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Estágio Curricular na EPT: Proposta pa ra Potencializar a Inclusão de Estudantes Surdos do Instituto Federal de Roraima – Campus Novo Paraíso

Curricular Internship at EPT: Proposal to Enhance the Inclusion of Deaf Students from the Federal Institute of Roraima – Novo Paraíso Campus

RESUMO:

Este estudo, como projeto da linha de pesquisa Práticas Educativas em Educação Profissional e Tecnológica, objetivou analisar o processo de acompanhamento e orientação durante o período de estágio curricular de estudantes surdos dos cursos técnicos no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima – campus Novo Paraíso (IFRR/CNP), a fim de desenvolver e avaliar um Manual Orientador de Estágio. A pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas processuais: processo de caracterização do cenário de inclusão dos estudantes surdos no âmbito do IFRR/CNP; processo de identificação dos aspectos positivos e dificuldades referentes ao período de estágio dos estudantes surdos do IFRR/CNP; processo de elaboração do produto educacional – Manual Orientador de Estágio para alunos surdos do IFRR/CNP; e processo de aplicação e avaliação do produto educacional. Os resultados apontaram a relevância do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE) em sua atuação no IFRR/CNP como um meio de promover a inclusão dos alunos surdos na instituição, destacando o papel primordial do intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) nesse processo. O produto educacional desenvolvido foi considerado, mediante avaliação, um instrumento inclusivo, proporcionando ao estudante surdo informações úteis ao período de estágio em Libras, sendo um apoio importante para outros estudantes surdos que ingressarem na instituição.

PALAVRAS-CHAVE:
Estágio curricular; Estudantes surdos; Formação profissional; Inclusão; NAPNE

ABSTRACT:

This study, as a project of the research line Educational Practices in Vocational and Technological Education, aimed to analyze the process of monitoring and guidance during the period of curricular internship of deaf students of technical courses within the scope of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Roraima – Novo Paraíso campus (IFRR/ CNP), in order to develop and evaluate an Internship Guidance Manual. The research was developed in four procedural steps: process of characterization of the scenario of inclusion of deaf students in the scope of the IFRR/CNP; process of identifying the positive aspects and difficulties related to the internship period of deaf students at the IFRR/CNP; process of elaboration of the educational product – Internship Guidance Manual for deaf students of the IFRR/CNP and process of application and evaluation of the educational product. The results showed the relevance of the Center of Assistance for People with Specific Educational Needs (NAPNE) in its performance at the IFRR/CNP as a way of promoting the inclusion of deaf students in the institution, highlighting the primary role of the Brazilian Sign Language (LIBRAS) interpreter in this process. The educational product developed was considered, through evaluation, an inclusive instrument, providing the deaf student with useful information during the internship period in LIBRAS, being an important support for other deaf students who enter the institution.

KEYWORDS:
Curricular internship; Deaf Students; Professional training; Inclusion; NAPNE

1 Introdução

Na formação profissional, o período de estágio é considerado um momento importante da grade curricular do curso, em que o estudante tem a oportunidade de vivenciar o cotidiano de uma organização no que tange aos desafios do mercado de trabalho, bem como aplicarem os seus conhecimentos e as suas habilidades adquiridas durante sua formação (Silva, 2019Silva, R. S. M. (2019). Estágio curricular e sua contribuição na construção da identidade profissional dos estudantes da educação técnica de nível médio [Dissertação de Mestrado, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, campus Manaus Centro]. Repositório do IFAM. http://repositorio.ifam.edu.br/jspui/handle/4321/304
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). Para os estudantes surdos não é diferente, sua participação no estágio é primordial para sua formação profissional. No entanto, desafios quanto à acessibilidade, à comunicação e aos demais processos da inclusão constituem fatores que devem ser considerados essenciais para a atuação desse estudante no local receptor de estágio. Quando esses desafios não são superados, podem constituir fatores que desencadeiam a desistência dos estudantes na fase final de sua formação (Oliveira & Ferrão, 2021Oliveira, S. C. de S., & Ferrão, T. dos S. (2021). Os caminhos da inclusão das pessoas com deficiência: a evolução até a educação profissional e tecnológica da Rede Federal. Research, Society and Development, 10(12), 1-9. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i12.20702
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).

Conforme consta na cartilha de estágio do Instituto Euvaldo Lodi (2010)Instituto Euvaldo Lodi. (2010). Lei de Estágio: tudo o que você precisa saber. https://sne.iel.org.br/sne/down/cartilha_estagio_IEL.pdf
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, o estágio constitui importante ato educativo escolar, tendo como objetivo o aprendizado do estudante ligado diretamente aos processos de sua atividade profissional. O estágio durante a formação profissional desse estudante, com ou sem deficiência, permite melhores oportunidades de contratação definitiva após esse período e conclusão do seu curso.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi analisar o processo de acompanhamento e orientação durante o período de estágio curricular de estudantes surdos dos cursos técnicos no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima – campus Novo Paraíso (IFRR/CNP), a fim de desenvolver e avaliar um Manual Orientador, visto que os estudantes surdos submetidos ao estudo de caso desta pesquisa são os primeiros estudantes surdos do IFRR/CNP. Consequentemente, este é o primeiro trabalho desenvolvido com esse público-alvo no referido campus.

2 Método

A fim de captar a percepção dos sujeitos envolvidos nesta investigação e atender aos objetivos traçados, realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa, com objetivo descritivo, caracterizada como um estudo de caso (Brancher et al., 2019Brancher, V. R., Canterle, L. D., & Machado, F. C. (2019). Metodologia(s) da pesquisa em educação profissional e tecnológica: dilemas e provocações contemporâneas. Brazil Publishing. https://deposita.ibict.br/bitstream/deposita/63/2/Miolo_Lisiane_Brenner-Final.pdf
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).

Este estudo de caso abordou como sujeitos da pesquisa dois estudantes surdos (E1 e E2) matriculados no último módulo do Curso Técnico em Agroindústria Integrados ao Ensino Médio do IFRR/CNP, os quais realizaram estágio curricular no período de 2020 a 2021, mas que ainda não eram estudantes egressos. O presente campus tem uma proposta agrícola e está localizado na região Sul do estado de Roraima, na zona rural do município de Caracaraí, distante 256 quilômetros da capital Boa Vista.

