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Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial

"Deprovincializing" sociology: the post-colonial contribution

Vers une sociologie moins provinciale: la contribution postcoloniale

Resumos

Este ensaio discute as contribuições dos estudos pós-coloniais para a renovação da teoria social contemporânea. Considera-se, em primeiro lugar, o caráter da crítica que os estudos pós-coloniais endereçam às ciências sociais. Em seguida, discutem-se as alternativas epistemológicas que apresentam, considerando-se três concepções-chave - modernidade entrelaçada, lugar de enunciação "híbrido", sujeito descentrado. A conclusão é que, a despeito de sua contundência e da suspeita de alguns autores de que a teoria pós-colonial implode a base epistemológica das ciências sociais, boa parte da crítica pós-colonial tem como destinatário a teoria da modernização. Neste ponto, apresenta afinidades com objeções trazidas por cientistas sociais que nada têm a ver com o pós-colonialismo. Outros aspectos levantados pelos estudos pós-coloniais não desestabilizam, necessariamente, as ciências sociais, podendo mesmo enriquecê-las.

Estudos pós-coloniais; Diferença; Teoria sociológica


This essay discusses the contributions of post-colonial studies for renewing the contemporary social theory. At first it considers the character of the critique addressed by post-colonial studies to social sciences. After that, it analyses the post-colonial epistemological alternatives, considering three interrelated concepts: entangled modernity, "hybrid" site of enunciation, and decentralized subject. The conclusion is that, in spite of its severity and suspicion among some authors that post-colonial theory can destroy epistemological foundations of social sciences, an important part of post-colonial critique is rather addressed to the theory of modernization. Here, post-colonial positions present affinities with objections, which have already been presented by "conventional" social scientists. Other aspects raised by post-colonial authors do not destabilize, necessarily, social sciences; they can even enrich them.

Post-colonial studies; Difference; Sociological theory


Cet article aborde les contributions des études postcoloniales à la rénovation de la théorie sociale contemporaine. Nous abordons, tout d'abord, le caractère critique des études postcoloniales par rapport aux sciences sociales. Nous analysons, ensuite, les alternatives épistémologiques présentées, suivant trois concepts-clés : la modernité entrelacée, le lieu d'énonciation hybride et le sujet décentralisé. Nous concluons que, malgré son caractère contondant et la défiance de certains auteurs, pour qui la théorie postcoloniale détruit la base épistémologique des sciences sociales, une bonne partie de la critique postcoloniale a, pour destinataire, la théorie de la modernisation. En ce qui concerne cette question, nous présentons les affinités existantes face objections soulevées par les scientistes sociaux, qui n'ont rien à voir avec le post colonialisme. D'autres aspects abordés par les études postcoloniales ne déstabilisent pas nécessairement les sciences sociales. Ils peuvent, au contraire, l'enrichir.

Études postcoloniales; Différence; Théorie Sociologique


Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial

"Deprovincializing" sociology: the post-colonial contribution

Vers une sociologie moins provinciale : la contribution postcoloniale

Sérgio Costa

RESUMO

Este ensaio discute as contribuições dos estudos pós-coloniais para a renovação da teoria social contemporânea. Considera-se, em primeiro lugar, o caráter da crítica que os estudos pós-coloniais endereçam às ciências sociais. Em seguida, discutem-se as alternativas epistemológicas que apresentam, considerando-se três concepções-chave – modernidade entrelaçada, lugar de enunciação "híbrido", sujeito descentrado. A conclusão é que, a despeito de sua contundência e da suspeita de alguns autores de que a teoria pós-colonial implode a base epistemológica das ciências sociais, boa parte da crítica pós-colonial tem como destinatário a teoria da modernização. Neste ponto, apresenta afinidades com objeções trazidas por cientistas sociais que nada têm a ver com o pós-colonialismo. Outros aspectos levantados pelos estudos pós-coloniais não desestabilizam, necessariamente, as ciências sociais, podendo mesmo enriquecê-las.

Palavras-chave: Estudos pós-coloniais; Diferença; Teoria sociológica.

ABSTRACT

This essay discusses the contributions of post-colonial studies for renewing the contemporary social theory. At first it considers the character of the critique addressed by post-colonial studies to social sciences. After that, it analyses the post-colonial epistemological alternatives, considering three interrelated concepts: entangled modernity, "hybrid" site of enunciation, and decentralized subject. The conclusion is that, in spite of its severity and suspicion among some authors that post-colonial theory can destroy epistemological foundations of social sciences, an important part of post-colonial critique is rather addressed to the theory of modernization. Here, post-colonial positions present affinities with objections, which have already been presented by "conventional" social scientists. Other aspects raised by post-colonial authors do not destabilize, necessarily, social sciences; they can even enrich them.

Keywords: Post-colonial studies; Difference; Sociological theory.

RÉSUMÉ

Cet article aborde les contributions des études postcoloniales à la rénovation de la théorie sociale contemporaine. Nous abordons, tout d'abord, le caractère critique des études postcoloniales par rapport aux sciences sociales. Nous analysons, ensuite, les alternatives épistémologiques présentées, suivant trois concepts-clés : la modernité entrelacée, le lieu d'énonciation hybride et le sujet décentralisé. Nous concluons que, malgré son caractère contondant et la défiance de certains auteurs, pour qui la théorie postcoloniale détruit la base épistémologique des sciences sociales, une bonne partie de la critique postcoloniale a, pour destinataire, la théorie de la modernisation. En ce qui concerne cette question, nous présentons les affinités existantes face objections soulevées par les scientistes sociaux, qui n'ont rien à voir avec le post colonialisme. D'autres aspects abordés par les études postcoloniales ne déstabilisent pas nécessairement les sciences sociales. Ils peuvent, au contraire, l'enrichir.

Mots-clés: Études postcoloniales; Différence; Théorie Sociologique.

Os estudos pós-coloniais não constituem propriamente uma matriz teórica única. Trata-se de uma variedade de contribuições com orientações distintas, mas que apresentam como característica comum o esforço de esboçar, pelo método da desconstrução dos essencialismos, uma referência epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade. Iniciada por aqueles autores qualificados como intelectuais da diáspora negra ou migratória – fundamentalmente imigrantes oriundos de países pobres que vivem na Europa Ocidental e na América do Norte –, a perspectiva pós-colonial teve, primeiro na crítica literária, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos, a partir dos anos de 1980, suas áreas pioneiras de difusão. Depois disso, expande-se geograficamente e para outras disciplinas, fazendo dos trabalhos de autores como Homi Bhabha, Edward Said, Gayatri Chakravorty Spivak ou Stuart Hall e Paul Gilroy referências recorrentes em outros países dentro e fora da Europa.

A abordagem pós-colonial constrói, sobre a evidência – diga-se, trivializada pelos debates entre estruturalistas e pós-estruturalistas – de que toda enunciação vem de algum lugar, sua crítica ao processo de produção do conhecimento científico que, ao privilegiar modelos e conteúdos próprios ao que se definiu como a cultura nacional nos países europeus, reproduziria, em outros termos, a lógica da relação colonial. Tanto as experiências de minorias sociais como os processos de transformação ocorridos nas sociedades "não ocidentais" continuariam sendo tratados a partir de suas relações de funcionalidade, semelhança ou divergência com o que se denominou centro. Assim, o prefixo "pós" na expressão pós-colonial não indica simplesmente um "depois" no sentido cronológico linear; trata-se de uma operação de reconfiguração do campo discursivo, no qual as relações hierárquicas ganham significado (Hall, 1997a). Colonial, por sua vez, vai além do colonialismo e alude a situações de opressão diversas, definidas a partir de fronteiras de gênero, étnicas ou raciais.

Delimitar o campo teórico preciso no qual se inserem os estudos pós-coloniais não é tarefa fácil. Talvez não seja nem mesmo uma tarefa concretizável, uma vez que os estudos pós-coloniais buscam precisamente explorar as fronteiras, produzir, conforme quer Bhabha (1994), uma reflexão para além da teoria. Não obstante, não é difícil reconhecer a relação próxima entre os estudos pós-coloniais e pelo menos três correntes ou escolas contemporâneas. A primeira é o pós-estruturalismo e, sobretudo, os trabalhos de Derrida e Foucault, com quem os estudos pós-coloniais aprenderam a reconhecer o caráter discursivo do social. A recepção do pós-estruturalismo, contudo, não é a mesma que fazem autores como Lyotard e outros expoentes da corrente pós-moderna, segunda referência importante para os estudos pós-coloniais que se quer destacar aqui. A rigor, a abertura para o pós-modernismo varia muito, conforme a abordagem que se tome. De forma geral, aceita-se falar da pós-modernidade, como condição, isto é, como categoria empírica que descreve o descentramento das narrativas e dos sujeitos contemporâneos. Recusa-se, contudo, o pós-modernismo como programa teórico e político, visto que, para o pós-colonialismo, a transformação social e o combate à opressão devem ocupar lugar central na agenda de investigação (Appiah, 1992; Gilroy, 1993, p. 107). Por último, cabe a alusão aos estudos culturais, sobretudo em sua versão britânica desenvolvida principalmente no Birmingham University's Centre for Contemporary Studies. Talvez seja razoável dizer que a distinção entre estudos culturais, na versão britânica, e estudos pós-coloniais seja apenas cronológica. Afinal, desde que Stuart Hall, figura central dos estudos culturais britânicos, desloca sua atenção, a partir de meados dos anos de 1980, de questões ligadas à classe e ao marxismo para temas como racismo, etnicidades, gênero e identidades culturais, verifica-se uma convergência plena entre estudos pós-coloniais e estudos culturais (Morley e Chen, 1996).

