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Efeitos da Pandemia de Covid-19 na Educação de Indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo

Effects of the Covid-19 Pandemic on the Education of Individuals with Autism Spectrum Disorder

RESUMO:

Este trabalho teve por objetivo descrever os efeitos da pandemia de covid-19 para indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) no contexto educacional, em publicações de livre acesso da literatura científica nacional e internacional. Como método, foi feito o levantamento sistemático no Portal de Periódicos da Capes, entre janeiro de 2020 e julho de 2021, em que os critérios de inclusão dos estudos eram a sua disponibilidade na íntegra nas bases de dados e serem estudos com entrevistas com pais/responsáveis de crianças com diagnóstico de TEA ou entrevistas com docentes ou coordenadores de escolas em que havia crianças com diagnóstico de TEA inclusas. Para análise, sete artigos foram selecionados. Como resultados, foi possível observar as dificuldades com relação à educação, vivenciadas pelas famílias durante o período de isolamento. Eles também indicam que, quanto aos serviços de educação remota das crianças com TEA, existe a necessidade da atenção às especificidades desses alunos.

PALAVRAS-CHAVE:
Autismo; Educação Inclusiva; Isolamento social

ABSTRACT:

This work aimed to describe the effects of the COVID-19 pandemic for individuals with Autism Spectrum Disorder (ASD) in the educational context, in free access publications in the national and international scientific literature. As a method, a systematic survey was carried out in the CAPES Periodical Portal, between January 2020 and July 2021, in which the inclusion criteria for the studies were their full availability in the database and because they were studies with interviews with parents/ guardians of children diagnosed with ASD or interviews with teachers or coordinators of schools that had children diagnosed with ASD included. Seven articles were selected for analysis. As a result, it was possible to observe the difficulties in relation to education, experienced by families during the isolation period. They also indicate that, about remote education services for children with ASD, there is a need to pay attention to the specificities of these students.

KEYWORDS:
Autism; Inclusive education; Social isolation

1 Introdução

Gradativamente, a partir do final de 2019, conforme relatam Newbutt et al. (2020)Newbutt, N., Schmidt, M. M., Riva, G., & Schmidt, C. (2020). The possibility and importance of immersive technologies during COVID-19 for autistic people. Journal of Enabling Technologies, 3(14), 187-199. https://doi.org/10.1108/JET-07-2020-0028
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, o vírus de covid-19 disseminou-se rapidamente, levando a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar que o mundo estava em uma pandemia, e a maior parte dos países teve aumentos drásticos de casos no início do ano de 2020.

Durante o período de isolamento e da implementação de regras de distanciamento social, como forma de contenção da disseminação do vírus, ocorreu o fechamento de prédios públicos, escolas, lojas e outros locais de reunião social, transformando o modo de vida das pessoas de forma radical, impactando-as de várias maneiras (Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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; Newbutt et al., 2020Newbutt, N., Schmidt, M. M., Riva, G., & Schmidt, C. (2020). The possibility and importance of immersive technologies during COVID-19 for autistic people. Journal of Enabling Technologies, 3(14), 187-199. https://doi.org/10.1108/JET-07-2020-0028
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). Como exemplo dos efeitos negativos do isolamento social na saúde mental da população em geral, incluem-se sintomas de estresse pós-traumático, confusão, raiva, frustração, tédio e perda financeira (Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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).

Em abril de 2020, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) declarou que 2,34 bilhões de pessoas com menos de 18 anos viviam em um dos 186 países com restrições de movimento devido à covid-19 (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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). Nesse novo contexto, os autores lembram que, para crianças com deficiência ou com transtorno do desenvolvimento, incluindo aquelas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o período de isolamento tem afetado social, econômica, psicológica e educacionalmente. Entretanto, as implicações psicológicas, especialmente para crianças com TEA, ainda não foram bem compreendidas (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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; Corell-Almuzara et al., 2021Corell-Almuzara, A., López-Belmonte, J., Marín-Marín, J. A., & Moreno-Guerrero, A. J. (2021). COVID-19 in the Field of Education: State of the Art. Sustainability, 13(10), 1-17. https://doi.org/10.3390/su13105452
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).

As pessoas com TEA, de acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) (Associação Americana de Psiquiatria [APA], 2014Associação Americana de Psiquiatria. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Artmed.), são diagnosticadas por apresentarem déficits persistentes em comunicação e interação social e pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, em múltiplos contextos, manifestados atualmente ou por história prévia. Esses déficits estão presentes desde o início da infância, limitando ou prejudicando o funcionamento diário; entretanto, o prejuízo funcional irá variar de acordo com características do indivíduo e seu ambiente físico e social (APA, 2014Associação Americana de Psiquiatria. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Artmed.).

