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A nova missão das forças armadas Latino-Americanas no mundo pós-Guerra Fria: o caso do Brasil

The new mission of Latin American armed forces in the post-Cold War world: the Brasilian case

La nouvelle mission des forces armées Latino-Américaines dans le monde de l'après Guerre Froide: le cas du Brésil

Resumos

O fim da Guerra Fria e a redefinição da ordem internacional, a globalização e a intensificação dos diversos processos de integração internacional e a fragmentação nacional, em conjunto, induziram mudanças nos conceitos de segurança e defesa. O papel das Forças Armadas na América Latina tem sido definido (e mesmo imposto) desde o final da Segunda Guerra Mundial pelo hegemon e seu bloco militar aliado, a Otan. O propósito deste artigo é analisar como os militares percebem e reagem a essa nova função. Os conceitos de segurança e defesa são revistos, levando-se em consideração as ameaças vindas de fora e de dentro das fronteiras nacionais, tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento. A análise tomará o Brasil como referência empírica. Os militares brasileiros estão ainda confusos sobre sua missão no mundo pós-Guerra Fria, e isso traz conseqüências importantes para a política de defesa do país e sua adequação aos novos parâmetros de segurança internacional.

Segurança e defesa no pós-guerra fria; Crise de identidade dos militares; Novo papel dos militares no Brasil; Política de defesa nacional


The end of the Cold War and the redefinition of the international order, the globalization and intensification of transnational integration, and the so-called national fragmentation, altogether, have induced changes in the concepts of both security and defense. Both the hegemon and NATO, its military allied bloc, have redefined (and even imposed) the role of Latin American armed forces since the end of the Second World War. The article aims at analyzing the way the military in Latin America has perceived and reacted to this new role. The concepts of security and defense are revised, regarding as threats those coming either from outside or inside the national borders, both in developed and developing countries. The analysis takes Brazil as the empirical reference. The Brazilian military are still confused about their new mission in the post-Cold War world, and that brings important consequences to both the country defense policy and its adequacy to the new parameters of international security.

Safety and defense in the post-Cold War world; Identity crisis in the military; The new role of the military in Brazil; National defense policy


La fin de la Guerre Froide et la redéfinition de l'ordre international, la globalisation et l'intensification des divers processus d'intégration internationale ainsi que la fragmentation nationale ont, ensemble, conduit à de nouvelles approches des concepts de sécurité et de défense à des changements. Le rôle des forces armées en Amérique Latine a été défini (on peut même dire imposé) depuis la fin de la Seconde Guerre Mondiale par l'hegemon et son bloc militaire allié, l'OTAN. Le but de cet article est d'analyser de quelle façon les militaires perçoivent et réagissent à cette nouvelle fonction. Les concepts de sécurité et de défense sont revus, en considérant les menaces venant de l'extérieur et de l'intérieur des frontières nationales, aussi bien dans les pays développés que dans les pays en développement. Cette analyse a choisi le Brésil comme référence empirique. Les militaires brésiliens sont encore confus à propos de leur mission dans le monde de l'après Guerre Froide, ce qui a de conséquences importantes pour la politique de défense du pays et de son adéquation aux nouveaux paramètres de sécurité internationale.

Sécurité et défense dans l'après guerre froide; Crise d'identité des militaires; Nouveau rôle des militaires au Brésil; Politique de défense nationale


A nova missão das forças armadas Latino-Americanas no mundo pós-Guerra Fria: o caso do Brasil* * Versões preliminares deste trabalho foram apresentadas na 43a Convenção Anual da International Studies Association – ISA, realizada em Nova Orleans, Louisiana, 24-27 mar. 2002, no seminário promovido pelo Reseach and Education in Defense and Security Studies, Brasília, 7-10 ago. 2002 e na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – Anpocs, 22-26 set. 2002, Caxambu (MG). Esses são resultados parciais de um projeto de pesquisa mais amplo denominado "Adaptando-se à política democrática: os militares no Brasil pós-transição", com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A competente assistência de pesquisa de Juliana Santos Maia e Marco Rodrigo Carvalho Silva foram de imensa valia. Sou também grata a Tauna Monteiro Guedes e Tatiana Lopes pela cuidadosa coleta de dados.

The new mission of Latin American armed forces in the post-Cold War world: the Brasilian case

La nouvelle mission des forces armées Latino-Américaines dans le monde de l'après Guerre Froide: le cas du Brésil

Maria Helena de Castro Santos

RESUMO

O fim da Guerra Fria e a redefinição da ordem internacional, a globalização e a intensificação dos diversos processos de integração internacional e a fragmentação nacional, em conjunto, induziram mudanças nos conceitos de segurança e defesa. O papel das Forças Armadas na América Latina tem sido definido (e mesmo imposto) desde o final da Segunda Guerra Mundial pelo hegemon e seu bloco militar aliado, a Otan. O propósito deste artigo é analisar como os militares percebem e reagem a essa nova função. Os conceitos de segurança e defesa são revistos, levando-se em consideração as ameaças vindas de fora e de dentro das fronteiras nacionais, tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento. A análise tomará o Brasil como referência empírica. Os militares brasileiros estão ainda confusos sobre sua missão no mundo pós-Guerra Fria, e isso traz conseqüências importantes para a política de defesa do país e sua adequação aos novos parâmetros de segurança internacional.

Palavras-chave: Segurança e defesa no pós-guerra fria; Crise de identidade dos militares; Novo papel dos militares no Brasil; Política de defesa nacional.

ABSTRACT

The end of the Cold War and the redefinition of the international order, the globalization and intensification of transnational integration, and the so-called national fragmentation, altogether, have induced changes in the concepts of both security and defense. Both the hegemon and NATO, its military allied bloc, have redefined (and even imposed) the role of Latin American armed forces since the end of the Second World War. The article aims at analyzing the way the military in Latin America has perceived and reacted to this new role. The concepts of security and defense are revised, regarding as threats those coming either from outside or inside the national borders, both in developed and developing countries. The analysis takes Brazil as the empirical reference. The Brazilian military are still confused about their new mission in the post-Cold War world, and that brings important consequences to both the country defense policy and its adequacy to the new parameters of international security.

Keywords: Safety and defense in the post-Cold War world; Identity crisis in the military; The new role of the military in Brazil; National defense policy.

RÉSUMÉ

La fin de la Guerre Froide et la redéfinition de l'ordre international, la globalisation et l'intensification des divers processus d'intégration internationale ainsi que la fragmentation nationale ont, ensemble, conduit à de nouvelles approches des concepts de sécurité et de défense à des changements. Le rôle des forces armées en Amérique Latine a été défini (on peut même dire imposé) depuis la fin de la Seconde Guerre Mondiale par l'hegemon et son bloc militaire allié, l'OTAN. Le but de cet article est d'analyser de quelle façon les militaires perçoivent et réagissent à cette nouvelle fonction. Les concepts de sécurité et de défense sont revus, en considérant les menaces venant de l'extérieur et de l'intérieur des frontières nationales, aussi bien dans les pays développés que dans les pays en développement. Cette analyse a choisi le Brésil comme référence empirique. Les militaires brésiliens sont encore confus à propos de leur mission dans le monde de l'après Guerre Froide, ce qui a de conséquences importantes pour la politique de défense du pays et de son adéquation aux nouveaux paramètres de sécurité internationale.

Mots-clés: Sécurité et défense dans l'après guerre froide ; Crise d'identité des militaires ; Nouveau rôle des militaires au Brésil ; Politique de défense nationale.

Introdução

O fim da Guerra Fria e a redefinição da ordem internacional, a globalização e a intensificação de diversos processos de integração transnacional e fragmentação nacional, conjuntamente, levaram a mudanças nos conceitos de segurança e defesa, nos âmbitos internacional, regional e nacional.

