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Avaliação das Habilidades Sociais de Crianças com Deficiência Intelectual sob a Perspectiva dos Professores1

Social Skills Evaluation of Children with Intellectual Disabilities from their Teachers' Perspective

RESUMO:

o objetivo do presente estudo foi avaliar as habilidades sociais de alunos com deficiência intelectual, antes e após um programa de Educação Física, sob a perspectiva dos professores. Desenvolveu-se sob abordagem quantitativa, com delineamento quase-experimental. A amostra foi composta por sete crianças com idade entre sete e 14 anos (M=10; DP=2.61) e três professores com idade entre 24 e 45 anos (M=37.67; DP=12.34). Os participantes foram avaliados pelos respectivos professores, por meio do instrumento Sistema de Avaliação das Habilidades Sociais (SSRS-BR), aplicado antes e após um programa de intervenção em Educação Física. O programa foi composto por 24 sessões, com duração de 40 minutos cada, durante dois meses. As informações obtidas por meio do SSRS-BR foram analisadas quantitativamente pelo Método JT. Dos sete participantes, cinco obtiveram mudança positiva confiável nas habilidades sociais após o programa de Educação Física. A categoria social mais influenciada foi a responsabilidade, sendo que houve uma mudança positiva nas habilidades sociais globais. Conclui-se que após o programa de Educação Física as crianças com deficiência intelectual obtiveram um aumento no escore global das habilidades sociais.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Educação Física; Habilidades Sociais

ABSTRACT:

The aim of this study was to evaluate the social skills of students with intellectual disabilities, before and after a Physical Education program, from the teachers' perspective. Under a quantitative approach, a research with quasi-experimental design was developed. The sample consisted of seven children aged between seven and 14 years (M=10, SD=2.61) and three teachers aged between 24 and 45 years (M=37.67, SD=12.34). Participants were evaluated by these teachers through the instrument System Evaluation of Social Skills (SSRS-BR), applied before and after an intervention program in Physical Education. The program consisted of 24 sessions lasting 40 minutes each, during two months. Information obtained through the SSRS- BR was analyzed quantitatively by JT method. Five out of the seven participants obtained reliable positive change in social skills after the physical education program. The most influenced social class was responsibility, and there was a positive change in overall social skills. It was concluded that after attending the Physical Education program, children with intellectual disabilities obtained an increase in the overall score of social skills.

KEYWORDS:
Special Education; Physical Education; Social Skills

1 Introdução

As habilidades sociais (HS) não apresentam uma definição consensual entres autores (BOLSONI-SILVA, 2002BOLSONI-SILVA, A.T. Habilidades sociais: breve análise da teoria e da prática à luz da análise do comportamento. Interação em Psicologia, Curitiba, v.6, n.2, p.233-242, 2002.; SMITH; MATSON, 2010SMITH, K.R.; MATSON, J.L. Social skills: Differences among adults with intellectual disabilities, co-morbid autism spectrum disorders and epilepsy. Research in developmental disabilities, v.31, n.6, p.1366-1372, 2010.; COOK; OLIVER, 2011COOK, F.; OLIVER, C. A review of defining and measuring sociability in children with intellectual disabilities. Research in developmental disabilities, v.32, n.1, p.11-24, 2011.). Numerosas definições acerca das habilidades sociais foram construídas ao longo dos últimos trinta anos (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2009DEL PRETTE, Z.A.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais: Diversidade teórica e suas implicações. Petropólis: Vozes, 2009.). Contudo, Del Prette e Del Prette (2011, p.31)DEL PRETTE, Z.A.P.; BARRETO, S.D.O.; FREITAS, L.C. Habilidades sociais na comorbidade entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento: uma avaliação multimodal. Revista Psico, Rio Grande do Sul, v.42, n.4, p.503-510, 2011. conceituam as HS como "diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas".

Atualmente, há uma preocupação com as HS na infância devido a diversidade de estímulos e cobranças que cercam as crianças (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). Pesquisas têm demonstrado que crianças apresentam déficits nas habilidades sociais e uma alta frequência de problemas de comportamento (DEL PRETTE; BARRETO; FREITAS, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; BARRETO, S.D.O.; FREITAS, L.C. Habilidades sociais na comorbidade entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento: uma avaliação multimodal. Revista Psico, Rio Grande do Sul, v.42, n.4, p.503-510, 2011.). Entretanto, programas de treinamento das HS são eficazes para desenvolvimento de comportamentos sociais desejáveis e redução dos problemas de comportamento (GONÇALVES; MURTA, 2008GONÇALVES, E.S.; MURTA, S.G. Avaliação dos efeitos de uma modalidade de treinamento de habilidades sociais para crianças. Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do Sul, v.21, n.3, p.430-436, 2008.).

