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Curvatura vertical de vertentes em microbacias pela análise de modelos digitais de elevação

Curvature slope profile in watersheds through analysis of digital elevation models

Resumos

Este trabalho objetiva desenvolver e avaliar um procedimento simples para mapear a curvatura vertical de vertentes, a partir de Modelos Digitais de Elevação (MDE) com recursos básicos de Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Este método se baseia em janelas móveis de 3x3 pixels e foi desenvolvido para fazer o cálculo geométrico da segunda derivada através do perfil de vertente. Os testes envolveram MDE de seis microbacias de diferentes tipos de relevo, krigados a partir de curvas de nível de diferentes especificações cartográficas. Para a programação de procedimentos universalmente adaptáveis, o cálculo de curvatura demandou a resolução espacial como uma das entradas, de modo a resultar em valores absolutos comparáveis, com diferença de declividade (em porcentagem) por distância horizontal (100 m) como unidade. A sobreposição dos resultados de derivação, calculada nas direções dos oito pixels vizinhos em cada posição da janela, foi coordenada em octantes, pela classe de orientação das vertentes. Guiada por interpretação visual, a colocação de limites de formas conhecidas de relevo subsidiou o estabelecimento de limiares arbitrários de curvatura para a classificação dos perfis de vertentes (côncavo, convexo e retilíneo).

geoprocessamento; MDE/MNT/MDT; microbacias; relevo


This study aims at the development and evaluation of a simple approach to map profile curvature from Digital Elevation Models (DEM) with basic resources of Geographical Information Systems (GIS). This method is based on local 3x3 pixel windows and designed to perform geometrically the second order derivative through the downslope profile. Contour-based kriged DEM of six watersheds from different terrain types and with varied data specifications were used for the tests. To program universally flexible procedures, the curvature calculation required the DEM spatial resolution as one of the inputs, so as to calculate a comparable absolute value, with slope difference (in percentage ratio) per horizontal distance (100 m) as unit. The classification of slope direction in octants was used to control the overlapping derivation results calculated towards the eight neighbor pixels of each window position. The placement of boundaries with guidance of visual analysis of known slope forms assisted the establishment of arbitrary curvature thresholds for the slope profile classes (concave, convex and rectilinear).

geoprocessing; DTM/DEM; watershed; relief


GESTÃO E CONTROLE AMBIENTAL

Curvatura vertical de vertentes em microbacias pela análise de modelos digitais de elevação

Curvature slope profile in watersheds through analysis of digital elevation models

Márcio de M. Valeriano

INPE. CEP 12201-970, São José dos Campos, SP. Fone: (12) 3945-6424. E-mail: valerian@ltid.inpe.br

RESUMO

Este trabalho objetiva desenvolver e avaliar um procedimento simples para mapear a curvatura vertical de vertentes, a partir de Modelos Digitais de Elevação (MDE) com recursos básicos de Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Este método se baseia em janelas móveis de 3x3 pixels e foi desenvolvido para fazer o cálculo geométrico da segunda derivada através do perfil de vertente. Os testes envolveram MDE de seis microbacias de diferentes tipos de relevo, krigados a partir de curvas de nível de diferentes especificações cartográficas. Para a programação de procedimentos universalmente adaptáveis, o cálculo de curvatura demandou a resolução espacial como uma das entradas, de modo a resultar em valores absolutos comparáveis, com diferença de declividade (em porcentagem) por distância horizontal (100 m) como unidade. A sobreposição dos resultados de derivação, calculada nas direções dos oito pixels vizinhos em cada posição da janela, foi coordenada em octantes, pela classe de orientação das vertentes. Guiada por interpretação visual, a colocação de limites de formas conhecidas de relevo subsidiou o estabelecimento de limiares arbitrários de curvatura para a classificação dos perfis de vertentes (côncavo, convexo e retilíneo).