Segurança e defesa são conceitos-chave do campo de estudos estratégicos.1 1 Buzan (1991) considera que estudos estratégicos são, na verdade, um subcampo de estudos internacionais. Embora eles não estejam restritos à esfera militar, as Forças Armadas desempenham um papel vital na sua definição, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento, já que nenhuma decisão maior pode ser tomada sem a participação militar.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o papel das Forças Armadas na América Latina tem sido definido (e até mesmo imposto) pelo hegemon ocidental e seu bloco militar aliado, a Otan. Assim, durante a Guerra Fria, os países latino-americanos deveriam lutar contra o comunismo dentro de suas fronteiras, enquanto os Estados Unidos defenderiam o hemisfério ocidental contra possíveis agressões externas do bloco soviético. Os militares da América Latina não apenas absorveram essa tarefa como também desenvolveram uma doutrina anti-comunista – Doutrina da Segurança Nacional –, que veio a se tornar a base ideológica dos regimes militares que se multiplicaram na região ao longo de três décadas, a partir dos anos de 1960.

Na nova ordem internacional, as "novas ameaças" (terrorismo, tráfico de drogas, pobreza extrema, crescimento populacional desordenado, desigualdade de renda, questão ambiental e proliferação de armas de destruição em massa) substituíram "o perigo comunista" presente na Guerra Fria. Para os países latino-americanos, isso implicou, dentro das fronteiras nacionais, uma mudança no papel atribuído às Forças Armadas – para o assim chamado "papel de polícia". Dessa forma, elas estariam incumbidas de lutar contra o narcotráfico e o crime organizado e de, eventualmente, controlar a violência e os distúrbios urbanos. No campo externo, as Forças Armadas deveriam juntar-se às forças de paz das Nações Unidas, quando assim solicitadas. Esse papel limitado no front externo, contudo, não foi motivo de grande preocupação dos países latino-americanos, nem durante nem tampouco depois da Guerra Fria. É no campo interno que os militares reagem (e reagiram) fortemente ao papel de polícia a eles atribuído, considerado inferior àquele desempenhado durante a Guerra Fria.

O objetivo deste artigo é contribuir para o processo de redefinição da política de defesa nacional em um ambiente democrático, indo além das declarações de princípio gerais em que se constitui a atual política. Espera-se que, além das Forças Armadas, diversos atores participem desse processo de decisão: o presidente da República, o Ministério da Defesa, e outros ministérios cujas pastas interagem com a de Defesa, o Congresso Nacional e, por fim, a sociedade em geral.

Naturalmente, de modo formal ou informal, as Forças Armadas exercem um papel crucial nesse jogo de decisão. Elas enfrentam múltiplos desafios, entre os quais se destacam a redefinição de sua missão na nova ordem internacional e sua adaptação a um governo civil e democrático, após décadas de regime autoritário militar.2 2 Sobre a adaptação dos militares brasileiros à democracia, ver Castro Santos (2003). Este artigo deter-se-á nos embates vivenciados pelas Forças Armadas na busca de uma nova missão em um ambiente em transformação, tanto no plano nacional, como no internacional.

Será dada especial atenção à visão dos militares quanto ao papel interno e externo a eles atribuído, contrapondo-a ao período da Guerra Fria, assim como ao que eles denominam "atividades subsidiárias". A ênfase no ponto de vista dos militares sustenta o argumento de que para compreender o cenário completo das relações civis-militares nas novas democracias, aí incluída a questão de segurança e defesa, é necessário analisá-las de uma perspectiva tanto civil como militar.3 3 Esse argumento é desenvolvido em Castro Santos (2003). Como se sabe, a possibilidade de consolidação democrática nos países da América Latina depende essencialmente do padrão de relação entre civis e militares estabelecido nos novos regimes. A despeito de considerações normativas, os militares na América Latina têm sido tradicionalmente um ator-chave nos momentos históricos mais importantes de cada país, quando exercem o que se tem chamado de "papel tutelar". Não é possível, portanto, que os militares, do dia para a noite, adquiram valores democráticos e mudem suas percepções acerca de sua missão. Na verdade, a análise do processo de democratização depende tanto da capacidade dos civis em controlar o acesso dos militares à tomada de decisões, como de os militares se adaptarem ao meio democrático e aos requisitos do sistema internacional no período pós-Guerra Fria. A redefinição de sua missão no contexto de um governo democrático e de uma nova ordem internacional está no centro do que tem sido denominado "crise de identidade" dos militares.

Este estudo tem como foco específico o Brasil. Trata-se dos resultados parciais de um projeto de pesquisa mais amplo, que incluirá, no futuro, a Argentina e o Chile.

Argumenta-se aqui que as Forças Armadas brasileiras não têm clara sua missão no período pós-Guerra Fria. Apesar de sentirem orgulho de seu papel social, os militares rotulam-no como "atividades subsidiárias". Observa-se que somente há consenso entre eles quando o assunto são as atribuições policiais das Forças Armadas, definidas externamente; nesse caso a rejeição é clara.

Na primeira parte deste artigo faz-se uma breve revisão dos conceitos de segurança e defesa durante e após a Guerra Fria, dentro e fora das fronteiras nacionais, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Na segunda, avaliam-se as reações e as respostas dos militares e do governo aos novos parâmetros de defesa definidos pelos Estados Unidos e pela Otan. Por fim, apresenta-se um sumário das preferências dos militares nos assuntos em pauta, o que pode ser útil, espera-se, para os tomadores de decisão da política de defesa do país.

Redefinindo os conceitos de defesa e segurança

O conceito estratégico da Otan e a missão dos militares

As mudanças na ordem internacional determinaram a reconfiguração da estratégia da Otan, assim como uma revisão das políticas de defesa dos Estados Unidos e de seus aliados no Ocidente.

Antes de 1990, a estratégia da Otan podia ser descrita da seguinte forma:

A estratégia da aliança foi concebida para lidar com um ataque surpresa e de larga escala por parte da União Soviética e de seus aliados do Pacto de Varsóvia [...]. Era necessário uma postura firme de pronta defesa com grandes contingentes próximos às fronteiras da Otan com o Pacto de Varsóvia. Essa estratégia previa a possibilidade de que um ataque convencional pudesse levar rapidamente a um contra-ataque nuclear (Smith, 1997, p. 8).

O início do processo de adaptação da Otan ao novo ambiente de segurança deu-se na Cúpula de Londres, em 1990, quando chefes de Estado e de governo concordaram quanto à necessidade de mudança de estratégia. Em 1991, na Cúpula de Roma, o "conceito estratégico" foi aprovado em substituição à estratégia anterior de "resposta flexível" da Aliança. Passou-se, então, a enfatizar a cooperação militar e Forças Armadas com contigentes menores, mais flexíveis e de maior mobilidade, estruturadas de forma multinacional, o que requer, nas palavras de Cooper, "uma maior padronização e interoperabilidade de equipamentos do que no passado [...]" (Cooper, 1991, p. 32). Além disso, os conflitos atuais tendem a ser regionais e locais, o que diminui a importância das armas nucleares, apesar de elas ainda desempenharem um papel essencial. A característica marcante dessa estratégia é, então, a redução em larga escala dos contingentes militares.4 4 De 1990 a 1997, os gastos em defesa dos países da Otan foram cortados em 22%. O contingente das Forças Armadas foi reduzido em 24%, das forças terrestres, em 35%, das unidades navais, em 32%, e dos esquadrões de combate aéreo, em 41%. Para um bom sumário da restruturação das forças de combate da Otan, ver Smith, 1997, p. 9. Assim, nesse novo contexto, "o papel da Aliança em si mudou de contenção direta e imediata de um ataque em grande escala para uma tarefa mais complexa, que é proteger a estabilidade em um mundo novo e incerto" (Shulte, 1993, p. 17).

Como o novo conceito estratégico da Otan afetou os países em desenvolvimento? Quais diretivas partiram dos Estados Unidos e de seus aliados ocidentais? De acordo com a nova estratégia, os países da América Latina devem seguir as mesmas diretivas dos aliados ocidentais, ou seja, uma redução drástica do contingente das Forças Armadas, abrindo espaço para Forças modernamente equipadas, com unidades menores, profissionalizadas e especializadas. Dotadas de grande mobilidade, essas unidades devem ser capazes de efetuar rápidos deslocamentos pelo território nacional. Em conseqüência, tem-se a extinção do alistamento militar obrigatório em favor da profissionalização militar. Entretanto, o acesso à tecnologia é estabelecido com restrições, o que provoca ressentimento entre os militares latino-americanos.

