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Intervenção percutânea em lesão de tronco de coronária esquerda não protegido

Percutaneous coronary intervention for unprotected left main coronary artery lesions

Resumos

INTRODUÇÃO: Refinamentos da intervenção coronária percutânea (ICP), entre eles a utilização do ultrassom intravascular (IVUS) e da reserva de fluxo fraccionada (FFR), têm permitido o tratamento de lesões complexas com bons resultados. Como consequência, a abordagem percutânea das lesões de TCE se difundiu, incluindo hospitais de menor volume de procedimentos. Nosso objetivo foi apresentar os resultados iniciais e tardios da ICP de lesões de TCE não protegido. MÉTODOS: Foram incluídos pacientes consecutivos tratados em dois centros hospitalares, de agosto do 2009 a julho do 2013. A indicação da estratégia percutânea baseou-se em avaliação clínica, cálculo do escore Syntax, EuroScore e no desejo do paciente. RESULTADOS: Foram tratados 28 pacientes, com idade de 69,2 ± 10,1 anos, 39% eram diabéticos e 39% eram portadores síndrome coronária aguda. Metade dos pacientes tinha EuroScore ≥ 6; o escore Syntax foi de 26,0 ± 8,4 e 82% tinham lesões localizadas na bifurcação. As intervenções foram guiadas por IVUS e/ou FFR em 71,4% dos pacientes, 93% foram tratados com stents farmacológicos, predominantemente pela técnica de 1 stent, e o sucesso angiográfico foi alcançado em 100% dos casos. O acompanhamento foi de 19,2 ± 13,7 meses. A taxa de desfechos clínicos maiores foi de 21,4% no seguimento maior a 4 anos, óbito cardíaco de 14,2%, infarto do miocárdio não fatal de 3,5%, e revascularização da lesão-alvo em 3,5%. CONCLUSÕES: A ICP de TCE não protegido guiada, sempre que possível, por IVUS e/ou FFR é segura e eficaz no curto e longo prazos, na experiência em um hospital com moderado volume de procedimentos.

Doença da artéria coronariana; Estenose coronária; Intervenção coronária percutânea; Stents farmacológicos; Ultrassom


BACKGROUND: Refinements in percutaneous coronary intervention (PCI), including the use of intravascular ultrasound (IVUS) and fractional flow reserve (FFR), have allowed the treatment of complex lesions with good results. As a result, the percutaneous approach for left main coronary artery (LM) lesions has spread, including centers with a lower volume of PCI procedures. Our objective was to report the early and late outcomes of PCI in unprotected LM lesions. METHODS: Consecutive patients treated at two different hospitals from August 2009 to July 2013 were included. The indication for the percutaneous approach was based on the clinical assessment and the calculation of Syntax score, EuroScore and on the patient's wishes. RESULTS: Twenty-eight patients with mean age of 69.2 ± 10.1 years were treated, 39% were diabetic and 39% had acute coronary syndromes. Half of the patients had EuroScore ≥ 6; the Syntax score was 26.0 ± 8.4 and 82% had LM bifurcation lesions. Interventions were guided by IVUS and/or FFR in 71.4% of the patients, 93% were treated with drug-eluting stents, and the 1-stent technique was used in most occasions. Angiographic success was achieved in 100% of the cases. At the 19.2 ± 13.7 month follow-up, the rate of major adverse cardiac events was 21.4% in the follow-up longer than 4 years, cardiac death 14.2%, non-fatal myocardial infarction 3.5% and target-lesion revascularization 3.5%. CONCLUSIONS: PCI in unprotected LM lesions, guided by IVUS and/or FFR whenever possible, is safe and effective in the short and long-term, in the experience of a hospital with a moderate number of PCI procedures.

Coronary artery disease; Coronary stenosis; Percutaneous coronary intervention; Drug-eluting stents; Ultrasonics


ARTIGO ORIGINAL

Intervenção percutânea em lesão de tronco de coronária esquerda não protegido

Percutaneous coronary intervention for unprotected left main coronary artery lesions

Arturo Ricardo QuizhpeI; Carlos OrtegaII; María Augusta CórdovaIII; Juan VintimillaIV; Xavier VázquezV; Juan GarcesVI; María Fernanda GonzálezVII; Adriana AstudilloVIII; Ender SaltoIX; Diego CórdovaX

IChefe do Serviço de Hemodinâmica do Hospital José Carrasco Arteaga. Cuenca, Equador