O objetivo deste ensaio não é traçar uma genealogia dos estudos pós-coloniais, mas discutir a importância de sua contribuição para as ciências sociais e para a sociologia, em particular. Trata-se de discutir, em primeiro lugar, o caráter da crítica que os estudos pós-coloniais endereçam às ciências sociais. Em seguida, discute-se as alternativas epistemológicas que apresentam, considerando-se três blocos interrelacionados de questões, a saber: a crítica ao modernismo como teleologia da história, a busca de um lugar de enunciação "híbrido" pós-colonial e a crítica à concepção de sujeito das ciências sociais. A conclusão a que se chega é de que, a despeito de sua contundência e da suspeita de autores como McLennan (2003) de que a teoria pós-colonial implode a base epistemológica das ciências sociais, boa parte da crítica pós-colonial tem como destinatário não o conjunto da teoria social, mas uma escola teórica particular, qual seja, a teoria da modernização, e se assemelha a objeções levantadas por cientistas sociais que nada têm a ver com o pós-colonialismo. Outros problemas levantados pelos estudos pós-coloniais não desestabilizam, necessariamente, as ciências sociais, podendo mesmo enriquecê-las.

As ciências sociais e seus binarismos

Não é sem razão que o livro clássico Orientalism do crítico literário palestino Edward Said (1978) é considerado o "manifesto de fundação" do pós-colonialismo (Conrad e Randeria, 2002, p. 22). No livro, Said dá contornos a uma perspectiva que começara a ser delineada nos esforços pioneiros desenvolvidos pelo psiquiatra de Martinica Frantz Fanon (1965 [1952]), quando buscou descrever o mundo moderno visto pela perspectiva do negro e do colonizado.

O orientalismo de que fala Said caracteriza uma maneira particular de percepção da história moderna e tem como ponto de partida o estabelecimento a priori de uma distinção binária entre Ocidente e Oriente, segundo a qual cabe àquela parte que se auto-representa como Ocidente a tarefa de definir o que se entende por Oriente. O orientalismo constitui, assim, uma maneira de apreender o mundo, ao mesmo tempo que se consolida, historicamente, a partir da produção de conhecimentos pautados por aquela distinção binária original.

A inspiração que anima Said – e, como se mostra mais adiante, boa parte dos autores pós-coloniais – é a crítica foucaultiana à "episteme" das ciências humanas (Foucault, 1972, pp. 418ss.). Trata-se de mostrar que a produção de conhecimento atende a um princípio circular e auto-referenciado, de sorte que "novos" conhecimentos construídos sobre uma base de representação determinada reafirmam, ad infinitum, as premissas inscritas nesse sistema de representações. O orientalismo caracteriza, assim, um modo estabelecido e institucionalizado de produção de representações sobre uma determinada região do mundo, o qual se alimenta, se confirma e se atualiza por meio das próprias imagens e dos conhecimentos que (re)cria.1 1 Desde sua publicação, Orientalism mobilizou críticas importantes. Cabe destacar as objeções de natureza metodológica que ressaltam a dificuldade de Said de construir um lugar crítico que seja imune aos problemas – circularidade, irrepresentabilidade etc. – que ele identifica no orientalismo (Ashcroft e Ahluwalia, 1999, pp. 80ss.). O próprio Said reformula e refina posições anteriores em suas obras subseqüentes, particularmente em sua discussão sobre o imperialismo cultural (Said, 1993). O Oriente de Orientalism, ainda que remeta, vagamente, a um lugar geográfico, expressa mais propriamente uma fronteira cultural e definidora de sentido entre um nós e um eles, no interior de uma relação que produz e reproduz o outro como inferior, ao mesmo tempo em que permite definir o nós, o si mesmo, em oposição a este outro, ora representado como caricatura, ora como estereótipo e sempre como uma síntese aglutinadora de tudo aquilo que o nós não é e nem quer ser.

Stuart Hall (1996a) busca generalizar o caso do orientalismo, mostrando que a polaridade entre o Ocidente e o resto do mundo (West/Rest) encontra-se na base de constituição das ciências sociais. O ponto de partida de Hall é igualmente a noção de formação discursiva, derivada de Foucault. Tratado nesses termos, discurso não se confunde com ideologia, entendida como representação falseada ou falsificada do mundo. Não cabe, por isso, discutir o teor de verdade dos discursos, mas o contexto no qual eles são produzidos, qual seja, o "regime de verdade" dentro do qual o discurso adquire significação, se constitui como plausível e assume eficácia prática. Esses regimes de verdade, ou na variação preferida por Hall, "regimes de representação", não são fechados e mostram-se aptos a incorporar novos elementos à rede de significados em questão, mantendo um núcleo original de sentidos, contudo, inalterado (Idem, pp. 201ss.).2 2 A ênfase na abertura do sistema de representações West/Rest sugerida por Hall o diferencia de Said, já que para este último acentua o caráter monológico do discurso orientalista. Ambos os autores destacam, contudo, o caráter auto-referenciado do sistema de representação criticado. Ou seja, também para Hall, a incorporação de novos elementos a uma formação discursiva determinada reproduz sempre a semântica interna dominante em tal formação.

Valendo-se da idéia de Said de que os discursos se servem de "arquivos" ou fontes de conhecimento comum para se constituir, Hall enumera os principais recursos que, ao longo do processo de expansão colonial, vão nutrindo e constituindo o discurso West/Rest, a saber: os conhecimentos clássicos, as fontes bíblicas e religiosas, as mitologias (Eldorado, lendas sexuais etc.), além dos relatos de viajantes. A partir dessas fontes constituem-se as polaridades entre o Ocidente – civilizado, adiantado, desenvolvido, bom – e o resto – selvagem, atrasado, subdesenvolvido, ruim. Uma vez constituídos, tais binarismos tornam-se ferramentas para pensar e analisar a realidade. Hall investiga obras de autores fundadores das ciências humanas em meados do século XVIII (basicamente Adam Smith, Henry Kame, John Millar e Adam Ferguson), mostrando como a polaridade West/Rest, contemporânea do Iluminismo, se instala no interior destas.

O discurso West/Rest, conforme Hall, não é dominante apenas no âmbito desses primeiros trabalhos das ciências humanas, ele se torna um dos fundamentos da sociologia moderna que toma as normas sociais, as estruturas e os valores encontrados nas sociedades denominadas ocidentais como o parâmetro universal que define o que são sociedades modernas. Assim, sob a lente da sociologia, as especificidades das sociedades "não ocidentais" passam a figurar como ausência e incompletude, em face do padrão moderno, depreendido exclusivamente das "sociedades ocidentais". Bons exemplos da incorporação pela sociologia moderna do binarismo West/Rest seriam, para Hall, categorias como patrimonialismo, em Weber, e modo de produção asiático, em Marx, que, de formas distintas, fraseam o movimento interno de sociedades definidas como não ocidentais na gramática implicitamente comparativa que toma as sociedades européias como padrão.

A polaridade West/Rest encontra-se também na base da narrativa histórica adotada pelas ciências sociais modernas e pela sociologia, em particular. Trata-se de uma grande narrativa centrada no Estado-nação "ocidental" e que reduz a história moderna a uma ocidentalização paulatina e heróica do mundo, sem levar em conta que, pelo menos desde a expansão colonial no século XVI, diferentes "temporalidades e historicidades foram irreversível e violentamente juntadas" (Hall, 1997a, p. 233).3 3 Esta e todas as citações do alemão, inglês e espanhol foram traduzidas pelo autor, com alguma liberdade estilística, para o português. Tal não significa, obviamente, que o autor acredite na simetria de poder e em iguais possibilidades de influência mútua entre o "Ocidente" e o "resto do mundo", implica, contudo, que as partes representadas como opostas e separadas, vale dizer, antinômicas, na verdade se completam histórica e semanticamente.

A metodologia da comparação implícita e o tipo de narrativa histórica da sociologia moderna fazem com que tudo o que é diverso no "resto do mundo" seja decodificado como um ainda não existente, uma falta a ser compensada por meio da intervenção social cabível em cada contexto e em cada época histórica: dominação colonial, ajuda ao desenvolvimento, intervenção humanitária etc. Com isso, Hall não pretende naturalmente atribuir a responsabilidade pelos colonialismos e imperialismos às ciências sociais modernas. Mostra, contudo, como as disciplinas desse campo reproduzem a perspectiva colonial, ao alimentar e legitimar o modelo dominante de representação das relações entre a Europa e o resto do mundo.4 4 Ainda que sua alternativa ao eurocentrismo, apoiada na teologia da libertação e no marxismo, o distinga dos autores pós-coloniais, o teólogo Enrique Dussel vem produzindo, na América Latina, um tipo de crítica que se identifica com a perspectiva pós-colonial. Conforme o teólogo, a modernidade contém um núcleo ad intra racional que é universalista e cosmopolita. Ad extra alimenta uma representação mística de si mesmo que ele resume em sete elementos constitutivos, a saber: 1) a civilização moderna autodefine-se como superior; 2) a superioridade obriga a desenvolver os rudes, como exigência moral; 3) o caminho de tal processo educativo deve seguir o caminho europeu; 4) como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, deve-se recorrer à violência, se tal for necessária para garantir a modernização; 5) a empreitada exige vítimas e, como num ritual de sacrifício, o herói modernizador investe suas vítimas da aura de participantes de um processo redentor; 6) "para o moderno, o bárbaro tem uma 'culpa' (o opor-se ao processo civilizador) que permite à 'Modernidade' apresentar-se não só como inocente senão também como 'emancipadora' da culpa de suas próprias vítimas"; 7) o caráter civilizador da modernidade impõe custos inevitáveis aos povos "atrasados" (Dussel, 2000, p. 70). O vigor da crítica ao eurocentrismo feita por Dussel pode ser avaliado no âmbito das polêmicas entre o teólogo e a ética discursiva de Habermas e Apel, o pós-modernismo de Vattimo e o comunitarismo de Taylor (Dussel, 1998).