As pessoas que não conseguem desenvolver as HS adequadamente apresentam maiores riscos de obter resultados negativos no decorrer da vida, incluindo a rejeição de pares, manifestações de transtornos psicológicos, abandono da escola, criminalidade e baixo rendimento escolar (GRESHAM; VAN; COOK, 2006GRESHAM, F.M.; VAN, M.B.; COOK, C.R. Social skills training for teaching replacement behaviors: Remediating acquisition deficits in at-risk students. Behavioral Disorders, v.3, p.363-377, 2006.; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). As relações sociais positivas influenciam o desenvolvimento intelectual, comunicativo, interpessoal e emocional das pessoas (FREITAS; DEL PRETTE, 2010aFREITAS, L.C.; DEL PRETTE, Z.A.P. Comparando autoavaliação e avaliação de professores sobre as habilidades sociais de crianças com deficiência mental. Interpersona, Vitória, v.4, n.2, p.183-193, 2010a.; DE FREITAS, 2012DE FREITAS, A.B.M. Enunciação e autoria via comunicação alternativa e interlocução mediadora. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, Belo Horizonte, v.12, n.1, p.165-180, 2012.; VAN NIEUWENHUIJZEN; VRIENS, 2012VAN NIEUWENHUIJZEN, M.; VRIENS, A. (Social) Cognitive skills and social information processing in children with mild to borderline intellectual disabilities. Research in developmental disabilities, v.33, n.2, p.426-434, 2012.). Assim, trabalhar a aquisição e o aprimoramento das HS é fundamental para todas as pessoas, incluindo aquelas com deficiência intelectual.

As crianças com deficiência intelectual podem apresentar comprometimentos cognitivos, afetivos, perceptivos ou motores que dificultam o desenvolvimento das HS (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). Já na primeira infância, as crianças com deficiência intelectual podem evidenciar sinais de distúrbios no desenvolvimento sensório-motor, da fala e cognição, os quais ocasionam inadequações nos contatos sociais (JAPUNDZA-MILISAVLJEVIC; DJURIC-ZDRAVKOVIC; MACESIC-PETROVIC, 2010JAPUNDZA-MILISAVLJEVIC, M.; DJURIC-ZDRAVKOVIC, A.; MACESIC-PETROVIC, D. The socially acceptable behavioural patterns in children with intellectual disabilities. Procedia-Social and Behavioral Sciences, v.5, p.37-40, 2010.).

Pesquisadores reconhecem a relevância do desenvolvimento das HS para essa população enfatizando a melhora na qualidade de vida, bem-estar e a capacidade de participar na comunidade (PARK; LOMAN; MILLER, 2008PARK, K. L.; LOMAN, S.; MILLER, M.A. Social skills. In: OAKLAND, T.; HARRISON, P.L. (Org.). Adaptive Behavior Assessment System-II: Clinical Use and Interpretation. Londres: Academic Press, 2008. p.196-217.; COOK; OLIVER, 2011COOK, F.; OLIVER, C. A review of defining and measuring sociability in children with intellectual disabilities. Research in developmental disabilities, v.32, n.1, p.11-24, 2011.; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). As crianças com deficiência intelectual apresentam respostas emocionais e relações interpessoais mais pobres em relação às crianças sem deficiência (SANTOS, 2007SANTOS, A.S.P.G.D. Estudo psicométrico da escala de comportamento adaptativo versão portuguesa (Ecap). 2007. 325f. Tese (Doutorado em Educação Física) - Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal, 2007.), além de evitar o contato social e visual, demonstrar dificuldade em seguir instruções simples e interromper as atividades dos colegas (MATSON et al., 2003MATSON, J.L. et al. A comparison of social and adaptive functioning in persons with psychosis, autism, and severe or profound mental retardation. Journal of Developmental and Physical Disabilities, v.15, n.1, p.57-65, 2003.; SMITH; MATSON, 2010SMITH, K.R.; MATSON, J.L. Social skills: Differences among adults with intellectual disabilities, co-morbid autism spectrum disorders and epilepsy. Research in developmental disabilities, v.31, n.6, p.1366-1372, 2010.). As crianças com deficiência intelectual apresentam níveis ainda menores de interação social quando comparadas às crianças da sua idade na população geral (JAPUNDZA-MILISAVLJEVIC; DJURIC-ZDRAVKOVIC; MACESIC-PETROVIC, 2010JAPUNDZA-MILISAVLJEVIC, M.; DJURIC-ZDRAVKOVIC, A.; MACESIC-PETROVIC, D. The socially acceptable behavioural patterns in children with intellectual disabilities. Procedia-Social and Behavioral Sciences, v.5, p.37-40, 2010.).

Assim, justifica-se a importância de se desenvolver programas com a finalidade de promover um repertório diversificado de HS junto a essa população (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). A promoção de HS auxilia na interação social, competência social e enfrentamento da baixa autoestima e da rejeição social (PARK; LOMAN; MILLER, 2008PARK, K. L.; LOMAN, S.; MILLER, M.A. Social skills. In: OAKLAND, T.; HARRISON, P.L. (Org.). Adaptive Behavior Assessment System-II: Clinical Use and Interpretation. Londres: Academic Press, 2008. p.196-217.).

