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Capacidade de adsorção de fósforo em solos de várzea do Estado do Rio Grande do Sul

Phosphorus adsorption capacity in lowland soils of Rio Grande do Sul State

Resumos

Os solos de várzea, sazonalmente alagados para o cultivo do arroz, apresentam alternância nas condições de oxidação e redução, a qual determina modificações intensas na fase sólida mineral do solo e na dinâmica de elementos altamente reativos, como o P. Assim, formas de óxidos e hidróxidos de Fe de baixa cristalinidade tornam-se predominantes com o passar do tempo e poderão ser os componentes mais importantes na adsorção de P durante o período em que o solo permanece drenado; além disso, elas controlariam a liberação de P provocada pelo posterior alagamento para cultivo do arroz. Os objetivos do presente trabalho foram avaliar a capacidade máxima de adsorção de P (CMAP) de amostras de 16 solos de várzea do Estado do Rio Grande do Sul (RS) e buscar características químicas ou físicas de solo que melhor se correlacionam com a CMAP. Foram coletadas 16 amostras da camada de 0 a 20 cm de solos de várzea, com ampla faixa de variação de características químicas e físicas. Logo em seguida, elas foram secas ao ar, moídas e peneiradas a 2 mm. A determinação da CMAP foi feita por meio do ajuste de isotermas de adsorção, em que subamostras foram colocadas em contato com concentrações crescentes de P (0, 50, 100, 200, 300, 600, 900 e 1.800 mg kg-1 de P no solo) durante 16 h. Após esse período, determinou-se o P em equilíbrio na solução, sendo a equação de Langmuir ajustada aos dados. Houve grande diversidade na CMAP entre os solos (71 a 933 mg kg-1 de P no solo), a qual foi correlacionada significativamente com os teores de argila, matéria orgânica e óxidos de Fe extraído por ditionito e oxalato de amônio. A diferente CMAP se refletiu na quantidade de P necessária para alterar o P disponível dos solos estimado pelo método Mehlich-1.

solos alagados; Langmuir; adubação fosfatada; arroz


Lowland soils are seasonally flooded for rice cultivation and undergo alternate oxidation and reduction conditions, which modify the soil solid mineral phase and the dynamics of highly reactive elements such as phosphorus. Low-crystallinity forms of iron oxides and hydroxides become predominant with time. They could be the most important components in phosphorus adsorption during dry periods, and could control phosphorus release after flooding. The objective of this study was to evaluate the maximum phosphorus adsorption capacity (MPAC) of some lowland soils in Rio Grande do Sul State (RS), Brazil and relate it with soil chemical and physical properties. Soil samples from 16 different areas in RS with widely varied soil chemical and physical properties were collected from the surface layer (0-20 cm). They were air-dried, sieved (2 mm), and the MPAC measured using adsorption isotherms. Each soil was kept in contact with increasing levels of P (0, 50, 100, 200, 300, 600, 900, and 1.800 mg kg-1 of P soil) for 16 hours. The equilibrium P in the solution was determined and the data fit to the Langmuir equation. The MPAC varied considerably among the RS lowland soils (from 71 to 933 mg kg-1 of P); the variation was significantly correlated with the clay, organic matter and iron oxide contents extracted by dithionite and ammonium oxalate. The different MPAC affected the phosphorous doses necessary to increase available phosphorous by the Mehlich-1extractant in lowland soils.

flooded soils; Langmuir; phosphorus fertilization; rice


SEÇÃO II - QUÍMICA E MINERALOGIA DO SOLO

Capacidade de adsorção de fósforo em solos de várzea do Estado do Rio Grande do Sul1 1 Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

Phosphorus adsorption capacity in lowland soils of Rio Grande do Sul State

Sidnei Kuster RannoI; Leandro Souza da SilvaII; Luciano Colpo GatiboniIII; Anderson Clayton RhodenIV