Mas com qual objetivo deveriam ser usadas essas pequenas unidades modernamente equipadas? Qual seria a missão dos militares na América Latina? Recorde-se que a sua missão anterior de guardiães contra o comunismo no âmbito interno não mais se sustenta na nova ordem internacional. Além do mais, sobretudo depois da Guerra das Malvinas, não há inimigos externos ou guerras de fronteira a serem travadas entre os países latino-americanos, com poucas exceções, como a antiga disputa de fronteira entre Peru e Equador ou o contencioso entre Argentina e Chile sobre o Canal de Beagle.5 5 A bem da verdade, no caso do Brasil, e de outros países vizinhos à Colômbia, a passagem de traficantes de drogas e grupos guerrilheiros pelas fronteiras amazônicas seguramente constitui uma ameaça externa, embora de natureza diferente das tradicionais guerras de fronteiras entre Estados-nação. A Colômbia, por outro lado, constitui um caso notável de ameaça interna. Como conseqüência, a maioria dos países da América Latina fica sem inimigos claros, seja no campo externo, seja no interno.

Que missão deveriam ter, então, os militares da América Latina? Qual uso deveria ser dado às pequenas unidades de combate? Viu-se que a resposta dos Estados Unidos e da Otan foi a de direcionar essas unidades no sentido de se juntarem às forças de paz das Nações Unidas, quando assim solicitadas; internamente, combater o tráfico de drogas e, quando necessário, controlar situações de distúrbios urbanos. Recorde-se também que, se a missão externa foi bem aceita, o assim chamado "papel de policia" foi fortemente rejeitado pelas Forças Armadas dos países da América Latina.

Packenham (1973), há cerca de trinta anos, ensinou-nos que as doutrinas dos tomadores de decisão e as teorias dos cientistas sociais são similares sob vários aspectos, uma vez que apresentam as mesmas premissas e o mesmo corpo de idéias centrais, construídas normativamente. Até aqui, discutimos a reconfiguração da estratégia de segurança da Otan baseada nos interesses e na visão de mundo da potência hegemônica e de seus aliados ocidentais.

Procede-se agora a uma breve análise do conceito de segurança elaborado pelos cientistas sociais em decorrência da nova ordem internacional.

Segurança e defesa

O conceito de Segurança Nacional está tradicionalmente relacionado à situação na qual a existência, a independência, a soberania e a integridade territorial do Estado estão sob ataque externo. Isso implica um ataque físico sobre o território, a população e as propriedades do Estado. Defesa Nacional, por seu turno, é a política governamental que engloba uma série de medidas e instrumentos para assegurar a segurança nacional.

Ayoob (1995) e Buzan (1991) elaboraram revisões analíticas da evolução do conceito de segurança bastante úteis. De uma maneira geral, pode-se dizer que o conceito de segurança tradicional ocidental envolve ameaças vindas de fora das fronteiras do Estado e que são de natureza primordialmente militar. Relaciona-se também à habilidade de o Estado-nação deter uma ameaça ou atacá-la e vencê-la. Após a Segunda Guerra Mundial, uma geração de pesquisadores sistêmicos sugeriu que o sistema internacional é uma composição de vários segmentos interligados, de tal forma que para sua própria segurança e bem-estar dependem um do outro. Essa interdependência trouxe questões econômicas, ambientais e societais para a agenda de estudos estratégicos, anteriormente restrita a questões político-militares. Essa visão predominantemente ocidental levou ao sistema bipolar durante a Guerra Fria. Nesse momento, o conceito de "segurança da aliança" foi sobreposto ao da segurança de cada Estado e, assim, os países desenvolvidos do Ocidente criaram laços que os ligavam à segurança dos dois principais blocos de aliança.

No Terceiro Mundo, contudo, diz Ayoob (1995), as ameaças são, de um modo geral, geradas domesticamente e só ocasionalmente transbordam para Estados vizinhos. Durante a Guerra Fria, a competição entre as superpotências foi transferida para o Terceiro Mundo – que acabou se constituindo em uma arena de baixo custo –, onde as rivalidades podiam se manifestar sem afetar seus interesses vitais ou se transformar em uma ameaça de guerra nuclear. Dessa forma, segundo Ayoob:

[...] a natureza das alianças e dos compromissos das superpotências com seus aliados do Terceiro Mundo era bastante diferente daquelas que se faziam entre os países do mundo desenvolvido. Ao contrário do pós-guerra na Europa, a segurança da Aliança não era sinônimo de segurança nem mesmo para os países mais abertamente alinhados do Terceiro Mundo (Idem, p. 7).

Pelo contrário, continua o autor, a segurança da Aliança era, nesse caso, inversamente proporcional à segurança do Estado. Segundo ele, "é essencial que o conceito de segurança no contexto do Terceiro Mundo seja definido de forma distinta das definições geralmente encontradas na literatura ocidental de relações internacionais" (Idem, ibidem). Ayoob propõe, então, uma definição centrada no Estado, que enfatiza a conotação primordialmente política do conceito. Afirma ainda que a definição tradicional de segurança ocidental deveria ir além da orientação externa. De fato, conclui ele,

[...] a segurança/insegurança é definida em relação às vulnerabilidades – tanto internas como externas – que ameaçam ou têm o potencial de derrubar ou enfraquecer as estruturas estatais – sejam territoriais, sejam institucionais – e os regimes de governo (Idem, p. 9).

Chega-se, agora, à importante questão da expansão do conceito de segurança.6 6 Ver Buzan, Waever e Ewilde (1998, pp. 2-5), para uma análise do debate wide vs. narrow no campo dos estudos de segurança. A despeito da grande importância atribuída por Ayoob (1995) ao aspecto político, ele admite considerar também desenvolvimentos em outros aspectos da atividade social, da econômica à ecológica, contanto que apresentem o potencial de influenciar os resultados políticos. Quando isso ocorre, esses desenvolvimentos devem ser levados em consideração como parte do cálculo da segurança de um Estado.

Buzan (1991) também acredita na importância da dimensão política do conceito de segurança, mas, ao contrário de Ayoob, não entende esse conceito de forma positiva. Assim, o autor analisa os "núcleos duros ideológicos do conceito, os quais nos levam diretamente ao coração da política" (Buzan, 1991, p. 13) e justificam, em nome da segurança nacional, ações governamentais como, por exemplo, o massacre de estudantes na Praça Celestial na China e os últimos dias da administração Nixon. Para ele, "segurança é um conceito intensamente político [...]"(Buzan, 1991, p. 13), chegando mesmo a propor a necessidade de se trabalhar com a noção de "securitização", a qual pode ser vista como uma versão mais extrema de "politicização". Ou seja, para Buzan, securitizar é levar a política para além das regras do jogo estabelecidas e apresentar a questão ou como um tipo especial de política ou acima da política. A questão é, pois, considerada uma ameaça existencial que requer medidas de emergência e justificativas fora dos limites normais dos procedimentos políticos (Idem, pp. 23-24).

A expansão do conceito de segurança cria um problema dual. Por um lado, se o expandirmos demais, ele se torna vazio, ou seja, perde sua utilidade analítica (Collier e Levitsky, 1997). Por outro, se assumimos que todas as dimensões da atividade humana e todas as políticas governamentais podem ser uma questão de segurança, a política de defesa acaba se misturando com as demais políticas governamentais e com a política strictu senso. Como vimos, Yaboo acredita que, para atingir uma definição desse conceito, a política deve filtrar as demais dimensões da atividade humana. Contudo, o inverso pode ocorrer, isto é, a segurança filtrar a política e as políticas governamentais de um país. A Doutrina da Segurança Nacional, base ideológica dos regimes militares latino-americanos entre os anos de 1960 e de 1980, é um exemplo crucial dessa noção abrangente de segurança e defesa. Assim, deve-se estar atento para as possíveis conseqüências dessa escolha.

Uma outra questão que deve ser considerada é a separação entre os conceitos "política de defesa" e "segurança interna". Tradicionalmente, esses conceitos constituem domínios distintos: a política de defesa tem orientação externa e é tarefa das Forças Armadas, enquanto, a segurança interna pertence à área da polícia. Na América Latina, contudo, esses domínios estiveram sempre misturados. A tendência a expandir o conceito de segurança é seguramente uma boa explicação para a confusão que se estabelece nos países latino-americanos entre segurança interna e defesa. De acordo com Ugarte, esse papel ampliado das Forças Armadas na América Latina, com funções que vão além daquelas conferidas aos militares da França e de países anglo-saxões, é uma herança ibérica (Ugarte, 2001).

