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Incidência de aposição incompleta persistente e tardia após implante de stents com sirolimus e zotarolimus

Incidence of persistent and late-acquired incomplete stent apposition after sirolimus-and zotarolimus-eluting stents

Resumos

INTRODUÇÃO: Aposição incompleta (AI) é descrita após implante de stents farmacológicos (SF) e pode associar-se à trombose de stents. Em razão de diferentes plataformas, polímeros e fármacos utilizados, diferenças na eficácia e na segurança entre SF também são esperadas. OBJETIVO: Avaliar a incidência de AI persistente e tardia após implante de stents com sirolimus (SES) e com zotarolimus (ZES) e a evolução dos pacientes que apresentem essa alteração. MÉTODO: Análise de 242 pacientes tratados com SF (175 pacientes com SES - Cypher® - e 67 pacientes com ZES - EndeavorTM) e submetidos a ultra-sonografia intracoronária após o implante e aos seis meses. RESULTADOS: No grupo tratado com SES, 7 (4%) pacientes apresentaram AI tardia e 12 (6,8%), AI persistente. No grupo tratado com ZES, nenhum caso de AI tardia foi identificado e, em 4 pacientes, observou-se AI após o implante e que desapareceu aos seis meses. Nos pacientes com AI tardia, observou-se aumento evolutivo dos volumes do vaso (de 377,2 ± 148,9 mm³ para 431,9 ± 155,1 mm³; p = 0,51) e da placa (de 206,1 ± 51,5 mm³ para 236,9 ± 68,4 mm³; p = 0,36). O volume de hiperplasia intimal foi maior após ZES (16,6 ± 5,8 mm³ vs. 5,1 ± 5,5 mm³; p < 0,0001). Após nove meses, não ocorreram eventos cardíacos adversos nos pacientes com AI. CONCLUSÃO: A incidência de AI tardia foi de 2,9% e observada após SES. A presença de AI não esteve relacionada a eventos adversos a médio prazo.

Contenedores; Ultra-som; Sirolimus; Reestenose coronária


BACKGROUND: Incomplete stent apposition (ISA) has been documented after drug-eluting stents (DES) and could be related to stent thrombosis. Because DES differ in metal platform, polymer and pharmacological agent, differences in performance and safety are expected. OBJECTIVE: We sought to investigate the frequency and clinical consequences of ISA after implantation of sirolimus- (SES) and zotarolimuseluting stents (ZES). METHODS: 242 patients (pts) who underwent DES placement (175 pts with Cypher® and 67 pts with EndeavorTM stents) had serial intravascular ultrasound (IVUS) performed (at index procedure and after 6-months). RESULTS: 7 pts (4%) had late-acquired ISA after SES. Another 12 (6.8%) pts treated with SES had persistent ISA. Among pts treated with ZES, none had late ISA and 4 had ISA observed after stent implantation that completely resolved at 6-months. There was an increase in vessel (377.2 ± 148.9 to 431.9 ± 155.1 mm³, p = 0.51) and in plaque volume (206.1 ± 51.53 to 236.91 ± 68.4 mm³, p=0.36) in pts with late ISA. Amount of neointimal hyperplasia was significantly higher in ZES than SES (16.6 ± 5.8 mm³ vs 5.1 ± 5.5 mm³, p < 0.0001). After 9 months, no adverse clinical event was observed in pts with ISA. CONCLUSION: Overall incidence of IVUS-detected late incomplete DES apposition was 2.9%, all after SES. The presence of ISA was not related to clinical adverse events during mid term follow-up.

Stents; Ultrasonics; Sirolimus; Coronary restenosis


ARTIGO ORIGINAL

Incidência de aposição incompleta persistente e tardia após implante de stents com sirolimus e zotarolimus

Incidence of persistent and late-acquired incomplete stent apposition after sirolimus-and zotarolimus-eluting stents

Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira; Fausto Feres; Alexandre A. C. Abizaid; José Ribamar da Costa Jr.; Pedro B. de Andrade; Leandro I. Lasave; Julio de Paiva Maia; Luiz A. Mattos; Rodolfo Staico; Ricardo A. Costa; Luiz Fernando Tanajura; Áurea J. Chaves; Marinella P. Centemero; Andrea S. Abizaid; Amanda G. M. R. Sousa; J. Eduardo M. R. Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira Serviço de Cardiologia Invasiva - Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 São Paulo, SP - CEP 04012-909 E-mail: dimytri@cardiol.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Aposição incompleta (AI) é descrita após implante de stents farmacológicos (SF) e pode associar-se à trombose de stents. Em razão de diferentes plataformas, polímeros e fármacos utilizados, diferenças na eficácia e na segurança entre SF também são esperadas.