Diante dos obstáculos no desenvolvimento das HS, mais especificamente nas interações sociais estabelecidas por pessoas com deficiência intelectual, destaca-se a Educação Física como um possível catalisador para promovê-las. A Educação Física, enquanto componente curricular do ensino básico consiste em uma disciplina desenvolvida principalmente em um contexto de grupo, pois a maioria das atividades são desenvolvidas coletivamente, favorecendo a interação com o outro, estimulando as interações sociais, o contato visual entre alunos e professor, além de possibilitar o reforço das habilidades acadêmicas, assim como outras classes das HS.

Nesse sentido, a Educação Física proporciona benefícios motores, sociais e fisiológicos durante a sua prática (CIDADE; FREITAS, 2002CIDADE, R.E.; FREITAS, P.S. Educação física e inclusão: considerações para a prática pedagógica na escola. Revista integração, Brasília, DF, v.14, p.27-30, 2002.; CASTELLANI FILHO et al., 2009CASTELLANI FILHO, L. et al. Metodologia do ensino de Educação Física. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2009.). Mauerberg-de-Castro (2011)MAUERBERG-deCASTRO, E. Atividade física adaptada. Ribeirão Preto: Tecmedd, 2011. menciona a importância de se estimular a independência nas brincadeiras, incentivar a cooperação e receptividade às convenções sociais nas pessoas com deficiência intelectual, durante as intervenções próprias da Educação Física. Além das brincadeiras, a Educação Física dispõe de conteúdos como o Jogo, a Ginástica, a Dança, a Luta e o Esporte (CASTELLANI FILHO et al., 2009CASTELLANI FILHO, L. et al. Metodologia do ensino de Educação Física. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2009.), os quais possuem características que propiciam o desenvolvimento das HS.

No âmbito das HS, há pesquisas com o enfoque em avaliar as HS das pessoas com Deficiência Intelectual (DI) (BARBOSA; DEL PRETTE, 2002BARBOSA, M.V.L.; DEL PRETTE, Z.A. Habilidades sociais em alunos com retardo mental: análise de necessidades e condições. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.20, p.31-53, 2002.; PÉREZ-RAMOS et al., 2003PÉREZ-RAMOS, A.M. et al. A importância da avaliação da competência social em educandos com deficiência intelectual. Psic: revista da Vetor Editora, São Paulo, v.4, n.1, p.30-41, 2003.; ROSIN-PINOLA; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2007ROSIN-PINOLA, A.R.; DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Habilidades sociais e problemas de comportamento de alunos com deficiência mental, alto e baixo desempenho acadêmico. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.13, n.2, p.239-256, 2007.; FREITAS; DEL PRETTE, 2010bFREITAS, L.C.; DEL PRETTE, Z.A.P. Validade de critério do Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR). Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do Sul, v.23, n.3, p.430-439, 2010b.; COOK; OLIVER, 2011COOK, F.; OLIVER, C. A review of defining and measuring sociability in children with intellectual disabilities. Research in developmental disabilities, v.32, n.1, p.11-24, 2011.), como também, o nível de habilidades sociais entre pais cujos filhos possuem DI (CARDOZO; SOARES, 2010CARDOZO, A.; SOARES, A.B. A influência das habilidades sociais no envolvimento de mães e pais com filhos com retardo mental. Aletheia, Canoas, n.31, p.39-53, 2010.). No entanto há poucas pesquisas envolvendo a interface Educação Física e Habilidades Sociais; estas tornam-se ainda mais escassas entre a população com Deficiência Intelectual. Os estudos envolvendo EF e DI têm sido direcionados à área de comportamento motor (GORLA; RODRIGUES; PEREIRA, 2002GORLA, J. I.; RODRIGUES, J. L.; PEREIRA, V. R. Avaliação e intervenção na educação física para portadores de deficiência mental. Arquivos do Museu Dinâmico Interdisciplinar, Maringá, v.6, n.1, p.15-19, 2002.; BIANCONI; MUNSTER, 2011BIANCONI, E.; MUNSTER, M. Avaliação de aspectos psicomotores em jovens e adultos com deficiência intelectual antes e após um programa de educação física. In: CONGRESSO BASILEIRO MULTIDISCIPLINAR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 7., 2011, Londrina. Anais eletrônicos... Londrina: UEL, 2011. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/congressomultidisciplinar/pages/arquivos/anais >. Acesso em: 21 abr. 2014.
http://www.uel.br/eventos/congressomulti...
; MAUERBERG-DE CASTRO et al., 2013MAUERBERG-DE CASTRO, E. et al. Educação física adaptada inclusiva: impacto na aptidão física de pessoas com deficiência intelectual. Revista Ciência em Extensão, São Paulo, v.9, n.1, p.35-61, 2013.).

