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Mudanças no perfil populacional e resultados da intervenção coronária percutânea do Registro Angiocardio

Resumos

INTRODUÇÃO: A evolução tecnológica tem permitido ampliar a indicação da intervenção coronária percutânea (ICP) para cenários clínicos e angiográficos mais desafiadores. Nosso objetivo foi avaliar os resultados da ICP em dois diferentes períodos, nos últimos 6 anos. MÉTODOS: Registro multicêntrico no qual 6.288 pacientes consecutivos tratados por ICP foram divididos por períodos de tratamento: 2006 a 2008 (P1; n = 1.779) e 2009 a 2012 (P2; n = 4.509). Buscamos comparar as taxas de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM) hospitalares e identificar seus preditores. RESULTADOS: Pacientes do Grupo P2 mostraram ser mais jovens, com maior prevalência de tabagismo e diabetes. Esses pacientes mostraram maior acometimento de múltiplos vasos, maior número de lesões trombóticas e lesões em bifurcações. A relação de vasos tratados/paciente foi maior no Grupo P2, assim como a relação stent/paciente e a utilização de stents farmacológicos. ECCAM foi mais frequente no Grupo P2 (2,5% vs. 3,5%; P = 0,04), às custas do infarto periprocedimento (1,7% vs. 2,6%; P = 0,05), não havendo diferenças quanto a óbito (1,0% vs. 1,0%; P = 0,87), acidente vascular cerebral (0,2% vs. 0,1%; P = 0,47) ou cirurgia de revascularização de emergência (0,1% vs. 0; P = 0,68). Idade (odds ratio - OR - de 1,02; intervalo de confiança de 95% - IC 95% - de 1,00-1,05; P = 0,04) e Killip III/IV (OR = 6,03, IC 95%; 3,39-10,90; P < 0,01) foram as variáveis que melhor explicaram a presença de ECCAM. CONCLUSÕES: Nessa grande coorte, mudanças substanciais ocorreram nas características de pacientes tratados por ICP nos últimos 6 anos. O cenário mais complexo associou-se a discreto aumento de infartos periprocedimento, mas não a outros eventos adversos clínicos hospitalares.

Doença da artéria coronariana; Infarto do miocárdio; Intervenção coronária percutânea; Perfil de saúde; Resultado de tratamento; Registros


BACKGROUND: Technological developments have enabled the expansion of percutaneous coronary intervention (PCI) indications for more challenging clinical and angiographic scenarios. Our objective was to evaluate the results of PCI in two different periods in the past 6 years. METHODS: This was a multicenter registry including 6,288 consecutive patients treated by PCI, who were divided according to different treatment periods: 2006 to 2008 (P1; n = 1,779) and 2009 to 2012 (P2; n = 4,509). We intended to compare the rates of in-hospital major adverse cardiac and cerebrovascular events (MACCE) and identify their predictors. RESULTS: P2 patients were younger and had a higher prevalence of smoking and diabetes. These patients had a greater rate of multivessel, thrombotic and bifurcation lesions. The number of diseased vessels per patient was higher in the P2 Group, as well as the number of stents per patient, and the use of drug-eluting stents. MACCE was more frequent in P2 patients (2.5% vs. 3.5%; P = 0.04), due to periprocedural myocardial infarction (1.7% vs. 2.6%; P = 0.05), and there were no differences in terms of death (1.0% vs. 1.0%; P = 0.87), stroke (0.2% vs. 0.1%; P = 0.47) or emergency coronary artery bypass grafting (0.1% vs. 0; P = 0.68). Age (odds ratio - OR - 1.02; 95% confidence interval - CI 95% - 1.00-1.05; P = 0.04) and Killip III/IV (OR = 6.0, 95% CI; 3.3-10.9; P < 0.01) were the variables that best explained the presence of MACCE. CONCLUSIONS: In this large cohort, substancial changes occurred in the characteristics of patients treated by PCI in the last 6 years. This more complex scenario was associated to a slight increase of periprocedural myocardial infarctions, but not to other in-hospital clinical adverse events.