Nesse âmbito, a pesquisa foi realizada em quatro etapas processuais: (1) caracterização do cenário de inclusão dos estudantes surdos no âmbito do IFRR/CNP; (2) identificação dos aspectos positivos e dificuldades referentes ao período de estágio dos estudantes surdos do IFRR/CNP; (3) elaboração do produto educacional – Manual Orientador de Estágio para alunos surdos do IFRR/CNP; e (4) aplicação e avaliação do produto educacional. Ressalta-se que o projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 31068220.6.0000.5302).

Na primeira e na segunda fases da investigação, foram realizadas entrevistas com os dois estudantes surdos, dois integrantes da equipe do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE) e um coordenador do curso. As entrevistas ocorreram por meio de plataforma de videoconferência, com auxílio de um intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), seguindo um roteiro de perguntas semiestruturadas.

Na segunda etapa da pesquisa, ocorreu a inclusão do professor orientador de estágio dos estudantes por meio da aplicação de um questionário com perguntas abertas e fechadas. Nessa etapa, também foi realizada análise de documentos da instituição relacionados ao estágio curricular, funções do NAPNE, fichas de estágio e plano de curso. Na terceira fase, que consistiu na construção do produto educacional, as informações coletadas nas fases anteriores contribuíram para a elaboração de um Manual Orientador de Estágio inclusivo aos estudantes surdos.

Na última fase do estudo, o Manual Orientador foi enviado para os estudantes surdos, por meio de aplicativo de troca de mensagens, para que eles pudessem visualizar e interagir com o produto. Após uma semana, foi realizada uma videoconferência para que os estudantes surdos respondessem ao questionário avaliativo do Manual, com a presença da pesquisadora e a intérprete de Libras. Aos demais participantes da pesquisa (dois coordenadores, seis professores e três membros do NAPNE), o manual e o formulário eletrônico com o questionário foram enviados por e-mail. O questionário avaliativo foi composto de 12 perguntas fechadas e uma aberta. As perguntas seguiram um padrão de respostas binárias (sim/não) e Escala Likert (Sampieri et al., 2013Sampieri. R. H., Collado, C. F., & Lucio, P. B. (2013). Metodologia de Pesquisa. Penso.) composta por cinco diferentes itens de maior a menor intensidade.

Para a organização dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo, segundo Bardin (2006)Bardin, L. (2006). Análise de conteúdo. Edições 70., que envolve três fases: análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretações.

3 Resultados e discussão

Os dados coletados nos questionários e nas entrevistas durante a pesquisa de desenvolvimento de uma proposta para potencializar a inclusão no período de estágio de alunos surdos do IFRR/CNP foram organizados mediante as seguintes categorias de análise: (1) Cenário de inclusão dos estudantes surdos no âmbito do IFRR/CNP; (2) Aspectos positivos e dificuldades referentes ao período de estágio dos estudantes surdos do IFRR/CNP; (3) Desenvolvimento do produto educacional – Manual Orientador de Estágio para estudantes surdos; (4) Avaliação do Manual Orientador de Estágio para alunos surdos do IFRR/CNP.

3.1 Cenário de inclusão dos estudantes surdos no âmbito do ifrr/cnp

Esta categoria faz referência as ações proporcionadas pelo IFRR/CNP quanto à inclusão dos estudantes surdos na Instituição e a caracterização deles fazendo referência aos aspectos educacionais, culturais e sociais. Conforme informações oriundas das entrevistas realizadas com os representantes do NAPNE e da gestão do setor de ensino, verificou-se que os estudantes surdos sujeitos desta pesquisa foram os primeiros surdos a ingressarem no IFRR/ CNP. Os entrevistados relataram que os intérpretes de Libras estiveram presentes desde o ingresso dos estudantes na instituição, acompanhando-os nos estudos em sala de aula, no estágio e demais ambientes do campus, mantendo um relacionamento próximo a eles.

Esses profissionais, conforme relato em entrevista com o representante da coordenação de curso, tiveram um papel crucial para incluir os estudantes surdos no convívio com outros estudantes. Além disso, o entrevistado pontuou algumas ações realizadas pelo intérprete de Libras no acolhimento inicial aos estudantes surdos, como: apresentar os estudantes surdos aos demais pares da sua turma e incentivar os estudantes ouvintes a se comunicarem com os estudantes surdos, apresentando-lhes alguns sinais em Libras. A coordenação de curso também ressaltou que os estudantes surdos se sentem motivados e acolhidos dentro da Instituição quando as ações voltadas à inclusão são pontuadas, executadas e acompanhadas pelo NAPNE.

Quanto à infraestrutura do NAPNE, um dos participantes que compõe esse núcleo detectou em entrevista que aos estudantes surdos são oferecidos livros com muitas imagens, aparelho de televisão para pesquisa em vídeos e computador com acesso à internet. Dessa forma, as informações coletadas nas entrevistas citam ações do NAPNE do IFRR/CNP alinhadas à Resolução nº 429, de 6 de fevereiro de 2019Resolução nº 429/Conselho Superior, de 6 de fevereiro de 2019. Aprova o regulamento do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE) do Instituto Federal de Roraima. https://www.ifrr.edu.br/acessoainformacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/conselhosuperior/resolucoes/resolucoes-consup-2019/resolucao-n-o-429-conselho-superior/at_download/file
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, do Conselho Superior do IFRR, a qual determina que o NAPNE tem como competências, entre outras, articular os diversos setores da instituição em atividades relativas à inclusão do público-alvo da Educação Especial, definindo prioridades de ações, aquisição de equipamentos, software e material didático-pedagógico a ser utilizado nas práticas educativas.

Quanto à disseminação à cultura de inclusão no sentido atitudinal e educacional, constatou-se, por meio do relato de um dos estudantes surdos, que havia um bom convívio com os demais estudantes ouvintes e que os professores demostravam interesse em comunicar-se com eles. A estudante ressaltou que aprendia muito com os colegas e professores.

Os resultados da pesquisa demonstraram que o NAPNE constitui fator de suma importância na concretização de ações inclusivas dentro da Instituição, uma vez que os integrantes da equipe que compõem o núcleo, principalmente os intérpretes de Libras, são os primeiros a agirem frente ao processo de acolhimento dos estudantes surdos ao ingressarem nos cursos técnicos do IFRR/CNP.