IICardiologista do Hospital José Carrasco Arteaga. Cuenca, Equador

IIIEcocardiografista do Hospital José Carrasco Arteaga e do Hospital Santa Inés. Cuenca, Equador

IVChefe do Serviço de Cardiologia do Hospital José Carrasco Arteaga. Cuenca, Equador

VEcocardiografista do Hospital Santa Inés. Cuenca, Equador

VICardiologista do Hospital Santa Inés. Cuenca, Equador

VIIMédica clínica geral do Serviço de Hemodinâmica do Hospital Santa Inés. Cuenca, Equador

VIIITécnica em Imagens do Serviço de Hemodinâmica do Hospital José Carrasco Arteaga. Cuenca, Equador

IXTécnico em Imagens do Serviço de Hemodinâmica do Hospital José Carrasco Arteaga. Cuenca, Equador

XCirurgião Cardíaco e Chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Santa Inés. Cuenca, Equador

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Arturo Ricardo Quizhpe Unidad de Hemodinámica del Hospital José Carrasco Arteaga. Popayan y Pacto Andino Cuenca, Ecuador E-mail: riquizimo@yahoo.es

RESUMO

INTRODUÇÃO: Refinamentos da intervenção coronária percutânea (ICP), entre eles a utilização do ultrassom intravascular (IVUS) e da reserva de fluxo fraccionada (FFR), têm permitido o tratamento de lesões complexas com bons resultados. Como consequência, a abordagem percutânea das lesões de TCE se difundiu, incluindo hospitais de menor volume de procedimentos. Nosso objetivo foi apresentar os resultados iniciais e tardios da ICP de lesões de TCE não protegido.

MÉTODOS: Foram incluídos pacientes consecutivos tratados em dois centros hospitalares, de agosto do 2009 a julho do 2013. A indicação da estratégia percutânea baseou-se em avaliação clínica, cálculo do escore Syntax, EuroScore e no desejo do paciente.

RESULTADOS: Foram tratados 28 pacientes, com idade de 69,2 ± 10,1 anos, 39% eram diabéticos e 39% eram portadores síndrome coronária aguda. Metade dos pacientes tinha EuroScore ≥ 6; o escore Syntax foi de 26,0 ± 8,4 e 82% tinham lesões localizadas na bifurcação. As intervenções foram guiadas por IVUS e/ou FFR em 71,4% dos pacientes, 93% foram tratados com stents farmacológicos, predominantemente pela técnica de 1 stent, e o sucesso angiográfico foi alcançado em 100% dos casos. O acompanhamento foi de 19,2 ± 13,7 meses. A taxa de desfechos clínicos maiores foi de 21,4% no seguimento maior a 4 anos, óbito cardíaco de 14,2%, infarto do miocárdio não fatal de 3,5%, e revascularização da lesão-alvo em 3,5%.

CONCLUSÕES: A ICP de TCE não protegido guiada, sempre que possível, por IVUS e/ou FFR é segura e eficaz no curto e longo prazos, na experiência em um hospital com moderado volume de procedimentos.

Descritores: Doença da artéria coronariana. Estenose coronária. Intervenção coronária percutânea. Stents farmacológicos. Ultrassom.

ABSTRACT

BACKGROUND: Refinements in percutaneous coronary intervention (PCI), including the use of intravascular ultrasound (IVUS) and fractional flow reserve (FFR), have allowed the treatment of complex lesions with good results. As a result, the percutaneous approach for left main coronary artery (LM) lesions has spread, including centers with a lower volume of PCI procedures. Our objective was to report the early and late outcomes of PCI in unprotected LM lesions.

METHODS: Consecutive patients treated at two different hospitals from August 2009 to July 2013 were included. The indication for the percutaneous approach was based on the clinical assessment and the calculation of Syntax score, EuroScore and on the patient's wishes.

RESULTS: Twenty-eight patients with mean age of 69.2 ± 10.1 years were treated, 39% were diabetic and 39% had acute coronary syndromes. Half of the patients had EuroScore ≥ 6; the Syntax score was 26.0 ± 8.4 and 82% had LM bifurcation lesions. Interventions were guided by IVUS and/or FFR in 71.4% of the patients, 93% were treated with drug-eluting stents, and the 1-stent technique was used in most occasions. Angiographic success was achieved in 100% of the cases. At the 19.2 ± 13.7 month follow-up, the rate of major adverse cardiac events was 21.4% in the follow-up longer than 4 years, cardiac death 14.2%, non-fatal myocardial infarction 3.5% and target-lesion revascularization 3.5%.