Após a Guerra Fria, e ao longo do processo de democratização da Terceira Onda,7 7 Huntington (1994) cunhou a expressão "Terceira Onda de Democracia" para se referir ao grande número de democracias que se instalaram no mundo após a Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974. a Argentina separou formalmente os conceitos de segurança e defesa. Na verdade, a Lei de Defesa Nacional (n. 23.554), promulgada em abril de 1988, estabeleceu que a defesa nacional deveria cuidar das agressões que viessem de fora das fronteiras nacionais e cuja solução requisesse o emprego das Forças Armadas. A segurança interna (note-se que a expressão "segurança nacional" deixou de ser empregada) como definida na Lei n. 4.059, de janeiro de 1992, estabelece que a liberdade, a vida e a propriedade dos cidadãos devem ser garantidas pelo emprego da polícia e das Forças de Segurança. O Chile, ao contrário, manteve a amplitude do conceito. A segurança refere-se, nesse país, não apenas à ameaça física, mas também às mínimas condições econômicas, políticas e ambientais que assegurem uma vida digna para a população.8 8 Para uma revisão completa dos conceitos de segurança e defesa, quando referidos à America Latina ver Ugarte (2001).

O Brasil apresenta uma situação mista. Enquanto o conceito de segurança nacional está ausente da Constituição de 1988 e as polícias civil e militar estão claramente incumbidas da segurança pública (art. 144), o papel das Forças Armadas é definido de maneira ambígua. De fato, o artigo 142 da Constituição diz que o papel das Forças Armadas é defender a pátria, garantir os poderes constituídos e, se solicitadas por qualquer um deles, garantir também a lei e a ordem.9 9 Hoje, com a Lei Complementar n. 97 de junho de 1999, compete ao presidente determinar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em resposta à demanda dos demais poderes constituídos. Dessa forma, se é verdade que os militares são preparados para enfrentar ameaças externas, não é menos verdadeiro que eles possam, constitucionalmente, intervir no campo interno. Ainda assim essa situação representa um avanço em comparação ao regime autoritário, quando os militares podiam interferir em todos os setores e dimensões da vida pública e privada.

O fim do conflito Leste-Oeste, como indicado, determinou a reorientação do conceito de segurança adotado pelos Estados Unidos e pela Otan, voltando-se para o que foi chamado de "novas ameaças". Viu-se também que na América Latina, essas novas ameaças substituíram o "perigo comunista" da Guerra Fria e sua expressão ideológica, a Doutrina da Segurança Nacional. A amplitude do novo conceito de segurança é, contudo, tão grande ou ainda mais abrangente do que a da Guerra Fria, trazendo potencialmente os mesmos tipos de problemas apontados acima.

Na América Latina, a desorientação dos militares ante o fim do conflito Leste-Oeste, combinada aos desafios da democracia, criou o que veio a ser chamado de "crise de identidade" ou "crise de missão" das Forças Armadas. Na próxima sessão, essa crise será examinada em detalhe, com ênfase no caso do Brasil.

Em busca de uma nova missão

Viu-se que, no pós-Guerra Fria, por um lado, a hipótese de guerra global ou de guerra subversiva interna não é mais plausível; por outro lado, guerras regionais têm maior probabilidade de ocorrência. Na América Latina, contudo, de uma forma geral, esse tipo de guerra apresenta baixa probabilidade de acontecer. No Brasil, que esteve envolvido em uma guerra com seus vizinhos pela última vez há mais de cem anos, com o Paraguai, essa possibilidade se aproxima de zero.

Essa percepção levou muitos analistas a se perguntarem se a região, deixada sem inimigos externos claros, deveria manter suas Forças Armadas, sugerindo a transferência dos recursos orçamentários federais para áreas de infra-estrutura, saúde pública e educação. Outros assumiram uma posição mais cautelosa. Ugarte, por exemplo, argumenta que "[n]enhum Estado que possua um patrimônio territorial e material apreciável renuncia a defendê-lo com Forças Armadas proporcionais à sua capacidade econômica de sustentá-las" (Ugarte, 1999, p. 29). Pugh, por sua vez, escreve na Nato Review que "[...] devemos reconhecer que mesmo os Estados mais pacíficos e isolados precisam de defesa" (1994, pp. 24-27). Além disso, um coronel brasileiro afirmou que "deixar a defesa externa de um país nas mãos de uma grande potência [...] é renunciar à sua soberania, o que é, sem dúvida, inaceitável" (Figueiredo, 1999, p. 9). Em abril de 1998, na Argentina, a frase "buscando um novo inimigo" foi o mote de um seminário patrocinado pelo Estado-Maior das Forças Armadas, cujos participantes eram em sua maioria oficiais de alta patente, embaixadores e especialistas norte e latino-americanos.10 10 Ver "Militares redefinem seu papel", Jornal do Brasil. 10/4/1998. Na mesma linha, um oficial brasileiro de alta patente declarou: "Feliz é o país que tem um claro inimigo".11 11 Huntington, de uma perspectiva civil, chega à mesma conclusão: "Do ponto de vista do controle civil, feliz é o país que tem um inimigo tradicional" (1994, p. 243).

A abolição pura e simples das Forças Armadas é uma posição extremada no que se refere à diminuição do seu contingente e de seu redirecionamento para tarefas internas destinadas a enfrentar as "novas ameaças". A ênfase nas tarefas domésticas é interpretada pelos militares como pressão indevida dos Estados Unidos e de seus aliados da Otan (por vezes chamados de G-7). Eles opõem-se vigorosamente ao que denominam "papel de polícia", e resistem ao que eles interpretam como um rebaixamento das Forças Armadas. Sentem-se ressentidos com o G-7 em relação a essas questões e ainda, no caso brasileiro, se sentem também ofendidos quando os Estados Unidos coíbem a transferência tecnológica, impedindo, assim, o desenvolvimento da tecnologia militar nos países receptores.12 12 O caso típico é o de Alcântara, no Brasil. Trata-se de um projeto conjunto de mísseis, cujo contrato expressa claramente que a tecnologia envolvida não deve ser transferida. Uma questão de grande preocupação para o governo norte-americano foi a impressionante velocidade com que a indústria bélica brasileira se desenvolveu. O Brasil exportava carros de combate para países como Irã e Iraque. Entretanto, essa não é mais uma questão preocupante, já que as reformas econômicas pró-mercado golpearam drasticamente essas empresas, que eram bastante subsidiadas. "O perigo agora vem do Norte", alguns deles dizem.13 13 Um oficial aposentado entrevistado considera os Estados Unidos ingratos: "A Revolução de 64 era do interesse deles", diz o militar referindo-se ao Golpe de Estado de 1964. Percebe-se, assim, um reviver do nacionalismo.

Qual missão então devem abraçar os militares latino-americanos no mundo pós-Guerra Fria e em sociedades democráticas? A análise que se segue toma o Brasil como referência empírica.

Reiterando, quanto ao desenvolvimento dos conceitos de segurança e defesa, há uma grande preocupação na academia em definir quais ameaças devem ser consideradas, as provenientes do campo externo, do campo interno ou ambas. Os países desenvolvidos tendem a separar esses dois campos Assim, às Forças Armadas cabe enfrentar as ameaças externas, o que normalmente envolve ações militares, e à polícia cuidar da segurança interna. Na América Latina, contudo, a divisão dessas atribuições sempre estiveram, ao longo de sua história, mescladas. A análise oferecida aqui pretende identificar as preferências dos principais atores, levando em conta a falta de definição da fronteira entre esses dois conceitos.

Em democracias consolidadas, a sociedade tem um papel ativo na formulação e na implementação da política de defesa. O Congresso Nacional desempenha um papel bastante importante ao supervisionar o processo de tomada de decisão dessa política, enquanto ONGs e grupos de interesse pressionam para que haja transparência ao longo desse processo, participam de debates públicos e encaminham seus interesses por diversos canais aos tomadores de decisão.