IEngenheiro-Agrônomo, M.Sc. em Ciência do Solo, Pesquisador da Fundação MS. Caixa Postal 105, CEP 79150-000 Maracajú (MS). E-mail: sidneiranno@yahoo.com.br

IIProfessor Adjunto do Departamento de Solos, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Campus Universitário, CEP 97105-900 Santa Maria (RS). E-mail: leandro@smail.ufsm.br

IIIProfessor Adjunto da Universidade do Estado Santa Catarina – UDESC. R. Benjamim Constant 164-D, CEP 89806-070 Chapecó (SC). Bolsista do CNPq.E-mail: gatiboni@udesc.br

IVEngenheiro-Agrônomo, M.Sc. Projeto PRAPEM/Microbacias 2, Itapiranga (SC). E-mail: andersonrhoden@ufsm.br

RESUMO

Os solos de várzea, sazonalmente alagados para o cultivo do arroz, apresentam alternância nas condições de oxidação e redução, a qual determina modificações intensas na fase sólida mineral do solo e na dinâmica de elementos altamente reativos, como o P. Assim, formas de óxidos e hidróxidos de Fe de baixa cristalinidade tornam-se predominantes com o passar do tempo e poderão ser os componentes mais importantes na adsorção de P durante o período em que o solo permanece drenado; além disso, elas controlariam a liberação de P provocada pelo posterior alagamento para cultivo do arroz. Os objetivos do presente trabalho foram avaliar a capacidade máxima de adsorção de P (CMAP) de amostras de 16 solos de várzea do Estado do Rio Grande do Sul (RS) e buscar características químicas ou físicas de solo que melhor se correlacionam com a CMAP. Foram coletadas 16 amostras da camada de 0 a 20 cm de solos de várzea, com ampla faixa de variação de características químicas e físicas. Logo em seguida, elas foram secas ao ar, moídas e peneiradas a 2 mm. A determinação da CMAP foi feita por meio do ajuste de isotermas de adsorção, em que subamostras foram colocadas em contato com concentrações crescentes de P (0, 50, 100, 200, 300, 600, 900 e 1.800 mg kg-1 de P no solo) durante 16 h. Após esse período, determinou-se o P em equilíbrio na solução, sendo a equação de Langmuir ajustada aos dados. Houve grande diversidade na CMAP entre os solos (71 a 933 mg kg-1 de P no solo), a qual foi correlacionada significativamente com os teores de argila, matéria orgânica e óxidos de Fe extraído por ditionito e oxalato de amônio. A diferente CMAP se refletiu na quantidade de P necessária para alterar o P disponível dos solos estimado pelo método Mehlich-1.

Termos de indexação: solos alagados, Langmuir, adubação fosfatada, arroz.

SUMMARY

Lowland soils are seasonally flooded for rice cultivation and undergo alternate oxidation and reduction conditions, which modify the soil solid mineral phase and the dynamics of highly reactive elements such as phosphorus. Low-crystallinity forms of iron oxides and hydroxides become predominant with time. They could be the most important components in phosphorus adsorption during dry periods, and could control phosphorus release after flooding. The objective of this study was to evaluate the maximum phosphorus adsorption capacity (MPAC) of some lowland soils in Rio Grande do Sul State (RS), Brazil and relate it with soil chemical and physical properties. Soil samples from 16 different areas in RS with widely varied soil chemical and physical properties were collected from the surface layer (0-20 cm). They were air-dried, sieved (2 mm), and the MPAC measured using adsorption isotherms. Each soil was kept in contact with increasing levels of P (0, 50, 100, 200, 300, 600, 900, and 1.800 mg kg-1 of P soil) for 16 hours. The equilibrium P in the solution was determined and the data fit to the Langmuir equation. The MPAC varied considerably among the RS lowland soils (from 71 to 933 mg kg-1 of P); the variation was significantly correlated with the clay, organic matter and iron oxide contents extracted by dithionite and ammonium oxalate. The different MPAC affected the phosphorous doses necessary to increase available phosphorous by the Mehlich-1extractant in lowland soils.