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar as habilidades sociais de alunos com deficiência intelectual, antes e após um programa de Educação Física, sob a perspectiva dos professores.

2 Método

Trata-se de pesquisa com delineamento quase-experimental pois, embora não envolva distribuição aleatória dos sujeitos e tampouco se utilize de grupos controle, prevê a "comparação entre as condições de tratamento e não tratamento" com os mesmos sujeitos antes e após o tratamento, permitindo alguma compreensão acerca de como as variáveis se relacionam (GIL, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008., p.54). Nesse caso, pretendeu-se avaliar as habilidades sociais (variável dependente) em um mesmo grupo de crianças com deficiência intelectual, comparando-se os dados anteriores e posteriores à intervenção baseada em um programa de Educação Física (variável independente).

2.1 Participantes

Participaram do estudo um grupo de sete crianças (cinco meninas e dois meninos), com idade entre sete e 14 anos (M = 10, DP = 2.61), matriculadas em uma escola especial localizada no centro oeste paulista do Brasil. Para inclusão na amostra, o critério foi apresentar deficiência intelectual , sendo o diagnóstico obtido por meio dos prontuários disponíveis na instituição de ensino onde foi desenvolvida a pesquisa. Além das crianças com deficiência intelectual, participaram do estudo três professores contratados pela referida instituição, os quais costumavam ministrar aulas para as crianças envolvidas no estudo. Tais profissionais atuavam como professores de sala (n=1), educação física (n=1) e expressão corporal (n=1), apresentando faixa etária entre 24 e 45 anos (M=37.67; DP=12.34).

O estudo foi conduzido de acordo com as exigências da Resolução nº466/12 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (Parecer No 03989312.4.0000.5504).

2.2 Instrumentos de coleta de dados

Cada um dos participantes foi avaliado por meio do Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais - SSRS, criado por Gresham e Elliott em 1990, porém usado em versão adaptada para o Brasil (SSRS-BR) (BANDEIRA et al., 2005BANDEIRA, M. et al. Comportamento assertivo e sua relação com ansiedade, locus de controle e auto-estima em estudantes universitários. Estudos de Psicologia, Campinas, v.22, n.2, p.111-121, 2005.).

O SSRS-BR é constituído por um conjunto de formulários que permite avaliar habilidades sociais, problemas de comportamento e desempenho acadêmico. Pode ser aplicado em alunos do ensino infantil e do ensino fundamental. O emprego do SSRS-BR neste estudo justifica-se pelos índices normativos validados para a população com Deficiência Intelectual (FREITAS; DEL PRETTE, 2010bFREITAS, L.C.; DEL PRETTE, Z.A.P. Validade de critério do Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR). Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do Sul, v.23, n.3, p.430-439, 2010b.).

Os formulários do SSRS-BR são apresentados em três versões: para autoavaliação do aluno, para avaliação por pais e por professores. Neste estudo foi utilizado somente o formulário de preenchimento por professores. Espera-se que o professor avalie cada aluno quanto à frequência de emissão de habilidades sociais (30 itens) Alfa Conbach = 0,94, frequência de comportamentos problemáticos (18 itens) e frequência de competência acadêmica (nove itens), bem como a importância dos itens de habilidades sociais. A escala de frequência é respondida com base em três pontos (nunca = zero; algumas vezes = um e muito frequentemente = dois) para a emissão das HS, e para a escala de importância atribui-se a pontuação (não importante, importante e indispensável). Já na escala de competência acadêmica, o professor deve comparar o aluno com as demais crianças de sua sala, obedecendo a um critério e escolhendo um dos seguintes pontos (entre os 10% piores, 20% piores, 40% médios, 20% bons ou entre os 10% ótimos) para os itens, leitura, matemática, motivação geral, participação dos pais, funcionamento intelectual e comportamento geral em classe. Entretanto, ressalta-se que como o presente estudo focou as HS, não foram avaliados os itens referentes à competência acadêmica e ao comportamento problemático.

2.3 Procedimentos

A intervenção foi composta por 24 sessões com duração de quarenta minutos, desenvolvidas ao longo de dois meses (frequência = três vezes na semana). Todos os sete integrantes do grupo frequentaram o programa de Educação Física proposto como intervenção pela presente pesquisa, com assiduidade satisfatória.

Após os trâmites éticos, os participantes selecionados para o estudo foram envolvidos em três momentos: a avaliação inicial, a intervenção e a avaliação final, sendo as avaliações inicial e final, realizadas por meio do SSRS-BR. O formulário foi preenchido pelos professores de sala, de Educação Física e de Expressão Corporal, antes e após o período de intervenção correspondente ao desenvolvimento do programa de Educação Física.

As medidas obtidas pelo SSRS-BR foram realizadas antes de iniciar a primeira sessão do programa e após a última sessão (N=24).