CONCLUSIONS: PCI in unprotected LM lesions, guided by IVUS and/or FFR whenever possible, is safe and effective in the short and long-term, in the experience of a hospital with a moderate number of PCI procedures.

Descriptors: Coronary artery disease. Coronary stenosis. Percutaneous coronary intervention. Drug-eluting stents. Ultrasonics.

Lesões significativas de tronco de coronária esquerda (TCE) estão presentes em cerca de 7% dos pacientes submetidos à cinecoronariografia.1 A intervenção coronária percutânea (ICP), nessas lesões, pode cursar com dificuldades técnicas e com consequente taxa elevada de desfechos cardíacos adversos maiores.2-4

A cirurgia de revascularização miocárdica sempre foi a estratégia preferida para tratar os pacientes com lesão de TCE não protegido, ficando a ICP restrita aos casos com risco cirúrgico elevado. No entanto, refinamentos na técnica da ICP, a disponibilização dos stents farmacológicos, a utilização do ultrassom intracoronário (IVUS - do inglês intravascular ultrasound) e da reserva de fluxo fracionada (FFR, do inglês fractional flow reserve), e a terapia antiplaquetária dupla têm contribuído notavelmente para diminuir as taxas de trombose e reestenose dos stents. Em conjunto, esses avanços têm permitido expandir a indicação da ICP para subgrupos de maior complexidade, como as lesões de TCE, mesmo em pacientes com condição cirúrgica.5,6

Vários registros multicêntricos e alguns ensaios clínicos randomizados de centros de grande experiência, com operadores altamente treinados, têm comparado a ICP e a cirurgia de revascularização em lesões de TCE, e demonstraram a segurança e a eficácia do procedimento percutâneo, com uso dos stents farmacológicos.2-5,7 Esses resultados têm motivado a difusão e a aplicação da estratégia intervencionista para pacientes selecionados com doença de TCE em centros de menor volume.

Apresentamos aqui a experiência inicial com o tratamento percutâneo de pacientes com lesões de TCE não protegido, mostrando seu perfil clínico, angiográfico e do procedimento, assim como os resultados iniciais e tardios.

MÉTODOS

População do estudo

Os pacientes submetidos a ICP foram incluídos de forma prospectiva em um registro conjunto do Hospital José Carrasco Arteaga e do Hospital Santa Inés, localizados em Cuenca (Equador), registro este desenvolvido para fins acadêmicos e controle de qualidade de seus serviços médicos. Entre agosto de 2009 e julho de 2013, foram realizados 2.910 estudos diagnósticos e intervenções cardiovasculares por cateter, das quais 672 eram ICPs, sendo que em 28 (4,1%) deles foram abordadas lesões de TCE não protegido. A indicação da estratégia percutânea baseou-se em avaliação clínica, cálculo do escore Syntax, EuroScore, e no desejo do paciente e de sua família. Nos casos de síndrome coronária aguda com elevação do segmento ST, ou síndromes agudas com instabilidade hemodinâmica, a decisão de revascularização foi tomada no momento da cinecoronariografia. Os outros casos foram discutidos com a equipe cardiológica (que incluiu cirurgião cardíaco) para estabelecer a melhor estratégia de revascularização. As razões para não realizar a revascularização cirúrgica incluíam alto risco cirúrgico, idade avançada, fração de ejeção do ventrículo esquerdo baixa, leitos coronários distais inadequados para enxertos e rejeição da indicação cirúrgica por parte do paciente. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética local.

Os critérios de inclusão, neste estudo, foram: pacientes com lesão de TCE ≥ 50% acompanhada por sintomas ou isquemia miocárdica documentada por teste funcional; e pacientes com lesão < 50% com evidência de isquemia documentada pela FFR < 0,80 e/ou área mínima do lúmen < 6,0 mm2 medida pelo IVUS. Foram excluídos pacientes com história de revascularização miocárdica com enxerto pérvio para a coronária esquerda, contraindicação ao uso de antiagregação plaquetária dupla e falta do termo de consentimento.