OBJETIVO: Avaliar a incidência de AI persistente e tardia após implante de stents com sirolimus (SES) e com zotarolimus (ZES) e a evolução dos pacientes que apresentem essa alteração.

MÉTODO: Análise de 242 pacientes tratados com SF (175 pacientes com SES - Cypher® - e 67 pacientes com ZES - EndeavorTM) e submetidos a ultra-sonografia intracoronária após o implante e aos seis meses.

RESULTADOS: No grupo tratado com SES, 7 (4%) pacientes apresentaram AI tardia e 12 (6,8%), AI persistente. No grupo tratado com ZES, nenhum caso de AI tardia foi identificado e, em 4 pacientes, observou-se AI após o implante e que desapareceu aos seis meses. Nos pacientes com AI tardia, observou-se aumento evolutivo dos volumes do vaso (de 377,2 ± 148,9 mm3 para 431,9 ± 155,1 mm3; p = 0,51) e da placa (de 206,1 ± 51,5 mm3 para 236,9 ± 68,4 mm3; p = 0,36). O volume de hiperplasia intimal foi maior após ZES (16,6 ± 5,8 mm3 vs. 5,1 ± 5,5 mm3; p < 0,0001). Após nove meses, não ocorreram eventos cardíacos adversos nos pacientes com AI.

CONCLUSÃO: A incidência de AI tardia foi de 2,9% e observada após SES. A presença de AI não esteve relacionada a eventos adversos a médio prazo.

Descritores: Contenedores. Ultra-som. Sirolimus. Reestenose coronária.

SUMMARY

BACKGROUND: Incomplete stent apposition (ISA) has been documented after drug-eluting stents (DES) and could be related to stent thrombosis. Because DES differ in metal platform, polymer and pharmacological agent, differences in performance and safety are expected.

OBJECTIVE: We sought to investigate the frequency and clinical consequences of ISA after implantation of sirolimus- (SES) and zotarolimuseluting stents (ZES).

METHODS: 242 patients (pts) who underwent DES placement (175 pts with Cypher® and 67 pts with EndeavorTM stents) had serial intravascular ultrasound (IVUS) performed (at index procedure and after 6-months).

RESULTS: 7 pts (4%) had late-acquired ISA after SES. Another 12 (6.8%) pts treated with SES had persistent ISA. Among pts treated with ZES, none had late ISA and 4 had ISA observed after stent implantation that completely resolved at 6-months. There was an increase in vessel (377.2 ± 148.9 to 431.9 ± 155.1 mm3, p = 0.51) and in plaque volume (206.1 ± 51.53 to 236.91 ± 68.4 mm3, p=0.36) in pts with late ISA. Amount of neointimal hyperplasia was significantly higher in ZES than SES (16.6 ± 5.8 mm3 vs 5.1 ± 5.5 mm3, p < 0.0001). After 9 months, no adverse clinical event was observed in pts with ISA.

CONCLUSION: Overall incidence of IVUS-detected late incomplete DES apposition was 2.9%, all after SES. The presence of ISA was not related to clinical adverse events during mid term follow-up.

Descriptors: Stents. Ultrasonics. Sirolimus. Coronary restenosis.

A intervenção coronária percutânea com implante de stents é, atualmente, a principal forma de revascularização miocárdica empregada. Estudos clínicos randomizados demonstram que os stents liberadores de sirolimus e paclitaxel são altamente efetivos na inibição da hiperplasia neointimal - principal determinante da ocorrência de reestenose após o implante de stents -, com conseqüente significativa redução das taxas de nova revascularização1,2. A sobrevida livre de eventos a longo prazo é superior a 90% nos pacientes tratados, mesmo em situações de complexidade tanto clínica como angiográfica3. Recentes publicações (incluindo-se metanálises e grandes estudos observacionais) têm demonstrado, contudo, maiores taxas de trombose tardia e muito tardia após utilização dos stents farmacológicos de primeira geração4,5.