Uma parte significativa das crianças com TEA experimenta dificuldades em quase todos os aspectos do seu desenvolvimento, como aquelas relacionadas à mudança nas rotinas diárias e à adaptação em novos ambientes e novas situações (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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). Para Canning e Robinson (2021)Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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, as rotinas regulares são utilizadas pelas famílias para organizar e proporcionar estabilidade na vida cotidiana dessas crianças. A crise causada pela pandemia de covid-19 produziu mudanças repentinas nas rotinas dessas crianças e, consequentemente, de suas famílias, como o fechamento das escolas e o isolamento social.

Latzer et al. (2021)Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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ponderam que existe uma escassa literatura sobre como crianças com TEA e suas famílias lidam com crises. Para esses autores, a literatura existente discute, no contexto de crises, o impacto que os desastres têm sobre essas crianças, sugerindo a necessidade de melhoria das habilidades adaptativas após uma intervenção pós-desastre. Vale lembrar que indivíduos com TEA são especialmente vulneráveis às condições de isolamento prolongado, devido à dificuldade de se adaptarem a novas rotinas e receberem tratamento médico para suas comorbidades, afetando negativamente seu progresso, além de graves consequências para a saúde física e mental (Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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).

No mesmo sentido, Pellicano e Stears (2020)Pellicano, E., & Stears, M. (2020). The hidden inequalities of COVID-19. Autism, 24(6), 1309-1310. https://doi.org/10.1177/1362361320927590
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listam as principais dificuldades que as pessoas com TEA têm vivenciado durante a pandemia:

  • violência doméstica – a incidência de violência doméstica disparou em famílias confinadas, mas muito pouco se sabe sobre o abuso que as pessoas com TEA enfrentam atualmente; a quantidade de pessoas com TEA que são vítimas de violência é elevada, mesmo em tempos mais comuns, o que as coloca em risco elevado durante o período de restrições sociais;

  • saúde mental – existe uma preocupação de que a pandemia possa ter um efeito desproporcional na saúde mental de pessoas com TEA; há motivos para acreditar que, embora algumas pessoas desse público tenham recebido serviços por meio de vídeo ou por telefone, muitos também podem não ter recebido qualquer tipo de apoio;

  • fechamento de escolas – há relatos que sugerem que de 30% a 75% das crianças vulneráveis não recebem educação formal em países desenvolvidos, resultado do fechamento de escolas, e esse número pode ser ainda maior quando se trata do Público-Alvo da Educação Especial (PAEE);

  • desigualdades econômicas – também existem desigualdades econômicas provocadas pela covid-19, visto que as perspectivas de emprego de pessoas com TEA eram baixas antes da pandemia, e, atualmente, é razoável supor que algumas dessas pessoas possuem dificuldade em melhorar sua posição nos sistemas de proteção social que muitos governos criaram para amenizar essa perda econômica.

Quando a pandemia se espalhou pelo mundo inteiro, ocorreu, em grande parte dos países, o desligamento total das redes de ensino, e nenhum tipo de serviço presencial foi oferecido, o que significou a perda de uma rede de apoio composta de professores, assistentes sociais e profissionais de saúde, afetando todas as crianças em geral, porém, mais drasticamente, aquelas com TEA (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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).

Algumas dessas crianças e adolescentes passaram a receber a educação e outros serviços, como terapias e atendimentos individualizados, por meio de tecnologias de vídeo em suas casas, compondo um método alternativo de aprendizagem e suporte (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Pellicano & Stears, 2020Pellicano, E., & Stears, M. (2020). The hidden inequalities of COVID-19. Autism, 24(6), 1309-1310. https://doi.org/10.1177/1362361320927590
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). Apesar de a tecnologia trazer vantagens relacionadas à natureza e à forma de educação, ela traz desafios significativos de como ser implantada, monitorada e gerenciada (Newbutt et al., 2020Newbutt, N., Schmidt, M. M., Riva, G., & Schmidt, C. (2020). The possibility and importance of immersive technologies during COVID-19 for autistic people. Journal of Enabling Technologies, 3(14), 187-199. https://doi.org/10.1108/JET-07-2020-0028
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).

