Acessibilidade / Reportar erro

Por Que Favorecer Firmas Nacionais?

Resumos

Este artigo investiga os efeitos da existência de uma margem de preferência para empresas domésticas em compras do governo, demonstrando que uma política de favorecimento de empresas domésticas pode ser ótima, no sentido de maximizar o benefício esperado pelo governo. Isto ocorre quando a probabilidade de que a firma doméstica conclua o projeto é maior do que a probabilidade de que a firma estrangeira o faça. O artigo caracteriza o comportamento das firmas doméstica e estrangeira em equilíbrio quando o mecanismo utilizado é um processo de licitação onde o ganhador é aquele com a oferta mais barata. Neste caso, calcula numericamente o valor ótimo da margem de preferência para a empresa doméstica para valores distintos dos parâmetros do modelo.

margem de preferência; compras governamentais


This paper investigates the effects of the existence of preferences for domestic firms in government procurement. When the domestic firm's probability of completion of a government contract is larger than the foreign firm's, the government should favor domestic firms in order to maximize the expected net benefit of the project. The paper establishes both firms' equilibrium strategies for a lowest-offer procurement auction, and it calculates the level of preferences that maximizes the government's net expected benefit under different parameter values.


a01v55n4

Por Que Favorecer Firmas Nacionais?* * Artigo recebido em mar. 2000 e aprovado em out. 2000.

Flavio M. Menezes ** * Artigo recebido em mar. 2000 e aprovado em out. 2000.

Paulo K. Monteiro ** * Artigo recebido em mar. 2000 e aprovado em out. 2000.

Sumário: 1. Introdução; 2. O modelo; 3. O equilíbrio com margem de preferência; 4. Maximizando o benefício líquido esperado do governo;

5. Conclusão.

Palavras-chave: margem de preferência; compras governamentais.

Códigos JEL: D44 e F130.

Este artigo investiga os efeitos da existência de uma margem de preferência para empresas domésticas em compras do governo, demonstrando que uma política de favorecimento de empresas domésticas pode ser ótima, no sentido de maximizar o benefício esperado pelo governo. Isto ocorre quando a probabilidade de que a firma doméstica conclua o projeto é maior do que a probabilidade de que a firma estrangeira o faça. O artigo caracteriza o comportamento das firmas doméstica e estrangeira em equilíbrio quando o mecanismo utilizado é um processo de licitação onde o ganhador é aquele com a oferta mais barata. Neste caso, calcula numericamente o valor ótimo da margem de preferência para a empresa doméstica para valores distintos dos parâmetros do modelo.

This paper investigates the effects of the existence of preferences for domestic firms in government procurement. When the domestic firm's probability of completion of a government contract is larger than the foreign firm's, the government should favor domestic firms in order to maximize the expected net benefit of the project. The paper establishes both firms' equilibrium strategies for a lowest-offer procurement auction, and it calculates the level of preferences that maximizes the government's net expected benefit under different parameter values.

1. Introdução

Compras governamentais têm usufruido de um status especial no comércio internacional desde o acordo original do Gatt em 1948. Na Rodada de Tóquio de 1979, alguns países decidiram negociar um código sobre compras governamentais, com o objetivo de disciplinar esta área. Esse código foi assinado por todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com exceção da Austrália, Nova Zelândia, México, Turquia e Islândia.

Em janeiro de 1996 o Acordo sobre Compras Governamentais (AGP) sucedeu o antigo código no contexto da Organização Mundial do Comércio (OMC). Entre os membros da OMC que assinaram o AGP incluem-se EUA, União Européia, Canadá, Israel, Japão, Coréia do Sul, Noruega, Suíça e Aruba.