O intérprete de Libras é o profissional que estabelece a ponte de comunicação entre os estudantes surdos e os demais que não utilizam a Libras como sua primeira língua. É importante salientar que a Libras é considerada uma língua oficial do Brasil desde 24 de abril de 2002, por meio da Lei nº 10.436. Segundo registro oficial, a Libras é “a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitu[i] um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil” (Lei nº 10.436/2002Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Portal da Legislação, Brasília, 24 de abril de 2002. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm
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). Conforme Marcon (2012)Marcon, A. M. (2012). O papel do tradutor/intérprete de Libras na compreensão de conceitos pelo surdo. ReVEL, 10(19), 233-249., o intérprete de Libras, ao traduzir a mensagem de uma língua para a outra, proporciona a comunicação entre duas culturas distintas.

Na análise dos dados, é possível observar que, apesar da instituição possuir um NAPNE estruturado, o processo de inclusão do estudante surdo ainda está centrado na figura do intérprete de Libras. No entanto, para a efetiva inclusão da pessoa com deficiência no ensino comum, a política de inclusão da instituição deve assegurar igualdade de oportunidade a todos os estudantes, proporcionando não apenas a inclusão do estudante surdo, mas garantindo que toda a comunidade escolar se torne inclusiva. Segundo Guarinello et al. (2006)Guarinello, A. C., Berberian, A. P., Santana, A. P., Massi, G., & Paula, M. (2006). A inserção do aluno surdo no ensino regular: visão de um grupo de professores do estado do Paraná. Revista Brasileira de Educação Especial, 12(3), 317-330. https://doi.org/10.1590/S1413-65382006000300003
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, “a inclusão de surdos no ensino regular significa mais do que apenas criar vagas e proporcionar recursos materiais”. Contudo, estudos constatam que muitas vezes a ação das escolas ainda está resumida apenas na contratação do intérprete de Libras, negligenciando o planejamento, a capacitação e o preparo de toda a comunidade escolar envolvida (Guarinello et al., 2006;Guarinello, A. C., Berberian, A. P., Santana, A. P., Massi, G., & Paula, M. (2006). A inserção do aluno surdo no ensino regular: visão de um grupo de professores do estado do Paraná. Revista Brasileira de Educação Especial, 12(3), 317-330. https://doi.org/10.1590/S1413-65382006000300003
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Vieira & Castro, 2020Vieira, M. A. B. L., & Castro, R. R. (2020). A subjetividade dos entraves na inclusão de alunos surdos no ensino regular. Form@re. Revista do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, 8(2), 27-37.4).

Na entrevista com a coordenação de curso, destacou-se a necessidade de capacitações voltadas à comunicação em Libras, em virtude do relato da dificuldade dos professores em entender se os estudantes surdos estavam compreendendo o conhecimento compartilhado em sala de aula. Também foi relatado que, diante da dúvida a respeito da compreensão dos estudantes, alguns professores realizavam atendimentos extras aos estudantes surdos em horários distintos da sala de aula. Segundo Rebolo e Martins (2018)Rebolo, F., & Martins, N. C. (2018). Os desafios e as possibilidades do trabalho docente com o aluno surdo na universidade. Quaestio – Revista de Estudos em Educação, 20(3), 673-691. https://doi.org/10.22483/2177-5796.2018v20n3p673-691
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, é necessário que o professor reconheça o surdo como sujeito diferente que possui língua, cultura e identidade própria que requerem condições específicas para terem o direito de igualdade de aprendizagem.

Percebe-se que o professor e o intérprete de Libras devem estar em constante sintonia, mas, para isso, é necessário que haja uma comunicação prévia com o locutor da fala (professor). Segundo Marcon (2012)Marcon, A. M. (2012). O papel do tradutor/intérprete de Libras na compreensão de conceitos pelo surdo. ReVEL, 10(19), 233-249., o contato prévio permite a discussão de termos, significados, esquemas; assim, antecipa tudo o que será exposto no momento do discurso. Dessa forma, o contato prévio auxilia o intérprete de Libras a construir uma rede de significações que ajudarão o estudante surdo na construção de ideias sobre o assunto estudado. O autor ressalta que o professor é o responsável pelo conhecimento a ser compartilhado e, por isso, o intérprete de Libras elabora seu planejamento, tendo como base o conhecimento do professor. Conforme Lacerda (2008)Lacerda, C. B. F. (2008). O intérprete de língua brasileira de sinais: investigando aspectos de sua atuação na educação infantil e no ensino fundamental. https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/Portals/1/Files/20009.pdf
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, não deve haver a substituição do papel do professor pelo intérprete de Libras. Tendo em vista que o professor é aquele que planeja as aulas, decide os conteúdos, os objetivos e a avaliação dos seus alunos. A parceria é enriquecedora na medida em que o intérprete pode colaborar e sugerir atividades que contribuam para a inclusão do estudante surdo, minimizando práticas escolares pensadas somente a partir de experiências de professores e alunos ouvintes.

Constatou-se, em questionário realizado com o professor orientador de estágio, que o intérprete de Libras participou na escolha do local de estágio, acompanhou os estudantes durante esse processo, auxiliou os estudantes nas anotações diárias de estágio e organizou encontros com o professor orientador de estágio para repassar o andamento dos estudantes nessa fase. Diante do exposto, constata-se que o NAPNE, na pessoa do intérprete de Libras, além de contribuir para o acesso e a permanência do estudante surdo na formação profissional do IFRR/CNP, tem sido fator chave na conclusão dessa etapa de formação, principalmente no que diz respeito ao estágio curricular.

Dessa forma, a fala do orientador de estágio corrobora com os relatos dos demais entrevistados, ressaltando a importância do intérprete de Libras para a inclusão dos estudantes surdos na instituição. Conforme Perlin (1998)Perlin, G. (1998). Histórias de vida surda: Identidades em questão [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. PorSinal Versão Beta. https://document.onl/documents/perlinsurda-dissertacao-historias-de-vida-surda-identidades-em-questao.html
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:

Os intérpretes de língua de sinais representam para os surdos a possibilidade de comunicação com a língua auditiva, de dizer nosso pensamento aos ouvintes que não nos conhecem, de contar histórias, de negociar com sujeitos que nem sempre ousam se aproximar temendo a dificuldade na comunicação. O intérprete também conhece a fundo a pessoa surda, as crenças e práticas de sua cultura, e da comunidade. (p. 2)

A respeito da caracterização dos estudantes, destacou-se, durante a entrevista com um dos integrantes do NAPNE, que E1 e E2 não tinham convivência com outros surdos em sua comunidade e desconheciam a existência de uma comunidade surda próxima a eles.

