos relatos. Dois estudos independentes demonstraram que ocorre aumento da hiperplasia intimal quando as estruturas do stent estão fixadas profundamente na parede arterial após o implante21,22. Em 102 procedimentos analisados por ultrassom intracoronariano, Hoffmann et al.7 relataram correlação significativa entre o escore de agressividade e o volume da neoíntima. Estudos clínicos comparando os efeitos de estratégias de pressão alta a baixa sobre os índices de revascularização percutânea do vaso-alvo não demonstraram benefícios adicionais de utilizar regularmente pressões mais altas8-11, mesmo quando são alcançadas estenose residual mais baixa e áreas de secção transversal da luz maiores. A idéia de que o maior trauma vascular eliminaria o benefício de diâmetros finais superdimensionados nos vasos também pode explicar por que, em um estudo clínico randomizado, o implante de stents guiado por ultrassom intracoronariano de rotina não foi associado a diminuição de desfechos, apesar de resultados angiográficos melhores23. No presente estudo, também não encontramos diferenças significativas nos índices de revascularização percutânea do vaso-alvo em um ano em pacientes com e sem estenose residual negativa.

Também procuramos identificar as variáveis associadas à estenose residual negativa, que foram, pela análise multivariada, a relação balão/artéria, o escore de agressividade e os vasos pequenos. Estudos experimentais e clínicos demonstraram que a expansão de stents coronarianos na parede arterial é resultado da interação entre as características do material utilizado nesses dispositivos, a pressão de implante e a complacência do vaso tratado24-27. Outros estudos clínicos encontraram associação entre estratégias agressivas de implante e hiperexpansão do stent. Também já foi descrito que vasos pequenos são propensos a apresentar estenose residual negativa, provavelmente porque os operadores tendem a superdimensionar o tamanho dos balões nessa situação28.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta algumas possíveis limitações. Primeira: como ele não foi um estudo randomizado, é possível que as diferenças entre os dois grupos de estudo possam ter influenciado o resultado, independentemente da presença da estenose residual negativa. No entanto, análises multivariadas não demons-tram associação entre estenose residual negativa e os resultados. Segunda: a avaliação com o ultra-som intracoronariano poderia ter fornecido indicações úteis para a análise do vaso, mas não foi incluída no protocolo do estudo. Terceira: alguns aspectos específicos do tratamento farmacológico não estavam disponíveis nesta análise, mas todos os pacientes tratados em nosso laboratório receberam o tratamento médico padrão.

CONCLUSÕES

Neste estudo, demonstramos que a estenose residual negativa após implante de stent coronariano em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST não está associada a piora do fluxo coronariano ou aumento de eventos adversos, quando comparada a implante ótimo do stent. A estenose residual negativa foi associada a estratégias agressivas de implante e vasos-alvos mais finos. Tais achados sugerem que a tentativa de atingir estenose residual negativa após o implante de stent em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST não está associada a benefício clínico adicional.

CONFLITO DE INTERESSES

Alexandre Schaan de Quadros recebeu auxílio para pesquisa das empresas Boston Scientific e Medtronic, além de auxílio para participação em congressos da B-Braun e Medtronic. Rogério Eduardo G. Sarmento-Leite recebeu apoio educacional e de pesquisa das empresas Abbot, Biotronik e Cordis; Bureau de Palestrantes das empresas Biotronik e B-Braun; prestou consultoria técnica para Biotronik; e pertence ao Comitê Científico da Scitech. Carlos A. M. Gottschall declarou inexistência de conflito de interesses.

Recebido em: 10/1/2009

Aceito em: 16/3/2009

Suporte Financeiro: CNPq

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  • Correspondência:

    Alexandre Schaan de Quadros
    Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Unidade de Pesquisa
    Av. Princesa Isabel, 370 - Santana
    Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90620-001
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2009
    • Aceito
      16 Mar 2009
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