No Brasil, entretanto, a sociedade como um todo não está interessada na questão da defesa nacional. Para se ter uma idéia, nenhum programa dos candidatos ao Congresso Nacional nas últimas eleições, por representação proporcional ou majoritária, assim como nenhuma plataforma eleitoral dos candidatos a postos executivos discutiram esse tema. A bem da verdade, há uma questão que tem sido objeto de debate público, que é a segurança interna. A violência urbana tem chegado a níveis sem precedentes nas últimas décadas em cidades grandes. Registram-se também graves distúrbios no campo, que se propagam pelas cidades, comandados pelo Movimento dos Sem Terra – MST, que consistem na invasão de propriedades rurais e agências burocráticas urbanas, entre outros. Essa é uma questão sensível para todos os grupos sociais, e o uso das Forças Armadas para controlar a situação tem sido ocasionalmente discutido, inclusive em períodos eleitorais. Contudo, ainda não se discutiu a política de defesa e a missão dos militares como um todo, já que os distúrbios urbanos e a violência no campo constituem-se em apenas uma parte dessas questões mais complexas.

Se a sociedade não dá muita atenção às questões de segurança e defesa, que importância os políticos devem dar a elas? O único partido que se tem preocupado com o assunto é o Partido dos Trabalhadores (PT). Na verdade, o interesse pelo assunto não vem diretamente do Partido, mas de um de seus deputados de maior destaque.14 14 Trata-se de José Genoíno, um ex-esquerdista que participou do movimento de guerrilha durante o governo militar. Ele é um dos poucos representantes parlamentares que tem demonstrado grande interesse em discutir o papel das Forças Armadas e a Política de Defesa Nacional. Quanto ao Congresso Nacional, ainda desempenha um papel limitado no processo de tomada de decisão da política de defesa e de outras questões militares. Esse controle incipiente e horizontal do Congresso sobre as Forças Armadas é exercido por meio de audiências públicas e convites aos comandantes das Forças Armadas, partindo principalmente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (na Câmara e no Senado), da Comissão da Amazônia e, dependendo da questão em tela, de outras comissões específicas, como a do Meio Ambiente e a da Previdência.15 15 As comissões promovem debates sobre questões militares em pauta no momento – por exemplo, o regime de benefícios para militares e seu status de servidores públicos – e ocasionalmente convocam os comandantes militares para audiências públicas. No que tange ao controle civil dos militares, contudo, há ainda um longo caminho a percorrer. Existe ainda o mecanismo de controle denominado "convocação de autoridade", que obriga pela força de lei o comparecimento dos convocados. Esse instrumento, contudo, é raramente usado, já que os parlamentares preferem se valer do convite informal ou da audiência pública, evitando confrontos.

Vale notar neste ponto que se por um lado o Congresso não desempenha plenamente seu papel de supervisão, por outro, os militares conseguiram desenvolver um lobby bastante eficiente para pressionar os congressistas em questões de seu interesse.16 16 Para uma análise sobre o lobby dos militares, ver Castro Santos (2003); e para sua ação especificamente voltada para o processo da Constituinte, ver Costa (1998), Oliveira (1994) e Hunter (1997).

A definição do papel dos militares contida na Constituição democrática de 1988 foi a resultante do processo de barganha da Constituinte, que começou três anos após o início do primeiro governo civil. Os militares fizeram, na ocasião, um lobby intenso para manter pelo menos parte do seu "papel de tutela". De fato, recorde-se que o artigo 142 da Constituição diz que as Forças Armadas devem defender a pátria, garantir os poderes constituídos e, por iniciativa de qualquer um deles, garantir a lei e a ordem. Mantendo a prerrogativa de intervir no cenário nacional para manter a lei e a ordem, mesmo que somente a pedido dos poderes constituídos,17 17 Ver nota 9. os militares garantiram seu papel interno, do que, sob alguns aspectos, parecem ter se arrependido. O artigo 142, portanto, não define satisfatoriamente o papel das Forças Armadas.

O Brasil definiu sua primeira Política Nacional de Defesa – PDN em 1996, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. Como nunca havia ocorrido no país, a política de defesa foi formulada no âmbito presidencial, com a participação de militares e de civis.18 18 Antes eram os ministros militares que, separadamente, definiam sua própria política. Os dois principais objetivos da PDN foram abolir o enfoque de "segurança nacional", já que o inimigo interno da Guerra Fria não mais existia, e melhorar as relações entre civis e militares.19 19 Ver entrevista com o ministro Edmundo Fujita, diplomata, subsecretário de análise e avaliação da Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, Brasília, 7/8/1998. Ver também Oliveira (1994).

A Política Nacional de Defesa trata de ameaças vindas do exterior. Suas diretrizes, entretanto, incluem a participação das Forças Armadas em "atividades subsidiárias", voltadas tanto para a integração nacional e defesa civil, como para o desenvolvimento econômico do país e a proteção da Amazônia. A natureza defensiva da PDN deveu-se a uma diplomacia ativa, voltada para paz, assim como a uma postura estratégica de dissuasão. Confiava-se, assim, no elevado valor dado às ações diplomáticas como primeira ferramenta para resolver disputas, assim como na existência de uma eficiente estrutura militar capaz de ser efetivamente dissuasória.20 20 Política de defesa brasileira, Presidência da República, Brasília, 1998, p. 10. Entretanto, a PND definiu seus princípios norteadores – natureza defensiva, dissuasão e resolução pacífica de controvérsias – sem discutir ou acrescentar alguma coisa a respeito da missão das Forças Armadas. Na gestão do ministro Quintão (segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso), foi promovida, no âmbito do Ministério da Defesa, uma discussão da PDN com a participação de uma espécie de conselho de especialistas civis em segurança e defesa. Os resultados, porém, não foram até aqui divulgados.

Dessa forma, nem a Constituição nem a Política de Defesa Nacional conseguiram definir satisfatoriamente a missão dos militares. Trata-se claramente de um processo de negociação política ainda em andamento.

Vale à pena analisar agora as preferências do presidente Fernando Henrique Cardoso acerca do papel que as Forças Armadas deveriam desempenhar, já que o presidente e os militares são os atores mais importantes do processo de decisão da política de defesa. Cardoso, diferentemente de seus predecessores, considerou os militares, desde o início de sua administração, atores históricos importantes e que deveriam ser seriamente levados em conta. Assim, os militares foram convidados a participar da definição da Política Nacional de Defesa antes mesmo de Fernando Henrique tomar posse. Ao longo de seus dois mandatos, visitou freqüentemente unidades militares e manteve contato regular com os oficiais-generais em pelo menos duas ocasiões anuais: na cerimônia de boas-vindas ao novos generais e em um almoço de confraternização com todos eles como parte das comemorações de Ano Novo. Os discursos de Cardoso nessas cerimônias enfatizaram quatro áreas de emprego dos militares: na garantia da integridade do território nacional e das autoridades constituídas, na participação em operações de paz das Nações Unidas, na realização de atividades complementares de políticas governamentais e em eventual apoio a atividades de segurança pública. O presidente também pedia nessas ocasiões paciência em relação ao escasso orçamento militar, evocando o sentimento patriótico das Forças no sentido de ajudar o país a superar a crise econômica. Nesse contexto, algumas vezes foram liberadas verbas para a modernização dos equipamentos militares. Cardoso deu especial atenção à região amazônica, enfatizando a importância dos militares em ocupar o território e defender as fronteiras das invasões de traficantes de drogas e de guerrilheiros. O Plano Colômbia somente reforçou suas preocupações. O Projeto Calha Norte21 21 O projeto Calha Norte foi criado em 1987, visando à ocupação militar e socioeconômica das terras de fronteira (6.500 km). Estava previsto que esse projeto fosse realizado em conjunto, entre militares e outros ministérios, mas somente os militares cumpriram os objetivos traçados. foi reativado e o importante Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia (Sivam/Sipam)22 22 Sivam/Sipam é o maior sistema integrado de radares do mundo e se destina à defesa aeroespacial da Amazônia. O projeto está em fase inicial de funcionamento. foi desenvolvido. A respeito dessas questões, a posição do governo se aproximou à dos militares. Entretanto, o presidente muitas vezes mencionou a possibilidade de as Forças Armadas complementarem as ações policiais na repressão a ilícitos, como o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, o que, como já vimos, tem sido fortemente rejeitado pelos militares.

