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Impacto do sexo feminino nos resultados da intervenção coronária percutânea contemporânea

Impact of the female gender in the outcomes of contemporary percutaneous coronary intervention

Resumos

INTRODUÇÃO: Estudos prévios demonstram que há diferenças entre homens e mulheres em relação aos resultados clínicos pós-intervenção coronária percutânea (ICP). Buscamos avaliar as diferenças entre os gêneros na apresentação tanto clínica como angiográfica e nos resultados hospitalares de pacientes submetidos a ICP contemporânea. MÉTODOS: No período de 2002 a 2009, 6.067 pacientes consecutivos foram submetidos a ICP, dos quais 2.021 (33,3%) eram do sexo feminino. A técnica e a escolha do material durante o procedimento ficaram a cargo dos operadores. RESULTADOS: O sexo feminino mostrou ser mais idoso e com maior ocorrência de fatores de risco para aterosclerose, à exceção do tabagismo. Prevaleceu nas mulheres o quadro clínico de síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. As mulheres apresentaram maior prevalência de doença uniarterial e menor prevalência de lesões B2/C, trombos, lesões em bifurcações, e disfunção ventricular moderada a grave. Os pacientes foram tratados predominantemente com stents não-farmacológicos e não foram observadas diferenças quanto ao diâmetro e à extensão dos stents. Não foram observadas diferenças na incidência hospitalar de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (1,5% vs. 1,4%; P = 0,76), óbito (0,9% vs. 0,6%; P = 0,15), acidente vascular cerebral (0,05% vs. 0,05%; P > 0,99), infarto agudo do miocárdio (0,7% vs. 1,1%; P = 0,16) e cirurgia de revascularização miocárdica de emergência (0,1% vs. 0; P = 0,62). Diabetes, coronariopatia multiarterial, lesões tipo B2/C e oclusões totais foram as variáveis que melhor explicaram a ocorrência de eventos hospitalares. CONCLUSÕES: As mulheres, que representam um terço dos pacientes submetidos a ICP em nosso serviço, têm perfil clínico mais grave, mas menor complexidade anatômica que os homens. Neste estudo, o sexo feminino não foi preditor de eventos clínicos adversos hospitalares.

Angioplastia; Stents; Mulheres; Doença das coronárias


BACKGROUND: Prior studies have shown there are differences in the clinical outcomes of percutaneous coronary intervention (PCI) between men and women. We tried to assess gender differences in clinical and angiographic presentation as well as in the in-hospital outcomes of patients undergoing contemporary PCI. METHODS: From 2002 to 2009, 6,067 consecutive patients were submitted to PCI, of these, 2,021 (33.3%) were women. The interventional strategy, including the type of stent implanted, was conducted at the operators discretion. RESULTS: The female gender was older and had a greater incidence of risk factors for atherosclerosis, except for smoking. Acute coronary syndrome without ST segment elevation was the most prevalent presentation in women. Women had a higher number of single vessel lesions and a lower prevalence of B2/C lesions, thrombi, bifurcation lesions and moderate to severe ventricular dysfunction. Patients were predominantly treated with bare metal stents and no differences were observed for the diameter and length of the stents. No differences were observed for the in-hospital incidence of major adverse cardiac and cerebrovascular events (1.5% vs. 1.4%; P = 0.76), death (0.9% vs. 0.6%; P = 0.15), stroke (0.05% vs. 0.05%; P > 0.99), acute myocardial infarction (0.7% vs. 1.1%; P = 0.16) and emergency myocardial revascularization surgery (0.1% vs. 0; P = 0.62). Diabetes, multivessel coronary artery disease, B2/C type lesions and total occlusions were the variables that best explained the occurrence of in-hospital events. CONCLUSIONS: Women correspond to one third of the patients undergoing PCI at our service and have a more severe clinical profile, but lower anatomic complexity than men. In our study, the female gender was not a predictor of in-hospital adverse clinical events.