O AGP estende o código anterior, que cobria apenas a compra de bens e serviços associados a esses bens (por exemplo, assistência técnica) pelo governo central. No novo acordo são incluídas compras dos governos estaduais e municipais e de empresas mistas. Além disso, o novo acordo cobre serviços (por exemplo, consultorias) e obras de construção. No entanto, o AGP não se aplica a todos as compras governamentais, mas somente a compras das instituições especificadas no acordo e em valores acima de determinados montantes. Essa lista de instituições é determinada através de um processo de negociação, incluindo reciprocidade bilateral. Estima-se que o AGP cubra bens e serviços na ordem de R$600 bilhões por ano. (DFTA/DAS, 1996). O objetivo do acordo é assegurar que os fornecedores estrangeiros recebam o mesmo tratamento dado aos fornecedores domésticos. O AGP também visa estabelecer um grau de transparência nos procedimentos e práticas relativos às compras governamentais.

Segundo a imprensa, os EUA e a União Européia já anunciaram sua intenção de tentar tornar o AGP um acordo multilateral entre os países-membros da OMC. Concretamente, estabeleceu-se um grupo de trabalho no âmbito da Associação de Livre Comércio das Américas (Alca) com o objetivo de discutir compras governamentais.

Por outro lado, a discriminação em favor de empresas nacionais em compras governamentais é praticada por vários países. Por exemplo, estudo da Comissão da Comunidade Européia, cobrindo Bélgica, França, Alemanha, Itália e Reino Unido, apontou que o percentual de compras do governo de fornecedores estrangeiros variava de 0,3% na Itália até 3,8% na Alemanha (Branco, 1994). Os EUA aplicam uma margem de preferência de 6% para firmas domésticas, enquanto Austrália, Canadá e Nova Zelândia aplicam, respectivamente, margens de 20%, 10% e 10% para o conteúdo doméstico das propostas (McAfee & McMillan, 1989).

A própria existência do AGP sugere que preferências por compras domésticas são interpretadas como instrumentos de proteção à industria nacional, da mesma forma que tarifas protegem a produção nacional (Lowinger, 1976). Neste artigo argumentamos que a analogia entre margens de preferências em compras governamentais e tarifas de importação não é apropriada. Ao contrário de tarifas, o estabelecimento de uma margem de preferência para empresas nacionais pode maximizar o benefício esperado pelo governo.

Ressaltamos o caráter puramente normativo deste artigo - não pretendemos estudar por que margens de preferências existem, mas sim seus efeitos em termos do resultado da licitação. Ou seja, seus efeitos sobre o comportamento dos licitantes e sobre o benefício esperado pelo governo.

Analisamos neste artigo uma situação na qual duas empresas, uma doméstica e uma estrangeira, participam de um processo de licitação para a construção de uma determinada obra. No entanto, existe uma certa probabilidade, diferente para cada empresa, de a obra não ser concluida.1 1 Existem várias outras interpretacões possíveis. Por exemplo, podemos interpretar como a probabilidade de que a obra vá ter o padrão de qualidade estabelecido no contrato, ou a probabilidade de que a firma ganhadora vá prestar a assistência técnica garantida pelo contrato após a conclusão da obra. Em resumo, qualquer aspecto que envolva uma percepcão de que a firma doméstica possui um compromisso maior com o futuro do que a firma estrangeira. Assumimos que tal probabilidade é maior para a firma estrangeira. Por exemplo, o valor do projeto pode representar uma fração muito maior do valor da empresa doméstica do que da empresa estrangeira. A empresa doméstica tipicamente teria mais a perder pela não-conclusão do projeto do que a firma estrangeira, uma vez que a maior parte de seus ativos encontra-se no país ou porque o custo de perda de reputação pode ser maior, até mesmo em termos de proibição de participar de outras licitações. No parágrafo anterior já destacamos o caráter normativo deste artigo. Aqui partimos do pressuposto de que existe esta assimetria e estudamos suas implicações.