A aposição incompleta das hastes de stents à parede vascular tem sido apontada como um dos potenciais fatores implicados na ocorrência de trombose tardia de stents6. Em razão de diversas plataformas metálicas, fármacos e principalmente polímeros utilizados na composição dos stents farmacológicos, diferenças na ocorrência dessa alteração vascular também podem ser esperadas7.

Este estudo tem como objetivo primário avaliar a incidência de aposição incompleta persistente e tardia após emprego de stents com sirolimus (stent Cypher®, Cordis, Johnson & Johnson) e de stents com zotarolimus (stents EndeavorTM, Medtronic Vascular, Califórnia, Estados Unidos). Constituem objetivos secundários a determinação da evolução clínica a médio prazo dos pacientes que apresentem essa alteração vascular e a definição dos mecanismos morfológicos de aposição incompleta, conforme os achados à ultra-sonografia intracoronária.

MÉTODO

Casuística

Constituem a casuística deste estudo pacientes consecutivamente submetidos a intervenção coronária percutânea eletiva com emprego de stents liberadores de sirolimus e zotarolimus, no período de dezembro de 2001 a março de 2006. Foram selecionados todos os pacientes nos quais o implante de stents foi monitorado com realização de ultra-sonografia intracoronária imediatamente após o procedimento e aos seis meses, conforme indicado por critérios clínicos ou em razão de protocolos de estudos clínicos uni- ou multicêntricos realizados em nossa instituição. A pesquisa, realizada na Seção de Angioplastia Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da instituição, estando de acordo com a Declaração de Helsinque para pesquisa em humanos. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Critérios de inclusão e exclusão

O estudo incluiu pacientes de ambos os sexos, maiores de 18 anos, portadores de isquemia silenciosa com teste(s) funcional(is) positivo(s) para isquemia miocárdica, angina estável ou instável, clinicamente controlados, submetidos a tratamento de lesões coronárias primárias com obstrução > 50% da luz vascular pela avaliação angiográfica, em um ou mais vasos naturais. Mulheres grávidas, pacientes tratados em razão de infarto agudo do miocárdio ocorrido nas últimas 72 horas, portadores de insuficiência renal com níveis de creatinina > 2,0 mg/dl, pacientes com alergias ou reações de hipersensibilidade ao contraste radiológico ou contra-indicações ao uso de aspirina e/ou tienopiridínicos (ticlopidina ou clopidogrel), portadores de lesões maiores de 50% em tronco de coronária esquerda, lesões localizadas em enxertos aortocoronários de veia safena, e pacientes nos quais houvesse impossibilidade de se analisar as imagens ultra-sonográficas em decorrência de artefatos e interferências ou dificuldade de posicionamento adequado do cateter de ultrasom distalmente ao stent implantado foram excluídos do estudo.

Stents utilizados

Neste estudo, foram analisados os resultados clínicos, angiográficos e ultra-sonográficos dos pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea com implante de stents Cypher® (constituído pela plataforma metálica BX-Velocity, por polímero durável PEVA/PBMA e pelo fármaco sirolimus) e stents EndeavorTM (plataforma Driver®, polímero biocompatível fosforilcolina, e fármaco zotarolimus, análogo ao sirolimus).

Implante de stents e seguimento clínico

Todos os pacientes foram submetidos a avaliações clínica, eletrocardiográfica e laboratorial antes e após a realização da intervenção coronária. Os procedimentos de revascularização foram instituídos conforme as diretrizes nacionais e internacionais de intervenção coronária percutânea8: a estratégia de pré-dilatação da lesão ou implante direto de stents foi definida pelo cardiologista intervencionista, buscando-se sempre a obtenção de implante ótimo de stents à análise angiográfica e à ultra-sonografia intracoronária, com pós-dilatação adjunta se necessário. O pré-tratamento com antiplaquetários (ácido acetilsalicílico [AAS] 200 mg e clopidogrel 300 mg) foi realizado 24 horas antes da intervenção, para os casos eletivos, ou de três a seis horas antes do procedimento, para a síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. AAS 100 mg/dia e clopidogrel 75 mg/dia ou ticlopidina 500 mg/dia foram mantidos por três a seis meses após o procedimento, conforme se recomendava na época da seleção dos pacientes. Acompanhamento clínico por nove meses foi realizado no Ambulatório de Angioplastia Coronária da própria instituição.