Coronary artery disease; Myocardial infarction; Percutaneous coronary intervention; Health profile; Treatment outcome; Registries


ARTIGO ORIGINAL

Mudanças no perfil populacional e resultados da intervenção coronária percutânea do Registro Angiocardio

Marcelo Mendes FarinazzoI; Marcelo José de Carvalho CantarelliII; Hélio J. Castello Jr.III; Rosaly GonçalvesIV; Silvio GioppatoV; João Batista de Freitas GuimarãesVI; Evandro Karlo Pracchia RibeiroVII; Julio Cesar Francisco VardiVIII; Higo Cunha NoronhaIX; Fabio Peixoto GanassinX; Leonardo Cao Cambra de AlmeidaXI; Ednelson Cunha NavarroXII; Thomas Borges ConfortiXIII

ICardiologista estagiário do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IIDoutor. Cardiologista intervencionista e coordenador do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IIIMestre. Cardiologista intervencionista e coordenador do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IVMestre. Cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Rede D'Or São Luiz - Unidade Anália Franco. São Paulo, SP, Brasil

VMestre. Cardiologista intervencionista e coordenador do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Vera Cruz. Campinas, SP, Brasil

VICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

VIICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

VIIICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IXCardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Regional do Vale do Paraíba. Taubaté, SP, Brasil

XMédico estagiário do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

XICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

XIICardiologista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Regional do Vale do Paraíba. Taubaté, SP, Brasil

XIIICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Vera Cruz. Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcelo Mendes Farinazzo Hospital Bandeirantes R. Galvão Bueno, 257 - Liberdade São Paulo, SP, Brasil - CEP 01506-000 E-mail: mfarinazzo@cardiol.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A evolução tecnológica tem permitido ampliar a indicação da intervenção coronária percutânea (ICP) para cenários clínicos e angiográficos mais desafiadores. Nosso objetivo foi avaliar os resultados da ICP em dois diferentes períodos, nos últimos 6 anos.

MÉTODOS: Registro multicêntrico no qual 6.288 pacientes consecutivos tratados por ICP foram divididos por períodos de tratamento: 2006 a 2008 (P1; n = 1.779) e 2009 a 2012 (P2; n = 4.509). Buscamos comparar as taxas de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM) hospitalares e identificar seus preditores.

RESULTADOS: Pacientes do Grupo P2 mostraram ser mais jovens, com maior prevalência de tabagismo e diabetes. Esses pacientes mostraram maior acometimento de múltiplos vasos, maior número de lesões trombóticas e lesões em bifurcações. A relação de vasos tratados/paciente foi maior no Grupo P2, assim como a relação stent/paciente e a utilização de stents farmacológicos. ECCAM foi mais frequente no Grupo P2 (2,5% vs. 3,5%; P = 0,04), às custas do infarto periprocedimento (1,7% vs. 2,6%; P = 0,05), não havendo diferenças quanto a óbito (1,0% vs. 1,0%; P = 0,87), acidente vascular cerebral (0,2% vs. 0,1%; P = 0,47) ou cirurgia de revascularização de emergência (0,1% vs. 0; P = 0,68). Idade (odds ratio - OR - de 1,02; intervalo de confiança de 95% - IC 95% - de 1,00-1,05; P = 0,04) e Killip III/IV (OR = 6,03, IC 95%; 3,39-10,90; P < 0,01) foram as variáveis que melhor explicaram a presença de ECCAM.

CONCLUSÕES: Nessa grande coorte, mudanças substanciais ocorreram nas características de pacientes tratados por ICP nos últimos 6 anos. O cenário mais complexo associou-se a discreto aumento de infartos periprocedimento, mas não a outros eventos adversos clínicos hospitalares.

DESCRITORES: Doença da artéria coronariana. Infarto do miocárdio. Intervenção coronária percutânea. Perfil de saúde. Resultado de tratamento. Registros.

ABSTRACT

BACKGROUND: Technological developments have enabled the expansion of percutaneous coronary intervention (PCI) indications for more challenging clinical and angiographic scenarios. Our objective was to evaluate the results of PCI in two different periods in the past 6 years.

METHODS: This was a multicenter registry including 6,288 consecutive patients treated by PCI, who were divided according to different treatment periods: 2006 to 2008 (P1; n = 1,779) and 2009 to 2012 (P2; n = 4,509). We intended to compare the rates of in-hospital major adverse cardiac and cerebrovascular events (MACCE) and identify their predictors.