Assumimos, ainda, a existência de outro tipo de assimetria; cada empresa conhece seu próprio custo para completar o projeto mas não sabe o custo da concorrente. O governo também não sabe o custo das empresas. Se os custos fossem conhecidos por todos, bastaria o governo fazer uma oferta do tipo "pegar ou largar'' para a empresa com o menor custo, levando em conta a margem de preferência. Devido a esta assimetria de informação, o governo se utiliza de um processo de licitação no qual a empresa com a menor proposta ganha.2 2 A hipótese implícita é que as duas empresas satisfazem todos os critérios técnicos.

A aplicação da margem de preferência à proposta da firma doméstica faz com que a firma estrangeira se comporte de forma mais agressiva do que na ausência de preferência, mas faz com que a firma doméstica se comporte de forma menos agressiva. Sabemos da teoria de leilões que, quando a probabilidade de falência das duas empresas é a mesma (e, em particular, zero, como no caso tradicional de leilões), a margem de preferência que maximiza o benefício líquido do governo é zero. No entanto, quando a probabilidade de falência da firma doméstica é inferior à da estrangeira, o governo maximiza o benefício líquido ao estabelecer uma margem positiva. Neste caso, para um determinado diferencial de custo, o governo prefere que a empresa doméstica ganhe, pois o preço maior é compensado por uma probabilidade menor de falência.

Apesar da importância relativa de compras governamentais - estima-se que atinjam cerca de 10% do PIB (DFTA/DAS, 1996) nos países da OCDE -, existem poucos estudos que objetivam entender o impacto da existência de margens de preferências para empresas domésticas. McAfee e McMillan (1989) demonstram que dar margem de preferência para firmas domésticas é uma política ótima quando as firmas estrangeiras têm vantagens comparativas e o governo está interessado em minimizar o custo esperado das compras governamentais. Neste caso, a redução na proposta da empresa estrangeira mais do que compensa o aumento na oferta da firma doméstica em equilíbrio.

Este argumento, no entanto, não é compatível com a existência de margens de preferência generalizadas, uma vez que muito dificilmente um país teria desvantagens comparativas em todos os setores. O resultado de McAfee e McMillan implicaria uma situação na qual o governo deveria dar preferência para firmas estrangeiras quando as domésticas possuíssem vantagem comparativa. Esses autores demonstram, ainda, que se o governo quer maximizar o bem-estar doméstico (no qual se inclui o lucro da empresa doméstica), então a empresa doméstica deve sempre ser favorecida. Nosso ponto de partida é que observamos a existência de preferências para firmas domésticas mesmo em situações nas quais o objetivo explícito do governo é maximizar o benefício esperado das compras governamentais e em situações onde as firmas domésticas parecem ter vantagem comparativa (por exemplo, em contratos de construção). Em contraste, demostramos que a percepção, pelo governo, de que as firmas domésticas tem um comprometimento maior com seus projetos do que firmas estrangeiras (percepção que pode não estar correta), implicando uma maior probabilidade de conclusão do projeto, justificaria a utilização de margens de preferência.

Branco (1994), por sua vez, demonstra que, mesmo na ausência de vantagens comparativas, o governo deve favorecer empresas domésticas na sua política de compras sempre que o lucro da empresa doméstica for incluído na função bem-estar do governo. Branco ainda caracteriza o processo de licitação ótimo que envolve mecanismos baseados no leilão de Vickrey, quando o ganhador é o participante com a menor proposta, mas o preço pago pelo governo é o da segunda menor proposta. Por outro lado, demonstramos que a diferença entre a probabilidade de o projeto não ser completado pelas duas firmas implica necessariamente que o governo deve dar uma margem de preferência para as empresas domésticas quando seu objetivo é simplesmente maximizar o benefício líquido do projeto, sem levar em conta o lucro da firma doméstica. Muitas vezes o objetivo explícito, estabelecido em lei, das compras do governo (central ou de empresas de economia mista) é o de maximizar o benefício esperado por projeto e, portanto, o governo não poderia incluir o lucro da empresa doméstica, como argumenta Branco. Por esta razão, assumimos que o objetivo do governo é minimizar o custo esperado do projeto. Além disso, nosso objetivo não é caracterizar o mecanismo ótimo, mas sim calcular o efeito de margem de preferência quando o mecanismo utilizado é tal que a firma com o menor custo declarado ganha a licitação, sujeita, é claro, ao cumprimento das exigências técnicas. Este mecanismo é o mais comumente empregado em processo de licitações, e em muitos países é determinado por lei.3 3 Seria possível argumentar que o governo poderia utilizar uma política de compras sofisticada, que levasse em conta lances que incluíssem probabilidade de conclusão (a ser implementada via garantia bancária apresentada) e preço. No entanto, a prática internacional que é seguida pelo Brasil é a de exigir garantias bancárias iguais de todos os licitantes e declarar ganhadora a firma com o menor preço. A inclusão de uma margem de preferência vai exercer extatamente este papel de fazer com que uma menor probabilidade de entrega do bem se reflita num menor preço para o mesmo.