Obtenção das imagens ultra-sonográficas

As imagens ultra-sonográficas foram obtidas imediatamente após o implante de stents e, no caso do reestudo, realizadas após a administração de heparina por via endovenosa (100 U/kg) e de nitroglicerina intracoronária (0,2 mg). Com a utilização de dispositivo automático, o transdutor ultra-sonográfico foi tracionado à velocidade de 0,5 mm/segundo para a realização das seqüências das imagens. As ultra-sonografias foram gravadas e arquivadas em fitas de vídeo de alta resolução, possibilitando avaliação off line.

Avaliação pela ultra-sonografia intracoronária

Neste estudo, foi utilizada a definição de aposição incompleta de stents como a separação de, pelo menos, uma haste de stent da superfície intimal da parede vascular, com evidências à ultra-sonografia intracoronária de fluxo sanguíneo atrás da(s) haste(s), em segmento no qual não se observa presença de ramo secundário9. Houve necessidade de concordância na determinação da presença de aposição incompleta entre autor e co-autores do estudo (D.A.S., A.A., P.B.A. e L.L.). Aposição incompleta foi classificada em três tipos, de acordo com acompanhamento ultra-sonográfico seriado: 1. resolvida, quando presente imediatamente após o implante do stent, mas ausente no seguimento de seis meses; 2. persistente, quando presente após o implante e na evolução; e 3. tardia ou adquirida, quando tal alteração fosse observada apenas aos seis meses, estando ausente na avaliação realizada imediatamente após o implante do stent (Figura 1). A reconstrução tridimensional das imagens de ultra-sonografia intracoronária foi realizada com auxílio do programa Echo-Plaque 2 (Indec Systems Inc., Mountain View, Estados Unidos), com medidas de áreas referentes a vaso, stent, lúmen, placa, hiperplasia neointimal e de aposição incompleta, e os volumes foram calculados pela regra de Simpson, com aplicação de normatização internacional9.

Definição de eventos cardíacos

Óbito de origem cardíaca foi definido como morte em razão de evento cardiovascular (infarto do miocárdio, baixo débito cardíaco, arritmias fatais). Infarto agudo do miocárdio foi definido como novas ondas Q patológicas, em duas ou mais derivações contíguas, ou elevação da creatina quinase (CK) ou sua isoenzima MB (CK-MB) > 3 vezes o valor superior da normalidade, durante a hospitalização, ou > 2 vezes o limite superior da normalidade, após a alta hospitalar. Definiu-se como revascularização do vaso-alvo a ocorrência de novo procedimento de revascularização percutânea ou cirúrgica de qualquer segmento do vaso previamente tratado. Como definições de trombose de stents foram utilizadas aquelas selecionadas pelo Academic Research Consortium (ARC)10: definitiva (confirmação angiográfica ou anatomopatológica), provável (morte súbita < 30 dias após o implante do stent ou infarto relacionado à região da artéria tratada, mesmo sem confirmação angiográfica) e possível (morte súbita > 30 dias após o procedimento). Quanto à classificação em relação ao tempo de ocorrência, a trombose de stents ainda foi dividida em: aguda e subaguda (< 30 dias), tardia (31 dias a 360 dias) e muito tardia (> 360 dias).

Análise estatística

As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão e as variáveis categóricas foram expressas em números absolutos e porcentagem (%). A análise de diferenças entre as variáveis categóricas foi realizada com o teste do qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, quando necessário. Diferenças entre as variáveis contínuas foram determinadas pelo teste t de Student. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. A análise estatística foi realizada com o uso do Statistical Package for Social Sciences (SPSS Inc., versão 11.0).