Index terms: flooded soils, Langmuir, phosphorus fertilization, rice.

INTRODUÇÃO

O P tem sido apontado como um dos nutrientes mais limitantes ao rendimento das culturas, apesar de sua relativa abundância na crosta terrestre. Solos bem drenados freqüentemente apresentam baixa disponibilidade de P devido à tendência deste elemento de formar compostos estáveis de alta energia de ligação e baixa solubilidade com a fase sólida mineral do solo, principalmente com óxidos e hidróxidos de Fe e Al. Já em ambientes sazonalmente alagados, como os solos de várzea onde se cultiva o arroz irrigado, existe alternância nas condições de oxidação e redução, a qual determina modificações intensas na fase sólida mineral do solo e na dinâmica de elementos altamente reativos, como o P (Guilherme et al., 2000).

Em condições de solo não-alagado e com adição de fertilizantes fosfatados, há intensa transferência de P da solução para a fase sólida, na qual este elemento está mais estável, por meio do processo de adsorção química ou específica com óxidos de Fe e Al, em que os grupos OH- e OH2+ ligados monocordenadamente ao metal (Fe ou Al) são trocados pelo fosfato (Parfitt, 1978). Com o alagamento do solo durante o cultivo de arroz, o ambiente químico e biológico é profundamente alterado em relação ao anteriormente oxidado. Nessa condição, após consumo do oxigênio molecular, microrganismos anaeróbios passam a utilizar compostos oxidados do solo, inclusive os minerais, como receptores de elétrons. A partir dessas reações de oxirredução, modificam-se os valores do pH e aumenta a disponibilidade de vários elementos (Ponnamperuma, 1972). O Fe3+ e o Mn4+ da superfície dos óxidos passam para forma de Fe2+ e Mn2+, respectivamente, aumentando sua concentração na solução do solo (Vahl, 1991). O P, em razão da adsorção específica na superfície dos óxidos, tem sua dinâmica bastante alterada, podendo ser liberado para a solução do solo à medida que há redução do Fe e conseqüente desestabilização do mineral (Vahl, 1999).

Sah & Mikkelsen (1986) relatam que as freqüentes mudanças nas condições de oxidação e redução dos solos de várzea resultam em modificações na estabilidade de diversos minerais do solo, de tal modo que formas de óxidos e hidróxidos de Fe de baixa cristalinidade tornam-se predominantes com o passar do tempo (Moorman & van Breemen, 1978). Estudos têm relacionado a capacidade de adsorção de P com a área superficial do óxido (Fontes & Weed, 1996) e com seu grau de cristalinidade. Hernández & Meurer (1998), estudando solos do Uruguai, observaram correlação positiva entre a adsorção de P e as formas de Fe de baixa cristalinidade (FeO). Os óxidos de Fe de baixa cristalinidade, como goethita, lepidocrocita e ferridrita, os quais apresentam maior área superficial específica e maior reatividade química do que as frações mais cristalinas (Schwertmann & Taylor, 1989), poderão ser os componentes mais importantes na adsorção de P durante o período em que o solo permanece drenado e, além disso, controlarão a liberação de P provocada pelo posterior alagamento para cultivo de arroz.