As alternativas epistemológicas pós-coloniais

A "desconstrução" da polaridade West/Rest constitui o termo comum que une os diferentes autores identificados com o marco pós-colonial. É precisamente essa identificação do viés colonialista no processo de produção do conhecimento que, como se afirmou mais acima, melhor define o prefixo "pós" do termo pós-colonial. Afinal, do ponto de vista cronológico, esse prefixo refere-se a ex-colônias com condições pós-coloniais radicalmente distintas.5 5 Quando se trata do pós-colonial como cronologia, como perspectiva que acompanha genericamente a descolonização, um dos problemas é a condição imperial da pós-colônia Estados Unidos. Mignolo (1996) procura sintetizar as discussões a respeito, estabelecendo uma relação entre a produção teórica e as diferentes "condições" pós-coloniais. Entende que a pós-modernidade foi a forma particular de crítica da modernidade que melhor pôde florescer nos Estados Unidos: "[...] se a modernidade consiste tanto na consolidação da história européia, como na história silenciosa de colônias da periferia, a pós-modernidade e a pós-coloniadade (como operação de construção literária) são lados distintos de um processo para se contrapor à modernidade desde diferentes heranças coloniais: 1. heranças a partir/no centro de impérios coloniais (ex.: Lyotard); 2. heranças coloniais em colônias de assentamento (ex.: Jameson nos Estados Unidos); e 3. heranças coloniais em colônias de assentamento profundo (ex.: Said, Spivak, Glissant)" (p. 14). Interessa, por isso, abordar aqui o pós-colonial, a forma de "descontrução" da polaridade West/Rest que se constitui, historicamente, no âmbito da relação colonial, mas que se perpetua mesmo depois de extinto o colonialismo, como modo de orientar a produção do conhecimento e a intervenção política.

A tarefa que os autores pós-coloniais atribuem a si é imodesta. Cabe, primeiro, mostrar que a polaridade Rest/West constrói, no plano discursivo, e legitima, no âmbito político, uma relação assimétrica irreversível entre o Ocidente e seu outro, conferindo ao primeiro um tipo de superioridade que não é circunstancial, histórica e referida a um campo específico – material, tecnológico etc. Trata-se da atribuição de uma condição de superioridade que é ontológica e total, imutável, essencializada, uma vez que ela faz parte da própria constituição lógica e semântica dos termos da relação. O segundo passo é mostrar que a polaridade West/Rest é inócua do ponto de vista cognitivo, uma vez que ofusca aquilo que supostamente busca elucidar, a saber, as diferenças internas dessa multiplicidade de fenômenos sociais subsumidos nesse outro genérico, bem como as relações efetivas entre o Ocidente imaginado e o resto do mundo.

Tal esforço de desconstrução dos binarismos (coloniais) vem seguindo percursos diversos no âmbito dos estudos pós-coloniais e, pelo menos desde o importante ensaio de Spivak (1988), desfez-se a expectativa de que uma perspectiva epistemológica nova surgiria, dando-se voz ao (pós-)colonizado. A autora mostra que é ilusória a referência a um sujeito subalterno que pudesse falar. O que ela constata, valendo-se do exemplo da Índia, é uma heterogeneidade de subalternos, os quais não são possuidores de uma consciência autêntica pré- ou pós-colonial, trata-se de "subjetividades precárias" construídas no marco da "violência epistêmica" colonial. Tal violência tem um sentido correlato àquele cunhado por Foucault para referir-se à redefinição da idéia de sanidade na Europa de finais do século XVIII, na medida em que desclassifica os conhecimentos e as formas de apreensão do mundo do colonizado, roubando-lhe, por assim dizer, a faculdade da enunciação. Assim, no lugar de reivindicar a posição de representante dos subalternos que "ouve" a voz desses, ecoada nas insurgências heróicas contra a opressão, o intelectual pós-colonial busca entender a dominação colonial como cerceamento da resistência mediante a imposição de uma episteme que torna a fala do subalterno, de antemão, "silenciosa", vale dizer, desqualificada.

Cientes da impossibilidade constatada por Spivak, os estudos pós-coloniais buscam alternativas para a desconstrução da antinomia West/Rest que sejam distintas da simples inversão do lugar da enunciação colonial. Trata-se, portanto, não de dar voz ao oprimido, mas como definem Pieterse e Parekh (1995, p. 12), de uma descolonização da imaginação o que implica uma crítica que não seja simplesmente anticolonialista,6 6 Em ensaio pioneiro e influente, Shohat (1992) mostra que o pós-colonial, se assume a forma de um "anti-colonialismo terceiro-mundista", corre o risco de reafirmar o binarismo centro/periferia, fortalecendo aquilo que supostamente deveria combater, isto é, a representação eurocêntrica da modernidade. uma vez que, historicamente, o combate ao colonialismo teria se dado ainda no marco epistemológico colonial, por meio da reificação e do congelamento da suposta diferença do colonizado em construções nativistas e nacionalistas. O pós-colonialismo deve promover precisamente a desconstrução desses essencialismos, diluindo as fronteiras culturais legadas tanto pelo colonialismo como pelas lutas anticoloniais.

Histórias entrelaçadas

A desconstrução da dicotomia Rest/West passa, primeiramente, pela reinterpretação da história moderna. Com efeito, a releitura pós-colonial da história moderna busca reinserir, reinscrever o colonizado na modernidade, não como o outro do Ocidente, sinônimo do atraso, do tradicional, da falta, mas como parte constitutiva essencial daquilo que foi construído, discursivamente, como moderno. Isso implica descontruir a história hegemônica da modernidade, evidenciando as relações materiais e simbólicas entre o "Ocidente" e o "resto" do mundo, de sorte a mostrar que tais termos correspondem a construções mentais sem correspondência empírica imediata. Esse é o projeto perseguido pelo historiador indiano da Universidade de Chicago, Dipesh Chakrabarty (2000). Sob a divisa "provincializar a Europa", o autor busca radicalizar e transcender o universalismo liberal, mostrando que o racionalismo e a ciência, antes de serem marcas culturais européias, são parte de uma história global, no interior da qual o monopólio "ocidental" na definição do moderno foi construído tanto com o auxílio do imperialismo europeu, como com a participação direta do mundo "não ocidental". Isto é, as histórias nacionais de países não europeus se apresentam como narrativas de construção de instituições – cidadania, sociedade civil etc. –, que só encerram sentido se projetadas no espelho de uma "Europa hiperreal", na medida em que ignoram as experiências efetivas das populações de tais países. Nessas histórias nacionais, a Europa imaginada é a morada do verdadeiro sujeito moderno, do qual mesmo os socialistas e os nacionalistas mais combativos buscam construir, pela imitação, um similar nacional (para uma crítica, ver Santos, 2004).

A tentativa de dar plausibilidade à idéia de histórias que, a despeito de serem narradas como histórias nacionais, apresentam interpenetrações e se determinam mutuamente, toma corpo nos conceitos de "histórias partilhadas" e "modernidade entrelaçada", cunhados por Randeria (2000), socióloga indiana da Universidade de Zurique. Com os conceitos, a autora busca, de um lado, expressar a interdependência e a simultaneidade dos processos de constituição das sociedades contemporâneas e, de outro, destacar a representação dicotômica, cingida, das intersecções históricas nas representações modernas. O termo "partilhado" carrega duplamente o sentido das expressões shared e divided, isto é, trata-se de histórias compartilhadas em seu desenrolar, mas divididas em sua apresentação e representação. É importante destacar que, ao enfatizar as interpenetrações das histórias modernas, a autora não busca ofuscar as assimetrias de poder que marcam tal relação, tampouco significa afirmar que tudo está entrelaçado na mesma medida e na mesma proporção. Trata-se de contextualizar as transformações observadas num feixe de relações interdependentes entre as diferentes regiões do mundo, de forma a dar sentido às assimetrias e às desigualdades construídas no interior da história moderna comum.

A insistência na idéia de uma constituição entrelaçada da modernidade carrega uma intenção dupla. Inicialmente, busca-se mostrar a cegueira epistemológica que o binarismo West/Rest lega às diferentes disciplinas. Ou seja, ao tratar esse "outro" do Ocidente, de forma evolucionista e hierárquica, como um vácuo de sociabilidade, "pré-estágio do si mesmo europeu", disciplinas como a sociologia acabam tomando por novos e decorrentes da globalização contemporânea processos como "a debilitação da soberania nacional, informalização e flexibilizaçao do trabalho, dependência de acontecimentos remotos, hibridicidade cultural" (Idem, p. 45) – todos eles, na verdade, velhos conhecidos das sociedades (pós-)coloniais.

Ao mesmo tempo, a ênfase na constituição entrecruzada da modernidade busca lançar luz sobre o papel das colônias como campo de experimentação da modernidade. Se, pelo menos desde a publicação d'O capital de Karl Marx, a importância da expansão colonial na formação do capitalismo é conhecida, a ênfase pós-colonial na história partilhada busca chamar a atenção para outras dimensões dessa interdependência. Conrad e Randeria (2002, p. 26) nomeiam estudos diversos que, dentro desta perspectiva, mostram como a idéia (moderna) de reformar a ordem social por meio da "intervenção orientada estrategicamente" é gestada na segunda metade do século XIX, primeiro nas colônias e só depois é importada, como possibilidade de "modernização", da Europa. Exemplos de tal processo são os projetos de reestruturação urbana experimentados primeiro no norte da África e depois aplicados na França, bem como a técnica de verificação da identidade pela impressão digital, inicialmente posta em prática em Bengala.