Facilitando o entendimento da importância da comunidade surda, Perlin (1998)Perlin, G. (1998). Histórias de vida surda: Identidades em questão [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. PorSinal Versão Beta. https://document.onl/documents/perlinsurda-dissertacao-historias-de-vida-surda-identidades-em-questao.html
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considera ser na comunidade surda que acontece os encontros das identidades surdas, a qual é diferente do ambiente dominador do mundo dos ouvintes. A autora afirma que “a identidade surda é marcada por uma falta em relação ao outro surdo” (p. 14). Compreender os surdos a partir de uma perspectiva cultural é muito importante, pois a forma de construir suas ideias difere da construção de um ouvinte. Podemos entender essa diferença a partir de um exemplo simples, quando um sujeito encontra o outro:

A grande diferença é quando um surdo se encontra pela primeira vez com outro surdo, eles contam pela primeira vez histórias de surdos, isto é de suas vidas. Tudo isso de um minuto para outro, como se conhecessem desde a eternidade. O diálogo é imediato, direto, fácil. Nada a ver com o dos ouvintes. Um ouvinte não avança sobre um outro logo. É preciso tempo para travar conhecimento. Montões de palavras para se dizer o que se quer. Eles têm uma maneira de pensar, de construir o pensamento diferente da minha, da nossa. (Perlin, 1998, p. 14Perlin, G. (1998). Histórias de vida surda: Identidades em questão [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. PorSinal Versão Beta. https://document.onl/documents/perlinsurda-dissertacao-historias-de-vida-surda-identidades-em-questao.html
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)

Ao considerar a atitude de E1 e E2 na interação com os colegas da instituição, foi constatado, nas informações concedidas em entrevista por um dos representantes do NAPNE, que eles mantêm um bom convívio com os colegas de sua turma de formação, mas apresentam dificuldades em expandir seus relacionamentos com os demais estudantes de outras turmas. O entrevistado também salientou que os estudantes pesquisados apresentam preferência em conviver entre eles (surdo-surdo) e o intérprete. Além disso, o entrevistado relatou que os sinais utilizados para comunicação desses estudantes eram caseiros em sua maioria, apresentando sinais diferentes da Libras. Por esse motivo, o intérprete teve dificuldades em comunicar-se inicialmente com E1 e E2, já que muitos dos sinais tinham sido criados por eles e não tinham um contexto conhecido.

Conforme Albares e Benassi (2015)Abares, R. S. da S., & Benassi, C. A. (2015). Comunicação gestual caseira e Libras: semelhanças e diferenças oriundas das necessidades comunicacionais. Revista Diálogos: linguagens em movimento, 3(1), 240-258., “a Comunicação Gestual Caseira ou Linguagem Caseira é conhecida por muitos estudiosos como gestos limitados e realizados por surdos que não têm e/ou nunca tiveram contato com a língua de sinais” (p. 243). Os autores ressaltam que esses gestos são criados em ambientes familiares com o intuito de estabelecer uma comunicação com as pessoas mais próximas, variando de acordo com o contexto que o surdo vive. Dessa forma, nota-se que, quando o surdo não tem o contato com a Libras, ele se utiliza do que chamamos de linguagem caseira, fato observado em E1 e E2.

Essa linguagem gestual caseira, segundo Tervoot (1961 como citado em Nader, 2011Nader, J. M. V. (2011). Aquisição tardia de uma língua e seus efeitos sobre o desenvolvimento cognitivo dos surdos [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/269192/1/Nader_JuliaMariaVieira_M.pdf
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) é denominada “simbolismo esotérico”, o termo caracteriza-se por uma linguagem secreta, compartilhada por poucos. Uma linguagem criada para que a comunicação seja possível entre a criança e o adulto ouvinte. Apesar de a língua de sinais caseira exercer um papel social e comunicativo de uma língua materna, ela não possui uma estrutura linguística capaz de expandir para demais comunidades o compartilhamento de suas experiências, trocas dialógicas ou defesas de pontos de vista, conforme afirmação de Nader (2011)Nader, J. M. V. (2011). Aquisição tardia de uma língua e seus efeitos sobre o desenvolvimento cognitivo dos surdos [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/269192/1/Nader_JuliaMariaVieira_M.pdf
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LIBRAS, ao contrário, preenche todos os requisitos para que seja considerada uma língua natural. Trata-se, primeiramente, da língua de uma comunidade (a comunidade surda e seus interlocutores ouvintes), apresenta regularidades – é, portanto, um sistema - é sócio-historicamente constituída, respondendo às necessidades de seus usuários em seus mais diversos contextos, ampliando e renovando seu léxico, portanto um sistema dinâmico. (p. 102)

Segundo informações do NAPNE, a formação anterior ao Ensino Médio de E1 e E2 se deu nas escolas da região, as quais não dispunham de alfabetização em Libras de forma consistente por não possuírem auxílio de um intérprete de Libras em sala de aula. Portanto, os estudantes, ao ingressarem no Curso Técnico de Agroindústria no IFRR/CNP, passaram a ter um contato mais formal e efetivo com a Libras. O relato recortado da fala de um dos integrantes do NAPNE evidencia isso, conforme demonstrado neste excerto: “Viram efetivamente libras no instituto, então quer dizer, já muito tardio, foi uma aquisição tardia, até hoje tem a dificuldade” (Integrante da equipe do NAPNE/CNP).