Para Corell-Almuzara et al. (2021)Corell-Almuzara, A., López-Belmonte, J., Marín-Marín, J. A., & Moreno-Guerrero, A. J. (2021). COVID-19 in the Field of Education: State of the Art. Sustainability, 13(10), 1-17. https://doi.org/10.3390/su13105452
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, mesmo com o avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), a situação pandêmica tem colocado em evidência a ausência de conhecimento sobre o uso de recursos digitais e plataformas educacionais a que a sociedade contemporânea tem acesso. A falta de conhecimento na área tecnológica pode ser a causa da escassez de competências em matéria digital demonstrada por professores e alunos, culminando na dificuldade de transformar os cenários educacionais presenciais para o formato digital. Para os autores, muitos alunos apresentavam limitações na residência familiar, uma vez que alguns não têm os meios tecnológicos necessários para trabalhar com desempenho máximo, ou o nível desejável de conexão à internet. Se, por um lado, os benefícios da tecnologia são evidentes; por outro, ela acabou destacando a exclusão digital (Corell-Almuzara et al., 2021Corell-Almuzara, A., López-Belmonte, J., Marín-Marín, J. A., & Moreno-Guerrero, A. J. (2021). COVID-19 in the Field of Education: State of the Art. Sustainability, 13(10), 1-17. https://doi.org/10.3390/su13105452
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).

O surto de covid-19 de 2020 exacerbou a necessidade de serviços e recursos já limitados em países em desenvolvimento, como o Irã, a China e a Indonésia, deixando os pais desesperados por treinamento e educação para intervenção, além de explicitar o despreparo de escolas e pais (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Jeste et al., 2020Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
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; Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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). Países desenvolvidos, por sua vez, como a Inglaterra, também tiveram grandes dificuldades (Crane et al., 2020Crane, L., Adu, F. , Arocas, F. , Carli, R., Eccles, S., Harris, S., Jardine, J., Phillips, C., Piper, S., Santi, L., Sartin, M., Shepherd, C., Sternstein, K., Taylor, G., & Wright, A. (2020). Vulnerable and forgotten: The impact of the COVID-19 pandemic on autism special schools in England. Frontiers in Education, 6, 1-6. https://doi.org/10.31219/osf.io/nmhrp
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). Esse dado encontrado nos estudos citados demonstra que, com a situação pandêmica, situações adversas as quais fogem da rotina educacional causam dificuldades na reorganização dos serviços educacionais mesmo em países mais desenvolvidos.

Neece et al. (2020)Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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dizem que, com o fechamento dos serviços educacionais, um fardo adicional foi colocado sobre os pais das crianças com TEA, que passaram a servir como professores a seus filhos, enquanto lidavam com as demandas de emprego, tarefas domésticas e outras responsabilidades. Segundo os autores, os pais que trabalham (tanto presencialmente como de forma remota) têm relatado uma pressão incrível em seu tempo, recursos e capacidade de gerenciar as necessidades do dia a dia de cuidar da família e do ensino doméstico. Além disso, os efeitos psicológicos da quarentena na população em geral incluem sintomas de estresse pós-traumático, confusão, raiva, frustração, tédio, perda financeira e estigma.

Os resultados encontrados por Orgilés et al. (2020)Orgilés, M., Morales, A., Delvecchio, E., Mazzeschi, C., & Espada, J. P. (2020). Immediate psychological effects of the COVID-19 quarantine in youth from Italy and Spain. Frontiers in Psychology, 11, 1-10. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.579038
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, em uma amostra de 1.143 pais espanhóis e italianos de crianças com desenvolvimento típico entre 3 e 18 anos de idade, sugerem efeitos negativos da quarentena sobre os jovens. Do total de pais, 85,7% relataram mudanças no estado emocional de seus filhos durante o fechamento das escolas, e os sintomas mais comuns relatados foram dificuldade de concentração, tédio, irritabilidade, inquietação e nervosismo.

Eshraghi et al. (2020)Eshraghi, A. A., Li, C., Alessandri, M., Messinger, D. S., Eshraghi, R. S., Mittal, R., & Armstrong, F. D. (2020). COVID-19: overcoming the challenges faced by individuals with autism and their families. The Lancet Psychiatry, 7(6), 481-483. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30197-8
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identificaram que pais e mães que criam filhos com transtorno de desenvolvimento, incluindo o TEA, tiveram de, durante a quarentena, servir como professores, educadores especiais, treinadores de habilidades sociais, fonoaudiólogos ou terapeutas comportamentais de seus filhos, às vezes com pouco apoio profissional, levando-os à sobrecarga de atividades e esgotamento.