RESULTS: P2 patients were younger and had a higher prevalence of smoking and diabetes. These patients had a greater rate of multivessel, thrombotic and bifurcation lesions. The number of diseased vessels per patient was higher in the P2 Group, as well as the number of stents per patient, and the use of drug-eluting stents. MACCE was more frequent in P2 patients (2.5% vs. 3.5%; P = 0.04), due to periprocedural myocardial infarction (1.7% vs. 2.6%; P = 0.05), and there were no differences in terms of death (1.0% vs. 1.0%; P = 0.87), stroke (0.2% vs. 0.1%; P = 0.47) or emergency coronary artery bypass grafting (0.1% vs. 0; P = 0.68). Age (odds ratio - OR - 1.02; 95% confidence interval - CI 95% - 1.00-1.05; P = 0.04) and Killip III/IV (OR = 6.0, 95% CI; 3.3-10.9; P < 0.01) were the variables that best explained the presence of MACCE.

CONCLUSIONS: In this large cohort, substancial changes occurred in the characteristics of patients treated by PCI in the last 6 years. This more complex scenario was associated to a slight increase of periprocedural myocardial infarctions, but not to other in-hospital clinical adverse events.

DESCRIPTORS: Coronary artery disease. Myocardial infarction. Percutaneous coronary intervention. Health profile. Treatment outcome. Registries.

INTRODUÇÃO

Desde a realização da primeira angioplastia com cateter balão, em 1977, por Andreas Gruentzig, na Universidade de Zurique,1 a intervenção coronária percutânea (ICP) tem evoluído de maneira significativa. Nos últimos 20 anos, a evolução dos materiais, a melhoria na aquisição das imagens e o aprimoramento da técnica permitiram alcançar excelentes resultados, consagrando o tratamento percutâneo como primeira linha no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST,2,3 podendo ser indicado para todas as formas clínicas e variedades anatômicas de pacientes portadores de doença da artéria coronariana (DAC).4-6

O avanço da cardiologia intervencionista favoreceu uma mudança no perfil dos pacientes submetidos à terapia percutânea. Hoje, a ICP é cada vez mais indicada em pacientes com maior número de comorbidades e com DAC mais complexa.4,5,7

A mudança no perfil clínico dos pacientes ao longo dos anos pode influenciar os desfechos após ICP em ensaios clínicos randomizados, assim como nos registros.4,8 Procuramos verificar diferenças evolutivas do perfil clínico, angiográfico e do procedimento, assim como os resultados hospitalares, de pacientes submetidos à ICP nos últimos 6 anos do Registro Angiocardio.

MÉTODOS

População

No período de agosto de 2006 a outubro de 2012, 6.288 pacientes consecutivos foram submetidos à ICP nos centros que compõem o Registro Angiocardio (Hospital Bandeirantes, Hospital Rede D'Or São Luiz Anália Franco e Hospital Leforte, em São Paulo; Hospital Vera Cruz, em Campinas; e Hospital Regional do Vale do Paraíba, em Taubaté). Os dados foram coletados de forma prospectiva e armazenados em um banco de dados informatizado disponível via internet em todos os centros que participam do registro. A análise foi realizada em dois períodos: o primeiro período (P1) foi de 2006 a 2008 e incluiu 1.779 pacientes; o segundo período (P2) foi de 2009 a 2012 e alocou 4.509 pacientes. O objetivo primário foi comparar as taxas de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM), compreendendo óbito hospitalar, infarto periprocedimento, acidente vascular cerebral (AVC) e cirurgia de revascularização de emergência no momento da alta hospitalar entre os períodos determinados.

Procedimento

As intervenções foram realizadas, quase em sua totalidade, por via femoral, sendo utilizada a via radial como opção em poucos casos. A técnica e a escolha do material, durante o procedimento, ficaram a cargo dos operadores, assim como a avaliação da necessidade do uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa. Foi utilizada heparina não fracionada no início do procedimento na dose de 70 U/kg a 100 U/kg, exceto nos pacientes que já estavam em uso de heparina de baixo peso molecular.

Todos os pacientes receberam terapia antiplaquetária combinada com ácido acetilsalicílico (AAS), nas doses de ataque de 300 mg e de manutenção de 100 mg/dia a 200 mg/dia, e clopidogrel, nas doses de ataque de 300 mg a 600 mg e de manutenção de 75 mg/dia. Os introdutores femorais foram retirados 4 horas após o início da heparinização. Os introdutores radiais foram retirados imediatamente após o término do procedimento.