Conforme Quadros (2005)Quadros, R. M. de. (2005). O ‘bi’ do bilingüismo na educação de surdos. In E. Fernandez (Org.), Surdez e bilingüismo (1ª ed., pp. 26-36). Mediação. https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/MuellerdeQuadros-2005.pdf
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, “as crianças surdas têm tido acesso à língua de sinais brasileira tardiamente, pois as escolas não oportunizam o encontro adulto surdo-criança surda” (p. 29). A referida autora ressalta a importância do encontro surdo-surdo e que os pais ouvintes precisam descobrir esse mundo visual-espacial e ter o conhecimento da língua de sinais. No momento que o surdo adquire a língua de sinais, o seu desenvolvimento no processo escolar se torna mais consistente.

3.2 Aspectos positivos e dificuldades referentes ao período de estágio dos estudantes surdos do ifrr/cnp

Esta categoria destaca o processo de orientação dos estudantes surdos durante o período de estágio, apontando aspectos positivos e dificuldades encontradas pelos estudantes, professor orientador e intérprete de Libras nessa etapa de formação.

A coordenação de curso relatou em entrevista que a orientação dada antes do início do estágio ocorreu por meio de conversas em sala de aula a todos os estudantes que estão nessa etapa curricular. Segundo o entrevistado, a orientação inicial tem um enfoque comportamental, enfatizando os cuidados que os estudantes devem ter no local de estágio. Após a escolha do local de estágio, conforme entrevista com um dos representantes do NAPNE, a orientação é feita de forma mais específica de acordo com o serviço que o estudante fará no setor. O entrevistado também ressaltou que, durante o estágio, os estudantes surdos contam com o acompanhamento direto do intérprete de Libras e indireto do professor orientador.

Dessa forma, foi possível identificar que o acompanhamento do intérprete de Libras e do professor orientador constituem um primeiro aspecto positivo durante o período de estágio. Conforme a Resolução nº 292, de 5 de maio de 2017Resolução nº 292/Conselho Superior, de 5 de maio de 2017. Aprova o regulamento geral para a realização de estágio curricular supervisionado dos cursos do IFRR. https://reitoria.ifrr.edu.br/pro-reitorias/extensao/regulamentos-1/regulamentos/resolucao-ndeg-292-conselho-superior-de-05-05-2017
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, do Conselho Superior do IFRR, que aprovou o regulamento geral para a realização de estágio curricular supervisionado dos cursos do IFRR, a orientação realizada pelo professor deverá ocorrer por meio das modalidades de orientação direta ou indireta (IFRR, 2017). A direta acontece por meio de uma observação contínua e direta das atividades desenvolvidas ao longo do processo, e a indireta acompanha o estagiário por meio de relatórios, reuniões e visitas ocasionais ao campo de estágio.

De acordo com as informações do questionário respondido pelo professor orientador, a orientação de estágio aos estudantes surdos se deu em encontros com o intérprete de Libras, momento que os estudantes relatavam ao professor as atividades desenvolvidas no local do estágio, mostrando desenhos e anotações obtidas com a ajuda do intérprete de Libras.

Diante dos dados coletados, nota-se que a importância do intérprete de Libras fica evidente durante todo o período de estágio dos estudantes surdos do IFRR/CNP. Conforme dados da entrevista realizada com um dos representantes do NAPNE, a escolha do local para estágio desses estudantes levou em consideração a presença desse profissional. Assim, para que os estudantes surdos tivessem o suporte desse profissional, foi proposto que o local do estágio fosse uma empresa localizada dentro do próprio campus.

O local escolhido para o estágio dos estudantes surdos tornou-se, portanto, um segundo aspecto positivo, pois era um espaço conhecido dos estudantes, e os funcionários da empresa os conheciam, fato que possibilitou uma receptividade calorosa e uma rápida adaptação na convivência. Segundo informações pontuadas na entrevista com o intérprete de Libras que os acompanhavam, os trabalhadores do restaurante tinham interesse em aprender os sinais em Libras e ofereciam toda a ajuda possível aos estagiários. O clima amigável ficou notório nas falas dos estudantes. Ressalta-se que as falas dos estudantes destacadas nesse estudo foram transcritas de acordo com a tradução do intérprete de Libras, conforme relatado a seguir: “nós brincávamos dentro, eles explicavam, foi muito especial, recebiam a gente bem” (E1); “Bom, eu gostei de todos de dentro da cozinha, eles eram muito brincalhões, faziam piadas, e o cuidar eles ensinavam sempre” (E2).

O período de estágio é a oportunidade de o estudante vivenciar o ambiente do mercado de trabalho. Esse ambiente é marcado pela convivência com o outro e, nele, são construídos relacionamentos de aceitação ou rejeição. Ao tratar sobre a inclusão de pessoas surdas no mercado de trabalho, Evangelista et al. (2014)Evangelista, F. F. G., Souza, T. F. C. de, & Tozzo, C. R. (2014). A inclusão do surdo no mercado de trabalho de acordo com sua capacidade profissional. Revista Ensaios & Diálogos, 7, 50-57. https://claretiano.edu.br/revista/ensaios-e-dialogos/605b7e04411a529388ea431c
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salientam a importância da interação junto aos membros da equipe para que o surdo se sinta participante do grupo e seguro em desempenhar suas funções com eficácia em um ambiente inclusivo.

No entanto, na entrevista com o intérprete de Libras, identificou-se que, durante o período de estágio, a comunicação se tornou um desafio em alguns momentos, devido aos sinais caseiros mencionados no aspecto anterior. O profissional em Libras teve dificuldades em entender os contextos dos sinais que eles realizavam, conforme o seguinte relato recortado de sua fala: “foi muito difícil a comunicação no início, porque eu precisava saber dos sinais caseiros, precisava saber dos sinais que elas duas criavam”.

Conforme identificado nas informações coletadas nas entrevistas, além dos sinais caseiros caraterísticos na comunicação de E1 e E2, havia também a problemática da escrita e do nível de compreensão da língua portuguesa ser precário. Conforme os dados coletados, uma das funções que cabe ao estagiário é preencher diariamente as fichas com as atividades executadas no estágio e, para isso, a escrita era necessária.

Os entrevistados consideraram que a escrita se constituía uma preocupação, tendo em vista o relatório final de estágio que deveria ser elaborado pelo estagiário. No questionário respondido pelo professor orientador, essa preocupação é relatada quando ele menciona a necessidade de entender se há a obrigatoriedade de um documento escrito em língua portuguesa ou se existiria a possibilidade de um trabalho final apresentado em Libras.