Angioplasty; Stents; Women; Coronary disease


ARTIGO ORIGINAL

Impacto do sexo feminino nos resultados da intervenção coronária percutânea contemporânea

Impact of the female gender in the outcomes of contemporary percutaneous coronary intervention

Ricardo de Gasperi; Marcelo José de Carvalho Cantarelli; Hélio José Castello Jr.; Rosaly Gonçalves; Silvio Gioppato; João Batista de Freitas Guimarães; Evandro Karlo Pracchia Ribeiro; Júlio César Francisco Vardi; Patrícia Teixeira da Silva; Rodrigo Barreto; Leonardo Cao Cambra de Almeida

Hospital Bandeirantes - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Ricardo de Gasperi Rua Barão de Iguape, 209 - Liberdade São Paulo, SP, Brasil - CEP 01507-000 E-mail: de.gasperi@bol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos prévios demonstram que há diferenças entre homens e mulheres em relação aos resultados clínicos pós-intervenção coronária percutânea (ICP). Buscamos avaliar as diferenças entre os gêneros na apresentação tanto clínica como angiográfica e nos resultados hospitalares de pacientes submetidos a ICP contemporânea.

MÉTODOS: No período de 2002 a 2009, 6.067 pacientes consecutivos foram submetidos a ICP, dos quais 2.021 (33,3%) eram do sexo feminino. A técnica e a escolha do material durante o procedimento ficaram a cargo dos operadores.

RESULTADOS: O sexo feminino mostrou ser mais idoso e com maior ocorrência de fatores de risco para aterosclerose, à exceção do tabagismo. Prevaleceu nas mulheres o quadro clínico de síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. As mulheres apresentaram maior prevalência de doença uniarterial e menor prevalência de lesões B2/C, trombos, lesões em bifurcações, e disfunção ventricular moderada a grave. Os pacientes foram tratados predominantemente com stents não-farmacológicos e não foram observadas diferenças quanto ao diâmetro e à extensão dos stents. Não foram observadas diferenças na incidência hospitalar de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (1,5% vs. 1,4%; P = 0,76), óbito (0,9% vs. 0,6%; P = 0,15), acidente vascular cerebral (0,05% vs. 0,05%; P > 0,99), infarto agudo do miocárdio (0,7% vs. 1,1%; P = 0,16) e cirurgia de revascularização miocárdica de emergência (0,1% vs. 0; P = 0,62). Diabetes, coronariopatia multiarterial, lesões tipo B2/C e oclusões totais foram as variáveis que melhor explicaram a ocorrência de eventos hospitalares.

CONCLUSÕES: As mulheres, que representam um terço dos pacientes submetidos a ICP em nosso serviço, têm perfil clínico mais grave, mas menor complexidade anatômica que os homens. Neste estudo, o sexo feminino não foi preditor de eventos clínicos adversos hospitalares.

Descritores: Angioplastia. Stents. Mulheres. Doença das coronárias.

ABSTRACT

BACKGROUND: Prior studies have shown there are differences in the clinical outcomes of percutaneous coronary intervention (PCI) between men and women. We tried to assess gender differences in clinical and angiographic presentation as well as in the in-hospital outcomes of patients undergoing contemporary PCI.

METHODS: From 2002 to 2009, 6,067 consecutive patients were submitted to PCI, of these, 2,021 (33.3%) were women. The interventional strategy, including the type of stent implanted, was conducted at the operators discretion.

RESULTS: The female gender was older and had a greater incidence of risk factors for atherosclerosis, except for smoking. Acute coronary syndrome without ST segment elevation was the most prevalent presentation in women. Women had a higher number of single vessel lesions and a lower prevalence of B2/C lesions, thrombi, bifurcation lesions and moderate to severe ventricular dysfunction. Patients were predominantly treated with bare metal stents and no differences were observed for the diameter and length of the stents. No differences were observed for the in-hospital incidence of major adverse cardiac and cerebrovascular events (1.5% vs. 1.4%; P = 0.76), death (0.9% vs. 0.6%; P = 0.15), stroke (0.05% vs. 0.05%; P > 0.99), acute myocardial infarction (0.7% vs. 1.1%; P = 0.16) and emergency myocardial revascularization surgery (0.1% vs. 0; P = 0.62). Diabetes, multivessel coronary artery disease, B2/C type lesions and total occlusions were the variables that best explained the occurrence of in-hospital events.

CONCLUSIONS: Women correspond to one third of the patients undergoing PCI at our service and have a more severe clinical profile, but lower anatomic complexity than men. In our study, the female gender was not a predictor of in-hospital adverse clinical events.

Key-words: Angioplasty. Stents. Women. Coronary disease.