Informações relativas à adsorção de P, como a CMAP e a constante relacionada à energia de ligação deste elemento ao solo, podem ser obtidas pela construção de isotermas de adsorção de P e aplicação dos resultados em equações semelhantes à desenvolvida por Langmuir em 1918 (Sparks, 1995): Psorvido = (a x b x Psolução)/(1 + a x Psolução), em que: Psorvido é a quantidade de P sorvido, em mg kg-1; Psolução é a concentração de P na solução do solo, em mg L-1; a é a constante relacionada à energia de adsorção de P pelo solo, L mg-1; e b é a capacidade máxima de adsorção de P, em mg kg-1. Essas isotermas são largamente usadas no estudo da adsorção de P em solos de sequeiro. Harter & Baker (1977) verificaram que a isoterma de Langmuir é eficiente no estudo do fenômeno de adsorção do solo, principalmente quando no estudo comparativo de vários solos se correlaciona a CMAP com as características químicas, físicas e mineralógicas destes. Sua utilização em estudos da adsorção de P aos solos de várzea torna-se interessante quando se considera a grande diversidade de solos onde se cultiva arroz no Estado do Rio Grande do Sul (RS), tendo em vista a presença de solos originados de diferentes materiais e em diferentes graus de intemperismo.

Em razão da complexa dinâmica do P em ambientes sazonalmente alagados e da diversidade de solos onde se cultiva o arroz no RS, objetivou-se avaliar a CMAP de alguns solos de várzea deste estado e buscar características químicas e, ou, físicas de solo que melhor se correlacionam com a CMAP desses solos.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram coletadas amostras de 16 solos de várzea representativos da lavoura orizícola do RS, com ampla variação de características químicas e físicas, em 14 municípios: Camaquã, Torres, Dom Pedrito, Uruguaiana (duas amostras), Caçapava do Sul, Santo Antônio da Patrulha, Santa Maria, São Gabriel, Cachoeirinha, Restinga Seca, Cachoeira do Sul (duas amostras), Santa Vitória do Palmar, Rosário do Sul e Paraíso do Sul. A associação entre os locais de coleta dos solos com a classificação brasileira foi feita de acordo com Streck al. (2002). Tendo em vista a semelhança de alguns tipos de solo, foi utilizada na discussão a denominação dos solos pelo município onde foram coletados (Quadro 1).


Coletaram-se amostras na camada superficial de 0-20 cm, sendo logo após secas ao ar, moídas e peneiradas a 2 mm. No Laboratório de Química e Fertilidade do Solo da UFSM foram feitas as análises físicas de argila, areia e silte (Embrapa, 1997) e químicas de teor de matéria orgânica (Tedesco et al., 1995), frações de Fe ditionito (Mehra & Jackson, 1960) e oxalato (Schwertmann, 1964) (Quadro 1), bem como a determinação da CMAP (Quadro 2). A determinação da CMAP foi feita por meio do ajuste de isotermas de adsorção, em que uma alíquota das amostras foi colocada em contato com concentrações crescentes de P (0, 50, 100, 200, 300, 600, 900 e 1.800 mg kg-1 de P no solo) na relação solo:solução 1:10, durante 16 h. Após esse período, determinou-se o P na solução pelo método de Murphy & Riley (1962) e os dados de P sorvido e P solução foram submetidos ao ajuste da equação de Langmuir: Psorvido = (a x b x Psolução)/(1 + a x Psolução). Subamostras de solo receberam adição de P na forma de fosfato de K monobásico (KH2PO4), cuja dose foi calculada de modo a atingir 0,2 mg L-1 de P na solução do solo, considerando a CMAP para cada um dos 16 solos. Posteriormente, avaliou-se o P disponível pelo método Mehlich-1 (Tedesco et al., 1995) antes e após a aplicação de P e calculou-se o fator dreno de P por meio da relação entre a dose aplicada e a diferença entre os teores de P antes e após a aplicação (DP disponível).