O lugar de enunciação pós-colonial: elogio do híbrido

Em vez de buscar os fatos e as conexões que possam reposicionar o (pós-) colonizado na história moderna, outros autores, mais convictos das possibilidades do pós-estruturalismo, concentram seu esforço (pós-colonial) na relação entre discurso e poder, buscando encontrar um lugar de enunciação que possa escapar às adscrições essencialistas e transgredir as fronteiras culturais traçadas pelo pensamento colonial. O crítico literário indiano Homi Bhabha (1994) é quem persegue essa estratégia com mais pertinácia. Seu interesse está voltado para os espaços de enunciação que não sejam definidos pela polaridade dentro/fora, mas se situem entre as divisões, no entremeio das fronteiras que definem qualquer identidade coletiva.

Em contraposição às construções identitárias homogeneizadoras que buscam aprisionar e localizar a cultura, apresenta-se a idéia da diferença, articulada contextualmente, nas lacunas de sentido entre as fronteiras culturais. Diferença aqui não tem o sentido de herança biológica ou cultural, nem de reprodução de uma pertença simbólica conferida pelo local de nascimento, de moradia ou pela inserção social, cultural etc. A diferença é construída, no processo mesmo de sua manifestação, ela não é uma entidade ou expressão de um estoque cultural acumulado, é um fluxo de representações, articuladas ad hoc, nas entrelinhas das identidades externas totalizantes e essencialistas – a nação, a classe operária, os negros, os migrantes etc. Nesses termos, mesmo a remissão a uma suposta legitimidade legada por uma tradição "autêntica" e "original" deve ser tratada como parte da performatização da diferença – no sentido lingüístico do ato enunciativo e no sentido dramatúrgico da encenação. Assim, tal reivindicação de legitimidade precisa ser entendida a partir da contextualidade discursiva em que se insere:

Termos do engajamento cultural, sejam eles antagonistas sejam de filiação, são produzidos performativamente. A representação da diferença não tem de ser interpretada apressadamente como um conjunto pré-fornecido de caracteres étnicos ou culturais no âmbito de um corpo fixo da tradição. Da perspectiva da minoria, a articulação social da diferença representa uma complexa negociação em curso que busca autorizar os hibridismos que aparecem nos momentos de transformação histórica. O "direito" de significar a partir da periferia do poder autorizado e privilegiado não depende da persistência da tradição; tal direito está fundado no poder da tradição de ser reinscrita por meio das condições de contingência e contradição que respondem às vidas daqueles que "estão em minoria". O reconhecimento que a tradição louva é uma forma parcial de identificação. Retomando o passado, tal reconhecimento introduz outras temporalidades culturais na invenção da tradição. Esse processo torna estranho qualquer acesso imediato a uma identidade original ou tradição "recebida" (Bhabha, 1994, p. 2)

A afirmação da diferença, conforme descrita por Bhabha, não pode ser entendida como ação social, nos termos utilizados normalmente pelas teorias sociológicas da ação, uma vez que a ação não pode ser inscrita numa narrativa teórica. Isto é, não se verifica em Bhabha uma relação decifrável entre ação e estrutura, nem um alinhamento entre self e sociedade que pudesse ser decodificado num modelo sociológico generalizante: "não pode haver qualquer fechamento discursivo da teoria" (Idem, p. 30; ver também McLennan, 2000, p. 77). Mesmo a idéia de sujeito precisa ser compreendida fora dos cânones das ciências sociais. A rigor, Bhabha evita a remissão à idéia de um sujeito que seja definido pelo vínculo a um lugar na estrutura social ou que seja caracterizado pela defesa de um conjunto determinado de idéias. O sujeito é sempre um sujeito provisório, circunstancial e cingido entre um sujeito falante e um sujeito "falado", reflexivo. O segundo nunca alcança o primeiro, só pode sucedê-lo. Isso, contudo, não implica a impossibilidade da resistência à dominação.

A subversão possível está relacionada com o deslizamento do sentido dos signos. A idéia, como se mostra adiante, tomada emprestada do pós-estruturalismo, é de que os signos possuem possibilidades inesgotáveis de significação e só podem ganhar um sentido particular, ainda assim provisório e incompleto, num contexto significativo determinado. Nenhum contexto discursivo particular esgota plenamente o repertório de significações atribuíveis a um signo; a ação criativa é aquela que subverte, redefine o signo, a partir de um lugar enunciatório deslocado dos sistemas de representação fechados. Não se trata, portanto, conforme Bhabha, de uma intervenção informada por um sistema de representação concorrente, mas de um lugar fronteiriço, de alguma maneira fora dos sistemas de significações totalizantes e que é capaz, por isso, de introduzir inquietação e revelar o caráter fragmentário e ambivalente de qualquer sistema de representação. A eficácia da intervenção é também sempre contingente, aberta, indefinida, trata-se de uma ação dentro da área de influência do sujeito, mas fora de seu controle.

O lugar de enunciação entre os sistemas de representação é definido por Bhabha como um "terceiro espaço" e corresponde ao contexto "no qual a contingência espacial das fronteiras nacionais e raciais é combinada com o que ele descreve como a contingência temporal do indecifrável" (Philips, 1999, p. 68). Isto é, o terceiro espaço não se refere a um locus fixo na tessitura social, mas sim ao instante no qual o caráter construído e arbitrário das fronteiras culturais fica evidenciado. Tal acontece quando signos são deslocados de seu referenciamento espacial e temporal e ainda se encontram, por assim dizer, em movimento, ou seja, não foram inscritos num outro sistema de representação totalizante. Esse deslocamento caracteriza o momento de "hibridação" do signo e, embora operado com a participação do sujeito é, como mencionado, fortuito, aleatório, é uma interação contingente (Bhabha, 1994, pp. 185ss.).

A idéia de hibridismo adotada por Bhabha tem sua origem na análise do lingüista e teórico da cultura Mikhail Bakhtin, o qual distingue uma involuntária "mistura de duas linguagens sociais dentro de uma mesma afirmação" e a "confrontaçao dialógica" de duas linguagens na forma de um "hibridismo intencional" (Grimm, 1997, p. 53). Bhabha nega o traço intencional, mostrando que o fenômeno da hibridação independe da vontade do sujeito. Além disso, a hibridação se presta, na relação colonial, não apenas à reação à dominação, mas também à afirmação do próprio poder do colonizador. Conforme o autor, diferentemente do que postularam os "pós-estruturalistas ocidentais", "puristas da diferença", o poder não se produz unicamente por meio da transparência – das regras de classificação, de inclusão e exclusão, da identidade do colonial e do colonizado etc. Na relação colonial, fundem-se cadeias de significações que hibridizam a reivindicada identidade pura do colonizador, ao mesmo tempo em que o colonizado se, de um lado, apenas imita o colonizador, também desloca, hibridiza signos da dominação colonial, esvaziando-os da simbologia da dominação (Bhabha, 1995 [1985], p. 34).

A partir do uso cunhado por Bhabha, os conceitos "hibridismo" (e "hibridação") generalizam-se nos estudos pós-coloniais, ainda que ganhem em cada autor matizes distintos (para uma comparação, ver Papastergiadis, 1997).7 7 Simultaneamente aos autores pós-coloniais, Garcia Canclini (1990) passa a utilizar o termo "culturas híbridas" para referir-se à América Latina. Diferentemente da importância política atribuída pelos pós-coloniais ao hibrdismo, para Garcia Canclini o hibridismo contemporâneo na América Latina é caracterizado pela ausência de sentido político: se historicamente a combinação cultural foi utilizada para a legitimação da dominação ou com fins emancipatórios, hoje o hibridismo é apenas uma mistura alegorizada e desordenada, expressão antes estética que política. Outra distinção importante entre os estudos pós-coloniais e a contribuição de Canclini encontra-se no grau de elaboração: enquanto nos estudos pós-coloniais, hibridismo, a despeito de seus problemas, é um conceito-chave no interior de uma teoria da cultura, às vezes mais, às vezes menos coerente, em Canclini, híbrido é uma expressão de uso genérico e desprovida de ambição e consistência teóricas. A despeito dos diferentes usos, o conceito permite operar dois movimentos fundamentais. O primeiro é descontrutivista: ao revelar o traço híbrido de toda construção cultural, busca-se desmontar a possibilidade de um lugar de enunciação homogêneo. Qualquer lugar da enunciação é, de saída, um lugar heterogêneo, de modo que a pretensão de homogeneidade é sempre arbitrariamente hierarquizadora. O segundo movimento é, se assim se pode dizer, normativo: o hibridismo define uma condição global cosmopolita. Trata-se da referência a uma cultura e a um mundo híbrido como alusão a uma ecumene mundial acima das barreiras raciais, nacionais, étnicas etc.: "uma cultura internacional, baseada não no exotismo do multiculturalismo ou na diversidade de culturas, mas na inscrição e na articulação de culturas da hibridez (Bhabha, 1994, p. 38). Esse ideal cosmopolita confere uma conotação positiva à multiplicação das possibilidades de percepção do mundo a partir de um lugar fora do contexto espacial e simbólico das comunidades imaginadas que acompanha a globalização. Esse "convite" à hibridação é inerente às biografias contemporâneas, de forma geral, e encontra na figura do migrante "pós-colonial" sua representação emblemática. O cosmopolitismo como hibridação inscreve-se assim no horizonte de possibilidades, como alternativa ao universalismo modernista:

O modernismo combate a etnicidade em nome do universalismo, da identidade de todas as pessoas com seus direitos individuais. O pós-colonialismo faz o mesmo em nome da mistura e da hibridez, reivindicando uma humanidade de tal maneira fundida em suas características culturais que não há chances para qualquer absolutismo étnico. A isso que eu me refiro como cosmopolitismo sem modernismo (Fridman, 1995, p. 76).

