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Habilidades comunicativas receptivas em criança com bilingüismo português-japonês e paralisia cerebral: relato de caso

Communicative receptive ability in a child with cerebral palsy who is bilingual in portuguese -japanese: case report

Resumos

O objetivo do presente estudo foi descrever habilidades receptivas de uma criança com paralisia cerebral diplégica espástica, filha de brasileiros, nascida no Japão, exposta aos idiomas português e japonês. Método: Para a avaliação das habilidades receptivas foi realizada a observação do comportamento comunicativo por meio de atividades comunicativas, utilizando-se materiais lúdicos; provas de reconhecimento semântico, com o uso das figuras do ABFW e provas de discriminação auditiva. Nas atividades propostas utilizou-se dos idiomas português falado no Brasil e japonês. Também foi realizada a avaliação audiológica, que constou de imitânciometria e audiometria tonal liminar. Resultados: Na avaliação audiológica obteve resultados dentro dos padrões de normalidade. Nas atividades comunicativas demonstrou compreender ordens simples em contextos imediatos, com referenciais presentes e ausentes, em ambas as línguas. Apesar da gravidade do quadro motor e da criança não fazer uso de comunicação oral, a compreensão de conceitos nas duas línguas foi considerado satisfatória, demonstrando habilidades receptivas preservadas. A experimentação ambiental e a estimulação familiar permitiram o desenvolvimento da habilidade receptiva. Conclusões: Apesar da gravidade das alterações motoras, as capacidades intrínsecas desta criança, as possibilidades senso-perceptivas e estimulação ambiental favoreceram o desempenho receptivo nos idiomas japonês e português.

paralisia cerebral; linguagem; multilingüismo; compreensão; linguagem infantil; educação especial


The purpose of this study was to describe the receptive abilities of a child with spastic diplegic cerebral palsy, born to Brazilian parents in Japan, thus exposed to both Portuguese and Japanese. Method: In order to assess receptive abilities, communication behavior was observed during communicative activities occurring with play materials, through application of semantic recognition tests (pictures from the ABFW) and auditory discrimination tests. During the proposed activities, Brazilian Portuguese and Japanese were used. A hearing assessment was also performed, consisting of acoustic immittance measures and pure tone audiometry. Results: the results of the hearing assessment were within normal standards. In the communicative activities, the child seemed to comprehend simple commands in daily contexts, with references present or absent, in both languages. Despite the severity of the neuromotor conditions the child presented, added to the fact that the child did not communicate orally, concept comprehension in both languages was considered satisfactory, showing that receptive abilities were preserved. Environmental experimentation and family stimulation furthered the development of receptive abilities. Conclusions: Despite the gravity of motor alterations, this child's intrinsic capabilities, her sensorial-perceptive potentiality and environmental stimulation enhanced her receptive performance of both the Portuguese and Japanese languages.

cerebral palsy; language; multilingualism; comprehension; language development in children; special education


RELATO DE PESQUISA

Habilidades comunicativas receptivas em criança com bilingüismo português-japonês e paralisia cerebral: relato de caso

Communicative receptive ability in a child with cerebral palsy who is bilingual in portuguese –japanese: case report

Roberto Minoru Yoshimura1 1 Discente do Curso de Fonoaudiologia Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) - yoshimura_roberto@yahoo.com.br ; Silvia Tieko Kasama2 2 Discente do Curso de Fonoaudiologia FOB-USP - silvia_kasama@yahoo.com.br ; Lidiane Cristina Barraviera Rodrigues3 3 Discente do Curso de Fonoaudiologia FOB-USP - lidicbr@ig.com.br ; Dionísia Aparecida Cusin Lamônica4 4 Professora Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da FOB-USP; Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP, Especialista na área de Linguagem - dionelam@uol.com.br