2.4 Programa de Educação Física

Após a apreciação e aprovação do programa de pesquisa pela coordenação da instituição, e realização da avaliação inicial pelos professores, teve início a fase de intervenção, caracterizada pela aplicação do Programa de Educação Física. As sessões de intervenção foram realizadas pela primeira pesquisadora, a qual possui formação inicial em Educação Física.

O Programa de Educação Física teve como finalidade estimular a aquisição e aprimoramento de habilidades sociais em crianças com deficiência intelectual matriculadas no ensino especial, por meio de conteúdos próprios da Educação Física.

O conteúdo programático da intervenção foi diversificado, envolvendo elementos da cultura corporal de movimento, em associação a aspectos relacionados às habilidades sociais. O planejamento das sessões foi desenvolvido com participação institucional, procurando considerar o calendário de eventos e comemorações cívicas. A distribuição do conteúdo ao longo das sessões de intervenção pode encontra-se descrito no Quadro 1.

Quadro 1
Distribuição do conteúdo no decorrer da intervenção.

As situações de ensino envolveram diversas estratégias de ensino e vários materiais lúdicos:

Em síntese, as estratégias de ensino empregadas foram:

  • Posicionamento do professor durante a explicação da atividade, geralmente era em formato de círculo (roda), com o intuito de estabelecer o contato visual com todos os alunos;

  • Instruções claras e explicações objetivas das tarefas;

  • Diminuição do tempo de duração das atividades, visando aumentar a motivação e envolvimento dos alunos com a tarefa;

  • Modulação da voz de comando, de forma a destacar as situações que mereciam mais atenção durante a realização da atividade: em alguns momentos era preciso prender a atenção do aluno, por meio da diferenciação na entonação de voz;

  • Permissão para que o aluno se expressasse durante a transição de uma atividade para outra, até mesmo, com sugestões de novas formas de realizar a atividade anteriormente proposta;

  • Retomada do conteúdo anterior, relembrando as atividades das aulas passadas, no início da intervenção, com o intuito de relacionar o conhecimento apreendido com o que seria proposto.

Como recursos materiais, foram utilizados: petecas e bolas de papéis em cores vivas, confeccionadas pelos próprios alunos; bolas de plástico de dimensões variadas; bola de basquete; materiais circences (bolas para malabares, arco, fitas, chapéus, perucas e nariz de palhaço); balões de látex, bambolês, jornal e aparelho de som com músicas variadas.

Cada sessão apresentava uma estrutura padronizada e subdividida em três momentos, conforme apresentado no Quadro 2:

Quadro 2
Estrutura das sessões de intervenção.

Maiores informações acerca do Programa de Educação Física e o detalhamento de cada sessão (objetivo, conteúdo, estratégias e materiais) encontram-se descritos em Ferreira (2014)FERREIRA, E.F. Habilidades sociais e deficiência intelectual: influência de um programa de educação física baseado na cultura corporal. 2014. 264f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Departamento de Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014..

2.5 Análise Estatística

Para análise dos dados quantitativos obtidos pelo SSRS-BR foi empregado o Método JT, proposto por Jacobson e Truax (1991)JACOBSON, N.S.; TRUAX, P. Clinical significance: a statistical approach to defining meaningful change in psychotherapy research. Journal of consulting and clinical psychology, v.59, n.1, p.12, 1991.. Esse método estatístico tem sido empregado em pesquisas e intervenções com sujeitos únicos ou em amostras reduzidas (DE AGUIAR et al., 2010DE AGUIAR, A.A.R. et al. Método JT na Educação Especial: resultados de um programa de habilidades sociais-comunicativas com deficientes mentais. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.23, n.33, p.241-256, 2010.; DE SÁ; DEL PRETTE, 2012DE SÁ, L.G.C.; DEL PRETTE, Z.A.P. Dependentes químicos sob tratamento ambulatorial: análise de impacto sobre habilidades sociais. In: VILLA, M.; AGUIAR, A.; DEL PRETTE, Z.A (Org.). Intervenções baseadas em evidências: aplicações do Método JT. São Carlos: EDUFSCar, 2012. p.127-147.; FERREIRA; DEL PRETTE, 2013FERREIRA, B.C.; DEL PRETTE, Z.A.P. Programa de expressividade facial de emocoes e habilidades sociais de criancas deficientes visuais e videntes. Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do Sul, v.26, n.2, p.327-338, 2013.). Segundo Villa, Aguiar e Del Prette (2012)VILLA, M.; AGUIAR, A.; DEL PRETTE, Z. Intervenções baseadas em evidências: aplicações do Método JT . São Carlos: EDUFSCar, 2012., o Método JT é voltado para as pesquisas que visam investigar a confiabilidade das mudanças pré e pós-intervenção e a significância clínica dessas mudanças, além de representar uma alternativa para as pesquisas/intervenções com grupos pequenos e não possuir um delineamento com grupo controle.