Para além de seu papel como remissão a um lugar de enunciação que se impõe entre as fronteiras culturais e como ideal cosmopolita, o termo hibridismo ganhou, no campo da sociologia, com um ensaio de Nederveen Pieterse (1995, 2003), uso macroanalítico como categoria de estudo da globalização. O autor considera que as análises correntes nesse campo buscam, em geral, associar globalização e modernidade e acabam se tornando um anexo da teoria da modernização, traduzindo a globalização como uma ocidentalização do mundo (westernization). Os autores que pretendem fugir a essa visão da globalização, como Therborn, Amin, Pred e Watts, indicam que cada sociedade "retrabalha" a modernidade, definindo suas próprias trilhas modernizantes. Recaem, contudo, invariavelmente, num policentrismo que continua oferecendo uma representação estática e unidimensional da globalização: "a multiplicação dos centros que continua, contudo, ainda amparada no centrismo" (Pieterse, 1995, p. 48). Todas essas abordagens desconsideram, segundo Pieterse, algo fundamental no processo de globalização, que é precisamente a gobalização da diversidade.

O autor postula que a globalização deve ser entendida como hibridação, o que implica um processo de multiplicação e interpenetração dos modos disponíveis de organização – transnacional, internacional, macrorregional, nacional, microrregional, municipal –, uma combinação, nas diferentes esferas sociais, de lógicas de coordenação variadas, além do surgimento, no âmbito cultural, de uma mélange global. Esta idéia corresponde a uma generalização dos processos de interpenetração cultural, descritos, como casos particulares, em expressões como creolização, mestizaje, orientalização, cross over culture e que destacam a hibridação das partes envolvidas e o surgimento permanente de novas misturas. Tal não implica assumir que as partes que se juntam na mélange sejam puras, originárias. Nesse sentido, a hibridação que tem lugar na globalização corresponde a uma mistura de misturas.

Para tornar seu argumento plausível, Pieterse contrapõe à idéia de cultura como um conjunto de propriedades ortogenéticas e endôgenas de uma comunidade orgânica e homogênea, em geral, associada a um local geográfico determinado, o conceito de cultura translocal, heterogenética e heterogênea, desenvolvida em redes difusas. Enquanto, no primeiro caso, os intercâmbios culturais são vistos como um fenômeno estático e que sempre faz referência a um centro, no segundo, os intercâmbios são fluidos, descentrados, transculturais. A globalização representaria o processo, obviamente não linear, que conduz à generalização desse segundo tipo de relação cultural, levando, assim, não à homogeneização, mas à diversificação, não à hegemonia cultural, mas à interpenetração cultural, não à ocidentalização, mas à mélange global, ou seja, à hibridação (Idem, pp. 61ss.).

Mesmo que inovador, o uso feito por Pieterse da idéia de hibridação como categoria de análise da globalização apresenta problemas graves, parte dos quais ele próprio reconhece: "o que falta é o reconhecimento do atual desnível, assimetria e desigualdade nas relações globais" (Idem, p. 54). A inexatidão do conceito não me parece, contudo, um problema de refinamento teórico, como se fosse possível, como parece acreditar Pieterse, precisá-lo, por meio de novas pesquisas. O problema é metodológico. Na operação desenvolvida por Pieterse, o conceito hibridação vai acumulando tantas funções e definições que acaba se tornando o sinônimo do que deveria explicar, como mostra o próprio título do ensaio do autor: "Globalization as hybridation". Ao final, o autor descentra tanto o conceito de modernidade como o de cultura, mas não descentra, ao contrário unifica, a lógica de produção e reprodução da modernidade e da cultura: trata-se de um lógica híbrida. Ainda que entenda o sentido crítico que o apelo à idéia de hibridação possa ter para autores como Bhabha ou Pieterse, seu uso como categoria analítica é, a meu juízo, um equívoco. O conceito multi-uso funciona como um moinho que primeiro quebra para depois fundir as nuanças e as diferenciações que devem precisamente despontar na análise. Quando parte da idéia de hibridação, o analista é levado ao raciocínio circular: parte da premissa de que a(s) modernidade(s), as culturas, as pessoas, a globalização, ele próprio são híbridos, para concluir, triunfalmente, depois de um enorme esforço de desconstrução e metonimização, que a(s) modernidade(s), as culturas, as pessoas, a globalização, ele próprio são, Eureka! híbridos.

Da diferença ao sujeito

A concepção de diferença formulada, tanto por Bhabha como por Stuart Hall e Paul Gilroy, decorre do pós-estruturalismo e, mais particularmente, da noção de différance, conforme a acepção de Derrida. Sem poder me estender aqui num debate ainda muito vivo e com desdobramentos para campos tão diversos quanto a teoria feminista, o direito internacional e a teoria cultural, registra-se que, ao cunhar o neologismo différance, como corruptela do vocábulo francês différence, Derrida indica a existência de uma diferença que não é traduzível no processo de significação dos signos, nem organizável nas polaridades identitárias – eu/outro, nós/eles, sujeito/objeto, mulher/homem, preto/branco, significante/significado. Tais distinções e classificações binárias constituem o modo ocidental, logocêntrico de apreender o mundo e constituem a base das estruturas de dominação modernas. Criam, ainda, a ilusão de representações completas, totalizantes, que não deixam resíduos. A incompletude das representações encontra-se, contudo, assente na própria linguagem, visto que significantes e significados nunca se correspondem inteiramente. A différance remete ao excedente de sentido que não foi, nem pode ser significado e representado nas diferenciações binárias.

Tal não deve sugerir um novo binarismo entre, de um lado, uma realidade completa anterior, como o ser anterior pré-lingüístico e, de outro, sua representação lingüística, parcial, reduzida. Não há uma realidade anterior ao discurso; a realidade social é construída pela linguagem e, nesse sentido, a différance só pode se constituir na órbita do discurso. A noção de différance rompe, precisamente, com a idéia da diferença pré-existente, ontológica, essencial, que pode ser apresentada e representada discursivamente. A différance constitui-se no ato de sua manifestação, no âmbito da trama mesma de representações, diferenças e diferenciações. Também o sujeito se descentra. Ele se forma nas cadeias móveis de significação, a rigor é parte delas: não é anterior à linguagem, nem constitui uma entidade e uma identidade independente, tampouco é aquele que, como se poderia pensar, age sobre a différance, buscando preencher as "sobras" de sentido que ela expressa, (re)constituindo as totalidades. Não se trata de sujeitos inseridos numa estrutura, mas de cadeias de significações nas quais sujeitos e estruturas tem o status similar de sinais flutuantes que ganham e perdem sua significação – sempre incompleta – no jogo semântico da diferenciação (ver Dietrich, 2000).

Em seu debate com Lévi-Strauss, Derrida (1972) mostra que o fato de atribuir um caráter aberto, arbitrário, indefinido, aos jogos lingüísticos caracteriza sua ruptura com o estruturalismo. Para o autor, a idéia de jogo em Lévi-Strauss é perpassada por certa "ética da presença", como se houvesse uma origem última, uma essência por trás do signo que, em algum momento, pudesse ser atualizada, feita presente na linguagem. Aqui definem-se, para Derrida, duas formas de conceber as ciências humanas: a primeira busca a origem última, a verdade por trás das ilusões da representação, a segunda aceita a participação no jogo incerto, a partir de uma posição flutuante. Esta segunda, a qual ele se filia, é desconstrutivista, busca sempre o resíduo metafísico presente nos discursos generalizantes, sejam eles diferencialistas ou universalistas.

A radicalidade contida na idéia de différance e na diluição da oposição entre sujeito e estrutura operada por Derrida é, conforme entendo, interpretada, ou melhor talvez, operada, de maneira distinta por Bhabha, de um lado, e por Hall e Gilroy, de outro. Ambos os usos se apóiam no pós-estruturalismo para escapar à idéia da diferença fixa, essencial, seja ela impingida, seja auto-atribuída. A diferença é aqui uma "categoria enunciatória". Com efeito, o pós-estruturalismo tem, nos dois casos, uma importância central na desconstrução de discursos polares que opõem um "eu" a um "outro", um "nós" a um "eles". Isto vale tanto para o discurso colonial-imperialista, como para o nacionalista, ou ainda para o discurso multiculturalista, malgrado suas boas intenções. Em todos os casos, a diferença é celebrada como identidade homogênea, semelhança (sameness) irredutível, posto que se estabelece aqui uma correspondência entre inserção sociocultural numa estrutura pré-discursiva e um lugar enunciatório determinado no jogo lingüístico ou político. Com isso, a diferença é domesticada, homogeneizada, aprisionada em uma nova fronteira, perdendo precisamente seu caráter imprevisível, incerto, contingente, do qual decorre, para Bhabha, Hall e Gilroy, suas possibilidades subversivas. No lugar de identidade, os autores preferem falar de identificação, como posição circunstancial nas redes de significação (Hall, 1996b, pp. 2ss.).