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi descrever habilidades receptivas de uma criança com paralisia cerebral diplégica espástica, filha de brasileiros, nascida no Japão, exposta aos idiomas português e japonês. Método: Para a avaliação das habilidades receptivas foi realizada a observação do comportamento comunicativo por meio de atividades comunicativas, utilizando-se materiais lúdicos; provas de reconhecimento semântico, com o uso das figuras do ABFW e provas de discriminação auditiva. Nas atividades propostas utilizou-se dos idiomas português falado no Brasil e japonês. Também foi realizada a avaliação audiológica, que constou de imitânciometria e audiometria tonal liminar. Resultados: Na avaliação audiológica obteve resultados dentro dos padrões de normalidade. Nas atividades comunicativas demonstrou compreender ordens simples em contextos imediatos, com referenciais presentes e ausentes, em ambas as línguas. Apesar da gravidade do quadro motor e da criança não fazer uso de comunicação oral, a compreensão de conceitos nas duas línguas foi considerado satisfatória, demonstrando habilidades receptivas preservadas. A experimentação ambiental e a estimulação familiar permitiram o desenvolvimento da habilidade receptiva. Conclusões: Apesar da gravidade das alterações motoras, as capacidades intrínsecas desta criança, as possibilidades senso-perceptivas e estimulação ambiental favoreceram o desempenho receptivo nos idiomas japonês e português.

Palavras-chave: paralisia cerebral; linguagem; multilingüismo; compreensão; linguagem infantil; educação especial.

ABSTRACT

The purpose of this study was to describe the receptive abilities of a child with spastic diplegic cerebral palsy, born to Brazilian parents in Japan, thus exposed to both Portuguese and Japanese. Method: In order to assess receptive abilities, communication behavior was observed during communicative activities occurring with play materials, through application of semantic recognition tests (pictures from the ABFW) and auditory discrimination tests. During the proposed activities, Brazilian Portuguese and Japanese were used. A hearing assessment was also performed, consisting of acoustic immittance measures and pure tone audiometry. Results: the results of the hearing assessment were within normal standards. In the communicative activities, the child seemed to comprehend simple commands in daily contexts, with references present or absent, in both languages. Despite the severity of the neuromotor conditions the child presented, added to the fact that the child did not communicate orally, concept comprehension in both languages was considered satisfactory, showing that receptive abilities were preserved. Environmental experimentation and family stimulation furthered the development of receptive abilities. Conclusions: Despite the gravity of motor alterations, this child's intrinsic capabilities, her sensorial-perceptive potentiality and environmental stimulation enhanced her receptive performance of both the Portuguese and Japanese languages.

Keywords: cerebral palsy; language; multilingualism; comprehension; language development in children; special education.

INTRODUÇÃO

A sintomatologia básica da paralisia cerebral caracteriza-se por transtornos motores que vão se estruturando com o passar do tempo, ocasionando atraso ou interrupção do desenvolvimento sensório motor, com mecanismo de reação postural insuficiente, presença de reflexos em épocas que já deveriam estar inibidos, alterações do tônus muscular e inabilidade para realizar movimentos (SHAPIRO, 2004; BAX et al., 2005).

O desenvolvimento da linguagem, nas crianças com paralisia cerebrais que apresentam distúrbios motores severos pode estar afetado de diversas maneiras. Inicialmente a criança pode não conseguir realizar experiências motoras consistentes pelos déficits motores, pela ausência do controle voluntário dos membros, tronco e pescoço, ou por necessitar da ajuda de terceiros para participar das atividades de rotina, além de não ter autonomia para iniciar ou integrar-se em atividades comunicativas (PENNINGTON; MCCONACHIE, 2001). Estudos também apresentam que a eclosão das várias etapas do desenvolvimento lingüístico, nos paralíticos cerebrais com alterações motoras severas, aparece freqüentemente mais tardiamente, quando comparados com a população normal (FALKMAN; SANDBERG; HJELMQUIST, 2002).

Quanto aos níveis lingüísticos, pode-se dizer que na paralisia cerebral há possibilidade do desenvolvimento semântico, morfossintático e pragmático se encontrar atrasado em relação ao desenvolvimento normal. Para o processo de avaliação da linguagem do paralítico cerebral é necessária atenção para estes aspectos na medida em que, a produção morfossintática pode ser reduzida nas suas emissões no intuito de adequar sua possibilidade de fonoarticulação (PENNINGTON; GOLDBART; MARSHALL, 2004).

