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Sequelas de queimadura em face: enxerto cutâneo autólogo mama-face, uma opção de tratamento. Relato de caso

RESUMO

Introdução:

As queimaduras constituem uma das lesões traumáticas mais graves e seu tratamento requer uma abordagem multidisciplinar, em que o papel do cirurgião plástico é fundamental. Restabelecer a função de proteção da pele, mas também recuperar a estética da área, queimada são objetivos desafiadores que o cirurgião plástico procura atingir.

Relato de Caso:

Paciente feminino de 27 anos submetida a mastopexia com inclusão de implantes, em que se aproveitou a pele retirada da mama para realizar um enxerto de espessura total em região mandibular e submentoniana para tratamento de cicatriz. A paciente teve uma integração completa do enxerto, sem evidenciar-se áreas de epidermólise. Os resultados estéticos foram excelentes, conseguindo a satisfação da paciente e melhoria das áreas discrômicas e hipertróficas cicatriciais.

Conclusão:

O enxerto autólogo a partir da pele da mama constitui uma boa alternativa para o tratamento de sequelas de queimaduras em face, possibilitando ótimos resultados estéticos.

Descritores:
Queimaduras; Cicatriz; Pele; Mama; Face

ABSTRACT

Introduction:

Burns are one of the most severe traumatic injuries and their treatment requires a multidisciplinary approach, where the role of the plastic surgeon is vital. The plastic surgeon is entrusted with the challenging goal of restoring the skin’s protective function and simultaneously recovering the aesthetic aspect of the burnt area.

Case report:

A 27-year-old woman underwent a mastopexy with inclusion of implants, where the skin removed from the breast was used as a full-thickness graft in the mandibular and submental area for the treatment of a scar. The patient showed complete integration of the graft, and no areas of epidermolysis were observed. The aesthetic results were excellent, and the patient was completely satisfied; moreover, an improvement in the dyschromic and hypertrophic cicatricial areas was observed.

Conclusion:

An autologous graft using breast skin is a good alternative for the treatment of sequelae of burns on the face and provides excellent aesthetic results.

Keywords:
Burns; Scar; Skin; Breast; Face

INTRODUÇÃO

A lesão por queimadura é um tipo de injúria que ocorre predominantemente no ambiente domiciliar, especialmente na cozinha, acometendo em geral crianças. As queimaduras podem resultar em lesões significativas que, algumas vezes, evoluem com problemas psicológicos e até mesmo sociais para a paciente, sua família e pessoas de seu convívio, além de poder ocasionar cicatrizes, contraturas e outros, que limitam a função física e alteram a qualidade de vida. A mastopexia com implantes, além de melhorar o grau de ptose da mama, pode fornecer material necessário à enxertia de pele. Pacientes femininas com presença de sequelas de queimaduras em face podem se beneficiar da enxertia cutânea autóloga mama-face.

OBJETIVOS

Quando é necessário cobrir defeitos de face frequentemente preferem-se enxertos de espessura total. Geralmente, as áreas doadoras, nesses casos, são obtidas de regiões como: couro cabeludo, pescoço, regiões pré e pós-auricular, sulco nasolabial, região supraclavicular e pálpebras. O objetivo desse trabalho é relatar e observar o resultado de reconstrução de sequela de queimadura em face com enxerto de espessura total obtido de lugar atípico, no caso, da mama, após realização de mastopexia.

RELATO DE CASO

O caso relatado foi atendido pela autora do trabalho no Serviço de Cirurgia Plástica Prof. Ronaldo Pontes. Paciente do sexo feminino, 27 anos, residente em Niterói, RJ, natural do Rio Grande do Norte, foi atendida para consulta de avaliação após sequela de queimadura em face. Aos 3 anos, a paciente sofreu queimaduras ocasionadas por fogo após jogar uma garrafa de álcool na churrasqueira. Apresentou lesões em face, região cervical e perna esquerda.