RESULTADOS

No período do estudo, 268 pacientes foram consecutivamente tratados com stents Cypher® e EndeavorTM, com realização de ultra-sonografia intracoronária após o implante. Desses pacientes, foram selecionados 242 (270 lesões) que preenchiam os critérios de inclusão do estudo: 175 pacientes (177 lesões) submetidos a implante de stents Cypher® e 67 (93 lesões) tratados com stents EndeavorTM. Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos em relação às características clínicas, com predomínio de sexo masculino e de grande porcentual de diabéticos tratados e de pacientes com doença coronária estável (Tabela 1).

Houve predomínio de pacientes multivasculares (21% vs. 1,1%; p < 0,001), com lesões mais complexas, dos tipos B2 e C, conforme a classificação do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) (73% vs. 37%; p < 0,001), e de maior extensão (15,4 ± 9,3 mm vs. 11,2 ± 8,9 mm; p = 0,003) nos pacientes tratados com EndeavorTM. Por essa razão, tanto a extensão como o número de stents utilizados por paciente foram maiores nesse grupo (23,4 ± 8,7 mm vs. 19,5 ± 6,5 mm [p < 0,001] e 1,4 vs. 1,04 stents por paciente [p < 0,001], respectivamente). Não foram encontradas diferenças no que se refere à pressão máxima utilizada para implante ou pós-dilatação dos stents, bem como na relação stent/artéria ou necessidade de pós-dilatação (Tabela 2).

Ultra-sonografia intracoronária

Aposição incompleta persistente foi diagnosticada em 12 pacientes submetidos a implante de stents Cypher®, todas na borda proximal, não tendo sido observada após stents EndeavorTM (6,8% vs. 0%; p = 0,04), e 7 (4%) pacientes apresentaram aposição incompleta tardia após Cypher®, localizada principalmente no segmento médio dos stents (6 em 7 casos). Dos pacientes tratados com stents EndeavorTM, nenhum caso de aposição incompleta tardia foi identificado (0 vs. 4%; p = 0,19), e em 4 pacientes observou-se aposição incompleta após o implante, que desapareceu aos seis meses (Figuras 2 e 3, Tabela 3).




Ao se comparar as medidas ultra-sonográficas evolutivas (pós-implante e no reestudo) dos segmentos recobertos pelos stents, não foram observadas diferenças na variação de volumes do vaso (45,7 ± 28,9 mm3 vs. 40,6 ± 15,2 mm3; p = 0,11), lúmen (15,2 ± 8,6 mm3 vs. 13,4 ± 8,5 mm3; p = 0,10) e placa (43,1 ± 18,9 mm3 vs. 45,7 ± 19,1 mm3; p = 0,28) entre os grupos Cypher® e EndeavorTM, respectivamente. Verificou-se, contudo, maior volume de hiperplasia nos stents com zotarolimus (16,6 ± 5,8 mm3 vs. 5,1 ± 4,9 mm3; p < 0,001), mesmo após correção baseada na extensão do stent utilizado (1,07 ± 0,98 mm vs. 0,28 ± 0,21 mm; p < 0,001).

A análise ultra-sonográfica seriada demonstrou ainda que, nos 7 pacientes com aposição incompleta tardia, ocorreu maior variação no volume do vaso entre o implante e o reestudo, quando comparados a pacientes sem má aposição (357,2 ± 148,9 mm3 para 431,9 ± 155,1 mm3 vs. 370,3 ± 126,3 mm3 para 381,3 ± 145,6 mm3, respectivamente; p = 0,04). Em ambos os grupos, não foi observada variação significativa no volume da placa (206,1 ± 51,5 mm3 para 236,9 ± 68,4 mm3 vs. 215,6 ± 43,7 mm3 para 225,1 ± 54,7 mm3; p = NS), denotando que o remodelamento positivo do vaso foi o mecanismo morfológico que determinou aposição incompleta tardia das hastes.

DISCUSSÃO

A aposição incompleta (ou má aposição) das hastes de stents vem sendo descrita desde o emprego de braquiterapia intracoronária adjunta, podendo ser observada ainda após o implante de stents convencionais. É detectada com a utilização da ultra-sonografia intracoronária ou por meio de outros métodos de imagem intravascular. Simplificadamente, pode ser definida como a ausência de contato de, pelo menos, uma haste do stent com a parede do vaso. Na presença de acompanhamento seriado pela ultra-sonografia intracoronária (após o implante do stent e em outra ocasião, sem limite temporal), a aposição incompleta pode ser inicialmente classificada em dois tipos:

• Aguda: quando presente imediatamente após o implante. Na maioria das vezes, é decorrente de fatores técnicos (desproporção entre os diâmetros do próprio vaso ou do stent escolhido), estando associada a características específicas da lesão (por exemplo, calcificadas) e de localização predominantemente nas bordas. Em sua evolução, pode-se observar resolução (por crescimento de placa ou de tecido neointimal no espaço previamente existente entre as hastes e a parede do vaso) ou persistência da má aposição.