Bhabha, contudo, parece levar até as últimas conseqüências a contingência dos jogos lingüísticos nos quais as diferenças são constituídas e negociadas. Não me parece autorizada a recepção que dele fazem intelectuais ligados aos movimentos sociais (imigrantes, feministas), procurando depreender do autor uma teoria da transformação social, na qual se destaca um sujeito "negociador" de diferenças com o fim da resistência política e da subversão das relações de dominação. O congelamento de um lugar enunciatório como subversivo ignora o caráter contingente da agência, peça fundamental da argumentação de Bhabha. Como já destaquei, a ressignificação das relações de dominação, a possibilidade de resistência política, para Bhabha, está subordinada, irremediavelmente, ao princípio da casualidade: a resistência não pode ser um ato volitivo do sujeito; tal se dá nas interações. Na passagem a seguir, essa posição é, uma vez mais, enfatizada:

O processo de reinscrição e negociação – a inserção ou intervenção de algo que assume novo sentido – acontece no intervalo de tempo entre o signo, privado de subjetividade e no escopo da intersubjetividade. Neste intervalo – a quebra temporal na representação – emerge o processo da agência (Bhabha, 1994, p. 191).

Papastergiadis (1997, p. 279) tem razão ao afirmar que a preocupação de Bhabha não é a salvação, a remissão, trata-se mais propriamente de uma crônica dos processos, "por meio da qual as táticas de sobrevivência e continuidade são articuladas". Bhabha aposta, sim, na multiplicação das diferenças, entendidas como processos de hibridação que se articulam entre as fronteiras culturais, e vê nelas a possibilidade de subverter os discursos totalizantes, sejam eles hegemônicos ou não. Isto é, a disseminação das situações híbridas – que acompanham as migrações de pessoas e signos – tem um sentido positivo na medida em que cria condições de possibilidade para a articulação de novas diferenças. Isso explica a atenção conferida pelo autor aos imigrantes, às minorias nacionais etc. A importância desses não é, contudo, a do ator reflexivo que confronta os discursos dominantes. Seu efeito transformador está relacionado com a abertura de possibilidades de construção de novos sentidos, proporcionadas pela presença do imigrante. Ou seja, o deslocamento espacial e temporal dos signos hibridiza, potencialmente, os contextos de significação, introduzindo a incerteza, a ambivalência, o ruído e a dúvida naquilo que parecia coerente, "puro", preciso, ordenado. Tal aposta não implica, contudo, "re-centralizar" o sujeito, dando-lhe um papel de protagonista social, como fomentador da hibridação. Esse processo, reiterando, escapa ao controle do ator. Não há uma teleologia do hibridismo, nem a reificação da consciência de um ator que pudesse concretizá-la. O que o autor afirma é que as migrações de signos aumentam os contextos de produção de cadeias de significação híbridas – apenas como possibilidade! A presença de "signos estrangeiros" também pode levar – e efetivamente leva – à petrificação das fronteiras culturais, mediante a construção da figura do "forasteiro" como o "outro" da própria identidade dominante – os chamados processos de othering. Em que medida a migração de signos produzirá mais hibridação ou mais adscrições é algo que o sujeito migrante, como mencionado, pode influenciar, mas não pode controlar. O sujeito é um signo na cadeia de significações.

Em contrapartida, Hall quer ir além dos jogos textuais da inscrição e da reinscrição, buscando construir, com base na idéia de sujeitos descentrados, uma sociologia política das negociações culturais.

Hall busca distinguir três concepções de sujeito: o cartesiano ou do iluminismo – auto-referido com uma identidade autocentrada e constituída pela razão –, o da sociologia e o sujeito descentrado, denominado pós-moderno. O sujeito da sociologia constitui-se em suas relações com

[...] "outros com significação", os quais transmitem ao sujeito valores, significados e símbolos – a cultura – dos mundos que ela/ele habita. [...] O sujeito continua tendo uma essência interna nuclear, qual seja, um "eu verdadeiro", mas formado e modificado em contínuo diálogo com mundos culturais "externos" e com as identidades que tais mundos oferecem (Hall, 1992, p. 275).

G. H. Mead, C. H. Cooley e os interacionistas simbólicos seriam as figuras centrais no desenvolvimento dessa concepção de sujeito e identidade, que se tornaram clássicas na sociologia. A concepção de sujeito descentrado decorre de desenvolvimentos teóricos diversos que produzem, em seu conjunto, a imagem de um indivíduo que não possui uma identidade permanente ou essencial. A idéia de uma identidade completa e única revela-se uma fantasia ante a multiplicação dos sistemas de representação a nos confrontar com "uma fervilhante variedade de identidades possíveis" (Idem, p. 277). Nesse contexto, a sensação de que possuímos uma identidade unificada que nos acompanha por toda a vida nos é provida por uma "narrativa do self", por meio da qual se ressignifica o conjunto de nossas experiências a partir de um fio de coerência e continuidade.

A concepção de sujeito descentrado desenvolvida por Hall pode ser entendida como um desdobramento, na verdade um abrandamento, do projeto teórico de Foucault a respeito da subordinação dos sujeitos aos discursos. Para chegar à sua própria formulação, Hall (1997b, pp. 41ss.) reconstrói a reflexão de Foucault com o intuito de mostrar que os trabalhos mais tardios do autor indicam dois sentidos diversos dessa subordinação. O primeiro está associado ao momento de construção e institucionalização, nas diferentes épocas, do discurso disciplinador que, ao enquadrar, constitui os diferentes sujeitos. Ao mesmo tempo, contudo, os discursos produzem um "lugar para o sujeito", na medida em que abrem espaço para um posicionamento individual. Ou seja, o discurso ganha sentido, uma vez que nós nos posicionamos e, dessa forma, nos tornamos sujeitos, em face do regime de verdade que uma determinada formação discursiva estabelece. Tal posicionamento não se confunde com autonomia e intenção do sujeito; porém, ainda assim, permite, conforme Hall, identificar um momento, no processo de produção do self, marcado pela autoconstituição, pela subjectification.

Esse momento, no âmbito da produção discursiva do self, representa o fundamento da noção de sujeito descentrado postulada por Hall. Trata-se de analisar a relação entre sujeito e formação discursiva, de sorte a indicar os mecanismos que levam os indivíduos a se identificar ou não com determinadas posições,

[...] bem como as maneiras como esses indivíduos marcam, estilizam, produzem e desempenham tais posições [...] encontrando-se em constante e agonístico processo de lutar contra, resistir, negociar e acomodar-se às ordens regulativas ou normativas com as quais eles estão confrontados e que os regula (Hall, 1996e, p. 13).

O conceito-chave utilizado por Hall para descrever o processo de posicionamento do sujeito no interior de uma formação discursiva determinada é a idéia de articulação, analisada nos dois sentidos que a palavra possui em inglês, qual seja, o de falar, se articular, ser articulado e o de conexão de dois elementos que podem constituir uma unidade em determinadas circunstâncias, como o "caminhão articulado", no qual cabine e carreta podem constituir uma unidade circunstancial.

O princípio da articulação possível, mas não necessária, pode ser observado tanto no processo de constituição dos sujeitos individuais que se reposicionam, permanentemente, em face da formação discursiva, como na produção dos sujeitos coletivos. A tarefa teórica, que ainda não foi realizada, é precisamente mostrar sob quais circunstâncias discursos e sujeitos se formam, isto é, se articulam. Nesse escopo, uma teoria da articulação representa

[...] tanto uma maneira de entender como os elementos ideológicos chegam, sob certas condições, a se condensar num discurso, quanto uma maneira de questionar como estes se articulam ou não, em certas conjunturas, como determinados sujeitos políticos. Em outras palavras: a teoria da articulação questiona como uma ideologia descobre seu sujeito e não como o sujeito encontra os pensamentos que lhe pertencem necessária e inevitavelmente. Tal teoria permite pensar como uma ideologia confere poder às pessoas, possibilitando-lhes dar sentido ou inteligibilidade à sua situação histórica sem reduzir as formas de inteligibilidade à situação social ou à posição de classes das pessoas (Hall, 1996b, p. 141).

A referência a sujeitos coletivos não deve sugerir a idéia de grupos constituídos pré-discursivamente, a partir de condições objetivas, materiais e que, por assim dizer, estejam à espera de um discurso que decifre sua condição comum e os constitua como sujeitos. Sujeitos e discursos formam-se de modo simultâneo, ou, em outras palavras, sujeitos só podem se articular a partir de discursos. Articulação permanece, contudo, para Hall, um conceito estritamente analítico-descritivo e que se aplica a qualquer forma de relação entre sujeito e formação discursiva, isto é, não qualifica a priori se determinada posição assumida pelo sujeito reproduz as relações de dominação ou se tem o sentido de resignificar as relações sociais.

Não há, no trabalho de Stuart Hall, um lugar normativo fora do discurso ou anterior ao jogo político, a partir do qual se possa valorar as posições assumidas pelo sujeito. Tampouco há constantes normativas que funcionem como medidas de aferição daquilo que passa a ser "desejável". Ainda assim, ou talvez precisamente por isso, os instrumentos analíticos desenvolvidos pelo autor, quando aplicados ao estudo de contextos concretos, permitem não apenas descrever fenômenos, mas também contextualizá-los política e normativamente. Por isso, para avaliar se a identificação buscada reproduz as categorizações hegemônicas ou se articula novas diferenças, Hall recorre a categorias auxiliares que permitem, em alguma medida, valorações no sentido político e normativo. Destaca-se aqui conceitos como política de representação, transcodificação (trans-coding) e novas etnicidades (new ethnicities), construídos, sobretudo, à luz da experiência das lutas anti-racistas na Inglaterra nas últimas quatro décadas.