A incapacidade funcional motora na região da cintura escapular, atuando no controle da musculatura orofacial, respiração e coordenação pneumofono-articulatória pode obrigar o paralítico cerebral, principalmente nos casos mais graves, a ser passivos quanto a comunicação, ou seja, podem apresentar dificuldades para expressar seu pensamento, necessitando auxílios alternativos para expressar seu pensamento (NUNES, 2004).

Crianças com dificuldades graves de expressão oral tendem a simplificar aspectos gramaticais e, conseqüentemente, o índice de diversidade léxica, fazendo uso de repertório mais restrito, com a tendência a diminuir o número de enunciados, nas atividades dialógicas, compatíveis com suas possibilidades motoras (PUYUELO-SANCLEMENTE, 2001; LAMÔNICA et al., 2003; LAMÔNICA, 2004; WEBSTER et al., 2005).

Crianças com distúrbios motores podem apresentar, dependendo da gravidade do caso, limitações para explorar o ambiente de maneira voluntária, o que poderá acarretar falhas no input sensorial, déficit nas áreas perceptivas e prejuízos para o desenvolvimento da linguagem, com reflexos importantes no desenvolvimento semântico, sintático, pragmático e fonológico (LAMÔNICA; CHIARI; PEREIRA, 2000). Se isto já é previsto na aquisição de uma língua, é possível supor também dificuldades na aquisição de uma segunda língua.

Indivíduos quando adquirem duas línguas desde o nascimento, se enquadram na categoria de bilingüismo simultâneo (BAKER, 2000). A interação lingüística, na qual a criança é exposta a duas línguas, simultaneamente, proporciona o processo de desenvolvimento de estruturas neurais no cérebro, que correspondem aos conceitos, que vão sendo aprendidos e acabam naturalmente e intimamente associadas às estruturas neurais que correspondem às formas das línguas (BAKER, 2000; WINSLER et al., 1999).

Devitto e Burguess (2004) destacaram que quando uma segunda língua é aprendida, outro sistema lexical é desenvolvido, entretanto há um encadeamento destes sistemas conceituais por meio da interpretação de equivalentes do sistema lexical da primeira língua. Durante o processo de aquisição da linguagem, tanto para o monolingüismo quanto para o multilingüismo, há o envolvimento da integração de elementos lexicais e não lexicais armazenados, auxiliada por habilidades perceptivas, episódios de memória semântica e memória geral influenciada pela exposição ambiental da língua e influências cognitivas do aprendiz.

Considerando a escassez de estudos com indivíduos bilíngües portadores de paralisia cerebral, o objetivo deste estudo foi descrever o resultado da avaliação fonoaudiológica quanto às habilidades receptivas de uma criança japonesa com paralisia cerebral diplégica espástica, que foi exposta à língua portuguesa falada no Brasil, nas duas línguas, português e japonês.

MATERIAL E MÉTODO

A autorização prévia dos familiares foi solicitada, a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, protocolo número 29/2005 Ressalta-se que todos os critérios éticos foram cumpridos, conforme a Resolução 196/96.

Participou deste estudo uma criança do gênero feminino de 8 anos e 1 mês, com diagnóstico de paralisia cerebral diplégica espástica, que foi exposta às línguas japonesa e portuguesa falada no Brasil.

Os procedimentos constaram de: sessão de anamnese, realizada com a mãe. Nesta foram abordados a história pregressa desde a gravidez até o momento atual quanto ao desenvolvimento de habilidades motoras, de linguagem, autocuidados socialização, vida escolar e familiar, que serão descritos no item dados de anamnese. A avaliação fonoaudiológica constou de: avaliação da audição, por meio de imitânciometria e audiometria tonal liminar; observação do comportamento comunicativo, por meio de atividades lúdicas, prova de recepção de vocabulário em português e japonês, utilizando-se das figuras do ABFW (ANDRADE et al., 2002), recepção de frases e prova de discriminação auditiva com pares mínimos.