Palavras-chave: geoprocessamento, MDE/MNT/MDT, microbacias, relevo

ABSTRACT

This study aims at the development and evaluation of a simple approach to map profile curvature from Digital Elevation Models (DEM) with basic resources of Geographical Information Systems (GIS). This method is based on local 3x3 pixel windows and designed to perform geometrically the second order derivative through the downslope profile. Contour-based kriged DEM of six watersheds from different terrain types and with varied data specifications were used for the tests. To program universally flexible procedures, the curvature calculation required the DEM spatial resolution as one of the inputs, so as to calculate a comparable absolute value, with slope difference (in percentage ratio) per horizontal distance (100 m) as unit. The classification of slope direction in octants was used to control the overlapping derivation results calculated towards the eight neighbor pixels of each window position. The placement of boundaries with guidance of visual analysis of known slope forms assisted the establishment of arbitrary curvature thresholds for the slope profile classes (concave, convex and rectilinear).

Key words: geoprocessing, DTM/DEM, watershed, relief

INTRODUÇÃO

A operação de modelos analíticos com Planos de Infor-mação (PI) sobrepostos em SIG é feita com operações entre os chamados Modelos Digitais do Terreno (MDT), dos quais o Modelo Digital de Elevação (MDE) é um exemplo de evidente utilização. Os dados topográficos são fonte de muitas variáveis importantes e freqüentemente solicitadas nas análises ambientais aplicadas a microbacias. Os estudos envolvendo dados topográficos têm sido aplicados à caracterização de unidades da paisagem com base em variáveis morfológicas, estreitamente ligadas a feições geométricas da superfície sob análise (Doornkamp & King, 1971; Meijerink, 1988). A disponibilidade crescente de bases topográficas digitais, aliada ao uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), tem impulsionado o desenvolvimento de métodos automáticos de extração de variáveis topográficas, para posterior tratamento e integração em ambiente computacional.

Em microbacias, predomina o enfoque ao problema da erosão em seus múltiplos aspectos, como estimativas diretas (Castro & Valério Filho, 1997; Ranieri et al., 1998; Molnár & Julien, 1998) e mapeamento de fatores envolvidos (Desmet & Govers, 1996; Kinnel, 2001). Desta linha de pesquisa, depreende-se que diferentes tipos de relevo requerem diferentes métodos de tratamento, como propõem Valeriano & Garcia (2000), que recomendam uma estratificação do tratamento de dados dentro da escala de trabalho, seja uma unidade geomorfológica, microbacia ou vertente. As diferentes variáveis passíveis de extração automática em SIG podem dar suporte à classificação multivariada da paisagem, fornecendo uma segmentação da mesma em ambientes topográficos. Como exemplos de extração digital de informações da topografia, análises de redes fluviais (Wang & Yin, 1998; Turcotte et al., 2001), partição de microbacias hidrográficas (Band, 1986) e a identificação de unidades de relevo (Meijerink, 1988; Giles & Franklin, 1998) vêm sendo desenvolvidas em ambiente computacional, amenizando a demanda de trabalho manual e a subjetividade dessas atividades.

Os mecanismos principais de atuação do relevo referem-se à distribuição dos processos hidrológicos e erosivos e da temperatura do solo. Assumindo o desenvolvimento de solos como resposta a esses efeitos, Moore et al. (1993) relacionaram atributos pedológicos a variáveis topográficas. Verificou-se que a situação topográfica explicou cerca de metade da variação do pH, do conteúdo de fósforo e da espessura do horizonte A. Briggs & Shishira (1985) mostraram que a variabilidade dos atributos de solo dentro de cada unidade homogênea de relevo apresentou considerável redução e que diferentes intensidades de amostragem devem ser aplicadas ao levantamento de diferentes atributos, bem como em diferentes tipos de terreno. Esses estudos realçam a importância da estratificação topográfica como técnica de pré-amostragem, e também para melhorar a resolução espacial de mapeamentos de solo, visando ao manejo.

Analogamente ao levantamento de solos a partir de reconhecidos condicionantes do relevo, a geração de extensas coleções de dados viabilizadas pela modelagem digital da topografia tem dado suporte, por exemplo, ao estudo de efeitos topográficos sobre a vegetação (Florinsky & Kuryakova, 1996). Esses autores consideraram recomendável o uso de modelos digitais e mapas de variáveis topográficas como contribuição ao levantamento e ao mapeamento da vegetação e à compreen-são de seus aspectos dinâmicos.