No Brasil, de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), a doença cardiovascular permanece como a principal causa de morte, representando cerca de 30% dos óbitos por causas definidas.1 Nos Estados Unidos, de acordo com os dados da American Heart Association, a doença cardiovascular é responsável por 35% das mortes.2 Do total de intervenções coronárias percutâneas (ICPs) realizadas anualmente naquele país, pouco mais de um terço é realizado em mulheres, apesar dos benefícios já comprovados desses procedimentos na redução de eventos isquêmicos fatais e não-fatais no tratamento da doença arterial coronária.2-4

Grandes estudos e registros têm demonstrado que há diferenças entre homens e mulheres em relação aos fatores prognósticos e resultados clínicos de curto e longo prazos pós-ICP. Na maioria das vezes, as mulheres apresentam maior número de fatores de risco coronário, maiores taxas de complicações relativas ao procedimento e piores desfechos clínicos em relação aos homens.5-8

O objetivo do presente estudo foi analisar, em nossa instituição, os resultados da ICP em mulheres, para estabelecer seu perfil tanto clínico como angiográfico e as características do procedimento, e avaliar o impacto atual do gênero na ocorrência de eventos clínicos hospitalares.

MÉTODOS

Pacientes

No período de janeiro de 2002 a novembro de 2009, 6.067 pacientes consecutivos foram submetidos a ICP no Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes (São Paulo, SP, Brasil), dos quais 2.021 (33,3%) eram do sexo feminino. Os dados foram coletados de forma prospectiva e armazenados em um banco de dados informatizado.

Intervenção coronária percutânea

As intervenções foram realizadas preferencialmente por via femoral, tendo sido utilizada a via radial em uma minoria de casos. A técnica e a escolha do material durante o procedimento ficaram a cargo dos operadores, assim como a necessidade do uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa. Foi utilizada heparina não-fracionada no início do procedimento, na dose de 70 U/kg a 100 U/kg (50 U/kg a 70 U/kg nos casos em uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa), exceto nos pacientes que já se encontravam em uso de heparina de baixo peso molecular. Nesses casos, adicionou-se a dose de 0,3 mg/kg por via endovenosa, ajustada conforme o intervalo da última dose. Todos os pacientes receberam terapia antiplaquetária dupla com ácido acetilsalicílico (dose de ataque de 300 mg e manutenção de 100 mg/ dia) e clopidogrel (dose de ataque de 300 mg a 600 mg e manutenção de 75 mg/dia) ou ticlopidina (dose de ataque de 500 mg e manutenção de 250 mg a cada 12 horas). Os introdutores femorais foram retirados 4 horas após a administração da dose de heparina. Os introdutores radiais foram retirados imediatamente após o término do procedimento.

Análises angiográficas e definições

As análises angiográficas foram realizadas em pelo menos duas projeções ortogonais, por operadores experientes, com o uso de angiografia coronária quantitativa. Foram utilizados, neste estudo, os critérios angiográficos da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista; para o tipo de lesão, foram utilizados os critérios do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/ AHA).9 Para a classificação do fluxo coronário, pré e pós-procedimento, foi utilizada a classificação do TIMI.10 O sucesso do procedimento foi definido como obtenção de sucesso angiográfico (estenose < 30%, fluxo TIMI 3) e ausência de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM), compreendendo morte, acidente vascular cerebral (AVC), infarto agudo do miocárdio (IAM) e cirurgia de revascularização miocárdica (RM) de emergência. Foram contabilizados o óbito de qualquer causa e o óbito cardíaco (causado por choque cardiogênico, insuficiência cardíaca, IAM, ruptura cardíaca, arritmia e morte súbita) no período hospitalar. O IAM pós-procedimento foi definido como desenvolvimento de novas ondas Q e/ou aumento de creatina quinase fração MB (CK-MB) maior que três vezes o valor superior do normal, associado ou não a sintomas.11 A RM de emergência foi definida como aquela realizada imediatamente após a ICP.

Análise estatística

Os dados armazenados em banco de dados com base Oracle foram plotados em planilhas Excel e analisados em programa estatístico SPSS versão 15.0. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão e as variáveis categóricas, como valores absolutos e porcentuais. As associações entre as variáveis contínuas foram avaliadas pelo teste t de Student e pela análise de variância (ANOVA). As associações entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste de quiquadrado ou teste exato de Fischer nas tabelas de dimensão 2x2; nas tabelas de maior dimensão, foram aplicados o teste de qui-quadrado ou o teste da razão de verossimilhança (G). Foi adotado o nível de significância de P < 0,05. Modelos de regressão logística simples e múltipla foram aplicados para identificar preditores de ECCAM hospitalares.