RESULTADOS

Dados da Anamnese:

Primogênito do gênero feminino nasceu no Japão em 27/02/1996, filha de brasileiros descendentes de japoneses. A gravidez ocorreu sem intercorrência, apresentando problemas ao nascimento por hipóxia neonatal. Nasceu pesando 2830g e medindo 48 cm. Permaneceu cinco dias na UTI neonatal e mais dez hospitalizada. Nesta época, apresentou crises convulsivas, tomando medicamentos anticonvulsivantes até os seis anos. Recebeu o diagnóstico de paralisia cerebral aos oito meses de vida e aos nove meses iniciou tratamento de fisioterapia e escola especializada aos 4 anos de idade. Freqüentava escola especial no Japão e tinha uma professora particular que a auxiliava no cumprimento do programa escolar, no idioma japonês. Segundo a mãe, a criança estava cumprindo programa escolar referente à primeira série do primeiro grau e fazia fisioterapia diariamente.

Na residência sempre se comunicavam fazendo uso do idioma português. A mãe relatou auxiliá-la nas atividades de vida diária e conteúdo acadêmico utilizando-se também do idioma português falado no Brasil, uma vez que a família poderia retornar para este país. Relatou a preocupação da família para que a filha pudesse participar de todos os eventos familiares e sociais, "não deixando esta criança sem estímulos", promovendo atividades sempre diante dela e organizando atividades em conjunto com os outros filhos, conforme orientações recebidas pelos profissionais da escola especializada.

Quanto ao desenvolvimento neuropsicomotor, apresentava controle cervical precário e não sentava sem apoio. Fazia uso de cadeira especial com ajustes para manutenção de postura correta. Demonstrava dificuldades no uso voluntário das mãos tendo dificuldades para agarrar objetos, mantendo cotovelos, mãos e dedos em padrão flexor. Quanto à alimentação, fazia uso de alimento pastoso grosso e fino (somente alimentos batidos), apresentando engasgos com líquidos. Não controlava esfíncteres, fazendo uso de fraldas. Segundo a mãe, apesar de sua filha não se comunicar oralmente, era considerada por todos de sua convivência como muito expressiva. Produzia sons, grito, risos e choro, participando, deste modo, das atividades comunicativas da família. Relatou ainda que as pessoas próximas compreendem a maioria das necessidades e solicitações da criança. Informou que a filha nunca apresentou problemas de audição e que realizou avaliação auditiva, no Japão, aos cinco anos, com resultados normais. Participa de todas as atividades com a família. Foi referido bom relacionamento com os irmãos mais novos (menino de 6 anos e duas meninas, uma de 5 anos e outra de 2 meses).

Quando a criança estava com 7 anos e 5 meses, a mãe e os filhos retornaram para o Brasil. O pai ficou no Japão, o que ocasionou transtornos familiares, pois a criança apresentou, segundo a mãe, dificuldades para aceitar a ausência do pai e de sua rotina de vida. Mãe procurou atendimento especializado (fisioterapia, fonoaudiologia, psicoterapia, terapia ocupacional e escola especial), entretanto, como não conseguiu vaga em escola especializada e atendimentos terapêuticos de baixo custo, ficou sete meses sem atendimento de reabilitação, e após este tempo, conseguiu atendimento de fisioterapia, uma vez por semana, em instituição pública. Iniciou avaliação fonoaudiológica quando estava com 8 anos e 1 mês.

Como a criança, no Brasil, não estava recebendo atendimento terapêutico e educacional que recebia, a família decidiu que retornaria, assim que possível, para o Japão, pois acreditava nos prejuízos para o desenvolvimento da filha, na condição de atendimento clínico e pedagógico atual. Nesta informação, havia preocupação familiar de que os filhos e principalmente a criança em questão, com a permanência no Brasil e exposta ao idioma português, pudesse ter perdido os conhecimentos adquiridos na língua japonesa.

Nesta perspectiva, este estudo foi delineado, com o objetivo de avaliar habilidades receptivas da língua portuguesa falada no Brasil e japonesa desta criança com paralisia cerebral diplégica espástica. Esta avaliação foi possível, pois no grupo de estagiários, havia dois estudantes de Fonoaudiologia, descendentes de japoneses que apresentavam conhecimento do idioma Japonês.