As variáveis tratadas nesses estudos abrangem dados locais (por exemplo, declividade, orientação, curvatura) e contextualizados, além de variáveis compostas. Dados contextualizados são dependentes da posição observada, como a distância até divisores de água e área de captação do escoamento superficial. Brubaker et al. (1993) associaram propriedades do solo diretamente à posição através de vertentes, numa aplicação direta da contextualização topográfica. Os dados locais e contextualizados podem ser combinados em variáveis compostas, como o índice de molhamento (Moore et al., 1993), em que se relacionam a área de captação com a curvatura do terreno. Florinsky & Kuriakova (1996) avaliaram, para vegetação, outro índice topográfico, que combina a declividade e área de captação. Os estudos de compartimentação da topografia apontam a curvatura vertical das vertentes como uma das variáveis de alto poder de identificação de unidades homogêneas do relevo (Doornkamp & King, 1971). A curvatura vertical refere-se ao caráter convexo/côncavo do terreno, quando analisado em perfil. Esta variável está relacionada aos processos de migração e acúmulo de água, minerais e matéria orgânica no solo através da superfície, proporcionados pela gravidade. Associada à exposição de vertentes (aspecto), a curvatura vertical desempenha papel importante sobre a evapotranspiração e o decorrente balanço hídrico.

A possibilidade de simular digitalmente os métodos de medição da curvatura vertical, desenvolvidos para levanta-mentos de campo em escalas detalhadas, é uma perspectiva de grande interesse para o contexto descrito anteriormente. Este trabalho apresenta a avaliação de um cálculo de curvatura vertical de MDE feito em Sistemas de Informação Geográfica (SIG).

MATERIAL E MÉTODOS

Para os exemplos aplicados neste trabalho, foram selecionadas 6 microbacias (Ribeirão Preto, rios Jacuí, Bangu e Grande Ubatuba e córregos São Joaquim e Soturninha) com diferentes características de relevo, de área total e das especificações cartográficas dos mapas-base. A Tabela 1 resume essas diferenças e as decorrentes características dos arquivos digitais (número de pontos digitalizados e tamanho dos arquivos DXF e ASCII) processados para a formação dos MDE.

As seis áreas localizam-se no Estado de São Paulo, distribuídas em diferentes unidades geomorfológicas (Ross & Moroz, 1997), conforme a Figura 1. No Cinturão Orogênico do Atlântico (unidade morfoestrutural), foram selecionadas as microbacias dos rios Jacuí, Bangu e Grande Ubatuba, áreas de fragilidade e dissecação do relevo altas a muito altas. Da Folha de Cunha, foram preparados os dados das microbacias dos rios Jacuí e Bangu, ambas localizadas sobre a Serra do Mar (Planalto de Paraitinga/Paraibuna) e com relação de vizinhança. A microbacia do rio Jacuí tem como limite, na porção sudeste, trecho do topo da escarpa que separa a Serra do Mar da Planície Litorânea. Selecionada da folha de Ubatuba, a microbacia do rio Grande Ubatuba engloba a própria escarpa, estendendo-se até o mar através da Planície Litorânea, num grande intervalo altimétrico, de cerca de 1000 m.


Na Bacia Sedimentar do Paraná (unidade morfoestrutural), foram selecionadas as microbacias do Ribeirão Preto e dos córregos Soturninha (município de Arealva, SP) e São Joaquim (Pirassununga, SP). Esta última localiza-se na transição entre as unidades morfoesculturais Depressão Periférica e Planalto Ocidental Paulista e apresenta níveis de fragilidade e dissecação do relevo baixos a médios, estando sujeita, em seu alto curso, a forte atividade erosiva. O Ribeirão Preto e o córrego Soturninha, ambos no Planalto Ocidental Paulista, estão em microbacias de fragilidade, dissecação e densidade de drenagem muito baixas e médias, respectivamente. Para simplificação da linguagem, essas microbacias serão referidas neste trabalho apenas pelo nome principal.