• Tardia ou adquirida: quando observada apenas no reestudo. Seu mecanismo permanece não elucidado, podendo estar relacionado à regressão da placa aterosclerótica atrás do stent, à dissolução evolutiva de trombo presente no momento do implante ou, mais provavelmente, a um remodelamento positivo do vaso determinado pela injúria vascular aguda ou crônica induzida pela prótese.

A incidência relatada de aposição incompleta tardia com utilização de stents não-farmacológicos é de 4% a 5%11; embora a relação causal não possa ser afirmada, tal alteração é usualmente observada em casos de trombose aguda e subaguda de stents. Uren et al.12, em registro com 53 pacientes com trombose de stents não-farmacológicos, encontraram aposição incompleta em 49% dos casos; em outro estudo retrospectivo, a aposição incompleta de hastes dos stents foi também apontada como um dos mecanismos implicados em casos de trombose tardia do vaso após braquiterapia complementar ao implante de stents13. Postula-se que, nesses casos, o fluxo sanguíneo turbilhonar entre as hastes do stent e a parede vascular criaria nicho hemodinâmico para a formação de trombo, o que poderia resultar em oclusão do vaso. Por outro lado, Hong et al.14, ao analisar a evolução de 881 pacientes, demonstraram que a sobrevida livre de eventos cardíacos maiores (óbito de origem cardíaca, infarto do miocárdio e revascularização de lesão-alvo), após três anos, foi superior a 98% e semelhante nos grupos com e sem evidências de aposição incompleta tardia de stents não-farmacológicos.

A freqüência e o significado clínico da aposição incompleta após emprego de stents farmacológicos não são bem determinados. Na subanálise do estudo RAVEL15, com avaliação de 95 pacientes tratados com stents Cypher® e submetidos a reestudo angiográfico com realização de ultra-sonografia intracoronária aos seis meses, a incidência de aposição incompleta foi de 21% (a ausência de avaliação por ultra-sonografia imediatamente após o implante não permitiu a determinação do tipo de má aposição). Em outra subanálise (SIRIUS), com 80 pacientes e utilização de stents Cypher®, Ako et al.16 identificaram aposição incompleta tardia em 8,7%. No estudo Taxus II17, a incidência de má aposição tardia variou de 8% a 9,5%. Em casuística com 557 pacientes não incluídos em estudos controlados e tratados com stents Cypher® e Taxus®, Hong et al.18 encontraram aposição incompleta tardia em 12%. Comum a todos esses estudos foi a não-associação dessa alteração vascular e a ocorrência de eventos adversos.

Outros estudos com maior tempo de acompanhamento clínico têm demonstrado, contudo, maior prevalência de aposição incompleta em pacientes com trombose tardia e muito tardia de stents farmacológicos. Cook et al.19 analisaram 13 pacientes com trombose tardia de stents farmacológicos (630 ± 166 dias) submetidos a ultra-sonografia intracoronária no momento de intervenção coronária primária; esses pacientes tiveram seus achados ultra-sonográficos comparados aos de outros sem trombose após dois anos. A aposição incompleta foi mais freqüente (77% vs. 12%; p = 0,001) e com maior área de má aposição (8,3 ± 7,5 mm2 vs. 4,0 ± 3,8 mm2) naqueles com trombose tardia. Em nossa experiência, de 195 pacientes tratados com stents Cypher® ou TaxusTM e submetidos a ultra-sonografia intracoronária após o implante e no seguimento de seis a oito meses, a incidência de aposição incompleta tardia foi de 5,1% (10 pacientes). Após acompanhamento clínico de 29 ± 15 meses, ocorreram dois casos de trombose definitiva naqueles com má aposição tardia20.