Mas como os militares brasileiros, eles próprios, vêem o seu papel? Como justificam sua existência?

Os militares brasileiros são convocados a prestar um grande número de tarefas, mais conhecidas como "atividades complementares" ou "subsidiárias", definidas em dois grupos: "atividades de polícia" e atividades socioeconômicas. Contudo, vale insistir que, embora eles tenham um profundo orgulho de seu papel social,23 23 Isso fica claro nas entrevistas com oficiais, membros das assessorias parlamentares dos ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os quais depois de criado O Ministério da Defesa passaram a ser chamados de Comandos Militares. Ver entrevista do general Bendito Onofre Leonel, chefe do Estado Maior das Forças Armadas – EMFA, "Machucou, sim", Veja, 27/5/1998. rejeitam desempenhar um papel policial.

Em um país que apresenta um dos piores níveis de distribuição de renda do mundo, as Forças Armadas levam comida, atendimento médico, assistência social e até serviço religioso às populações carentes das mais longínquas regiões do território nacional. Constroem estradas e socorrem vítimas da seca e de enchentes; prestam assistência permanente a povoamentos situados em fronteiras distantes – por vezes, são o único contato dessas populações com o mundo moderno. Os recrutas são considerados essenciais para desempenhar essas atividades. Além disso, de acordo com o Exército, o recrutamento é um importante canal de mobilidade social para as classes desprivilegiadas. Essas atividades sociais têm sido utilizadas pelos militares para justificar o serviço militar obrigatório e a própria existência das Forças Armadas.24 24 Ver, por exemplo, entrevista com o general Bendito Onofre Leonel, op. cit.

Diversas formas de atividade caracterizam o papel de polícia. As Forças Armadas têm sido convocadas a se engajar em muitas delas. O exército já foi, por exemplo, colocado em alerta para dissuadir trabalhadores rurais sem-terra (MST) de invadir uma fazenda da família do próprio presidente Cardoso25 25 Ver "Planalto põe o Exército de prontidão contra o MST", Folha de São Paulo, 28/5/2001. e para intervir em conflitos agrários.26 26 Ver "Governo mandará Forças Armadas para o Pará", O Estado de São Paulo, 7/12/2001. Além disso, em 2001, governadores e ministros solicitaram sua atuação para garantir a ordem pública. Emblemática foi sua convocação pelos governadores para controlar ou substituir os policiais militares que estavam em greve em dois Estados do Nordeste e um da região Norte.27 27 Ver "Exército vai ao Tocantins para conter greve", Folha de São Paulo, 28/5/2001; "Exército assume segurança na Bahia", Folha de São Paulo, 12/7/2001; "Exército ocupa Salvador em dia de mortes e saque", Jornal do Brasil, 14/7/2001; "Sem polícia, Alagoas pede ajuda ao Exército", Folha de São Paulo, 7/9/2001; "Planalto hesita em mandar exército para AL", Folha de São Paulo, 20/7/2001. A rejeição dos militares com relação a esse tipo de atividade levou-os a solicitar uma medida provisória (MP) que desse a eles poder policial para prender pessoas durante a operação. Isso era desnecessário, posto que, como lembrou o comandante-geral do Conselho de Polícia Militar, tal poder está constitucionalmente definido.28 28 Ver, em especial, o art. 3 da Constituição. Cf. "Exército com poder de polícia", Jornal do Brasil, 25/7/2001; "Mais poder para o Exército", Correio Braziliense, 25/7/2001; "Exército fazendo prisões", Veja, 1/8/2001. Também o Ministério da Agricultura solicitou às Forças Armadas que vigiassem as fronteiras do sul, entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, para evitar a disseminação da febre aftosa entre o gado brasileiro.29 29 Ver "Pratini quer Forças Armadas no Sul", O Estado de São Paulo, 6/10/2001. Em agosto de 2001, o governo baixara o decreto n. 2.897, que regulamentou esta matéria. O governador de São Paulo, por sua vez, requisitou as Forças Armadas para estabelecer vigilância externa às prisões estaduais, o que foi negado pelo presidente Fernando Henrique.30 30 Ver "FHC veta uso de Forças Armadas para vigilância de presídios em SP", Folha de São Paulo, 23/1/2002.

A atividade policial mais demandada às Forças Armadas é o combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado em geral. Entretanto, como já foi observado, os militares argumentam que não estão preparados para exercer essa tarefa.31 31 A justificativa é de que suas armas e treinamento são destinados a matar o inimigo e não a controlar rebeliões ou combater o tráfico de drogas. O episódio da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN de Volta Redonda parece dar razão a eles nessa questão. De fato, quando chamados por um juiz local a por um fim à ocupação da companhia por trabalhadores em greve, o Exército desempenhou sua missão constitucional às expensas da vida de três trabalhadores. Os militares foram também convocados pelo governador do Rio de Janeiro a invadir algumas favelas onde se encontravam os comandos das quadrilhas de tráfico. Embora não tenham conseguido encontrar nenhum traficante, tratou-se de uma impressionante operação militar que durou mais de cinco meses. Um outro argumento é a possibilidade de os militares se corromperem, como ocorre com as forças policiais. Vale lembrar, contudo, que os Estados Unidos e seus aliados ocidentais pressionam fortemente o governo brasileiro para que haja engajamento das Forças Armadas nesse tipo de ação. Não se deve esquecer, além disso, que durante seu governo Cardoso, em seus encontros com militares, freqüentemente os lembrava da possibilidade de se utilizar as Forças Armadas para combater atividades ilícitas transnacionais, o que tem sido bastante discutido na imprensa. A preferência dos militares, contudo, sempre se expressa em uma só voz: as Forças Armadas podem prover suporte logístico no combate a crimes que possam ameaçar a segurança nacional, mas não devem se engajar diretamente nessas atividades.32 32 Ver, por exemplo, "O papel das Forças Armadas", Jornal do Brasil, 22/10/2000; "A tentação verde oliva", Folha de São Paulo, 11/11/1999, "Militares discutem mudanças de prioridades", Jornal do Brasil, 7/2/1993; "Militares buscam prestígio perdido", Jornal do Brasil, 24/9/1995; "Os militares e a defesa da Amazônia", O Globo, 3/2/2000; "ACM sugere mudar o papel das Forças Armadas", Folha de São Paulo, 31/5/2000; "Os fuzis e as ruas", Folha de São Paulo, 31/5/2000; "As Forças Armadas e o combate ao crime", "Marinha quer militares garantindo a soberania", Jornal do Brasil, 12/6/2000.

Quando perguntados sobre qual seria sua missão, os militares afirmam em uníssono que sua missão constitucional é defender a integridade do território e das fronteiras nacionais e garantir os poderes constituídos contra ameaças externas. Trata-se, além disso, segundo eles, de garantir a implementação da política externa. Se levarmos em consideração a baixa probabilidade da eclosão de um conflito externo que envolva o Brasil, essa missão convencional da defesa do território e fronteiras não se sustenta bem, a não ser quando se trata da entrada ilegal de traficantes e guerrilheiros pelas fronteiras amazônicas. No que se refere à garantia da política externa pelas Forças Armadas, ela é mais teórica do que prática. De fato, a política externa brasileira descarta o emprego das Forças Armadas no jogo estratégico internacional ao desqualificar a ação militar como substituto eventual da ação diplomática.33 33 Ver a esse respeito Alsina Jr. (2002).