Evoluiu com retração cicatricial nas áreas nobres afetadas, vindo procurar ajuda da cirurgia plástica 24 anos após o acidente (Figura 1).

Figura 1
Face no pré-operatório mostrando as sequelas por queimadura na infância.

Nesse período apresentou-se também com queixa de ptose mamária e um nódulo em mama esquerda, diagnosticado há 2 meses (Figura 2). A paciente foi internada para a realização do procedimento cirúrgico. Inicialmente, foi realizada mastopexia com inclusão de implantes mamários, associada à ressecção de pele e exérese de nódulo em mama esquerda, que foi enviado para estudo anatomopatológico.

Figura 2
Mama no pré-operatório mostrando flacidez, assimetria e ptose. Área doadora do enxerto de espessura total.

Em seguida, foi realizada a inclusão de implante de silicone poliuretano de 155ml bilateralmente. Nesse procedimento foi retirado o enxerto de pele de espessura total da mama que, após preparado adequadamente, permaneceu conservado em soro fisiológico 0,9% até a confecção do leito receptor (Figura 3).

Figura 3
Leito receptor preparado para enxertia.

Na face, foi realizada exérese das cicatrizes por queimadura em região mandibular até pré-auricular e da cicatriz em mento, com preparo de um leito receptor com aspecto favorável à enxertia. Seguiu-se com a fixação do enxerto autólogo de pele mama-face nas áreas receptoras (Figura 4). No final do procedimento, foi realizado o curativo oclusivo de Brown. O resultado histopatológico do nódulo mamário esquerdo comprovou mastopatia adenofibrosa e das cicatrizes ressecadas apenas proliferação cicatricial de fibras colágenas. A evolução foi boa e os resultados estéticos após 5 anos, tanto da área doadora como da receptora, foram satisfatórios (Figura 5).

Figura 4
Enxerto de espessura total proveniente da mama já fixado no leito receptor em face.

Figura 5
Pós-operatório no 5º ano após realização da enxertia cutânea autóloga mama-face mostrando resultado estético satisfatório.

Os resultados obtidos no enxerto autólogo mama-face em paciente feminina submetida à mastopexia com implantes no mesmo tempo cirúrgico da correção de sequelas de queimadura em face foram satisfatórios. Pode-se observar melhora importante no padrão da cicatriz na face (Figura 5), com diminuição de discromia e retração cicatricial.

DISCUSSÃO

A queimadura é, ainda hoje, considerada como a mais devastadora agressão a que o ser humano pode ser exposto, incluindo cicatrizes físicas e psicológicas, além de alterações metabólicas e funcionais11 Oliveira KC, Penha CM, Macedo JM. Perfil epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras. Arq Med ABC. 2007;32(2):55-8.,22 Costa DM, Abrantes MM, Lamounier JA, Lemos ATO. Estudo descritivo de queimaduras em crianças e adolescentes. J Pediatr (Rio J). 1999;75(3):181-6.. A incidência de sequela de queimaduras é cada vez maior, talvez em decorrência da sobrevida da fase aguda que vem aumentando nos últimos anos33 Vana LPM, Fontana C, Ferreira MC. Algoritmo de tratamento cirúrgico do paciente com sequela de queimadura. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):45-9.. No Brasil, representam a quarta causa de óbitos, por acidentes em crianças, e a sétima em admissão hospitalar44 Gimeniz-Paschoal SR, Nascimento EM, Pereira DM, Carvalho FF. Ação educativa sobre queimaduras infantis para familiares de crianças hospitalizadas. Rev Paul Pediatr. 2007;25(4):331-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-05822007000400006
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. O procedimento padrão, como primeira opção, para cobertura de defeitos de espessura total da pele causada por trauma ou cirurgia é o enxerto cutâneo autólogo55 Nery ALV, Porter KE, Freire RF, Baptista NS, Esberard F, Souza THS, et al. Nova abordagem no tratamento de lesões complexas: uso de matriz de regeneração dérmica. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(2):66-70..