2. O Modelo

Suponha que duas firmas, uma doméstica (d) e uma estrangeira (e), disputam um processo de licitação. O governo está licitando uma determinada construção que, quando completada terá um valor V para a sociedade. O governo usa um mecanismo no qual a firma que submete a menor proposta ganha o processo de licitação e recebe do governo o equivalente ao seu lance. No entanto, a firma doméstica tem uma margem de preferência igual a t £ 4 3 Seria possível argumentar que o governo poderia utilizar uma política de compras sofisticada, que levasse em conta lances que incluíssem probabilidade de conclusão (a ser implementada via garantia bancária apresentada) e preço. No entanto, a prática internacional que é seguida pelo Brasil é a de exigir garantias bancárias iguais de todos os licitantes e declarar ganhadora a firma com o menor preço. A inclusão de uma margem de preferência vai exercer extatamente este papel de fazer com que uma menor probabilidade de entrega do bem se reflita num menor preço para o mesmo. 3 Seria possível argumentar que o governo poderia utilizar uma política de compras sofisticada, que levasse em conta lances que incluíssem probabilidade de conclusão (a ser implementada via garantia bancária apresentada) e preço. No entanto, a prática internacional que é seguida pelo Brasil é a de exigir garantias bancárias iguais de todos os licitantes e declarar ganhadora a firma com o menor preço. A inclusão de uma margem de preferência vai exercer extatamente este papel de fazer com que uma menor probabilidade de entrega do bem se reflita num menor preço para o mesmo. . Ou seja, se a firma doméstica submete uma proposta igual a p e a firma estrangeira submete q, o ganhador é determinado pelo mínimo entre ( 1 – t ) p e q. Caso ( 1– t ) p < q, a firma doméstica ganha a concorrência e recebe p do governo. Caso ( 1 – t) p > q, a firma estrangeira ganha a concorrência e recebe q do governo.

Cada firma sabe exatamente quanto lhe custaria completar o projeto, mas sabe apenas a distribuição do custo da firma adversária. Em particular, o custo ci da firma i,i = d,e, é determinado por uma amostra independente da distribuição uniforme no intervalo [0,1]. Assumimos que existe uma probabilidade, definida exogenamente, de que a empresa ganhadora da concorrência decrete falência anteriormente à conclusão da obra. No caso de falência, a obra não é completada, mas a empresa é paga.5 5 Alternativamente, poderíamos assumir que a empresa receberá apenas uma parte do pagamento se a obra não for concluída. Qualitativamente, obteríamos resultados semelhantes, mas os cálculos tanto das estratégias de equilíbrio quanto da margem de preferência ótima seriam afetados.

A firma i,i = d,e, vai a falência com probabilidade ai. Supomos que ad < ae. Conforme ressaltamos na introdução, este artigo é puramente normativo. Nele nos propomos a estudar o efeito do estabelecimento de uma margem de preferência para a firma doméstica no benefício líquido esperado pelo governo na preseça de tal assimetria. Por exemplo, esta assimetria pode existir porque a empresa doméstica tem uma parcela maior de seus ativos (mesmo corrigindo por tamanho) localizados no país do que a firma estrangeira.