RESULTADOS

Em relação às características clínicas (Tabela 1), o sexo feminino apresentou-se mais idoso (64,8 anos vs. 60,4 anos; P < 0,001), com maior ocorrência de fatores de risco para aterosclerose, à exceção do tabagismo (21,4% vs. 32,4%; P < 0,001). Quanto à apresentação clínica, no sexo feminino prevaleceu o quadro clínico de síndrome coronária aguda (SCA) sem supradesnivelamento do segmento ST (33,4% vs. 29%), enquanto no sexo masculino prevaleceu IAM com supradesnivelamento do segmento ST (22,4% vs. 25,9%).

Quanto às características angiográficas (Tabela 2), as mulheres apresentaram maior prevalência de doença uniarterial (62,3% vs. 57,3%), menor prevalência de lesões B2/C (62% vs. 64,7%; P < 0,048), de lesões com trombos (9,9% vs. 11,7%; P = 0,018), de lesões em bifurcações (3,6% vs. 4,6%; P = 0,042) e de disfunção ventricular moderada a grave (16,4% vs. 19,3%; P = 0,038). Não houve diferença entre os grupos quanto à prevalência de lesões reestenóticas, longas, calcificadas ou oclusões totais.

Os pacientes foram tratados predominantemente com stents não-farmacológicos (92% vs. 92,6%; P = 0,38) e não foram observadas diferenças quanto ao diâmetro (2,92 ± 0,41 mm vs. 3,01 ± 0,48 mm; P = 0,24) e à extensão dos stents (17,11 ± 6,66% vs. 17,43 ± 6,57%; P = 0,97). O sucesso do procedimento foi alto e idêntico entre os grupos (96,8% vs. 96,2%; P = 0,29) (Tabela 3).

Apesar dos distintos perfis clínicos e angiográficos encontrados entre os grupos, não foram observadas diferença na incidência de ECCAM hospitalares (1,5% vs. 1,4%; P = 0,76), óbito (0,9% vs. 0,6%; P = 0,15), AVC (0,05% vs. 0,05%; P > 0,99), IAM (0,7% vs. 1,1%; P = 0,16) e RM de emergência (0,1% vs. 0; P = 0,62) (Tabela 4).

A análise univariada identificou como preditores de ECCAM a presença de diabetes, IAM prévio, coronariopatia multiarterial, lesões tipo B2/C e oclusões totais. A análise multivariada (Tabela 5) mostrou que diabetes [odds ratio (OR) 2,1, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 1,3-3,5; P = 0,0026], coronariopatia multiarterial (OR 2,4, IC 95% 1,4-4; P = 0,0008), lesões tipo B2/C (OR 3, IC 95% 1,3-7,2; P = 0,0115) e oclusões totais (OR 3,7, IC 95% 2,2-6,1; P < 0,0001) foram as variáveis que melhor explicaram a ocorrência de ECCAM hospitalares.

DISCUSSÃO

De acordo com os dados da AHA recentemente publicados, em 2007 foram realizadas 1.313.000 ICPs nos Estados Unidos, das quais 35% em pacientes do sexo feminino.2 Em nossa casuística em 7 anos, as ICPs consecutivas representaram 33% dos procedimentos. As mulheres que realizaram intervenção apresentaram-se mais idosas e com maior ocorrência de fatores de risco para doença coronária (diabetes, hipertensão e dislipidemia) que os homens. Tais achados foram descritos de maneira consistente em três grandes registros: Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE), American College Cardiology - National Cardiovascular Data Register (ACC-NCDR) e Can Rapid Risk Stratification of Unstable Angina Patients Suppress Adverse Outcomes With Early Implementation of the American College of Cardiology/American Heart Association Guidelines (CRUSADE).5,7,12 Dados do Nationwide Inpatient Sample, referentes a 1997, já mostravam resultados semelhantes aos atuais, segundo os quais as mulheres apresentavam maior número de comorbidades quando da realização de ICP.13 Além dos dados desses grandes registros, publicações de centros isolados também corroboram esses achados.8,14 O atraso na procura por atendimento médico em casos de SCA, a presença de sintomas atípicos que podem dificultar o correto diagnóstico de coronariopatia, a menor acurácia diagnóstica dos testes funcionais, a opção médica por estratégias não-invasivas e a proteção estrogênica antes da menopausa são aspectos que podem justificar a menor representação das mulheres nas populações tratadas com ICP.15,16