Intervenção coronária

Todos os doentes receberam terapia antiplaquetária dupla antes do procedimento (dose inicial de 600 mg de clopidogrel em pacientes com síndrome coronária aguda e de 300 mg em pacientes com isquemia crônica). Terapêutica antitrombótica consistiu em heparina não fracionada em doses de 100 UI/kg de peso para casos crônicos ou infarto agudo do miocárdio, e enoxaparina, na dose de 1 mg/kg, a cada 12 horas, para pacientes com síndrome coronária sem elevação do segmento ST. A seleção de acesso vascular dependeu de: circunstâncias médicas, peso, idade, sexo e grau de complexidade da anatomia coronária. Assim, preferiu-se o acesso radial em pacientes do sexo masculino, com peso ≥ 60 kg, estáveis hemodinamicamente e candidatos à ICP eletiva. O acesso femoral foi, em geral, escolhido para pacientes do sexo feminino, de baixo peso e anatomia coronária complexa, que poderia exigir cateter-guia ≥ 7 F.

O IVUS era recomendado em todos os casos, tanto na avaliação pré como pós-procedimento, desde que clinica e tecnicamente possível. A FFR foi disponibilizada depois de agosto de 2010, em um dos hospitais, sendo recomendada para decidir o tratamento em pacientes com lesões intermediárias, avaliadas por angiografia e IVUS, e também para avaliar a necessidade de intervenção adicional na artéria circunflexa com a técnica de 1 stent em cross-over do tronco para a artéria descendente anterior. A abordagem escolhida para lesões de bifurcação foi a de stent provisional, enquanto que a técnica de 2 stents foi restrita àqueles que apresentaram uma ou mais das seguintes características na artéria circunflexa: lesão segmentar grave na origem pré-intervenção, estenose grave residual após implante do stent, FFR < 0,80 e presença de dissecção.

Na pós-dilatação, a técnica simultaneous kissing balloons (SKB) era indicada em todos os casos de implante planejado de 2 stents ou com a técnica de 1 stent se a FFR < 0,80 ou quando houvesse lesão residual grave no óstio da artéria circunflexa. A técnica de otimização proximal com balão de maior diâmetro era preconizada em todos os casos.

Definições e desfechos clínicos

Sucesso angiográfico foi definido como estenose residual < 20% e fluxo final TIMI 3. Já o sucesso da intervenção foi definido como obtenção do sucesso angiográfico na ausência de óbito ou trombose do stent durante a internação. A análise angiográfica foi realizada por intervencionista cego para os resultados das ICPs. Os parâmetros quantitativos avaliados foram o diâmetro mínimo do lúmen, o diâmetro de referência do vaso, o diâmetro da estenose, a extensão da lesão, o ganho agudo e a perda tardia. A reestenose angiográfica foi definida como lesão > 50% dentro do stent ou nos 5 mm das bordas proximal e distal ao stent.

Eventos cardíacos adversos maiores compreenderam óbito de origem cardíaca, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e necessidade de revascularização da lesão-alvo. Morte cardíaca foi definida como morte súbita, inexplicável, ou devida à insuficiência cardíaca ou episódios isquêmicos. O infarto agudo do miocárdio foi definido como aumento da troponina ou CKMB maior ou igual a três vezes o limite superior de normalidade, com ou sem sintomas, ou o desenvolvimento de novas ondas Q no eletrocardiograma em pelo menos duas derivações contíguas. O acidente vascular cerebral foi definido como a constatação de défice motor neurológico, comprovado por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética, após a intervenção. A revascularização da lesão-alvo foi definida como qualquer intervenção, percutânea ou cirúrgica, realizada para tratar a reestenose do(s) stent(s) implantado(s), usados, por sua vez, para tratar a lesão de TCE. A trombose de stent foi definida de acordo com o Academic Research Consortium (ARC). Todos os pacientes foram avaliados clinicamente no ambulatório aos 30 dias e, a seguir, a cada 90 dias após a ICP. Todos os resultados, clínicos, laboratoriais e testes funcionais foram gravados em um programa de prontuários digitais (sistema AS-400). Uma nova angiografia seria realizada com o retorno dos sintomas, ou sugerida aos 6 meses da ICP índice nos pacientes com evolução assintomática.

As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio-padrão e as variáveis categóricas, como números absolutos e porcentagens.

RESULTADOS

A população avaliada mostrou perfil clínico de alta complexidade, composto por parcela significativa de pacientes idosos (39% dela > 75 anos), além de 39% de diabéticos, 14% com insuficiência renal crônica, 21% com doença vascular periférica e 39% de portadores de síndrome coronária aguda. Em 35% dos casos, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi < 45%, e 50% tiveram pontuação do Euroscore ≥ 6 (Tabela 1).