O lucro esperado de cada firma não depende de sua probabilidade de completar o projeto, que é exógena. Assim, o lucro esperado pela firma doméstica, quando esta possui custo cd, submete uma proposta p, e a firma estrangeira submete uma proposta de acordo com a função q(.), é igual a:

onde ce é uma variável aleatória do ponto de vista da firma doméstica.

De forma análoga, o lucro esperado da firma estrangeira, quando esta possui custo ce, submete uma proposta q, e a firma doméstica submete uma proposta de acordo com a função p(.), é igual a:

onde cd é uma variável aleatória do ponto de vista da firma estrangeira.

Na próxima seção calculamos as propostas feitas pelas duas empresas em equilíbrio.

3. O Equilíbrio com Margem de Preferência

Primeiro, vamos analisar o jogo do ponto de vista da firma doméstica que assume que a estrangeira usa uma estratégia q(·), que possui custo cd e que dá um lance p ³ 0. Sua utilidade esperada no caso da distribuição uniforme é dada por

A condição de primeira ordem para p é obtida a partir da differenciação de (1) com relação a p:

Em equilíbrio, p = p (cd). Assim, obtemos:

De modo análogo, obtemos a condição de equilíbrio para a firma estrangeira se a firma local usar p(·):

O sistema (4, 3) pode ser transformado num sistema de equações diferenciais em (p-1,q-1). No que segue, a atenção é restrita a equilíbrios onde os preços são funções afins do custo:6 6 Uma pergunta natural seria sobre a unicidade do equilíbrio. Não nos foi possível responder a esta questão. No entanto, se o equilíbrio for, como acima, obtido a partir da solução de um sistema de equações diferenciais ordinárias, a unicidade do equilíbrio deverá seguir da unicidade local de um sistema de equações diferenciais ordinárias.

Substituindo em (4), temos:

Resolvendo p (cd) = , obtemos a = e b = . Substituindo em (3) temos:

Logo, g = e . Resolvendo o sistema de equações, obtemos d = e b = . Portanto, temos as seguintes estratégias candidatas ao equilíbrio:

que foram obtidas a partir das condições de primeira ordem. De fato, o sistema de estratégias acima não é um equilíbrio conforme estabelecemos na proposição 1. A razão é que a solução do sistema de equações diferenciais ignora as restrições econômicas do problema. Por exemplo, em equilíbrio, não podemos ter as firmas oferecendo preços superiores ao custo máximo possível ou inferiores aos seus custos. Assim, a solução acima proposta será válida somente para parte do domínio, como explicaremos a seguir.

Proposição 1: Suponha que, no caso de empate, a preferência seja pela firma local. O equilíbrio em estratégias puras da licitação com margem de preferência é dado por (figuras 1 e 2):



Prova:Suponhamos que a firma estrangeira jogue de acordo com q(·). Note que q(1) = 1–t < 1. Se a firma local der um lance £ x £ 1, temos:

Então, f é maximizada com x =

+ se £ + £ 1. Isto é, 0 £ cd£ . Se + > 1, então x = 1. Portanto, p (cd) = min { + ,1}. Suponhamos agora que a firma local joga p (·) e encontremos a melhor resposta da firma estrangeira. A receita esperada, y , da firma estrangeira é:

Se q > 1 – t , então q/ (1–t) > 1 = p (1) e, portanto, y (q) = 0. Se q £ 1 – t, então, sem perda de generalidade, q ³ ce, pois Pr ( < p(Cd)) > 0 e maxq y ³ y (ce) = 0. Em resumo, se ce³ 1–t , tanto q = ce quanto q = 1–t maximizam y , e o máximo é zero. Suponhamos agora ce < 1–t . Podemos supor q £ 1–t . E, sem perda de generalidade, podemos supor q ³ ( 1– t ) p (0) = . Se £ q £ 1– t , então:

Assim,y' (q) = . Como y" < 0, a condição de primeira ordem é suficiente. Resolvendo, obtemos q = + . A desigualdade £ + £ 1 - t é equivalente a£ ce£ 1 - . Em resumo,

Note que o equilibrio só está definido para t < 3/4, pois t/3 < 1 – 4t /3. Pode-se ver, por exemplo, que pd para t = 3/4 não é equilíbrio.