A avaliação audiológica realizada constou de imitânciometria, com resultados dentro dos padrões de normalidade. Na audiometria tonal liminar, a criança demonstrou a detecção dos estímulos sonoros de acordo com sua possibilidade motora. Durante os exames, a criança esteve em sua cadeira adaptada, mantendo-se em padrão postural adequado, com o objetivo de otimizar suas respostas motoras. Foram testadas todas as freqüências (0,5 a 8 kHz), obtendo-se limiares de audibilidade dentro dos padrões de normalidade, seguindo os critérios propostos por Davis e Silverman (1970).

Na avaliação do comportamento comunicativo, realizado por meio de materiais lúdicos, utilizando-se dos idiomas português e japonês, foi observado que, demonstrava intenção comunicativa, fazia uso de gestos, vocalizações não articuladas e sorrisos.

Foram observadas as habilidades motoras globais e dos membros superiores, produção de sons, além de outros comportamentos comunicativos como dirigir o olhar para os estímulos auditivos e/ou visuais, sorrisos, expressões faciais, balanceio da cabeça indicativo de aprovação ou desaprovação.

Para a aplicação das provas receptivas, a exigência inicial era que a criança demonstrasse compreensão dos conteúdos lingüísticos por meio de suas habilidades motoras.

Apesar da dificuldade motora, apontava, mesmo com os dedos em padrão flexor, para os estímulos desejados, desviava o olhar para as pessoas que estavam falando, sendo notado que reconhecia os materiais apresentados e funcionalidade dos mesmos, respondendo afirmativamente ou não, quando questionada, demonstrando conhecimento sobre o assunto apresentado.

Quanto à compreensão, demonstrou compreender ordens simples em contextos imediatos, com referenciais presentes e ausentes, em ambas as línguas.

Para a avaliação da compreensão de vocabulário foram utilizadas as figuras do ABFW (ANDRADE et al., 2002). O fichário de cartelas contém 118 figuras para a prova de vocabulário, (10 de vestuário, 15 de animais, 15 de alimentos, 10 de profissões, 24 de móveis e utensílios, 12 de locais, 10 de formas e cores, 11 de brinquedos e instrumentos musicais).

A avaliação foi realizada com a apresentação de duas figuras, apresentadas de maneira aleatória, para que apontasse a solicitada. Os mesmos pares foram utilizados nas duas línguas. As figuras eram colocadas no tampo da cadeira de rodas em uma posição que garantisse boa visibilidade e acesso para o ato motor de apontar, compatível com sua habilidade motora. Iniciou-se com a aplicação das provas fazendo uso do idioma português falado no Brasil. A mãe participou de todas as sessões de avaliação.

A avaliação, utilizando o idioma português e japonês ocorreram em dias diferentes, sendo que nas atividades dialógicas, além da apresentação dos procedimentos acima descritos, foram utilizadas frases no idioma selecionado (Exemplo: Onde está a bola azul? Você gosta de maçã? O que vamos colocar na casa?), no intuito de manter atividade dialógica e observar o comportamento receptivo nesta atividade, tanto na língua portuguesa quanto na japonesa.

Houve limitação da aplicação do procedimento de avaliação do japonês, principalmente quanto à pronúncia correta de palavras e frases. Isto se deveu a falta de aperfeiçoamento da pronúncia correta de algumas das palavras selecionadas em japonês, por parte dos avaliadores, apesar destes, se informarem previamente, com familiares, sobre os referidos rótulos. A mãe colaborava quando havia problemas com a pronúncia das palavras, fazendo a correção da pronúncia correta do rótulo verbal ou frase. Cabe ressaltar que a criança identificou todos os erros de pronúncia apresentando movimentos com a cabeça, rindo e aguardando a pronúncia correta da mãe. Neste aspecto, a limitação dos avaliadores na pronúncia das palavras e/ou frases foi positiva, ou seja, quando isto acontecia, a criança sorria e olhava para a mãe para que esta confirmasse a palavra ou frase, repetindo a palavra ou frase falada pelo avaliador e, após a pronúncia da mãe, respondia apontando para a figura solicitada.