As características angiográficas e do procedimento (Tabela 2 e Figuras 1 a 3) também mostraram perfil complexo, com mais da metade dos pacientes com lesão de TCE + três vasos e 82% com acometimento da bifurcação. A distribuição da pontuação do Syntax foi de 39,2% para o escore entre zero e 22, 42,8% para o escore entre 23 e 32, e 17,8% para o escore ≥ 33. Os procedimentos foram realizados, em sua maioria, por via femoral (86%), em 71% dos casos empregando 1 stent. Foram utilizados 2,8 ± 1,4 stents por paciente e 93% dos casos receberam stents farmacológicos. As intervenções foram guiadas por IVUS e/ou FFR em 71,4% das vezes, e o sucesso angiográfico foi alcançado em todos os casos.


A angiografia tardia foi realizada em 12 pacientes, por conta da recusa em realizar novo procedimento ou por não terem atingido os 6 meses de evolução pós-ICP (Tabela 3). A reestenose angiográfica foi constatada em apenas um paciente (3,5%).

A taxa de desfechos cardíacos maiores no acompanhamento de 19,2 ± 13,7 meses foi de 21,4% em seguimento maior que 4 anos, devido à morte cardíaca hospitalar de três pacientes que foram tratados na vigência de infarto agudo do miocárdico com elevação do segmento ST, um infarto agudo do miocárdico assintomático, detectado por elevação de enzimas cardíacas três vezes superior ao limite normal, e a necessidade de uma nova revascularização por reestenose da artéria circunflexa (Tabela 4). Não foi constatado acidente vascular cerebral (AVC) e nem trombose do stent.

DISCUSSÃO

ICP para o tratamento de lesão de TCE não protegido guiada, sempre que possível, por IVUS e FFR é eficaz e segura no curto e longo prazos, na experiência de uma equipe médica de um hospital com moderado volume de procedimentos.

Aspectos técnicos

A técnica de 1 stent foi aplicada na maioria dos pacientes, sendo que 2 stents foram usados em 29% dos casos. A evidência atual sugere que a estratégia provisional T-stenting deve ser a preferida nas lesões de bifurcação, localizadas ou não no TCE, por conta da baixa taxa de eventos cardíacos maiores e menor incidência de reestenose em 6 meses (< 6%).8,9 Em nosso registro, os casos com acometimento da bifurcação foram tratados com a técnica mais simples e foram obtidos melhores resultados clínicos - implante de 1 stent direcionado do TCE para artéria descendente anterior, seguido de otimização proximal e, finalmente, pós-dilatação com SKB quando necessário (guiado pela FFR em um terço dos casos). Um segundo stent foi usado em uma menor porcentagem de pacientes, o que é consistente com os achados de vários registros e estudos randomizados.2,4,7 No entanto, encontramos diferentes opiniões à respeito da aplicação do pós-dilatação. Alguns autores têm defendido a realização da pós-dilatação com a técnica de SKB em todos os casos de lesão TCE, mesmo quando utilizado 1 stent, com a finalidade de obter acesso para o ramo lateral e otimizar a expansão proximal.3-5 Em nossa análise, 54% dos pacientes receberam a pós-dilatação com SKB, porque aqueles que receberam 1 stent não mostraram lesão grave em origem da artéria circunflexa, dissecções, alterações do fluxo coronário, nem isquemia detectada pela FFR.

A utilidade do SKB com a técnica de 1 stent sem acometimento do ramo lateral tem sido explorada em 2 estudos de bifurcação, mostrando resultado neutro e mesmo prejudicial.10,11 Gwon et al.,10 no registro COBIS, analisaram 1.065 pacientes com lesões em bifurcação - dois terços com lesões em bifurcações verdadeiras. A pós-dilatação com SKB teve efeito desfavorável em relação à necessidade de revascularização da lesão alvo, provavelmente relacionada à deformação das hastes, que não foi totalmente corrigida com a dilatação simultânea.

Tendo em conta a recente disponibilidade da FFR em nosso serviço, nem todos os nossos pacientes foram avaliados do ponto de vista funcional. No entanto, seu uso mudou conceitos preexistentes a respeito do tratamento de bifurcações. Por exemplo, dois dos nossos casos apresentaram lesão de TCE entre 30 e 40%, mas mostram valores alterados da FFR. Park et al.12 confirmaram esse fato ao provarem a discordância entre a estimativa visual e o impacto funcional das lesões de TCE. De acordo com seus resultados, 40% das lesões < 50% tinham FFR < 0,80. Essa discordância entre os resultados angiográficos e a FFR também foi um achado na avaliação do ramo lateral encarcerado após o implante do stent no ramo principal. Koo et al.13 demonstraram que apenas 27% das lesões residuais ≥ 75% tinham FFR < 0,75 e necessitavam intervenção.