A rigor, Hall distingue dois momentos na resistência cultural contra o racismo. O primeiro coincide com a fase em que o termo black foi cunhado como referência comum à experiência de marginalização e das práticas racistas dominantes na Grã-Bretanha. A estratégia da resistência combina, nesse período, a luta pelo acesso ao direito de construção das próprias representações e a contestação "da marginalidade, a qualidade estereotipificada e a natureza fetichizada das imagens dos negros, mediante a contraposição de um conjunto 'positivo' de imagens do negro" (Hall, 1996c, p. 442; ver também 1996d). O foco da resistência ao racismo, nessa primeira fase, é definido por Hall como o campo das relações de representação em oposição ao que predomina na segunda fase e que ele chama de políticas de representação. Essa idéia remete à constituição discursiva do social e implica entender representação não como uma expressão e apresentação pública de realidades e relações pré-constituídas, mas como momento constitutivo das relações sociais. A política de representações remete, por isso, a uma intervenção voltada para influenciar os termos mesmos em que o social se constitui (Hall, 1997b, 1997c).

Essa segunda fase caracteriza o momento em que a resistência anti-racista interage com os discursos do pós-estruturalismo, do pós-modernismo, da psicanálise e do feminismo, observando-se o que Hall define como "o fim da inocência", ou seja, o reconhecimento de que a categoria black é uma construção política e cultural, "a qual não pode ser fundada num conjunto de categorias raciais fixadas transcultural ou transcendentalmente e que, por isso, não encontra qualquer amparo na natureza" (Hall, 1996c, p. 443). O fim do sujeito centrado – black people – como uma totalidade positiva força o movimento anti-racista a deparar-se com a questão da diferença e da différance, nos termos tratados acima. Isto é, se as formas de representação racistas organizam o mundo em diferenças binárias, fixas e ontológicas – preto ou branco, black or british –, o anti-racismo não pode se resumir na busca pela representação positiva daquele que é considerado, nessas polaridades, inferior; é preciso desmontar o próprio sistema de representações. Daí advém a aposta na política de representações, o que implica reconhecer e assumir plenamente a heterogeneidade e o descentramento do sujeito, buscar a différance múltipla no interior da diferença binária (branco/preto) e recuperar as interseções entre raça, classe, gênero e etnia. É precisamente na articulação dessas diferenças – todas elas móveis, cambiantes, construídas no momento de sua manifestação discursiva – que o sujeito da resistência anti-racista se constitui como "nova etnicidade".8 8 Construída, inicialmente, a partir da luta anti-racista na Inglaterra, a idéia de novas etnicidades passa a ser utilizada por Hall para tratar de novas formas de articulação cultural que acompanham os movimentos migratórios recentes e o deslocamento – pelo menos potencial – das fronteiras culturais centradas nos Estados nacionais. Isso não significa, naturalmente, que todas as novas identidades reivindicadas tenham o caráter da nova etnicidade, definida pelo reconhecimento da própria transitoriedade, contingência e heterogeneidade. A vulnerabilização das fronteiras culturais produz, igualmente, movimentos de reivindicação de identidades puras, estabilizadas pela definição de uma fronteira simbólica "nós/eles" e pelo ofuscamento de todos os demais eixos diferenciadores (Hall, 1992, pp. 309ss.; 1997d).

(Im-)possibilidades de uma sociologia pós-colonial

Ao buscar traduzir em termos sociológicos a reflexão pós-colonial – fundamentalmente a partir dos trabalhos de Homi Bhabha – e avaliar seu impacto sobre a produção teórica no campo das ciências sociais, McLennan (2003) chega a um resultado ambivalente. De um lado, mostra que os estudos pós-coloniais alvejam o calcanhar de Aquiles da sociologia de três formas diferentes. Em primeiro lugar, deslegitimam uma certa sociologia do subdesenvolvimento, mostrando que ela insiste, ainda, na representação de um "outro" inferior e carente de civilização. Em segundo, atingem a sociologia multiculturalista ou pluralista, quando mostram que a idéia de um espaço imparcial de representação de diferenças culturais pré-existentes é implausível. Em terceiro, recaem sobre o conjunto de disciplinas das ciências sociais vinculadas ao estilo de teorização generalizante, inadequado para captar a dinâmica social: "[...] os estudos culturais pós-coloniais, ao sublinhar a 'performatividade' e a 'liminalidade' mais do que o posicionamento estrutural e as avaliações racionais, oferecem uma discussão mais ampla e um sentido mais inclusivo da riqueza da experiência social do que a sociologia" (Idem, p. 82). Ao mesmo tempo, contudo, McLennan mostra que a teoria pós-colonial, caso tenha alguma pretensão analítica, será prisioneira do mesmo dilema imposto à sociologia. Afinal, teorizar implica, em algum momento, reduzir a experiência às prioridades e às categorias conceituais do marco analítico escolhido.

Gostaria de propor uma aproximação entre os estudos pós-coloniais e as ciências sociais um pouco distinta daquela que faz McLennan. Restringirei minhas observações ao campo da sociologia, deixando ao leitor que tenha maior domínio das respectivas áreas de estudo a tarefa de refletir sobre as relações entre a teoria pós-colonial e os demais campos das ciências sociais, sobretudo a antropologia e a ciência política.

Antes de tudo há que se abandonar a postura reativa e defensiva freqüentemente assumida pela sociologia e tomar a radicalidade do discurso pós-colonial, antigeneralizante, anti-establishment e "ameaçador" do modernismo sociológico não em seus termos, mas como estratégia performática de construção de novos espaços institucionais. Interessa atravessar a bruma retórica, de sorte a identificar quais são, efetivamente, os impulsos novos que os estudos pós-coloniais podem trazer para a sociologia. Não é o caso, aqui, portanto, de confrontar "estilos teóricos" ou epistemologias, mas de destacar alguns pontos de tangenciamento e possibilidades de tradução. Para tanto, retomo o roteiro de apresentação das alternativas epistemológicas pós-coloniais, a partir dos três momentos destacados anteriormente, quais sejam, a crítica à leitura teleológica da história moderna, a busca de um lugar híbrido de enunciação e, por fim, a "articulação" do sujeito descentrado.

A sociologia é, sem dúvida, vulnerável à crítica pós-colonial da visão teleológica da modernização. Não obstante, parece-me que o alvo particular dessa crítica não é a sociologia, como tal, mas um ramo particular dessa disciplina – a macrossociologia da modernização. Ora, a crítica à teoria da modernização, escola de pensamento que vive sua fase áurea nos Estados Unidos, nos anos de 1950 e 1960, remonta pelo menos ao final da década de 1960, quando atacava-se, precisamente, o caráter etnocêntrico, endogenista de tal corrente e a suposição de que da "modernização" da economia decorreria, automaticamente, transformações em outras esferas, como a democratização da política e a secularização cultural (Knöbl, 2001).

Projetada sobre a discussão em torno da teoria da modernização, a crítica pós-colonial genérica à teleologia modernizante das ciências humanas e da sociologia, em particular, pode ser mais bem focalizada e perde parte de sua contundência. Percebe-se que ela, ainda que permaneça justificada e importante, trata de problemas que dizem respeito mais diretamente a uma corrente teórica particular e refere-se a insuficiências que, dentro da própria sociologia, já foram há muito identificadas e contornadas de alguma maneira. Nesse sentido, concepções como entangled modernity não iluminam uma zona de sombra da sociologia, nem são, por assim dizer, formuladas a partir de uma posição externa e imune ao "regime de verdade" da sociologia. A despeito da radicalidade retórica, concorrem, dentro da própria sociologia, com categorias macrossociológicas voltadas para uma descrição não evolucionista da modernização e estão submetidas aos critérios de validação próprios à disciplina. Ou seja, na medida em que pleiteiam alguma forma de ressonância acadêmica, os estudos pós-coloniais não têm como se furtar ao aprofundamento da interlocução com marcos que disputam o mesmo terreno teórico, abandonando, assim, a postura anti-establishment.

Essa tarefa permanece ainda irrealizada. Com efeito, até o momento, o interesse pós-colonial pelas contribuições que, no campo da própria sociologia, buscam superar o marco macrossociológico da teoria da modernização, como é o caso de autores como S. Amin (1989), I. Wallerstein (1997) ou G. Therborn (1995, 2000), não passou de descarte sumário, numa ou noutra referência marginal (Pieterse, 1995; Conrad e Randeria, 2002; para uma crítica um pouco mais circunstanciada, ver McLennan, 2000).

O segundo momento da crítica pós-colonial descrito acima trata da busca de um lugar de enunciação híbrido, vale dizer, no entremeio das fronteiras culturais. A idéia de um terceiro espaço, acima e além das fronteiras culturais, ainda que possa ser construída como um instante no texto literário (Bhabha oferece exemplos diversos nessa direção), parece-me desprovida de qualquer relevância sociológica. Ou seja, não há, na topografia social, terceiros lugares; todos os lugares enunciatórios definem imediatamente fronteiras. Nesse sentido, o elogio do híbrido é, como o nacionalismo, o vanguardismo ou o nativismo, um discurso que, ao ser enunciado, funda novas fronteiras identitárias. Esse discurso pode ter, em determinadas circunstâncias políticas e históricas, um efeito de mostrar o caráter contingente das unidades culturais construídas – a nação, a etnia, o movimento social. Isso, contudo, não é inerente à natureza mesma do discurso sobre o hibridismo, mas às articulações que tal discurso permite ou fomenta sob condições específicas: o mesmo elogio do híbrido, que permite a uma elite de imigrantes cultivados na Inglaterra construir sua tribuna para criticar a arrogância da Englishness ou para desconstruir a pretensão de unidade e pureza do "povo alemão" (Ha, 1999), pode servir, como foi o caso no Brasil dos anos de 1940, de cimento da ideologia da mestiçagem, nacionalista, homogeneizadora e heterofóbica.