A análise realizada por meio do Método JT esteve apoiada em seus dois conceitos centrais: o Índice de Mudança Confiável (IMC) e a Significância Clínica (SC), os quais possuem equações específicas para o seu cálculo (JACOBSON; TRUAX, 1991JACOBSON, N.S.; TRUAX, P. Clinical significance: a statistical approach to defining meaningful change in psychotherapy research. Journal of consulting and clinical psychology, v.59, n.1, p.12, 1991.; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2008DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Significância clínica e mudança confiável na avaliação de intervenções psicológicas. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, DF, v.24, n.4, p.497-505, 2008.; VILLA; AGUIAR; DEL PRETTE, 2012VILLA, M.; AGUIAR, A.; DEL PRETTE, Z. Intervenções baseadas em evidências: aplicações do Método JT . São Carlos: EDUFSCar, 2012.). Para os cálculos do Método JT, foi considerado o escore global, juntamente com as classes das habilidades sociais, tendo sido utilizadas a média e o desvio padrão com base na amostra local (sete participantes).

Para o cálculo do ponto de corte de significância clínica utilizou-se o critério A, que, segundo Jacobson e Truax (1991)JACOBSON, N.S.; TRUAX, P. Clinical significance: a statistical approach to defining meaningful change in psychotherapy research. Journal of consulting and clinical psychology, v.59, n.1, p.12, 1991., é empregado quando não se dispõe de dados normativos da população funcional. Para a compreensão dos resultados quanto à confiabilidade das mudanças, deve-se observar a linha diagonal central que separa acima as diferenças positivas (pós > pré) e abaixo as negativas (pós < pré). Há ainda duas diagonais tracejadas que delimitam uma área de incerteza, na qual não é possível afirmar que houve mudança confiável. Quanto à significância clínica, a análise dos gráficos é realizada por meio de quatro quadrantes formados pelo cruzamento da linha vertical com a horizontal. Para afirmar que houve uma mudança clinicamente significativa (na qual a população clínica passou a ser não clínica), os participantes devem estar localizados no quadrante acima das linhas horizontais e à esquerda das linhas verticais.

Com o intuito de verificar se as HS apresentaram um efeito positivo após o programa de Educação Física, foram calculadas as médias pré e pós-intervenção realizadas por meio do SSRS-BR, obtidas pelas avaliações realizadas pelos professores de Sala, de Expressão Corporal e Educação Física.

3 Resultados

A Tabela 1 demonstra as médias das avaliações pré e pós-intervenção de cada um dos participantes, obtidas pelo SSRS BR. As médias pré e pós-intervenção são resultantes dos índices atribuídos pelos Professores de Sala (PS), de Educação Física (EF) e de Expressão Corporal (EC).

Tabela 1
Resultados obtidos pelo SSRS BR correspondentes às habilidades sociais individuais.

Destaca-se que, entre os sete participantes, dois (P3 e P5) obtiveram mudança positiva confiável na classe Responsabilidade. Quanto às habilidades sociais globais, obtida pela média entre as cinco HS específicas, cinco participantes (P3, P4, P5, P6 e P7) apresentaram resultados significantes.

A Figura 1 apresenta as Habilidades Sociais Globais pós-intervenção de cada um dos participantes, de acordo com a avaliação dos professores. Verifica-se que, segundo a média atribuída pelos professores, cinco participantes (P3, P4, P5, P6, P7) obtiveram uma mudança positiva confiável (MPC) após o programa, podendo-se inferir que houve melhora estatisticamente significante nas Habilidades Sociais Globais dos mesmos. Dois dos participantes (P1 e P2) permaneceram na zona de ausência de mudança (AM).

Figura 1
Gráfico referente à avaliação das Habilidades Sociais Globais dos participantes após intervenção.

Ainda na Figura 1 observa-se que os participantes P5, P6 e P7 atingiram o intervalo de Significância Clínica, com destaque para P6, que ainda na avaliação pré-intervenção obteve uma pontuação alta (41) nas Habilidades Sociais Globais.

O gráfico representado na Figura 2 demonstra que todas as classes das Habilidades Sociais obtiveram um aumento após o período de intervenção correspondente ao programa de Educação Física; entretanto, não houve mudança positiva confiável. Pode-se verificar que a classe Autodefesa (77%) foi a que sofreu maior influência, enquanto a Asserção Positiva (16%) foi a menos influenciada. As demais habilidades sociais específicas registraram as seguintes mudanças: Autocontrole (26%); Cooperação (26%); e Responsabilidade (24%).

Figura 2
Gráfico correspondente ao desempenho dos participantes nas classes específicas das Habilidades Sociais.

Os dados obtidos pelo SSRS BR revelam que o programa de Educação Física influenciou aquisição e o aprimoramento das Habilidades Sociais da maioria dos participantes e incidiu de forma estatisticamente significante no escore Global das Habilidades Sociais.