Análise angiográfica e definições

As análises foram realizadas em pelo menos duas projeções ortogonais, por operadores experientes, com uso de angiografia quantitativa digital. Neste estudo, foram utilizados os mesmos critérios angiográficos constantes no banco de dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI). O tipo de lesão foi classificado conforme os critérios do American College of Cardiology e da American Heart Association (ACC/AHA).9 Para a determinação do fluxo coronário pré e pós-procedimento, foi utilizada a classificação TIMI.10 Sucesso do procedimento foi definido como obtenção de sucesso angiográfico (estenose residual < 30%, com fluxo TIMI 3) e ausência de ECCAM, compreendendo óbito, infarto periprocedimento, AVC e cirurgia de revascularização miocárdica de emergência.11

Os óbitos, por qualquer causa, foram contabilizados e a mortalidade cardíaca foi definida como aquela consequente a choque cardiogênico, insuficiência cardíaca, IAM, ruptura cardíaca, arritmia ou morte súbita no período hospitalar. O infarto periprocedimento foi definido pelo reaparecimento de sintomas anginosos, com presença de alterações eletrocardiográficas (novo supradesnivelamento do segmento ST ou novas ondas Q) e/ou evidência angiográfica de oclusão do vaso-alvo. Foi considerada cirurgia de revascularização miocárdica de emergência aquela realizada imediatamente após a ICP.

Análise estatística

Os dados armazenados em banco de dados com base Oracle foram plotados em planilhas Excel e analisados em programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 15.0. As variáveis contínuas foram expressas em média ± desvio padrão e as variáveis categóricas, em números absolutos e percentis. As associações entre as variáveis contínuas foram avaliadas utilizando-se o modelo ANOVA. As associações entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelos testes qui-quadrado, exato de Fischer ou razão de verossimilhança, quando apropriado. Foi adotado nível de significância de P < 0,05. Modelos de regressão logística simples e múltipla foram aplicados para identificar preditores de ECCAM.

RESULTADOS

As características clínicas estão representadas na Tabela 1. O grupo tratado no período mais contemporâneo (P2) mostrou ser, em média, 2 anos mais jovem, com maior prevalência de tabagistas e diabéticos, e menor prevalência de hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e cirurgia de revascularização prévia. Mostrou também ter maior número de pacientes assintomáticos ou com IAM com supradesnivelamento do segmento ST.

Do ponto de vista angiográfico, os pacientes do Grupo P2 mostraram perfil mais complexo, com maior acometimento multiarterial, maior número de lesões trombóticas e de lesões envolvendo bifurcação (Tabela 2).

Quanto às características do procedimento (Tabela 3), a relação de vasos tratados por paciente foi maior no Grupo P2 (1,3 ± 0,6 vs. 1,4 ± 0,7; P < 0,01), assim como a relação stent/paciente (1,2 ± 0,6 vs. 1,3 ± 0,7; P = 0,02) e a utilização de stents farmacológicos (10,9% vs. 25,1%; P < 0,01). Com relação às dimensões das próteses implantadas, notamos maior diâmetro e maior comprimento das mesmas no Grupo P2: 2,94 ± 0,45 mm vs. 2,98 ± 0,50 mm; P < 0,01 e 17,9 ± 6,7 mm vs. 18,9 ± 7,1 mm; P < 0,01, respectivamente. A utilização da técnica de stent direto foi menos comumente realizada (52,3% vs. 35,7%; P < 0,01), e a tromboaspiração foi mais aplicada no Grupo P2 (0,8% vs. 3,6%; P < 0,01).

A Tabela 4 indica os desfechos clínicos na fase hospitalar. Notamos que ECCAM foi mais frequente no Grupo P2 (2,5% vs. 3,5%; P = 0,04), às custas do IAM periprocedimento (1,7% vs. 2,6%; P = 0,05), não havendo diferença entre os grupos quanto aos óbitos hospitalares (1,0% vs. 1,0%; P = 0,87), AVC (0,2% vs. 0,1%; P = 0,47) ou cirurgia de revascularização de emergência (0,1% vs. 0; P = 0,68).

Na análise univariada, as variáveis idade, grupo funcional Killip III/IV, acometimento multiarterial, lesões tipo B2/C, lesões longas, calcificadas ou trombóticas, lesões oclusivas, fluxo TIMI 0/1 pré-ICP, presença de circulação colateral, ICP primária, uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e tromboaspiração apresentaram relação significativa com a ocorrência de ECCAM. Na análise multivariada, a idade (odds ratio - OR - de 1,02; intervalo de confiança de 95% - IC 95% - de 1,00-1,05; P = 0,04) e Killip III/IV (OR = 6,0; IC 95%; 3,3-10,9; P < 0,01) foram as variáveis que melhor explicaram a presença de ECCAM hospitalares (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A observação da nossa prática clínica diária e de dados da literatura mostrou mudanças no perfil de pacientes tratados com ICP ao longo dos anos, derivadas da evolução tecnológica do procedimento e de alterações na epidemiologia e dos fatores de risco da DAC. Essas mudanças têm sido muito expressivas em registros que avaliam longos períodos de tempo, principalmente quando são incluídas comparações de resultados de intervenções antes e após o advento dos stents, ou, ainda, antes e após a disponibilidade dos stents farmacológicos. Neste registro contemporâneo, demonstramos que as diferenças podem existir em período de tempo mais curto, pois as mudanças tecnológicas crescem em progressão geométrica, o que promove o tratamento de pacientes mais complexos, do ponto de vista clínico e angiográfico.