Segundo relatos, o intérprete de Libras, diante da dificuldade dos estudantes surdos no preenchimento da ficha diária de estágio, estabeleceu uma dinâmica que consistia em: (1) tirar fotos das atividades que exerciam na empresa; (2) conversar com os estudantes surdos sobre as fotos, apresentando os sinais e utilizando a datilologia; (3) anotar na ficha as atividades do dia, sempre com a ajuda do intérprete de Libras. Tal fato fica evidenciado no trecho da fala a seguir:

eu mostro o sinal de problema, ela ok, ela entende, eu escrevo a palavra problema, ela não consegue sinalizar...até hoje elas não conseguem desenvolver a escrita sem a tecnologia ou a explicação do contexto de cada sinal, pra elas fazerem todo um resumo e conseguir compreender. (Intérprete de Libras)

Quanto a essa dificuldade apresentada, faz-se necessário trazer à discussão a importância do letramento para o surdo. Segundo Baldo e Iacono (2011, p. 15)Baldo, C. F., & Iacono, J. P. (2011). Letramento para alunos surdos através de textos sociais. In Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. SEED/PR. http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/artigos_edespecial/cirleibaldo.pdf
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, para que o surdo evolua em conhecimento e em sua participação na sociedade é importantíssimo que aprenda a segunda língua na modalidade escrita. Para que ocorra esse processo, é necessário propiciar ao surdo práticas de leitura e de produção textual em Libras para, então, pô-lo em diálogo com a segunda língua (Lodi et al., 2014Lodi, A. C. B., Bortolotti, E. C., & Cavalmoreti, M. J. Z. (2014). Letramentos de surdos: práticas sociais de linguagem entre duas línguas/culturas. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, 9(2), 131-149. https://doi.org/10.1590/S2176-45732014000200009
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). Esse processo se dá pelo letramento, o qual se diferencia da alfabetização, pois a sua proposta é apropriar-se da língua escrita de modo contextual. Enquanto a alfabetização corresponde à consciência fonológica e fonêmica, e a habilidade de decodificação e codificação da língua escrita, o letramento aborda “uma dimensão social e afetiva da leitura, permitindo explorar e ampliar as interações do aluno com o mundo escrito e contemplar o conhecimento de mundo no processo de ensino” (Opolz, 2020, p. 79Opolz, S. F. (2020). Viver o ler: um inventário das práticas de letramento nos anos iniciais do ensino fundamental na educação bilíngue para surdos [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná]. Acervo Digital da UFPR. https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/70833/R%20-%20D%20-%20SUELLYM%20FERNANDA%20OPOLZ.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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). O processo de apresentação das letras e das palavras de forma isoladas não farão sentido ao estudante surdo, mas, quando as palavras são apresentadas dentro de um contexto conhecido pelo estudante, torna-se significativo. O letramento apresenta-se, por conseguinte, como o melhor caminho para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita.

Levando em consideração os aspectos aqui elencados, tanto positivos como aspectos de dificuldades encontradas nessa etapa de formação do estudante surdo, foi proposta a elaboração de um produto educacional que os orientassem no período de estágio. A forma como se procedeu a construção desse produto será descrita a seguir.

3.3 Desenvolvimento do produto educacional – Manual orientador de estágio pa ra alunos surdos

O Manual Orientador de Estágio foi construído levando em consideração as informações coletadas durante as entrevistas com os estudantes surdos, representantes do NAPNE, gestores e professores do IFRR/CNP. O conteúdo abordado baseou-se em documentos oficiais do IFRR que regulamentam o estágio curricular em todas as suas etapas (IFRR, 2017), em documento que direciona a atuação do NAPNE (IFRR, 2019Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima. (2019) Proposta Pedagógica do Curso Técnico em Aquicultura Integrado ao Ensino Médio. https://novoparaiso.ifrr.edu.br/ensino/cursos-tecnicos/tecnico-em-aquicultura-integrado/PLANODECURSOTCNICOEMAQUICULTURA_FINAL_APROVADOEM20.03.201921.pdf
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), e nos planos de curso dos cursos técnicos integrados do IFRR/CNP (IFRR, 2012Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima. (2012). Plano do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio. https://novoparaiso.ifrr.edu.br/ensino/cursos-tecnicos/tecnicoem-agropecuaria-integrado/plano-de-curso-tecnico-em-agropecuaria-integrado-ao-ensino-medio
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, 2015Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima. (2015). Proposta Pedagógica do Curso Técnico em Agroindústria Integrado ao Ensino Médio. https://novoparaiso.ifrr.edu.br/ensino/cursos-tecnicos/tecnico-em-agroindustria/plano-de-curso-tecnico-em-agroindustria-integrado-ao-ensino-medio
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, 2019Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima. (2019) Proposta Pedagógica do Curso Técnico em Aquicultura Integrado ao Ensino Médio. https://novoparaiso.ifrr.edu.br/ensino/cursos-tecnicos/tecnico-em-aquicultura-integrado/PLANODECURSOTCNICOEMAQUICULTURA_FINAL_APROVADOEM20.03.201921.pdf
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).

O manual foi construído em formato PDF, com o intuito de ser utilizado de maneira digital, acessível a computadores, tablets e celulares. A construção do produto educacional finalizou em um documento com 20 páginas, estruturado da seguinte forma: (1) Capa; (2) Contracapa; (3) Sumário; (4) Apresentação; (5) Objetivos; (6) O que é estágio?; (7) Sobre o estágio; (8) Quando começo a realizar meu estágio?; (9) Quais as atribuições do IFRR, por meio do setor responsável pela atividade de estágio?; (10) O que você deve fazer quando estiver apto ao período de estágio?; (11) Lugares para estágio; (12) Observações importantes; (13) Como será avaliado o estágio?; (14) Seguro do estágio; (15) Dicas de como atuar no estágio; (16) Dicas de como atuar no estágio – texto escrito na sintaxe de Libras; (17) Documentos que você vai precisar no estágio; (18) Passos de como fazer seu relatório final; (19) Normas da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]; e (20) Você conhece o NAPNE?