4 Discussão

Os efeitos decorrentes de intervenção em Educação Física junto a pessoas com deficiência intelectual têm demonstrado resultados positivos, sobretudo quanto ao desempenho motor (GORLA; RODRIGUES; PEREIRA, 2002GORLA, J. I.; RODRIGUES, J. L.; PEREIRA, V. R. Avaliação e intervenção na educação física para portadores de deficiência mental. Arquivos do Museu Dinâmico Interdisciplinar, Maringá, v.6, n.1, p.15-19, 2002.). Embora na literatura não tenham sido identificados estudos precedentes abordando a temática "Educação Física e Habilidades Sociais", Mauerberg-de-Castro et al. (2013)MAUERBERG-DE CASTRO, E. et al. Educação física adaptada inclusiva: impacto na aptidão física de pessoas com deficiência intelectual. Revista Ciência em Extensão, São Paulo, v.9, n.1, p.35-61, 2013. ressalta que os programas de Educação Física podem contribuir para o aprimoramento de condutas sociais por pessoas com deficiências intelectuais.

A partir dos dados obtidos por meio do SSRS-BR (avaliação realizada pelos professores), verificou-se evolução nas HS de crianças com DI após o programa de Educação Física. Os resultados deste estudo indicam que as atividades de Educação Física podem ser eficazes para aquisição e aprimoramento das habilidades sociais de crianças com DI. Os dados encontrados corroboram com a noção de que a Educação Física apresenta efeitos positivos sobre as habilidades sociais em pessoas com DI, como os relatados na população em geral e em grupos clinicamente definidos (BLUECHARDT; SHEPHARD, 1995BLUECHARDT, M.H.; SHEPHARD, R.J. Using an extracurricular physical activity program to enhance social skills. Journal of Learning Disabilities, v.28, n.3, p.160-169, 1995.; GOUDAS; MAGOTSIOU, 2009GOUDAS, M.; MAGOTSIOU, E. The effects of a cooperative physical education program on students' social skills. Journal of applied sport Psychology, v.21, n.3, p.356-364, 2009.; VERRET et al., 2012VERRET, C. et al. A physical activity program improves behaviour and cognitive functions in children with ADHD: An exploratory study. Journal of Attention Disorders, v.16, n.1, p.71-80, 2012.).

Os dados oriundos do SSRS BR indicam que a maioria dos participantes alcançou um escore global das HS inferior a 35 na fase pré-intervenção. Algumas pesquisas têm demonstrado que pessoas com DI apresentam um repertório de HS baixo (MATSON et al., 2003MATSON, J.L. et al. A comparison of social and adaptive functioning in persons with psychosis, autism, and severe or profound mental retardation. Journal of Developmental and Physical Disabilities, v.15, n.1, p.57-65, 2003.; SANTOS, 2007SANTOS, A.S.P.G.D. Estudo psicométrico da escala de comportamento adaptativo versão portuguesa (Ecap). 2007. 325f. Tese (Doutorado em Educação Física) - Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal, 2007.; JAPUNDZA-MILISAVLJEVIC; DJURIC-ZDRAVKOVIC; MACESIC-PETROVIC, 2010JAPUNDZA-MILISAVLJEVIC, M.; DJURIC-ZDRAVKOVIC, A.; MACESIC-PETROVIC, D. The socially acceptable behavioural patterns in children with intellectual disabilities. Procedia-Social and Behavioral Sciences, v.5, p.37-40, 2010.; SMITH; MATSON, 2010SMITH, K.R.; MATSON, J.L. Social skills: Differences among adults with intellectual disabilities, co-morbid autism spectrum disorders and epilepsy. Research in developmental disabilities, v.31, n.6, p.1366-1372, 2010.). A literatura tem apontado que o baixo escore nas HS está associado a problemas psicossociais, tais como a depressão, ansiedade, estresse, isolamento social, agressividade, hiperatividade e baixa autoestima (BANDEIRA et al., 2005BANDEIRA, M. et al. Comportamento assertivo e sua relação com ansiedade, locus de controle e auto-estima em estudantes universitários. Estudos de Psicologia, Campinas, v.22, n.2, p.111-121, 2005.; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 2005.; MARTON et al., 2009MARTON, I. et al. Empathy and social perspective taking in children with attention-deficit/hyperactivity disorder. Journal of abnormal child psychology, v.37, n.1, p.107-118, 2009.). Entretanto não foram encontrados estudos que comprovem a associação dos problemas psicossociais em pessoas com DI, apesar de apontarem que este público está mais propenso a tais problemas (CHADWICK; TAYLOR; ABBA, 2005CHADWICK, P.; TAYLOR, K.N.; ABBA, N. Mindfulness groups for people with psychosis. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, v.33, n.3, p.351-359, 2005.; EMERSON; EINFELD; STANCLIFFE, 2010EMERSON, E.; EINFELD, S.; STANCLIFFE, R.J. The mental health of young children with intellectual disabilities or borderline intellectual functioning. Social psychiatry and psychiatric epidemiology, v.45, n.5, p.579-587, 2010.; KLEEFMAN et al., 2014KLEEFMAN, M. et al. The effectiveness of Stepping Stones Triple P parenting support in parents of children with borderline to mild intellectual disability and psychosocial problems: a randomized controlled trial. BMC medicine, v.12, n.191, p.1-10, 2014.).