Assim como nos registros GRACE, ACC-NCDR e CRUSADE, nesta casuística as mulheres apresentaram maior ocorrência de SCA como diagnóstico de indicação para ICP.5,7,12 Embora a apresentação clínica de IAM tenha sido mais frequente nos homens, foram as mulheres que apresentaram maior número de pacientes em grupo funcional Killip IV, denotando maior gravidade clínica. Esses dados são consistentes com o registro ACC-NCDR, em que a classificação Killip IV foi observada mais frequentemente no sexo feminino.5

Em relação às características anatômicas, neste estudo os homens apresentaram maior complexidade que as mulheres, com maior proporção de pacientes multiarteriais, com disfunção ventricular de moderada a grave, lesões do tipo B2/C, lesões em bifurcações e presença de trombos. Dados do ACC-NCDR, envolvendo pacientes com SCA com e sem supradesnivelamento do segmento ST, e de Mehilli et al.14, excluindo pacientes com SCA, confirmam a maior complexidade angiográfica entre os homens, principalmente no que se refere ao comprometimento triarterial e à presença de RM prévia, com lesões envolvendo enxertos.5,14 Esta última publicação, com dados de procedimentos eletivos, mostrou maior incidência de trombos no grupo masculino, sem diferenças entre os gêneros quanto à presença de calcificações ou lesões longas (> 20 mm de extensão), achados condizentes com os resultados deste estudo.14 Já os dados gerados a partir do registro ACC-NCDR não descreveram a presença de trombos na angiografia, mas relataram maior incidência de lesões longas e do tipo C entre os homens.5 Malenka et al.17 também demonstraram, em sua análise angiográfica, maior complexidade no grupo masculino, com maior prevalência de lesões do tipo C e envolvendo enxertos. De forma geral, mesmo com a variação de algumas características angiográficas entre os dados expressos na literatura, os homens apresentam maior complexidade quanto ao aspecto e ao número de lesões coronárias.

Os achados aparentemente contraditórios de maior prevalência de fatores de risco e sintomas anginosos mais graves mas menor extensão da doença aterosclerótica coronária e de maior prevalência de insuficiência cardíaca congestiva mas melhor função sistólica ventricular esquerda nas mulheres estão provavelmente associados a diferenças subjacentes entre os gêneros, no que concerne a fisiologia, estrutura e função.15

Não foram observadas diferenças entre os gêneros em relação ao sucesso do procedimento e na ocorrência de morte, AVC, IAM e RM de emergência hospitalares. Nas séries contemporâneas a evolução pós-ICP melhorou de maneira geral, e a diferença entre os sexos relativa à mortalidade hospitalar diminuiu.15 A mortalidade no sexo feminino ainda é maior que no sexo masculino nas séries que avaliam a ICP na SCA ou ICP primária, mas os benefícios da terapêutica de reperfusão são consistentes e presentes nos dois sexos.

Neste estudo, o sexo feminino não foi um preditor independente de ECCAM (OR 1,6, IC 95% 0,8-3; P = 0,17). A única característica clínica que influenciou a evolução hospitalar foi o diabetes, que, juntamente com características angiográficas de complexidade da lesão (lesões em múltiplos vasos, lesões B2/C e oclusões totais), aumentou em duas a três vezes as chances de eventos adversos hospitalares.

Limitações do estudo

Este estudo tem como limitações a análise retrospectiva dos dados, a realização em um único centro, e a ausência de seguimento tardio.

CONCLUSÕES

As mulheres, que representam um terço dos pacientes submetidos a ICP em nosso serviço, têm perfil clínico mais grave, mas menor complexidade anatômica que os homens. Neste estudo, o sexo feminino não foi preditor de eventos clínicos adversos hospitalares.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 20/3/2011

Aceito em: 28/5/2011

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  • Correspondência:

    Ricardo de Gasperi
    Rua Barão de Iguape, 209 - Liberdade
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 01507-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      20 Mar 2011
    • Aceito
      28 Maio 2011
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