Os MDE testados foram elaborados por meio de krigagem das curvas de nível, segundo metodologia apresentada e disponibilizada por Valeriano (2002). As especificações de georreferência e geometria dos MDE testados neste trabalho estão resumidas na Tabela 2. Na Figura 2 estão apresentadas as superfícies topográficas das áreas sob um processo de visualização (ADD: Azimute, Drenagem e Divisores), o qual foi desenvolvido especialmente para a percepção da estrutura de hidrologia superficial e fluvial de microbacias, num programa de lote do Idrisi (Eastman, 1995), igualmente disponibilizado em Valeriano (2002).


Os MDE foram processados com o uso do aplicativo Idrisi (Eastman, 1995), armazenando-se os passos de processamento na linguagem de programação do mesmo (Idrisi Macro Language). Em essência, foi simulado o cálculo da segunda derivada direcional, para cada octante, com o uso de janelas móveis de 3x3 pixels (Figura 3). Em cada posição da janela, foram calculadas diferenças altimétricas dos lados recíprocos do pixel central e subtraídas, resultando num valor proporcional à curvatura em cada direção.


Embora representem com proporcionalidade a curvatura vertical para cada MDE individualmente, testes preliminares mostraram que o valor assim obtido, sem normalização, produziu resultados variáveis em função da resolução e da escala combinadas. Uma normalização dos gradientes altimétricos após o cálculo dado pela passagem da janela móvel resulta numa medida de ângulo (como expressaram Giles & Franklin, 1998, em radianos) equivalente à variação da declividade através da janela móvel; entretanto, a variação da declividade também mostrou-se suscetível ao efeito da escala e da resolução, motivo pelo qual uma segunda normalização foi introduzida no cálculo. O resultado deste procedimento é um PI de valores numéricos de curvatura, expresso em D% 100 m-1, passível, portanto, de comparação entre situações diversas.

Outra necessidade importante para a flexibilização do processo foi o uso de distâncias de normalização correspon-dentes às distâncias na superfície do terreno, dependentes da declividade e da orientação da vertente. Tal cuidado reproduz com maior fidelidade a natureza da variável (Doornkamp & King, 1971), pois a convexidade ou concavidade da superfície deve estar independente da declividade, havendo, em ambos os casos, superfícies inclinadas ou planas. Com isto, evita-se que áreas íngremes ou orientadas para NE, SW, SE ou NW tenham a curvatura relativamente superestimada. Deste modo, as distâncias de normalização (d) são calculadas em função da resolução espacial (r) e da declividade (s) pelas fórmulas:

d = r / cos(s) para segmentos de vertentes nas direções N, S, L e W

d = 21/2 r/cos(s) para segmentos de vertentes nas direções NE, SE, SW e NW.

As curvaturas calculadas em cada direção pelos proce-dimentos descritos até aqui têm seu significado restrito às áreas com a correspondente orientação de vertente. Portanto, foi necessário classificar as orientações de vertentes nos mesmos octantes usados para o cálculo de curvatura, para a geração de imagens booleanas (0: não; 1: sim) que coordenaram a sobreposição das diferentes curvaturas. Como resultado, obtém-se um único PI de curvatura (valores numéricos), o qual pode ser discretizado em classes (côncavo, convexo e retilíneo) em função de limiares arbitrários. O encadeamento dessas etapas está esquematizado na Figura 4.


Teoricamente, vertentes retilíneas têm valor de curvatura nulo, vertentes côncavas os têm positivos e convexas têm curvatura negativa. Entretanto, muito pouco do que se julga ser retilíneo apresenta curvatura rigorosamente nula, cabendo, nessa interpretação, uma faixa de tolerância; além disso, imprecisões de todo o processo desde o mapeamento, passando pelo processamento digital, geram flutuações nos cálculos realizados para a curvatura vertical, essencialmente derivativos; logo, uma seqüência de testes realizados em conjunto sobre os 6 MDE foi desenvolvida para a determinação dos limiares para vertentes retilíneas. Os testes consistiram da geração de mapas que foram submetidos a comparações interpretativas com as cartas topográficas e da observação em escala padronizada de perfis de vertentes representativas e excep-cionais de cada área. Complementadas por descrições relatadas na literatura geomorfológica (Almeida, 1964; Ross & Moroz, 1997) e pelo próprio conhecimento de campo, estes testes leva-ram à seleção do intervalo de –0,55% 100 m-1 a + 0,55% 100 m-1 para a classe de vertentes retilíneas. Valores abaixo desse intervalo foram classificados como côncavos e, acima, convexos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores numéricos de curvatura apresentaram distribui-ções de freqüência distintas entre as diferentes condições de relevo (Figura 5). A diferença entre as microbacias do Cinturão Orogênico do Atlântico (Bangu, Ubatuba e Jacuí) e aquelas da Bacia Sedimentar do Paraná (São Joaquim, Soturninha e Ribeirão Preto) ficou evidente pela maior amplitude e dispersão geral do primeiro grupo. A Tabela 3 apresenta um resumo dos valores numéricos de curvatura das microbacias.