Visto que não há outro segmento da árvore coronária com maior variabilidade interobservador na avaliação da gravidade das lesões do que TCE, o uso da FFR como guia para a ICP pode trazer benefícios, como a verificação da presença de lesões hemodinamicamente significativas e a simplificação da intervenção nas lesões de bifurcação.14 Dado que a presença de estenose angiográfica representa um dos muitos fatores que influenciam o fluxo coronário, a decisão de intervir em uma lesão de TCE deve se basear no julgamento clínico, em testes funcionais, e na avaliação meticulosa invasiva, preferencialmente por meio da FFR e do IVUS.

Aspectos clínicos

A ICP de TCE não protegido está emergindo rapidamente como alternativa viável para a cirurgia de revascularização. Dados coletados a partir do estudo Syntax, inúmeros registros em todo o mundo e ensaios clínicos pequenos levaram a uma evolução na indicação atual da diretriz europeia para a classe IIa (evidência nível B) da ICP do TCE isolado ou em lesão envolvendo a origem ou o corpo associado à doença de um vaso. Igualmente, na opinião dos especialistas, tem sido recomendada a ICP para pacientes de alto risco cirúrgico ou na vigência de infarto agudo do miocárdio.6 O perfil clínico de nosso registro da prática clínica, medido por meio das pontuações do EuroScore e Syntax, mostra uma população com elevado potencial de apresentar desfechos clínicos maiores (foram incluídos pacientes com infarto agudo do miocárdio, choque cardiogênico e fração de ejeção baixa). No entanto, a taxa de eventos a curto e longo prazos é baixa. Esse achado pode ser devido a dois fatores. Em primeiro lugar, o tempo médio de acompanhamento é relativamente curto, sendo capaz de apresentar eventos importantes a longo prazo. Por exemplo, no registro RESEARCH, o subgrupo de pacientes com lesão de TCE não protegido, tratados por ICP com stent farmacológico, perfil clínico e angiográfico de alto risco (EuroSCORE 4.2, Syntax 39,4 e fração de ejeção de 45,3%) apresentou desfechos cardíacos com aumento significativo após o 2o ano de seguimento. As causas para esse comportamento não foram esclarecidas.15 Em segundo lugar, o uso concomitante de FFR e IVUS ajudou o intervencionista a melhorar a seleção dos casos, otimizar os resultados técnicos e clínicos imediatos e a médio prazo. Embora nosso estudo represente apenas a experiência de uma equipe médica de dois centros com volume moderado de procedimentos, a disponibilidade do IVUS e da FFR e sua aplicação em dois terços dos casos podem ter desempenhado importante papel na obtenção dos bons resultados. Park et al.12 mostraram que o uso de IVUS na otimização da intervenção de TCE não protegido com o uso de stents farmacológicos teve impacto sobre a mortalidade, que foi menor quando comparada à ICP guiada unicamente pela angiografia.16 Um papel crítico do IVUS na avaliação pós-procedimento no TCE fica evidente no estudo que demostrou uma taxa de reestenose < 6% com a técnica de dois stents, quando se atingiram áreas mínimas luminais de 5, 6, 7 e 8 mm2, para as origens da artéria circunflexa, descendente anterior, polígono de confluência e o TCE, respectivamente.17

Limitações do estudo

Trata-se de uma amostra pequena da experiência de uma única equipe médica, além de apresentar as limitações inerentes de um estudo observacional. No entanto, ele representa o único estudo de ICP de TCE não protegido conhecido em nosso país.

CONCLUSÕES

A intervenção coronária percutânea em lesão significativa de tronco de coronária esquerda não protegido, guiada, sempre que possível, por ultrassom intracoronário e por reserva de fluxo fracionada, é segura e eficaz no acompanhamento a médio prazo da experiência de uma equipe médica com volume moderado de intervenções.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionados a este manuscrito.

Recebido em: 18/6/2013

Aceito em: 11/9/2013

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  • Endereço para correspondência:
    Arturo Ricardo Quizhpe
    Unidad de Hemodinámica del Hospital José Carrasco Arteaga. Popayan y Pacto Andino
    Cuenca, Ecuador
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Jun 2013
    • Aceito
      11 Set 2013
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