Em relação ao papel dos militares na segurança interna, viu-se que embora eles tenham feito forte lobby na Constituinte de 1988 para reter o poder de intervir na política, "dentro dos limites da lei e da ordem" (art. 142), a verdade é que parecem estar, ainda que ambiguamente, arrependidos dessa ação. Assim, se eles rejeitam o papel voltado para a segurança interna, se as atividades sociais das quais eles tanto se orgulham são consideradas complementares, se sua participação na política externa é quase inexistente e se seu papel tradicional desempenhado durante a Guerra Fria não mais se aplica, a decorrência é uma angustiante crise de identidade.34 34 Para outras visões sobre a crise de identidade dos militares brasileiros, ver Hunter (1994) e Martins Filho e Zinker (2000)

Contudo, é na Amazônia que o papel complementar dos militares se encontra com seu papel convencional. É na região amazônica que os militares recuperam o inimigo externo e interno. De fato, eles vêem essa região sob permanente ameaça externa, advinda de governos estrangeiros e ONGs ambientalistas ou de proteção a populações indígenas, traficantes de drogas que cruzam as fronteiras, movimentos guerrilheiros de países vizinhos e algumas questões menores de fronteira. Do ponto de vista dos militares, a Amazônia deveria ser ocupada por brasileiros e mantida sob estreita vigilância contra ameaças externas. Não é de se espantar que os projetos de maior peso das Forças Armadas estejam direcionados para essa região: o Projeto Calha Norte e o Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia (Sivam). Ultimamente, a percepção de ameaças internacionais à região tem atingido cada vez mais segmentos sociais não-militares. O Projeto Calha Norte, por exemplo, que vinha recebendo parcos recursos orçamentários ao longo da última década, teve seu orçamento multiplicado em quase 8,5 vezes em 2000.35 35 A lei orçamentária de 2000 chegou ao Congresso com um orçamento proposto de U$1,7 milhões para o projeto Calha Norte. Devido ao competente lobby militar, a uma ativa participação dos congressistas dos Estados da Amazônia e dos membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o Congresso aprovou uma previsão de US$14,4 milhões para o projeto. Isso não é comum, uma vez normalmente se faz cortes orçamentários durante o processo de negociação na Comissão Mista de Orçamento (entrevista com membros da Consultoria Legislativa dos Ministérios da Aeronáutica e do Exército, Brasília, 9 de junho de 2000). Esse projeto, como já foi comentado, requer a ocupação do território por largos contingentes militares, o que, em conseqüência, cria a necessidade de manutenção do serviço militar obrigatório. A percepção dessa região como permanentemente ameaçada reforça o papel das Forças Armadas como guardiães do território e das fronteiras nacionais. É assim, na defesa da Amazônia, que os militares brasileiros retêm seu papel tradicional, ao mesmo tempo em que se engajam no combate a algumas das "novas ameaças".36 36 Para uma cuidadosa análise da crise de identidade dos militares e do significado da Amazônia nesse aspecto, ver Oliveira (1994). Ver também Martins Filho (2001)

Conclusão

As Forças Armadas brasileiras não têm clara a sua missão no período do pós-Guerra Fria. Quando perguntados sobre essa questão, os militares recorrem ao seu papel constitucional, citando a defesa do território e das fronteiras nacionais e a garantia dos poderes constituídos, e enfatizam as ameaças externas. Seu papel constitucional, contudo, também inclui um papel interno, que se refere à manutenção da ordem pública.

Na América Latina, os papéis interno e externo das Forças Armadas historicamente se confundem. Foi assim durante a Guerra Fria e continua sendo assim até hoje. O problema dos militares brasileiros não recai, entretanto, sobre este aspecto, mas sobre a redefinição de seu papel interno. Em outras palavras, seu problema é com o papel de polícia que o hegemon e sua aliança querem lhes impingir, embora tenham aceito de bom grado atuar no âmbito interno durante a Guerra Fria.37 37 Marco Aurélio Chaudon, diplomata aposentado, afirma: "Nós sabemos que toda ação de natureza policial é repugnante aos militares, que são formados dentro do conceito tradicional de somente lutar contra inimigos que portem uniforme militar, seus pares. Lutar contra criminosos, mesmo que esses possuam equipamento equivalente ao das Forças Armadas, não faz parte das tradições militares e pode ferir seus sentimentos" (2001, p. 20).

No Brasil, por um lado, as Forças Armadas não aceitam esse papel de polícia e, a despeito do quanto se orgulhem de suas atividades sociais, também não as consideram uma de suas missões. Por outro lado, a missão convencional em um país que se mantém em paz com seus vizinhos por mais de um século parece de pouca importância, exceto no que se refere à defesa e à ocupação da Amazônia. Os militares costumam ligar sua missão com a política externa, para garantir seus princípios, decisões e diretivas. Contudo, deve-se ter em mente que, contrariamente ao que se observa nos países desenvolvidos, as políticas externa e de defesa na América Latina estão, para dizer o mínimo, marginalmente interligadas, ou seja, a força militar não é usada como instrumento de política externa.

A defesa da Amazônia posterga uma clara definição do novo papel dos militares, já que reforça seu papel convencional ao identificar claramente uma ameaça externa – a guerrilha e a entrada no território brasileiro de traficantes de droga estrangeiros. A defesa da Amazônia, além do mais, enfatiza o preparo e o emprego da guerra fria, o que requer largos contingentes militares e, com isso, justificam o serviço militar obrigatório. Os militares identificam também como inimigo interno algumas ONGs estrangeiras que atuam na preservação ambiental e de terras indígenas.

Uma Política de Defesa Nacional mais clara, que vá além de uma simples declaração de princípios, ainda está por ser desenvolvida. Deve-se ter em mente, contudo, a natureza política da PDN. Ou seja, uma versão mais específica e detalhada dessa política governamental será necessariamente o resultado de um processo político de barganha e negociação entre os atores que vierem a participar de seu processo decisório.

Evidentemente, os militares são, em conjunto com o governo, os atores principais desse processo de barganha política. O governo é representado por ministérios que lidam com assuntos de alguma forma relacionados à defesa e, sobretudo, pelo presidente. O que falta, em comparação com países democráticos desenvolvidos, é uma participação ativa da sociedade em geral e dos políticos, em particular.

Um importante passo seria estimular o debate público em torno da questão de segurança e defesa, e pressionar os políticos a incluírem o tema em suas agendas de trabalho e plataformas eleitorais.

Notas

BIBLIOGRAFIA

Artigo recebido em novembro/2002

Aprovado em setembro/2003

Maria Helena de Castro Santos, doutora em ciência política pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT, é professora-adjunta do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB. É autora de Política e políticas de uma energia alternativa: o caso do Proálcool (Rio de Janeiro, Ed. Notrya/Anpocs, 1993). Atualmente seus temas de interesse são democratização, relações civis-militares, relações Executivo-Legislativo, política de defesa e segurança, novo papel das Forças Armadas na América Latina, tratados de uma perspectiva comparada.