Os resultados da Tabela 3 e da Figura 5 têm caráter regional, como forma de descrição do relevo geral de cada microbacia, e sua interpretação foi feita mediante algumas considerações. O grau de concavidade/convexidade está expresso nos módulos dos valores de curvatura calculados. Pelos valores mínimos de curvatura, verifica-se que as áreas de Soturninha e Ribeirão Preto apresentam concavidades pouco pronunciadas, em comparação com as outras áreas. A área de São Joaquim apresenta concavidades comparáveis àquelas de Jacuí, porém o histograma (Figura 5) indica a menor proporção territorial desta condição. Analogamente, os valores máximos de curvatura indicam que as áreas de Bangu, Ubatuba e Jacuí apresentam, em ordem decrescente, alto grau de convexidade. Uma vez que a concentração dos valores em torno de zero mostra a predominância de vertentes retilíneas, a amplitude e o desvio padrão dos valores de curvatura vertical expressam bem a separação entre as unidades morfoestruturais (Ross & Moroz, 1997) com a microbacia de São Joaquim sugerindo uma situação intermediária. A média e a razão negativo/positivo dos valores de curvatura vertical, por sua vez, mostram-se indicadores de relevo ambíguos, inadequados, portanto, em estudos comparativos entre microbacias.

Para a classificação qualitativa da curvatura vertical, foram testados limiares crescentes de tolerância em torno do valor nulo, os quais causaram grande aumento inicial da classe de vertentes retilíneas (Figura 6) para as microbacias de relevo suave (São Joaquim, Soturninha e Ribeirão Preto). A contribuição territorial da classe retilínea nas demais microbacias tende a crescer em menor grau, devido à maior dispersão e amplitude dos valores numéricos de curvatura em relevo movimentado. Foram observadas diferentes taxas de modificação do território das classes côncava e convexa na maioria dos casos, com a exceção de Ribeirão Preto, onde essas classes tiveram suas áreas igualmente reduzidas.


A Figura 7 apresenta um conjunto de perfis de vertentes classificados de acordo com o limiar adotado (0,55% 100 m-1) como parte do conjunto de testes que determinaram este critério. As diferenças de comprimento de rampa, declividade média, toposseqüência e altura de vertentes das diversas áreas mostraram-se inócuas para cálculo digital da curvatura, tal como proposto, cujos resultados indicam o potencial de informação da curvatura do MDE como variável independente das demais variáveis topográficas.


Na Figura 8 estão apresentados os mapas de classes de vertentes das microbacias estudadas. A ordenação das classes ao longo das vertentes e sua distribuição territorial em cada microbacia foram consideradas interessantes para a caracterização morfométrica das mesmas. Os mapas gerados mostraram-se coerentes com o conhecimento prévio das áreas de estudo, indicando seu potencial para a caracterização de vertentes. Áreas de relevo semelhantes apresentaram padrões parecidos de curvatura, sem efeito das diferenças de escala e de resolução.


As microbacias pertencentes ao Cinturão Orogênico do Atlântico (Bangu, Ubatuba e Jacuí) apresentaram predominância de vertentes convexas no topo diretamente adjacentes a segmentos côncavos na base. Segmentos retilíneos mostraram-se fragmentados e pouco expressivos territorialmente; somente na área de Ubatuba, um segmento retilíneo contíguo evidenciou a porção correspondente à Planície Litorânea ao sudeste, enquanto outro, a noroeste, indica a escarpa da Serra do Mar. Como regra, as manchas de concavidade formaram redes, acompanhando a estrutura da drenagem.