Evidenciou-se, durante a fala dos estudantes surdos, a preocupação de que o Manual pudesse ser visual e que as imagens ajudassem a entender o contexto das palavras escritas. A ênfase nos desenhos e nas ilustrações apontam a forma como os surdos constroem seus significados, pois o “ouvinte constrói seus significados na audição; os surdos na visão” (Perlin, 1998, p. 33Perlin, G. (1998). Histórias de vida surda: Identidades em questão [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. PorSinal Versão Beta. https://document.onl/documents/perlinsurda-dissertacao-historias-de-vida-surda-identidades-em-questao.html
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). Assim, utilizaram-se ilustrações, ícones e um design gráfico que facilitasse a leitura e a compreensão das informações contidas no Manual.

Ao interagir com o Manual, o estudante surdo tem a oportunidade de visualizar o vídeo da tradução do texto em Libras ao clicar no ícone específico, conforme mostra a Figura 1.

Figura 1
Uma das páginas do Manual com o ícone acessível

Os vídeos com tradução em Libras do texto escrito foram gravados observando os critérios visuais recomendados pela ABNT – NBR 15290. Os vídeos foram gravados em estúdio com equipamentos adequados, com contrastes nítidos entre o plano de fundo e o intérprete, utilizando-se do plano de fundo de cor verde e intérprete usando camisa preta. A página do Manual a ser traduzida foi posicionada ao lado do intérprete, na metade da tela, para que os estudantes pudessem visualizar o texto a ser traduzido.

Outras facilidades que os estudantes encontram no Manual é a possibilidade de acesso a links que lhes direcionam à lei do estágio e às normas da ABNT, além de uma página projetada na sintaxe em Libras sobre dicas de como atuar no estágio. Seguindo os dados coletados nas entrevistas prévias com os participantes da pesquisa, optou-se por uma escrita objetiva do conteúdo e textos com trechos curtos.

A construção desse Manual corrobora as diretrizes para o Desenho Universal para a Aprendizagem (Sebastián-Heredero, 2020Sebastián-Heredero, E. (2020). Diretrizes para o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA). Revista Brasileira de Educação Especial, 26(4), 733-768. https://doi.org/10.1590/1980-54702020v26e0155
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), o qual apresenta em uma de suas diretrizes a oportunidade de oferecer opções diferentes para a percepção. É importante que as informações sejam perceptíveis para todos os estudantes, a fim de que haja uma redução nas barreiras de aprendizagem. Por isso, o Manual, ao apresentar ícones, ilustrações, textos curtos, cores que destacam informações, vídeo em Libras e demais elementos nele contidos buscam contribuir para que todos os estudantes tenham acesso à aprendizagem.

A utilização do Manual Orientador de Estágio para estudantes surdos não se limitou apenas a esse público-alvo, mas se estendeu a todos os outros estudantes do Campus.

3.4 Avaliação do manual orientador de estágio pa ra alunos surdos do ifrr/cnp

Após a construção do Manual Orientador, ele foi enviado em formato digital para os estudantes surdos, gestores e professores do IFRR/CNP, os quais procederam a avaliação do produto educacional, por meio de um questionário composto de perguntas fechadas e abertas. Nesse contexto, essa categoria destaca os resultados obtidos mediante a avaliação do Manual.

Quanto as três primeiras perguntas que buscavam avaliar a objetividade, o conteúdo e a relevância do Manual, revelou-se que 75% dos participantes da pesquisa conceituaram em “Excelente” o objetivo para o qual o produto foi construído, e 25% consideraram “Bom”. Ao avaliarem o conteúdo exposto no produto, 66,7% conceituaram em “Excelente”, e 33,3% consideraram “Bom”. Quanto à relevância do Manual Orientador, os 12 participantes o conceituaram como “Excelente”.

Ao serem questionados sobre a possibilidade de utilizar esse produto como um Manual Orientador de Estágio, foram dadas as opções para que os participantes indicassem que: “sim (para todos os estudantes de cursos técnicos integrados)”; “sim (apenas para alunos surdos)”; e “não utilizaria”. Das respostas obtidas, 91,7% dos participantes indicaram que utilizariam esse produto não somente para os alunos surdos, como também para todos os estudantes de cursos técnicos integrados. Ampliando essa questão, foi perguntado aos participantes se eles recomendariam o Manual para outras pessoas da Instituição como ferramenta de orientação de estágio, e o resultado se repetiu mostrando que 91,7% dos participantes indicariam o produto.

Seguindo a avaliação, o próximo questionamento foi saber dos participantes se eles consideravam o Manual Orientador como uma ferramenta inclusiva. Todos os participantes da pesquisa consideraram que o produto proporciona a inclusão dos estudantes surdos.

Segundo o Art. 206 da Constituição Federal de 1988Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
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, no item I, o ensino deve ser ministrado observando o princípio de igualdade de condições para acesso e permanência na escola. O Manual Orientador de Estágio em questão busca possibilitar esse direito, proporcionando meios de acessibilidade para que os estudantes surdos do IFRR/CNP possam permanecer e concluir seus estudos na formação profissional, mais especificamente nessa etapa do currículo que é o estágio supervisionado, trazendo orientações pertinentes a essa fase, em uma linguagem acessível. Corroborando esse pensamento, Mantoan (2017)Mantoan, M. T. E. (2017). Inclusão, diferença e deficiência: sentidos, deslocamentos, proposições. Inclusão Social, 10(2), 37-46. https://doi.org/10.22478/ufpb.1981-0695.2018v13n2.43010
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, ao falar da educação inclusiva, afirma:

Do ponto de vista das aplicações práticas, isso significa trabalhar no sentido de tornar acessível a todos, e sem exclusões de qualquer tipo, a vida dos que habitam os espaços comuns e particulares a cada um na nossa sociedade. A escola é um desses ambientes e integra o esforço comum de todos os que estão envolvidos na inclusão em sua concepção estrita e ampla. (p. 43)

Quanto ao aspecto estético e visual do Manual Orientador, foi avaliado como “Excelente”, correspondendo a 66,7% dos participantes, e o restante conceituou em “Bom”. Segundo Gonçalves et al. (2019)Gonçalves, C. E. L. C., Oliveira, C. de S., Maquiné, G. O., & Mendonça, A. P. (2019). (Alguns) desafios para os Produtos Educacionais nos Mestrados Profissionais nas áreas de Ensino e Educação. Educitec, 5(10), 74-87. https://doi.org/10.31417/educitec.v5i10.500
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, a linguagem utilizada para expressar o conteúdo de um produto educacional não se limita apenas ao texto, mas diz respeito a todo um conjunto de elementos como: figuras, infográficos e demais recursos estéticos que tornam a leitura agradável e facilita a identificação das informações. O aspecto visual tem um impacto importante na aceitação do público-alvo.