Hipóteses têm sido aventadas para explicar a ocorrência concomitante de aposição incompleta e trombose após emprego de stents farmacológicos: a primeira é de que a ação antiproliferativa da droga poderia impedir o crescimento de tecido entre as hastes e a parede vascular, em espaço originalmente deixado desde o implante (aposição incompleta persistente). Outra possibilidade refletiria a ação antimetabólica dos fármacos, que induziria a ocorrência de necrose ou apoptose celular, criando, durante a evolução, espaço entre as hastes do stent e a parede vascular (aposição incompleta tardia). Baseado no fato de que a liberação dos fármacos pelo polímero carreador continua por período finito e de que a meia-vida desses fármacos no tecido é de poucos dias, a possibilidade de o polímero determinar tal resposta vascular também não pode ser afastada. A indução de reações de hipersensibilidade local ou retardo na endotelização, contribuintes ou associados ao remodelamento positivo do vaso (sem aumento de placa concomitante), forneceriam o substrato anatômico e funcional para a ocorrência de trombose dos stents.

Em razão de diversas plataformas metálicas, polímeros e fármacos utilizados na composição dos stents farmacológicos, diferenças na indução, magnitude e resposta vascular aos processos acima descritos são plausíveis. Assim, estudos têm sugerido que maior grau de inibição da hiperplasia intimal, determinado por fármaco mais potente, poderia estar associado a maior retardo na endotelização e no remodelamento positivo do vaso; polímeros duráveis, utilizados na composição dos stents farmacológicos de primeira geração, resultariam em resposta inflamatória mais intensa, quando comparados a polímeros biocompatíveis (que mimetizam fosfolipídeos naturais da membrana celular).

No estudo Endeavor III, aposição incompleta tardia foi observada em apenas 0,5% dos pacientes tratados com esse stent e em 5,9% daqueles com Cypher®21. Neste estudo, não foram observados casos de aposição incompleta tardia após stents EndeavorTM. Embora aposição incompleta aguda tenha sido observada em 6% desses pacientes, em todos os casos houve resolução completa da má aposição (concomitante ao maior crescimento de tecido neointimal nesse grupo).

Neste estudo, não foram observados eventos cardíacos adversos nos pacientes com ou sem má aposição, após seguimento clínico de médio prazo. Em decorrência da baixa incidência de trombose tardia de stents, o estudo de populações com maior número de pacientes e acompanhados por maior período faz-se necessário, para garantia de poder suficiente, exclusão de erros estatísticos e conclusões a respeito do significado clínico de aposição incompleta de stents farmacológicos.

Limitações

Este estudo consiste numa análise observacional, porém consecutiva, de pacientes tratados em uma única instituição. Em decorrência da inclusão de menor número de pacientes tratados com stents com zotarolimus, a incidência de determinado tipo de aposição incompleta nesse grupo pode ter sido subestimada. Em razão de não ter sido realizada ultra-sonografia intracoronária previamente ao implante dos stents, o estabelecimento de correlação entre características da placa e ocorrência de aposição incompleta não foi possível. O tempo de seguimento dos pacientes foi restrito aos primeiros nove meses, impedindo conclusões a respeito da presença de aposição incompleta e ocorrência de trombose muito tardia (> 1 ano) de stents farmacológicos (Tabela 4).

CONCLUSÕES

No presente estudo, a aposição incompleta tardia de stents farmacológicos constituiu evento pouco comum (2,9% no total), sendo observada apenas após o implante de stents com sirolimus (4%). Nesses pacientes, o remodelamento positivo do vaso (aumento do volume do vaso sem aumento concomitante da placa) no local previamente tratado foi o mecanismo morfológico observado à ultra-sonografia intracoronária. Aposição incompleta resolvida, por outro lado, foi notada apenas após o emprego de stents com zotarolimus. A presença de aposição incompleta (seja tardia, persistente ou resolvida) não esteve relacionada a eventos cardíacos adversos após seguimento clínico em médio prazo.

Recebido em: 2/9/2007

Aceito em: 31/10/2007

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  • Correspondência:

    Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira
    Serviço de Cardiologia Invasiva - Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500
    São Paulo, SP - CEP 04012-909
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2007
    • Recebido
      02 Set 2007
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