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  • 1
    Buzan (1991) considera que estudos estratégicos são, na verdade, um subcampo de estudos internacionais.
  • 2
    Sobre a adaptação dos militares brasileiros à democracia, ver Castro Santos (2003).
  • 3
    Esse argumento é desenvolvido em Castro Santos (2003).
  • 4
    De 1990 a 1997, os gastos em defesa dos países da Otan foram cortados em 22%. O contingente das Forças Armadas foi reduzido em 24%, das forças terrestres, em 35%, das unidades navais, em 32%, e dos esquadrões de combate aéreo, em 41%. Para um bom sumário da restruturação das forças de combate da Otan, ver Smith, 1997, p. 9.
  • 5
    A bem da verdade, no caso do Brasil, e de outros países vizinhos à Colômbia, a passagem de traficantes de drogas e grupos guerrilheiros pelas fronteiras amazônicas seguramente constitui uma ameaça externa, embora de natureza diferente das tradicionais guerras de fronteiras entre Estados-nação. A Colômbia, por outro lado, constitui um caso notável de ameaça interna.
  • 6
    Ver Buzan, Waever e Ewilde (1998, pp. 2-5), para uma análise do debate
    wide vs. narrow no campo dos estudos de segurança.
  • 7
    Huntington (1994) cunhou a expressão "Terceira Onda de Democracia" para se referir ao grande número de democracias que se instalaram no mundo após a Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974.
  • 8
    Para uma revisão completa dos conceitos de segurança e defesa, quando referidos à America Latina ver Ugarte (2001).
  • 9
    Hoje, com a Lei Complementar n. 97 de junho de 1999, compete ao presidente determinar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em resposta à demanda dos demais poderes constituídos.
  • 10
    Ver "Militares redefinem seu papel",
    Jornal do Brasil. 10/4/1998.
  • 11
    Huntington, de uma perspectiva civil, chega à mesma conclusão: "Do ponto de vista do controle civil, feliz é o país que tem um inimigo tradicional" (1994, p. 243).
  • 12
    O caso típico é o de Alcântara, no Brasil. Trata-se de um projeto conjunto de mísseis, cujo contrato expressa claramente que a tecnologia envolvida não deve ser transferida. Uma questão de grande preocupação para o governo norte-americano foi a impressionante velocidade com que a indústria bélica brasileira se desenvolveu. O Brasil exportava carros de combate para países como Irã e Iraque. Entretanto, essa não é mais uma questão preocupante, já que as reformas econômicas pró-mercado golpearam drasticamente essas empresas, que eram bastante subsidiadas.
  • 13
    Um oficial aposentado entrevistado considera os Estados Unidos ingratos: "A Revolução de 64 era do interesse deles", diz o militar referindo-se ao Golpe de Estado de 1964.
  • 14
    Trata-se de José Genoíno, um ex-esquerdista que participou do movimento de guerrilha durante o governo militar. Ele é um dos poucos representantes parlamentares que tem demonstrado grande interesse em discutir o papel das Forças Armadas e a Política de Defesa Nacional.
  • 15
    As comissões promovem debates sobre questões militares em pauta no momento – por exemplo, o regime de benefícios para militares e seu
    status de servidores públicos – e ocasionalmente convocam os comandantes militares para audiências públicas. No que tange ao controle civil dos militares, contudo, há ainda um longo caminho a percorrer.
  • 16
    Para uma análise sobre o
    lobby dos militares, ver Castro Santos (2003); e para sua ação especificamente voltada para o processo da Constituinte, ver Costa (1998), Oliveira (1994) e Hunter (1997).
  • 17
    Ver nota 9.
  • 18
    Antes eram os ministros militares que, separadamente, definiam sua própria política.
  • 19
    Ver entrevista com o ministro Edmundo Fujita, diplomata, subsecretário de análise e avaliação da Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, Brasília, 7/8/1998. Ver também Oliveira (1994).
  • 20
    Política de defesa brasileira, Presidência da República, Brasília, 1998, p. 10.
  • 21
    O projeto Calha Norte foi criado em 1987, visando à ocupação militar e socioeconômica das terras de fronteira (6.500 km). Estava previsto que esse projeto fosse realizado em conjunto, entre militares e outros ministérios, mas somente os militares cumpriram os objetivos traçados.
  • 22
    Sivam/Sipam é o maior sistema integrado de radares do mundo e se destina à defesa aeroespacial da Amazônia. O projeto está em fase inicial de funcionamento.
  • 23
    Isso fica claro nas entrevistas com oficiais, membros das assessorias parlamentares dos ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os quais depois de criado O Ministério da Defesa passaram a ser chamados de Comandos Militares. Ver entrevista do general Bendito Onofre Leonel, chefe do Estado Maior das Forças Armadas – EMFA, "Machucou, sim",
    Veja, 27/5/1998.
  • 24
    Ver, por exemplo, entrevista com o general Bendito Onofre Leonel,
    op. cit.
  • 25
    Ver "Planalto põe o Exército de prontidão contra o MST",
    Folha de São Paulo, 28/5/2001.
  • 26
    Ver "Governo mandará Forças Armadas para o Pará",
    O Estado de São Paulo, 7/12/2001.
  • 27
    Ver "Exército vai ao Tocantins para conter greve",
    Folha de São Paulo, 28/5/2001; "Exército assume segurança na Bahia",
    Folha de São Paulo, 12/7/2001; "Exército ocupa Salvador em dia de mortes e saque",
    Jornal do Brasil, 14/7/2001; "Sem polícia, Alagoas pede ajuda ao Exército",
    Folha de São Paulo, 7/9/2001; "Planalto hesita em mandar exército para AL",
    Folha de São Paulo, 20/7/2001.
  • 28
    Ver, em especial, o art. 3 da Constituição. Cf. "Exército com poder de polícia",
    Jornal do Brasil, 25/7/2001; "Mais poder para o Exército",
    Correio Braziliense, 25/7/2001; "Exército fazendo prisões",
    Veja, 1/8/2001.
  • 29
    Ver "Pratini quer Forças Armadas no Sul",
    O Estado de São Paulo, 6/10/2001. Em agosto de 2001, o governo baixara o decreto n. 2.897, que regulamentou esta matéria.
  • 30
    Ver "FHC veta uso de Forças Armadas para vigilância de presídios em SP",
    Folha de São Paulo, 23/1/2002.
  • 31
    A justificativa é de que suas armas e treinamento são destinados a matar o inimigo e não a controlar rebeliões ou combater o tráfico de drogas. O episódio da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN de Volta Redonda parece dar razão a eles nessa questão. De fato, quando chamados por um juiz local a por um fim à ocupação da companhia por trabalhadores em greve, o Exército desempenhou sua missão constitucional às expensas da vida de três trabalhadores. Os militares foram também convocados pelo governador do Rio de Janeiro a invadir algumas favelas onde se encontravam os comandos das quadrilhas de tráfico. Embora não tenham conseguido encontrar nenhum traficante, tratou-se de uma impressionante operação militar que durou mais de cinco meses. Um outro argumento é a possibilidade de os militares se corromperem, como ocorre com as forças policiais.
  • 32
    Ver, por exemplo, "O papel das Forças Armadas",
    Jornal do Brasil, 22/10/2000; "A tentação verde oliva",
    Folha de São Paulo, 11/11/1999, "Militares discutem mudanças de prioridades",
    Jornal do Brasil, 7/2/1993; "Militares buscam prestígio perdido",
    Jornal do Brasil, 24/9/1995; "Os militares e a defesa da Amazônia",
    O Globo, 3/2/2000; "ACM sugere mudar o papel das Forças Armadas",
    Folha de São Paulo, 31/5/2000; "Os fuzis e as ruas",
    Folha de São Paulo, 31/5/2000; "As Forças Armadas e o combate ao crime", "Marinha quer militares garantindo a soberania",
    Jornal do Brasil, 12/6/2000.
  • 33
    Ver a esse respeito Alsina Jr. (2002).
  • 34
    Para outras visões sobre a crise de identidade dos militares brasileiros, ver Hunter (1994) e Martins Filho e Zinker (2000)
  • 35
    A lei orçamentária de 2000 chegou ao Congresso com um orçamento proposto de U$1,7 milhões para o projeto Calha Norte. Devido ao competente
    lobby militar, a uma ativa participação dos congressistas dos Estados da Amazônia e dos membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o Congresso aprovou uma previsão de US$14,4 milhões para o projeto. Isso não é comum, uma vez normalmente se faz cortes orçamentários durante o processo de negociação na Comissão Mista de Orçamento (entrevista com membros da Consultoria Legislativa dos Ministérios da Aeronáutica e do Exército, Brasília, 9 de junho de 2000).
  • 36
    Para uma cuidadosa análise da crise de identidade dos militares e do significado da Amazônia nesse aspecto, ver Oliveira (1994). Ver também Martins Filho (2001)
  • 37
    Marco Aurélio Chaudon, diplomata aposentado, afirma: "Nós sabemos que toda ação de natureza policial é repugnante aos militares, que são formados dentro do conceito tradicional de somente lutar contra inimigos que portem uniforme militar, seus pares. Lutar contra criminosos, mesmo que esses possuam equipamento equivalente ao das Forças Armadas, não faz parte das tradições militares e pode ferir seus sentimentos" (2001, p. 20).
  • *
    Versões preliminares deste trabalho foram apresentadas na 43a Convenção Anual da International Studies Association – ISA, realizada em Nova Orleans, Louisiana, 24-27 mar. 2002, no seminário promovido pelo Reseach and Education in Defense and Security Studies, Brasília, 7-10 ago. 2002 e na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – Anpocs, 22-26 set. 2002, Caxambu (MG). Esses são resultados parciais de um projeto de pesquisa mais amplo denominado "Adaptando-se à política democrática: os militares no Brasil pós-transição", com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A competente assistência de pesquisa de Juliana Santos Maia e Marco Rodrigo Carvalho Silva foram de imensa valia. Sou também grata a Tauna Monteiro Guedes e Tatiana Lopes pela cuidadosa coleta de dados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Aceito
      Set 2003
    • Recebido
      Nov 2002
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