Como categoria analítica e, mais especificamente, como categoria macrossociológica de estudo da globalização, o conceito de hibridismo é igualmente inadequado, uma vez que sempre é reposto, num movimento circular, como sinônimo dos processos que pretendia explicar.

Pode-se concluir que o termo hibridismo não apresenta qualquer interesse para a sociologia. Esta pode investigar o hibridismo como discurso dos atores, na medida em que tal discurso, sob determinadas circunstâncias, introduz a dúvida onde pairam certezas essencialistas e empowers minorias culturais. Como categoria normativa ou analítica, contudo, a inépcia do conceito salta aos olhos.

Cabe, por fim, retomar a importância da contribuição pós-colonial para a discussão entre sujeito e diferença ou, mais precisamente, para fundamentar uma microssociologia das articulações culturais. Como procurei mostrar, os estudos pós-coloniais têm aqui uma importância teórica que vai além de áreas de pesquisa particulares, como os estudos de minorias nacionais, as relações étnicas ou o racismo. Com efeito, naquele fraseamento, despido do "excesso retórico do pós-estruturalismo literário" (Gilroy, 1993, p. 110) e impulsionado pelo imperativo do posicionamento político,9 9 Tratando dos estudos culturais em conferência de 1990, Hall (2000, p. 42) evidencia que sua postura não é, naturalmente, de desapreço pela teoria. Trata-se, segundo ele, de buscar conviver com a tensão irredutível entre teoria e política: "Não se trata de uma antiteoria, mas das condições e dos problemas para o desenvolvimento de um trabalho teórico como projeto político". como buscam autores como Hall e Gilroy, a discussão sobre o sujeito descentrado leva a uma teorização inovadora da relação entre diferença, sujeito e política. Os autores traçam um caminho que evita tanto os equívocos das correntes pós-modernas que decretam a completa fragmentação do sujeito, como o elogio reificador do "Sujeito ocidental", desenvolvido, por exemplo, por Alain Touraine (1992) ou Habermas (2001).

Constróem, assim, um marco analítico que permite ao mesmo estudar a relação entre sujeito e discurso e identificar o espaço de criatividade do sujeito. Essa contribuição dos estudos pós-coloniais permanece ímpar e, seguramente, ajuda as ciências sociais a, finalmente, reencontrar seu vigor criativo.

Bibliografia

Notas

Artigo recebido em abril/2005

Aprovado em Agosto/2005

Sérgio Costa, doutor em sociologia pela Freie Universitat Berlin, Alemanha, é professor livre-docente de sociologia pela Universidade Livre de Berlim e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Publicou mais de 40 artigos em periódicos e coletâneas em vários países. Entre seus livros destacam-se: As cores de Ercilia, (Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2002); Dimensionen der Demokratisierung (Frankfurt/M, Vervuert, 1997), Jenseits von Zentrum und Peripherie, (Mering, Hampp, 2005), coeditado com H. Brunkhorst. E-mail: scosta@zedat.fuberlin. de.

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  • 1
    Desde sua publicação,
    Orientalism mobilizou críticas importantes. Cabe destacar as objeções de natureza metodológica que ressaltam a dificuldade de Said de construir um lugar crítico que seja imune aos problemas – circularidade, irrepresentabilidade etc. – que ele identifica no orientalismo (Ashcroft e Ahluwalia, 1999, pp. 80ss.). O próprio Said reformula e refina posições anteriores em suas obras subseqüentes, particularmente em sua discussão sobre o imperialismo cultural (Said, 1993).
  • 2
    A ênfase na abertura do sistema de representações
    West/Rest sugerida por Hall o diferencia de Said, já que para este último acentua o caráter monológico do discurso orientalista. Ambos os autores destacam, contudo, o caráter auto-referenciado do sistema de representação criticado. Ou seja, também para Hall, a incorporação de novos elementos a uma formação discursiva determinada reproduz sempre a semântica interna dominante em tal formação.
  • 3
    Esta e todas as citações do alemão, inglês e espanhol foram traduzidas pelo autor, com alguma liberdade estilística, para o português.
  • 4
    Ainda que sua alternativa ao eurocentrismo, apoiada na teologia da libertação e no marxismo, o distinga dos autores pós-coloniais, o teólogo Enrique Dussel vem produzindo, na América Latina, um tipo de crítica que se identifica com a perspectiva pós-colonial. Conforme o teólogo, a modernidade contém um núcleo
    ad intra racional que é universalista e cosmopolita.
    Ad extra alimenta uma representação mística de si mesmo que ele resume em sete elementos constitutivos, a saber: 1) a civilização moderna autodefine-se como superior; 2) a superioridade obriga a desenvolver os rudes, como exigência moral; 3) o caminho de tal processo educativo deve seguir o caminho europeu; 4) como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, deve-se recorrer à violência, se tal for necessária para garantir a modernização; 5) a empreitada exige vítimas e, como num ritual de sacrifício, o herói modernizador investe suas vítimas da aura de participantes de um processo redentor; 6) "para o moderno, o bárbaro tem uma 'culpa' (o opor-se ao processo civilizador) que permite à 'Modernidade' apresentar-se não só como inocente senão também como 'emancipadora' da culpa de suas próprias vítimas"; 7) o caráter civilizador da modernidade impõe custos inevitáveis aos povos "atrasados" (Dussel, 2000, p. 70). O vigor da crítica ao eurocentrismo feita por Dussel pode ser avaliado no âmbito das polêmicas entre o teólogo e a ética discursiva de Habermas e Apel, o pós-modernismo de Vattimo e o comunitarismo de Taylor (Dussel, 1998).
  • 5
    Quando se trata do pós-colonial como cronologia, como perspectiva que acompanha genericamente a descolonização, um dos problemas é a condição imperial da pós-colônia Estados Unidos. Mignolo (1996) procura sintetizar as discussões a respeito, estabelecendo uma relação entre a produção teórica e as diferentes "condições" pós-coloniais. Entende que a pós-modernidade foi a forma particular de crítica da modernidade que melhor pôde florescer nos Estados Unidos: "[...] se a modernidade consiste tanto na consolidação da história européia, como na história silenciosa de colônias da periferia, a pós-modernidade e a pós-coloniadade (como operação de construção literária) são lados distintos de um processo para se contrapor à modernidade desde diferentes heranças coloniais: 1. heranças a partir/no centro de impérios coloniais (ex.: Lyotard); 2. heranças coloniais em colônias de assentamento (ex.: Jameson nos Estados Unidos); e 3. heranças coloniais em colônias de assentamento profundo (ex.: Said, Spivak, Glissant)" (p. 14).
  • 6
    Em ensaio pioneiro e influente, Shohat (1992) mostra que o pós-colonial, se assume a forma de um "anti-colonialismo terceiro-mundista", corre o risco de reafirmar o binarismo centro/periferia, fortalecendo aquilo que supostamente deveria combater, isto é, a representação eurocêntrica da modernidade.
  • 7
    Simultaneamente aos autores pós-coloniais, Garcia Canclini (1990) passa a utilizar o termo "culturas híbridas" para referir-se à América Latina. Diferentemente da importância política atribuída pelos pós-coloniais ao hibrdismo, para Garcia Canclini o hibridismo contemporâneo na América Latina é caracterizado pela ausência de sentido político: se historicamente a combinação cultural foi utilizada para a legitimação da dominação ou com fins emancipatórios, hoje o hibridismo é apenas uma mistura alegorizada e desordenada, expressão antes estética que política. Outra distinção importante entre os estudos pós-coloniais e a contribuição de Canclini encontra-se no grau de elaboração: enquanto nos estudos pós-coloniais, hibridismo, a despeito de seus problemas, é um conceito-chave no interior de uma teoria da cultura, às vezes mais, às vezes menos coerente, em Canclini, híbrido é uma expressão de uso genérico e desprovida de ambição e consistência teóricas.
  • 8
    Construída, inicialmente, a partir da luta anti-racista na Inglaterra, a idéia de novas etnicidades passa a ser utilizada por Hall para tratar de novas formas de articulação cultural que acompanham os movimentos migratórios recentes e o deslocamento – pelo menos potencial – das fronteiras culturais centradas nos Estados nacionais. Isso não significa, naturalmente, que todas as novas identidades reivindicadas tenham o caráter da nova etnicidade, definida pelo reconhecimento da própria transitoriedade, contingência e heterogeneidade. A vulnerabilização das fronteiras culturais produz, igualmente, movimentos de reivindicação de identidades puras, estabilizadas pela definição de uma fronteira simbólica "nós/eles" e pelo ofuscamento de todos os demais eixos diferenciadores (Hall, 1992, pp. 309ss.; 1997d).
  • 9
    Tratando dos estudos culturais em conferência de 1990, Hall (2000, p. 42) evidencia que sua postura não é, naturalmente, de desapreço pela teoria. Trata-se, segundo ele, de buscar conviver com a tensão irredutível entre teoria e política: "Não se trata de uma antiteoria, mas das condições e dos problemas para o desenvolvimento de um trabalho teórico como projeto político".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      Ago 2005
    • Recebido
      Abr 2005
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