4. Maximizando o Benefício Líquido Esperado pelo Governo

Nesta seção assumimos que o governo quer escolher o nível de preferência para a firma doméstica, de forma a maximizar o benefício líquido do projeto. Assumimos que o risco de o projeto não ser completado é inteiramente do governo, ou seja, o governo paga pelo projeto, mesmo que ele não seja completado. Posteriormente discutiremos as conseqüências de outras alternativas.

Como, na elaboração de seus lances, as empresas não levam em conta suas diferentes probabilidades de completar o projeto, demonstraremos que o governo vai se utilizar da margem de preferência para fazer com que os lances reflitam essas probabilidades. Em particular, o governo seleciona o nível de preferências, t, para maximizar o benefício líquido do projeto. Ou seja, o problema do governo é dado por:

onde p e q são as propostas em equilíbrio determinadas na seção anterior e I a função indicadora. Quando a proposta da firma doméstica (incluindo a preferência) é menor do que a da firma estrangeira, o governo recebe o benefício V com probabilidade (1-ad) e paga à firma doméstica a sua proposta p, independentemente da conclusão do projeto. No evento em que a proposta da firma estrangeira é menor do que a proposta da firma doméstica (incluindo a preferência), o governo recebe o benefício V com probabilidade (1-ae) e paga à firma estrangeira a sua proposta q independentemente da conclusão do projeto. A expressão acima pode ser reescrita da seguinte forma:

O lema 1 determina os intervalos de integração relevantes para obtermos os valores esperados acima. A demonstração é imediata e, portanto, será omitida.

Lema 1:(1–t) p £ q se e somente se x ³ e y ³ ou x < e 3x(1–t)+ t £ 3y onde x é a variável de integração para a firma doméstica e y a variável para a firma estrangeira.

Assim, temos que:

Resolvendo (8), (9) e (10) e substituindo os resultados em (7), obtemos:

Proposição 2: O problema do governo é caracterizado por:

O valor ótimo de t é obtido derivando a expressão acima com relação à margem de preferência. Em geral, como trata-se de um polinômio, temos várias raízes (possivelmente algumas imaginárias). No entanto, podemos calcular a solução para valores específicos dos parâmetros como fazemos na tabela abaixo. Além disso, temos o corolário que estabelece que, quando as probabilidades de falência das firmas doméstica e estrangeira são idênticas, a margem de preferência ótima é igual a zero.

Corolário 1:O nível de preferência ótimo quando ad = ae é igual a zero.

Na tabela 1 observamos que é possível obter margens de preferências ótimas que variam entre 2 e 14%. Vale notar, ainda, que, quando dobramos o valor do benefício bruto do projeto para o governo, mantendo as probabilidades de falência constantes, o valor do nível ótimo de preferência também dobra. Por outro lado, quando mantemos o valor do benefício bruto do projeto constante e aumentamos a diferença entre as probabilidades de falência das firmas doméstica e estrangeira, a margem ótima de preferência aumenta mais do que proporcionalmente.

Alternativamente, poderíamos assumir que o governo só paga parte b do projeto no caso de falência. Para ver por que as estratégias de equilíbrio podem mudar, suponha que a firma incorre no custo anteriormente à resolução da variável aleatória ad, ou seja, antes de saber se vai falir ou não. Neste caso, a função de lucro esperado da firma doméstica mudaria para:

A maximização da função acima vai implicar uma condição de primeira ordem diferente da obtida na seção anterior e, portanto, o equilíbrio será diferente. No entanto, qualitativamente, os resultados seriam semelhantes e a margem de preferência ótima seria determinada pela maximização do benefício líquido do governo, determinado da seguinte forma:

onde e denotam as novas estratégias de elaboração de propostas em equilíbrio.