Foi realizada a análise de correlação linear simples de Pearson entre a CMAP e algumas características do solo, considerando significativas as correlações com níveis de significância maiores que 95 % (a < 0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Houve ampla variação na CMAP dos solos estudados (Quadro 2), com a amplitude máxima observada entre aqueles dos municípios de Rosário do Sul (71 mg kg-1) e de Camaquã (933 mg kg-1). Ferreira & Magalhães (1974), estudando a adsorção de P em amostras de 12 solos do RS, contemplando solos bem drenados que predominam na metade Norte e solos de várzea, predominantes na metade Sul, verificaram ampla variação na CMAP, também superior a 10 vezes entre solos que apresentaram valores extremos. Essas diferenças devem estar associadas com o material de origem dos solos do RS, que, aliado à ação dos agentes intemperizantes ao longo do tempo, originam solos com características físicas e químicas diversas e, conseqüentemente, possuem colóides que interagem diferentemente com os diversos elementos químicos, entre eles o P. Entretanto, os valores de CMAP ficaram abaixo de 1.000 mg kg-1, inferiores aos obtidos por Guilherme et al. (2000) para a maioria de 11 solos de várzea do Estado de Minas Gerais. Segundo esses autores, a CMAP de cada solo estaria relacionada com os ciclos de umedecimento e secagem a que são submetidos e a conseqüente reatividade dos óxidos de Fe nos solos. Essa ampla variação na CMAP parece não ser exclusiva dos solos de várzea. Valladares al. (2003), estudando a adsorção de P em solos constituídos por argila de atividade baixa de diferentes regiões do Brasil, observaram ampla variação nos valores de CMAP para o horizonte superficial (48 a 1.429 mg kg-1). Falcão & Silva (2004), avaliando as características de adsorção de P em alguns solos da Amazônia Central, também constataram ampla variação na CMAP, com valores entre 297 e 888 mg kg-1.

Também houve variação na energia de ligação de P (parâmetro a da equação de Langmuir) entre os diferentes solos de várzea em estudo. Bahia Filho al. (1982) afirmam que a variação na energia de ligação deve estar relacionada ao histórico de fertilizações dos solos, ou seja, à medida que se vai enriquecendo o solo com P, como conseqüência das fertilizações, o solo se aproxima gradualmente do seu caráter fonte de P e a energia de ligação diminui gradualmente, tendendo para zero. Essas variações também podem estar associadas com os fatores que determinaram a ampla variação na CMAP e energia de ligação desses solos, como os teores de argila e, nesta fração, os óxidos e hidróxidos de Fe.

As diferentes CMAPs dos solos de várzea do RS se refletiram em uma necessidade diferenciada de aplicação de P2O5 para obtenção de uma concentração de 0,2 mg L-1 de P na solução, considerado pela literatura como um teor de P suficiente para desenvolvimento adequado da maioria das culturas (Novais & Smyth, 1999). A dose equivalente em P2O5 necessária foi de 12 kg ha-1 no solo com menor capacidade de adsorção, chegando a 300 kg ha-1 no de maior capacidade (Quadro 2). Embora o comportamento da adsorção de P não seja linear nos solos (Figura 1), ao se considerar a quantidade de P necessária para obtenção de uma concetração de 0,2 mg L-1 de P na solução e a variação no P disponível por Mehlich-1 sem e com a aplicação desta dose de P, foi possível estimar o fator dreno de P entre esses dois pontos, o qual variou de 1,1 a 24,0 mg mg-1 de P acrescido (Quadro 2), que seriam correspondentes a uma aplicação de 2,2 a 48,1 kg ha-1 de P2O5 para variação de 1 mg de P extraído pelo Mehlich-1 nesses solos, considerando o solo na camada de 0 a 20 cm e a densidade igual a 1.