A enxertia de pele é a transferência de células de pele autóloga, que é deixada em ordem anatômica, mas sem suprimento sanguíneo intacto. Três fases de integração dos enxertos são comumente descritas: (1) embebição plasmática, (2) revascularização e (3) maturação. Durante a embebição plasmática, nos primeiros dias, antes que o enxerto se revascularize, o oxigênio e nutrientes difundem-se pelo plasma entre o enxerto e o leito da ferida, nutrindo-o. Essa absorção passiva de plasma no leito da ferida causa edema, que é solucionado quando a revascularização está funcional. A revascularização é fundamental para a sobrevivência dos enxertos de pele a longo prazo. Esse processo já se inicia em 24-48h após a enxertia, sendo que a neovascularização se caracteriza pelo crescimento de vasos novos no enxerto a partir da área receptora.

Enxertos de pele levam pelo menos um ano para completa maturação, e a extensão desse processo continua por vários anos em vítimas de queimadura. As cicatrizes de pele podem continuar a melhorar durante vários anos, o que faz com que, em geral, se considere o tratamento conservador prolongado. A fase de remodelação da cicatrização da ferida é a mais longa, com duração de vários meses até anos66 Neligan PC. Cirurgia plástica: princípios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015..

A qualidade do leito da ferida é extremamente importante para a integração bem-sucedida dos enxertos de pele, sendo que muitas vezes podem permitir reconstrução funcional e estética da pele. A quantidade esperada de contração da ferida é inversamente proporcional à quantidade de derme no enxerto de pele. Enxertos de pele total que contêm toda epiderme e derme, como o usado na paciente do relato, restringem maximamente forças contráteis e dão resultados cosméticos excelentes. As principais complicações relacionadas à enxertia de pele são: hematoma, seroma, infecção, falha na integração e contração da ferida66 Neligan PC. Cirurgia plástica: princípios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015..

Historicamente, a face é considerada de difícil tratamento no pós-queimadura imediata77 Kung TA, Gosain AK. Pediatric facial burns. J Craniofac Surg. 2008;19(4):951-9. DOI: https://doi.org/10.1097/SCS.0b013e318175f42f
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, por diversos fatores: dificuldade na avaliação da profundidade, valor de cada milímetro preservado e alguns resultados iniciais decepcionantes com a excisão precoce e enxertia uniforme com pele de espessura fina88 Abdelnour R, Chassagne JF, Brice M, Rahme J. Early excision and grafting in facial burns. Rev Stomatol Chir Maxillofac. 1986;87(2):97-101.. As complicações das queimaduras faciais podem ser infecção, retrações cicatriciais e comprometimento das estruturas da face, como pálpebras, nariz e lábios99 Lima Junior EM, Novaes FN, Piccolo NS, Serra MCVF. Tratado de queimaduras no paciente agudo. São Paulo: Atheneu; 2008. 646 p..

Contraturas da região cervical causam consideráveis problemas, incluindo restrição de grande variedade de movimentos e aparência estética prejudicada1010 Lin JY, Tsai FC, Yang JY, Chuang SS. Double free flaps for reconstruction of postburn anterior cervical contractures--use of perforator flaps from the lateral circumflex femoral system. Burns. 2003;29(6):622-5. DOI: https://doi.org/10.1016/S0305-4179(03)00132-3
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. Já os procedimentos estéticos da mama normalmente são divididos em mamoplastia de aumento, mamoplastia redutora e mastopexia.

O objetivo principal é melhorar a forma, simetria e volume das mamas. A cirurgia mamária é realizada com intuito de preservar o suprimento sanguíneo do complexo areolopapilar1111 Schwartzman E. Die technik der mammaplastick. Chirurgie. 1930;2:932-43.. Muitas técnicas e refinamentos têm sido apresentados nas últimas décadas, com objetivos de tratamento de diferentes tipos e graus de ptose, hipomastia e hipertrofia, aumentando a popularidade deste procedimento no período1212 Lejour M. Vertical mammaplasty and liposuction of the breast. Plast Reconstr Surg. 1994;94(1):100-14.