No nosso estudo, os pacientes do período mais recente (P2) apresentaram-se mais jovens e com maior prevalência de tabagistas e diabéticos. A ocorrência de doença coronária entre os jovens tem aumentado com o passar dos anos. O registro francês FAST AMI mostra aumento significativo de IAM em jovens nos últimos 15 anos, tanto entre homens como (e principalmente) em mulheres.12 Uma das observações que poderiam explicar esse fato foi o aumento expressivo da obesidade e do tabagismo (assim como em nosso registro). Dados nacionais prévios também apontam tal tendência, como é o caso do AFIRMAR (Fatores de Risco Associados com o Infarto do Miocárdio no Brasil),13 que indica o aumento de IAM em pacientes mais jovens e tabagistas. A presença de um maior número de diabéticos no segundo período estudado tem relação adicional com a maior oferta de stents farmacológicos nesse período, propiciando uma abordagem mais efetiva e com menores taxas de reestenose nessa população.14

A implementação de protocolos de dor torácica nos hospitais participantes do registro, com disponibilidade de ICP primária 24 horas por dia, pode explicar o número crescente dessa modalidade de ICP em nosso registro. Quanto ao atendimento do IAM, a taxa de utilização de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa manteve-se estável e baixa (6,4% a 7,5%) durante o tempo estudado, o que tem sido uma tendência na literatura desde o advento do clopidogrel, de novos antiagregantes e do uso de cateteres de aspiração de trombos.12 O uso mais frequente do cateter de aspiração no grupo do segundo período coincide com a publicação, em 2008, dos resultados do estudo TAPAS, que mostrou superioridade da técnica de tromboaspiração para tratar o IAM com supradesnivelamento do ST, reduzindo a mortalidade cardíaca combinada com reinfarto não fatal no período de 1 ano.15,16

A melhora contínua do material utilizado na ICP, como balões e stents de melhor navegabilidade e menor perfil, fios-guia de diferentes características de flexibilidade e rigidez, e stents farmacológicos, por exemplo, ampliou as possibilidades da utilização da técnica percutânea em pacientes de maior complexidade angiográfica e isso foi notado também nos períodos aqui estudados, sendo que pacientes do último período apresentaram doença coronária de maior gravidade, como acometimento multiarterial, lesões trombóticas, difusas (> 20 mm) e que envolveram bifurcação, tendo sido necessária a utilização de mais stents longos e farmacológicos. Esse achado foi descrito também por Cardoso et al.17 em um estudo observacional baseado no banco de dados da CENIC.

Ao passo em que o avanço tecnológico dos materiais e medicamentos adjuntos utilizados na ICP vise alcançar melhores resultados, com altas taxas sucesso e baixo índice de complicações, observamos, em nosso registro, uma tendência de discreto aumento de ECCAM nos últimos anos, fruto, provavelmente, da complexidade cada vez maior dos pacientes submetidos à ICP.

Limitações do estudo

Foram limitações do presente estudo a análise retrospectiva dos dados, sua realização por um único grupo de intervencionistas e a ausência de seguimento tardio.

CONCLUSÕES

Nessa grande coorte, ocorreram modificações substanciais nas características clínicas, angiográficas e do procedimento dos pacientes tratados por intervenção coronária percutânea no período de 2006 a 2012. O cenário mais complexo associou-se a discreto aumento de infartos periprocedimento, mas não a outros eventos adversos clínicos hospitalares.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflitos de interesses relacionados a este manuscrito.

Recebido em: 27/6/13

Aceito em: 4/9/13

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  • Endereço para correspondência:
    Marcelo Mendes Farinazzo
    Hospital Bandeirantes
    R. Galvão Bueno, 257 - Liberdade
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 01506-000
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Jun 2012
    • Aceito
      04 Set 2013
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