Finalmente, vale destacar que se a função objetivo incluísse também o lucro da firma doméstica, então teríamos uma razão a mais para a existência de uma margem de preferência para a firma doméstica, mesmo na ausência de diferenças significativas entre as probabilidades de falência das firmas doméstica e estrangeira.

5. Conclusão

Neste artigo estudamos o impacto da existência de margens de preferência para firmas domésticas em processos de licitação de compras do governo. Quando a probabilidade de que a firma doméstica venha a completar o projeto é maior do que a de que a firma estrangeira o faça, o governo pode preferir pagar mais para a firma doméstica pois o seu benefício líquido é maior. Lembramos que a probabilidade de falência funciona aqui como uma variável que captura o grau de comprometimento da firma com o país. Tal comprometimento pode surgir pois os acionistas da firma são residentes no país ou porque parte significativa dos ativos da empresa estão localizados no país.

** EPGE/FGV.

  • Branco, F. Favoring domestic firms in procurement contracts. Journal of International Economics, 37:65-80, 1994.
  • DFTA/DAS. Australia and the WTO Agreement on Government Procurement Camberra, Australia, 1995.
  • Lowinger, T. C. Discrimination in government procurement of foreign goods in the US and Western Europe. Southern Economic Journal, 42:451-60, 1976.
  • McAfee, P. R. & McMillan, J. Government procurement and international trade. Journal of International Economics, 26:291-308, 1989.
  • *
    Artigo recebido em mar. 2000 e aprovado em out. 2000.
  • 1
    Existem várias outras interpretacões possíveis. Por exemplo, podemos interpretar como a probabilidade de que a obra vá ter o padrão de qualidade estabelecido no contrato, ou a probabilidade de que a firma ganhadora vá prestar a assistência técnica garantida pelo contrato após a conclusão da obra. Em resumo, qualquer aspecto que envolva uma percepcão de que a firma doméstica possui um compromisso maior com o futuro do que a firma estrangeira.
  • 2
    A hipótese implícita é que as duas empresas satisfazem todos os critérios técnicos.
  • 3
    Seria possível argumentar que o governo poderia utilizar uma política de compras sofisticada, que levasse em conta lances que incluíssem probabilidade de conclusão (a ser implementada via garantia bancária apresentada) e preço. No entanto, a prática internacional que é seguida pelo Brasil é a de exigir garantias bancárias iguais de todos os licitantes e declarar ganhadora a firma com o menor preço. A inclusão de uma margem de preferência vai exercer extatamente este papel de fazer com que uma menor probabilidade de entrega do bem se reflita num menor preço para o mesmo.
  • 4
    Na seção seguinte ficará clara a razão desta restricão.
  • 5
    Alternativamente, poderíamos assumir que a empresa receberá apenas uma parte do pagamento se a obra não for concluída. Qualitativamente, obteríamos resultados semelhantes, mas os cálculos tanto das estratégias de equilíbrio quanto da margem de preferência ótima seriam afetados.
  • 6
    Uma pergunta natural seria sobre a unicidade do equilíbrio. Não nos foi possível responder a esta questão. No entanto, se o equilíbrio for, como acima, obtido a partir da solução de um sistema de equações diferenciais ordinárias, a unicidade do equilíbrio deverá seguir da unicidade local de um sistema de equações diferenciais ordinárias.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2002
    • Data do Fascículo
      Set 2001
    Fundação Getúlio Vargas Praia de Botafogo, 190 11º andar, 22253-900 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 3799-5831 , Fax: +55 21 2553-8821 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: rbe@fgv.br