As grandes quantidades de P a serem adicionadas para elevação de uma unidade no P disponível por Mehlich-1 em solos bastante argilosos, como aqueles coletados em Torres e Uruguaiana-1, podem então ser reflexo do forte caráter dreno de P destes solos ou da incapacidade do método em predizer o P disponível, mesmo quando a extração é feita com solo seco. A capacidade-tampão de P, que é uma característica inerente ao solo, é definida como a proporção da mudança da quantidade de P sorvido em relação à mudança do P na solução (DP na solução), a qual reflete a habilidade do solo em moderar mudanças de concentração do P da solução quando se adiciona este elemento ou ele é retirado pelas plantas do sistema solo. Provavelmente, o Mehlich-1 está subestimando o P disponível, em razão de seu poder de extração ser desgastado pelo próprio solo. Novais & Smyth (1999) afirmam que nesses solos mais argilosos, com acidez mais tamponada, o pH inicial de 1,2 do Mehlich-1 é rapidamente elevado para valores de pH próximos ao do solo. Igualmente, os SO42- do extrator, que atuando na troca com o fosfato adsorvido, são também rapidamente adsorvidos pelo solo em sítios ainda não ocupados pelo P, perdendo o poder de extração. Conseqüentemente, deveriam ser adotados níveis críticos menores nos solos argilosos do que nos arenosos porque, nestes, o extrator é bem menos desgastado (Novais & Kamprath, 1979). No entanto, no sistema de recomendações de adubação para o Estado do RS (CQFS, 2004), para solos em que há cultivo de arroz irrigado por inundação não há diferenciação do teor de argila para recomendação de P, ao contrário do que ocorre para culturas de terras altas.

A correlação positiva e significativa entre o teor de argila e a CMAP (0,81*) demonstra a dependência do processo de adsorção de P e da dinâmica deste elemento com a presença de colóides no solo (Quadro 3). Ou seja, a magnitude da sorção depende da quantidade de constituintes com capacidade de sorver moléculas de fosfato. Esse comportamento concorda com dados de diversos trabalhos (Boschetti et al., 1998; Valladares et al., 2003; Falcão & Silva, 2004). Assim, mesmo em solos menos intemperizados, como os de várzea do RS, o aumento do teor de argila do solo proporciona aumento da adsorção de P, embora de maneira muito menos expressiva do que em solos mais intemperizados, como os do Cerrado (Novais & Smyth, 1999).


A correlação da CMAP com o Fed (Fe extraído com ditionito), o qual representa os óxidos e hidróxidos de Fe livres cristalinos e mal cristalizados, foi positiva e significativa, com coeficiente de correlação de 0,64*. Da mesma forma, houve correlação com o Feo (oxalato de amônio), porém com coeficiente de correlação maior (0,81*), demonstrando que a adsorção de P nesses solos está mais bem relacionada aos óxidos de Fe pouco cristalinos, provavelmente ferridrita e lepidocrocita (Schwertmann & Taylor, 1989), os quais predominam na fase coloidal dos solos em ambientes mal drenados. Moorman & van Breemen (1978) atribuem a predominância dessas formas de óxidos e hidróxidos de Fe à alternância nas condições de oxidação e redução que ocorre em ambientes sazonalmente alagados, como os solos de várzea, a qual dificulta o processo de cristalização dos minerais de Fe. Em solos mal drenados, ou sazonalmente drenados, deparou-se, neste estudo, com uma condição diferente daquela relatada por Kämpf (1988), que, ao descrever as relações entre a CMAP e diversas características de Latossolos, afirma que o teor de óxidos de Fe cristalinos (Fe2O3) é a variável que melhor se correlaciona com a CMAP. Esses dados corroboram os de Khalid al. (1977), que, estudando as características determinantes da adsorção de P de alguns solos onde se cultiva o arroz nos Estados Unidos, encontraram o Feo como o principal responsável pela sorção do P adicionado em solos alagados.

A MO apresentou coeficiente de correlação positivo e significativo com a CMAP. Entretanto, os colóides orgânicos da MO deveriam atuar como competidores do P pelos sítios de adsorção da argila, refletindo-se em correlações negativas e significativas com a CMAP. A alta correlação da CMAP com a MO pode ser explicada pela importância do teor de argila como principal controlador dos teores de MO que podem ser mantidos em cada solo, em razão da proteção física e química que ela proporciona à MO (Coleman et al., 1989). De outro modo, Guilherme al. (2000) consideram a relação entre a MO e a CMAP explicada pela influência desta como fonte de elétrons na redução do Fe e pelo conseqüente aumento da fração de óxidos de menor grau de cristalinidade nos solos.