A distribuição territorial das classes de segmentos de vertentes nas microbacias estudadas está apresentada na Tabela 4. De modo geral, as proporções refletiram as descrições das unidades geomorfológicas (Ross & Moroz, 1997) a que pertencem as microbacias. Ocasionais misturas de tipos de relevo, a exemplo da observação feita para Ubatuba (a presença da planície), respondem pelas discrepâncias.

Os resultados do balanço de área entre as classes de vertentes de cada microbacia não foram afetados pelas resoluções espaciais testadas, exceto por variações desprezíveis decorrentes do cálculo de áreas pelo SIG, entre uma condição e outra. Além da apreciação geral da classificação da curvatura vertical entre as microbacias, é interessante a observação de seus aspectos locais. As microbacias do Planalto Sedimentar do Paraná (Soturninha, São Joaquim e Ribeirão Preto) apresentaram predominância de vertentes retilíneas. Os segmentos de vertente côncavos expressam os vales dos cursos d’água mais encaixados, como nas cabeceiras do Ribeirão Preto. Nesta microbacia, onde há predominância de solos do tipo Latossolo Roxo, as poucas manchas de terreno convexo estiveram associadas a áreas com presença de solos Litólicos (Oliveira & Prado, 1983). Moore et al. (1993) relataram, em seu experimento, que áreas de pequena espessura do horizonte A ocorreram em terrenos que apresentam, entre outras condicionantes, as maiores convexidades, corroborando com a situação dos solos Litólicos da área de Ribeirão Preto.

A microbacia do São Joaquim apresentou transição de tipos de vertentes, com relativa concentração de vertentes convexas na sua porção noroeste, enquanto o restante da microbacia apresentou vertentes retilíneas, com áreas de concavidade associadas aos canais de drenagem. Tendo desenvolvido estimativas de variáveis topográficas da erosão nesta mesma microbacia, Valeriano & Garcia (2000) apresentaram os mapas de erros padronizados, cuja distribuição coincide com aquela encontrada para as áreas convexas. Tal comparação respalda a recomendação desses autores pela estratificação dos métodos de análise digital dos dados topográficos.

As observações locais da curvatura vertical, associadas a diferentes elementos de análise da paisagem, indicam coerência de sua determinação através do processamento dos MDE, apesar de Doornkamp & King (1971) reconhecerem que a forma menos detalhada de levantamento do perfil de vertentes seja baseada em dados de mapas topográficos. A esta ressalva deve-se somar as imprecisões geradas por todo o processa-mento digital; no entanto, as feições passíveis de reconhecimento identificadas neste estudo estiveram compatíveis com a escala de análise geocartográfica de cada microbacia e o potencial da inserção dos dados assim extraídos em estudos ambientais deve ser avaliado em conjunto com outras variáveis.

CONCLUSÕES

1. A curvatura vertical de vertentes pôde ser calculada sobre modelos digitais de elevação (MDE) através de uma seqüência programável de operações de geoprocessamento.

2. A curvatura vertical calculada a partir do MDE mostrou-se flexível para o mapeamento da variável sob diferentes condições de escala, dimensões da microbacia mapeada e resolução do MDE analisado.

3. A curvatura vertical mostrou-se independente da declivi-dade e do comprimento de rampa e sua distribuição refletiu os diferentes tipos de relevo.

4. As classes de segmento de vertentes (côncavo, retilíneo e convexo) se apresentaram coerentes com descrições geomorfológicas relatadas na literatura e com as verificações realizadas sobre transectos.

5. O mapeamento digital da curvatura vertical de vertentes apresentou potencial para a estratificação do terreno na escala de estudo de microbacias.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho integra o projeto "Padronização de metodo-logias para tratamento de dados topográficos de microbacias" (processo número: 301029/00-8-NV), financiado pelo CNPq.

LITERATURA CITADA

Protocolo 191 - 17/12/2002 – Aprovado em 10/11/2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Aceito
    10 Nov 2003
  • Recebido
    17 Dez 2002
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