Quanto à avaliação em relação aos vídeos em Libras, obteve-se 80% das respostas com conceituação “Excelente”, e 20% conceituaram “Bom”. Para compreender a importância da tradução dos textos com o intérprete de Libras por meio dos vídeos gravados, seguem os depoimentos dos dois estudantes surdos, sujeitos desta pesquisa, ao descreverem como positivo esse aspecto:

Quanto aos vídeos em Libras: eu como aluna consegui compreender, eu achei legal, eu consegui visualizar legal. (E1)

Eu vi os vídeos no YouTube e deu pra entender. Foi muito bom, deu pra acompanhar e depois eu vi nos textos alguns sinais que ele apresentou, então deu pra ter compreensão. Eu gostei de tudo, tem muitas imagens, os vídeos estão bons em Libras, não trava, gostei de tudo. (E2)

Ao questionarmos aos participantes se o Manual contribuirá para a orientação de estudantes surdos em períodos de estágio ou que participarão dessa etapa, 91,7% dos participantes sinalizaram que concordam plenamente que o Manual corresponde a esse intuito. Isso demostra que o produto cumpre com a finalidade para qual foi construído.

Os participantes também foram questionados sobre quais aspectos no Manual eles consideraram como positivo, conforme as opções descritas no questionário, podiam assinalar mais de uma opção. Conforme apresentado na Figura 2, o conteúdo apresentado no Manual e os vídeos em Libras foram considerados por todos os participantes da equipe como os aspectos mais positivos e, em segundo e terceiro, o layout e as imagens projetadas no produto.

Figura 2
Gráfico referente aos aspectos considerados positivos

Para finalizar a avaliação do Manual Orientador, foi perguntado aos participantes da pesquisa sobre sugestões de melhoria para o produto, esse registro é destacado no Quadro 1

Quadro 1
Sugestões de melhorias no produto educacional desenvolvido

As sugestões mencionadas pelos participantes trouxeram contribuições pertinentes para a melhoria do Manual. Dessa forma, o produto educacional poderá sofrer alterações acatando algumas das sugestões mencionadas. Contudo, uma das sugestões requer um esclarecimento. No aspecto “revisão da escrita”, destaca-se a sugestão de correção da página 16 no tópico Proativo. Essa página não está baseada na sintaxe da língua portuguesa, mas, sim, na sintaxe em Libras. As frases são construídas de forma diferenciada, justamente para que o usuário do Manual perceba a forma de estrutura da Libras. No entanto, na página anterior a esta, o mesmo texto está escrito na estrutura da Língua Portuguesa.

Após a análise das respostas apresentadas nos questionários, considerou-se que os estudantes surdos e os demais participantes desta pesquisa avaliaram o Produto Educacional de forma positiva. O Manual Orientador de Estágio cumpre seu objetivo de ser umas das ferramentas de inclusão a ser utilizada pelo IFRR – campus Novo Paraíso, para estudantes surdos em período de estágio supervisionado.

4 Conclusões

A história nos mostra que as pessoas com deficiência tiveram de percorrer um longo caminho para que pudessem gozar de leis que lhe assegurassem a inclusão em diversos espaços na sociedade, principalmente em relação à profissionalização e sua inserção no mundo do trabalho. No entanto, a formação profissional da pessoa com deficiência e sua inclusão no mundo do trabalho segue como componente desafiador das políticas públicas de inclusão. Ressalta-se a importância de entender o surdo a partir de uma visão socioantropológica que destaca características de um grupo com cultura e linguagem distinta. Dentro dessa perspectiva, o surdo é visto a partir do conceito da diferença e não da deficiência.

A pesquisa mostrou a relevância do NAPNE em sua atuação no IFRR – campus Novo Paraíso como um meio de promover a inclusão dos alunos surdos na instituição. Destacamos o papel primordial do intérprete de Libras nesse processo, sendo um profissional indispensável para que o estudante surdo permaneça e conclua com êxito sua formação profissional.

No contexto pesquisado, foi possível perceber uma realidade ainda presente nas localidades do interior brasileiro e, até mesmo, no contexto de muitas capitais, onde há falta de acesso a Libras desde o início da escolarização. Por esse motivo, os surdos utilizam-se de sinais caseiros para se comunicar, apresentando dificuldade quando se deparam com a língua oficial. Fica evidente também, a importância de ações internas do IFRR– campus Novo Paraíso que promovam oportunidades de letramento aos estudantes que não tiveram acesso a Língua Brasileira de Sinais e que possuem dificuldades em entender conceitos construídos a partir de pessoas ouvintes e que necessitam de interpretação do contexto.

O Produto Educacional foi construído a fim de favorecer a orientação e o acompanhamento dos estudantes surdos em período de estágio, entendendo que essa etapa de formação é um momento crucial em que o estudante vivencia o ambiente do mercado de trabalho, colocando em prática de forma crítica seus conhecimentos. Para a elaboração do material, levou-se em consideração a necessidade de o Manual Orientador ter tradução em Libras, figuras e textos curtos, a fim de contribuir com a acessibilidade e a inclusão desses estudantes.

Portanto, esta pesquisa contribuiu para esclarecer os aspectos positivos e as dificuldades enfrentadas na formação profissional no IFRR – campus Novo Paraíso, observando os princípios de uma formação integral, em que o homem é visto por inteiro, em seus aspectos culturais e sociais. O produto educacional servirá de apoio para os próximos estudantes surdos que ingressarem na instituição favorecendo a sua inclusão no IFRR – campus Novo Paraíso. A inclusão dos estudantes surdos na formação profissional ainda é um desafio para todos os envolvidos nesse processo, por isso a necessidade de ampliar estudos que possam fomentar discussões sobre essa temática, a fim de minimizar as dificuldades inerentes à formação.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2022
  • Revisado
    07 Dez 2022
  • Aceito
    20 Dez 2022
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