13 Pitanguy I. Hipertrofias mamárias: estudo crítico da técnica pessoal. Rev Bras Cir. 1966;56:263.
-1414 Baroud R, Lewis JR. The augmentation reduction mammaplasty. Clin Plast Surg. 1976;3(2):301-8..

Nesse trabalho é relatado o resultado de reconstrução de face com enxerto de pele autólogo de espessura total mama-face após mastopexia com implante, evoluindo com resultados estéticos satisfatórios.

CONCLUSÃO

Nesse trabalho foi relatado o uso de enxerto de espessura total proveniente de local atípico. No mesmo tempo cirúrgico foi realizada a enxertia em face da pele de espessura total proveniente da mama. Pacientes do sexo feminino com sequelas de queimadura em face e com história de ptose mamária podem se beneficiar da enxertia cutânea autóloga mama-face após a realização de mastopexia com implante.

  • Instituição: Serviço de Cirurgia Plástica Prof. Ronaldo Pontes, Hospital Niterói Dor, Niterói, RJ, Brasil

REFERÊNCIAS

  • 1
    Oliveira KC, Penha CM, Macedo JM. Perfil epidemiológico de crianças vítimas de queimaduras. Arq Med ABC. 2007;32(2):55-8.
  • 2
    Costa DM, Abrantes MM, Lamounier JA, Lemos ATO. Estudo descritivo de queimaduras em crianças e adolescentes. J Pediatr (Rio J). 1999;75(3):181-6.
  • 3
    Vana LPM, Fontana C, Ferreira MC. Algoritmo de tratamento cirúrgico do paciente com sequela de queimadura. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):45-9.
  • 4
    Gimeniz-Paschoal SR, Nascimento EM, Pereira DM, Carvalho FF. Ação educativa sobre queimaduras infantis para familiares de crianças hospitalizadas. Rev Paul Pediatr. 2007;25(4):331-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-05822007000400006
    » https://doi.org//10.1590/S0103-05822007000400006
  • 5
    Nery ALV, Porter KE, Freire RF, Baptista NS, Esberard F, Souza THS, et al. Nova abordagem no tratamento de lesões complexas: uso de matriz de regeneração dérmica. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(2):66-70.
  • 6
    Neligan PC. Cirurgia plástica: princípios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.
  • 7
    Kung TA, Gosain AK. Pediatric facial burns. J Craniofac Surg. 2008;19(4):951-9. DOI: https://doi.org/10.1097/SCS.0b013e318175f42f
    » https://doi.org/10.1097/SCS.0b013e318175f42f
  • 8
    Abdelnour R, Chassagne JF, Brice M, Rahme J. Early excision and grafting in facial burns. Rev Stomatol Chir Maxillofac. 1986;87(2):97-101.
  • 9
    Lima Junior EM, Novaes FN, Piccolo NS, Serra MCVF. Tratado de queimaduras no paciente agudo. São Paulo: Atheneu; 2008. 646 p.
  • 10
    Lin JY, Tsai FC, Yang JY, Chuang SS. Double free flaps for reconstruction of postburn anterior cervical contractures--use of perforator flaps from the lateral circumflex femoral system. Burns. 2003;29(6):622-5. DOI: https://doi.org/10.1016/S0305-4179(03)00132-3
    » https://doi.org/10.1016/S0305-4179(03)00132-3
  • 11
    Schwartzman E. Die technik der mammaplastick. Chirurgie. 1930;2:932-43.
  • 12
    Lejour M. Vertical mammaplasty and liposuction of the breast. Plast Reconstr Surg. 1994;94(1):100-14.
  • 13
    Pitanguy I. Hipertrofias mamárias: estudo crítico da técnica pessoal. Rev Bras Cir. 1966;56:263.
  • 14
    Baroud R, Lewis JR. The augmentation reduction mammaplasty. Clin Plast Surg. 1976;3(2):301-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Aceito
    04 Out 2018
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