Rosni-Pinolla, Del Prette e Del Prette (2007)ROSIN-PINOLA, A.R.; DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Habilidades sociais e problemas de comportamento de alunos com deficiência mental, alto e baixo desempenho acadêmico. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.13, n.2, p.239-256, 2007. apontam que as pessoas com DI possuem um escore baixo nos fatores responsabilidade, autocontrole e cooperação com os pares, o que indica necessidade de maior estimulação nesses aspectos. No programa proposto por este estudo, uma combinação de fatores (jogos com invenção de regras; ginástica circense com expressão de sentimentos; diferentes cumprimentos nas lutas; autonomia em expressar-se) além da estrutura organizacional da aula, com momentos bem definidos sugere ter influenciado o contato visual entre os participantes, cumprimento das regras estabelecidas e colaboração com os colegas e professora (FERREIRA, 2014FERREIRA, E.F. Habilidades sociais e deficiência intelectual: influência de um programa de educação física baseado na cultura corporal. 2014. 264f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Departamento de Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.).

Algumas pesquisas têm apontado que as pessoas com DI tendem a evitar o contato visual durante a comunicação, possuem dificuldades em seguir as regras e constantemente interrompem as atividades em que estão inseridos (MATSON et al., 2003MATSON, J.L. et al. A comparison of social and adaptive functioning in persons with psychosis, autism, and severe or profound mental retardation. Journal of Developmental and Physical Disabilities, v.15, n.1, p.57-65, 2003.; SMITH; MATSON, 2010SMITH, K.R.; MATSON, J.L. Social skills: Differences among adults with intellectual disabilities, co-morbid autism spectrum disorders and epilepsy. Research in developmental disabilities, v.31, n.6, p.1366-1372, 2010.). Além disso, esse público pode encontrar dificuldades em estabelecer a comunicação devido a não estruturação das representações simbólicas (GONÇALVES et al., 2006GONÇALVES, V.O. et al. Educação Física adaptada e avaliação: um caminho para o trabalho motor em alunos com deficiência mental. Pensar a Prática, Goiânia, v.7, n.2, p.231-244, 2006.). Essas descobertas apoiam a ideia de que as atividades em grupo com uso de situações de enfrentamento e constante argumentação do professor, típicas das dinâmicas da Educação Física, podem levar à aquisição de comportamentos sociais desejáveis, favorecendo, sobretudo a comunicação.

Ao analisar as classes das HS isoladamente não foram encontradas mudanças positivas, porém destaca-se um aumento nas classes Autodefesa, Autocontrole, Cooperação e Asserção Positiva. Tais evidências podem indicar que as atividades empregadas no programa de Educação Física auxiliaram nessa melhora, uma vez que, os jogos cooperativos apresentam componentes como oferecer auxílio aos colegas, solicitar ajuda e compartilhar materiais. Nos esportes e nas lutas é comum situações de conflito, pressão, além de tomada de decisão em relação ao comportamento injusto, sendo comportamentos associados ao autocontrole e asserção positiva, respectivamente (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2011.). Os conteúdos ginástica e dança favorecem as habilidades no relacionamento interpessoal, estimulando a empatia entre os participantes.

5 Conclusões

Com base nos resultados obtidos pelo SSRS-BR, foi possível verificar que, após o programa de Educação Física com base na cultura corporal de movimento, os participantes obtiveram um aumento nas Habilidades Sociais. A maioria dos participantes atingiu uma mudança positiva confiável no escore global das Habilidades Sociais.

Além disso, todas as classes de Habilidades Sociais avaliadas obtiveram um percentual de melhora e incidiram de forma estatisticamente significante no escore Global das Habilidades Sociais. Assim, o programa de Educação Física pode proporcionar ganhos para as crianças com DI, principalmente nas categorias responsabilidade, asserção positiva e autocontrole.

Como sugestão para estudos futuros, recomenda-se a avaliação das habilidades sociais com base em outras escalas construídas para essa finalidade. Ressalta-se a importância de analisar o efeito de programas baseados em outras abordagens de ensino da Educação Física, ou ainda junto a populações com outros tipos de necessidades especiais. Assim, espera-se reforçar o papel da Educação Física na aquisição e aprimoramento de habilidades sociais junto a populações com diferentes características e em contextos diversificados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2016
  • Aceito
    02 Fev 2017
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