Da lista de palavras apresentadas, os avaliadores apresentaram dificuldades com a pronúncia correta de algumas palavras e a mãe, não soube traduzir para o japonês, palavras como bombeiro, enfermeira e piano. Estas já haviam sido solicitadas em português. Também foram apresentadas, nos dois idiomas, frases nas quais a criança deveria responder, de acordo com sua possibilidade, de modo afirmativo ou negativo, obtendo-se resultados adequados, em atividades dialógicas, durante as sessões, em cada idioma, por exemplo: a menina está sentada perto da mãe; o menino machucou a mão.

Na prova de discriminação auditiva com pares mínimos, a criança respondeu, por meio de gestos, se as palavras eram iguais ou diferentes (exemplos: faca/vaca; olho/ovo; rato/rato, etc.), obteve-se índice de 100% de acertos. Esta prova foi realizada somente utilizando-se de palavras em português.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento da linguagem de crianças com paralisia cerebral necessita ser avaliado à luz dos fatores intercorrentes que conjuntamente com os distúrbios motores interferem no desempenho comunicativo destas crianças (LAMÕNICA, 2004).

A literatura apresenta que o distúrbio motor pode limitar a exploração da criança em seu ambiente quanto à manipulação de objetos, repetição de ações, domínio do controle do esquema corporal e relações estabelecidas nas situações por ela vivenciadas, levando à dificuldades na construção do espaço, esquema corporal e suas relações, produzindo lacunas nas áreas perceptual, cognitiva e social (PENNINGTON; MCCONACHIE, 2001; PUYUELO-SANCLEMENTE, 2001). Com isto, a criança vai perdendo oportunidades concretas de visualizar ampliações do seu repertório (PUYUELO-SANCLEMENTE, 2001; FALKMAN; SANDBERG; HJELMQUIST, 2002; PENNINGTON; GOLDBART; MARSHALL, 2004; LAMÔNICA, 2004; WEBSTER et al., 2005).

A criança deste estudo apresentou habilidade receptiva adequada tanto do idioma português quanto do japonês. No vocabulário escolhido, a maioria, correspondia a palavras e assuntos utilizados em atividades de vida diária, com a utilização de frases simples e semi-complexas utilizadas em contextos concretos. Estudos apresentaram que crianças com paralisia cerebral tendem a compreender e utilizar vocabulário mais relacionado às suas vivências (MAZEAU; MARCHAND; BRETT, 1993; LAMONICA, 2004).

Nesta avaliação, observaram-se várias restrições. A primeira diz respeito à própria apresentação do material, pois foram colocadas duas figuras de cada vez no tampo da cadeira de rodas adaptada. Caso a criança soubesse uma delas, a chance de erro ou acerto era de 50%. Mesmo assim, a criança conseguiu 100% de acertos em suas respostas, tanto em português quanto em japonês, demonstrando habilidade de reconhecimento de rótulos verbais e frases. Os comportamentos comunicativos não verbais da criança como, olhar para a mãe, balançar a cabeça, apontar e sorrir, não deixou dúvidas quanto à compreensão dos rótulos verbais e frases nas línguas avaliadas, permitindo afirmar que a criança apresentava os conceitos solicitados.

O número de palavras apresentadas em japonês foi menor do que em português, pois os avaliadores apresentaram dificuldade na pronúncia correta de algumas palavras e a mãe, muitas vezes, também não conseguiu auxiliá-los. Ressalta-se que o número de palavras ou frases pronunciadas incorretamente ou desconhecidas, apresentadas no idioma japonês não foi superior a 6%.

Devitto e Burgess (2004) apresentaram a importância da exposição de crianças a uma segunda língua e suas implicações para o desenvolvimento de habilidades de comunicação.