O índice Feo/Fed representa a proporção de óxidos de Fe mal cristalizados sobre o total de óxidos de Fe cristalinos e mal cristalizados (Kampf, 1988), o qual não se correlacionou significativamente com a CMAP, ao contrário do obtido por Guilherme al. (2000) com solos de Minas Gerais, o que pode ter sido devido à ampla variação desse atributo nos solos deste Estado (0,06 a 0,73). Observando a correlação entre a CMAP e a energia de ligação, verifica-se que ela não é significativa. Holford & Mattingly (1976) consideram que essa correlação pode ser baixa, dependendo do estado de P no solo. À medida que se vai enriquecendo o solo com P, como conseqüência das fertilizações, o solo se aproxima gradualmente do seu caráter fonte de P e a energia de ligação diminui gradualmente, tendendo para zero (Bahia Filho et al., 1982). Dessa forma, quando se trabalha com grande diversidade de solos, cada qual com um histórico de fertilizações diferente, será difícil encontrar boas correlações entre a CMAP e a energia de ligação.

Na correlação entre a CMAP e o P2O5 aplicado também se obteve coeficiente positivo e significativo, pois as quantidades aplicadas foram calculadas com a utilização da CMAP e da energia de ligação. A correlação entre a CMAP e a variação no P disponível com aplicação de P em números absolutos (DP) não foi significativa, ao passo que o fator dreno teve correlação positiva e significativa com a CMAP, possivelmente resultante das correlações positivas e significativas da CMAP com argila, Fed e Feo. Esta última correlação ilustra bem a importância da fração argila, tanto quantitativa como qualitativamente, na adsorção de P e a sensibilidade de extratores ácidos, como o Mehlich-1, à capacidade-tampão de P.

As diferentes características dos solos de várzea do RS em relação à adsorção de P podem ser determinantes para a construção de tabelas de adubação corretiva de P, à semelhança do que já é utilizado para culturas de sequeiro (Comissão de Química e Fertilidade do Solo – RS/SC, 2004). Outro aspecto a ser considerado é que a disponibilidade de P às plantas pode ser diferente entre os solos mesmo quando estes apresentam o mesmo valor de P disponível extraído pelo Mehlich-1, o que implicaria a formação de grupos de solos relacionados com características de solo direta ou indiretamente associadas com a CMAP, de modo semelhante às classes de argila usadas para interpretação do P extraído pelo Mehlich-1 nos cultivos de sequeiro. Em ambos os casos, são necessários novos estudos que envolvam o cultivo de plantas, seja com a construção de curvas de resposta a doses de P, para definição de doses, seja com a correlação do P disponível com o P absorvido por plantas de arroz para escolha de métodos mais apropriados para avaliar a disponibilidade de P em solos alagados para cultivo de arroz irrigado.

CONCLUSÕES

1. Houve grande diversidade na capacidade máxima de adsorção de P em amostras dos solos de várzea do RS, as quais ficaram entre 71 e 933 mg kg-1, que se refletiram na quantidade de P necessária para alterar o P disponível do solo estimado pelo método Mehlich-1 (de 2,2 a 48,1 kg ha-1 de P2O5, para variação de 1 mg kg-1 de P extraído pelo Mehlich-1 nesses solos).

2. A CMAP foi diretamente correlacionada com os teores de argila e matéria orgânica e os teores de óxidos de Fe extraídos por ditionito e oxalato de amônio dos solos de várzea do RS, sendo a correlação do Fe extraído por oxalato de amônio equivalente à dos atributos teor de argila e matéria orgânica e superior à do Fe extraído por ditionito.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em fevereiro de 2005 e aprovado em dezembro de 2006.

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  • 1
    Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      Fev 2005
    • Aceito
      Dez 2006
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