Não se pode negar que a gravidade da seqüela motora interfere na forma como a criança é tratada no seu ambiente. No caso em estudo, a mãe relatou a preocupação familiar para que a criança participe de atividades do dia a dia, na qual a aprendizagem de conceitos e interações ocorre. Relatou a preocupação familiar de manter atitudes como posicionar a cadeira da criança de modo que esta sempre pudesse ver e participar de qualquer atividade da família, além de proporcionar vida acadêmica, brincadeiras, passeios e vivências para integrá-la. Isto certamente garantiu a aprendizagem das duas línguas e esta criança foi capaz de demonstrar compreensão destes conceitos.

Estudos apresentaram que a presença de inabilidade física faz com que familiares se voltem às necessidades da criança, trazendo as informações e ações até ela, promovendo as atividades interativas (PENNINGTON, MCCONACHIE, 2001; PENNINGTON; GOLDBART; MARSHALL, 2004). Também há estudo relatando que o desenvolvimento do vocabulário pode não estar sendo influenciado diretamente pelo transtorno motor, mas sim pelo grau de interação da criança com outras pessoas (PHEIFER, 1997). Quanto a este aspecto, é salientado na literatura (BAKER, 2000) que a exposição às atividades interativas proporciona o processo de desenvolvimento de estruturas neurais, favorecendo o desempenho em atividades comunicativas. Neste estudo, o relato da mãe quanto à interação da criança nas atividades de vida diárias reforça este achado da literatura, quando a mesma apresenta que há atenção integral da família para que a criança participe de eventos sociais e de vida diária com os familiares. Quando a estimulação é favorecida, garante à criança exposição às situações do ambiente e vivências nas quais os episódios lingüísticos ocorrem, proporcionando aprendizagem dos conceitos, pelo direcionamento da atenção conjunta, otimizando o potencial cognitivo da criança e favorecendo a aprendizagem (PENNINGTON; GOLDBART; MARSHALL, 2004).

O desenvolvimento de habilidades receptivas ocorre por ações integradas do próprio organismo às disposições psicomotoras dependentes da integridade sensorial, perceptual, estimulação do ambiente e maturação do sistema nervoso. No caso em questão, as capacidades intrínsecas desta criança, as possibilidades senso-perceptivas e a estimulação ambiental favoreceram o desempenho receptivo dos idiomas japonês e português.

COMENTÁRIOS FINAIS

Apesar de ter cumprido o intuito de avaliar as habilidades receptivas de uma menina com paralisia cerebral exposta às línguas portuguesa falada no Brasil e a língua japonesa, vale ressaltar que esta criança necessita de procedimentos, do ponto de vista terapêutico e educacional, que favoreçam o desenvolvimento de habilidades expressivas.

Além dos procedimentos terapêuticos consagrados conhecidos, principalmente da Fonoaudiologia, quanto ao uso de métodos e estratégias para o desenvolvimento de habilidades motoras orais, faz-se necessário, neste caso, a utilização de outras estratégias e procedimentos que venham favorecer maior integração comunicativa deste indivíduo, no momento atual. Quando isto não acontece, corre-se o risco do portador de grave distúrbio expressivo ficar refém de seus interlocutores, pois o mesmo não pode expressar com liberdade seus pensamentos e desejos, dependendo, na maioria das vezes, das interpretações dos parceiros de comunicação.

Um aspecto relevante, quanto ao processo terapêutico, foi à orientação para a família quanto à utilização de procedimentos de comunicação alternativa, por esta criança, pois esta demonstrou que com suas habilidades é capaz de se beneficiar destes procedimentos, ampliando suas possibilidades de interação, possibilitando participar de atividades comunicativas de modo mais independente, tendo possibilidade de iniciar atividades dialógicas, organizar seu discurso.

Recebido em 25/09/2006

Reformulado em 12/12/2006

Aprovado em 30/12/2006

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  • 1
    Discente do Curso de Fonoaudiologia Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) -
  • 2
    Discente do Curso de Fonoaudiologia FOB-USP -
  • 3
    Discente do Curso de Fonoaudiologia FOB-USP -
  • 4
    Professora Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da FOB-USP; Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP, Especialista na área de Linguagem -
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Dez 2006
    • Revisado
      12 Dez 2006
    • Recebido
      25 Set 2006
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