Crianças com TEA, de inteligência próxima ou acima da média, frequentemente rotuladas como tendo “autismo de alto funcionamento”, também foram significativamente afetadas, porém, para Reicher (2020)Reicher, D. (2020). Debate: Remote learning during COVID‐19 for children with high functioning autism spectrum disorder. Child and Adolescent Mental Health, 25(4), 263-264. https://doi.org/10.1111/camh.12425
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, elas tiveram um bom desempenho durante o aprendizado remoto. A autora chegou a essas conclusões a partir de relatos de crianças com autismo de alto funcionamento colecionados durante seis meses, ainda na situação pandêmica. Para a autora, a questão é como apoiar a saúde mental dessas crianças enquanto as expõe ao “currículo oculto” de que precisarão para navegar na vida além dos anos escolares. Ainda para a autora, os modelos híbridos são promissores, pois promovem tanto o aprendizado descontraído em casa quanto a exposição às demandas sociais mais amplas na escola, uma vez que o distanciamento social necessário para o aprendizado presencial pode inadvertidamente ajudar essas crianças, pois as regras sociais serão concretas e específicas e, portanto, mais facilmente compreendidas (Reicher, 2020Reicher, D. (2020). Debate: Remote learning during COVID‐19 for children with high functioning autism spectrum disorder. Child and Adolescent Mental Health, 25(4), 263-264. https://doi.org/10.1111/camh.12425
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).

No entanto, para Alsubaie (2015)Alsubaie, M. A. (2015). Hidden curriculum as one of current issue of curriculum. Journal of Education and practice, 6(33), 125-128. http://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1083566.pdf
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, embora essas crianças possam se destacar no currículo formal e acadêmico, a maioria luta contra o chamado “currículo oculto”, que se refere aos valores, comportamentos, procedimentos e normas implícitas em ambientes educacionais, o que faz que tais crianças, quando há escolha, prefiram o ensino via computador. Além disso, as regras sociais sutis que compõem o “currículo oculto”, ao contrário das acadêmicas, não podem ser ensinadas diretamente, sendo normalmente negligenciadas nas salas de aula regulares, e isso é um desafio para crianças com TEA, pelas intensas demandas de sociabilidade e flexibilidade exigidas na maioria dos ambientes de escola pública (Reicher, 2020Reicher, D. (2020). Debate: Remote learning during COVID‐19 for children with high functioning autism spectrum disorder. Child and Adolescent Mental Health, 25(4), 263-264. https://doi.org/10.1111/camh.12425
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).

Por fim, Corell-Almuzara et al. (2021)Corell-Almuzara, A., López-Belmonte, J., Marín-Marín, J. A., & Moreno-Guerrero, A. J. (2021). COVID-19 in the Field of Education: State of the Art. Sustainability, 13(10), 1-17. https://doi.org/10.3390/su13105452
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analisaram o impacto da pandemia de covid-19 na educação, usando o banco de dados Web of Science. Foi utilizado o método baseado em bibliometria para fazer um mapeamento da literatura. Os autores encontraram que os temas motores nas publicações selecionadas de 2020 foram saúde mental, química orgânica e graduação em Ensino Superior, enquanto os de 2021 foram TEA, adoção, internet e intervenção. Pode-se concluir que a investigação sobre covid-19 na área educacional está na fase preliminar. A pesquisa está atualmente orientada principalmente para métodos pedagógicos, ensino a distância e aprendizagem colaborativa, embora não sejam as únicas tendências nesse campo. Os autores sugerem como tendência para o futuro que a pesquisa sobre covid-19 seja direcionada para a aplicação de métodos pedagógicos eficazes para ensinar alunos em vários estágios educacionais.

A pesquisa que aqui se apresentará teve como objetivo identificar os efeitos da pandemia de covid-19 na educação de indivíduos com TEA do ponto de vista de seus cuidadores ou professores, a partir da análise em publicações de livre acesso da literatura científica nacional e internacional.

2 Método

Trata-se de uma revisão sistemática de literatura baseada em trabalhos nacionais e internacionais, em bases de dados de livre acesso (Costa & Zoltowski, 2014Costa, A. B., & Zoltowski, A. P. C. (2014). Como escrever um artigo de revisão sistemática. In S. H. Koller, M. C. P. P. Couto, & J. V. Hohendorff (Eds.), Manual de produção científica (1ª ed., pp. 55-71). Penso Editora.). O trabalho foi conduzido pelo método Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis – Prisma (Liberati et al., 2009Liberati, A., Altman, D. G., Tetzlaff, J., Mulrow, C., Gøtzsche, P. C., Ioannidis, J. P. A., Clarke, M., Devereaux, P. J., Kleijnen, J., & Moher, D. (2009). The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate health care interventions: explanation and elaboration. Journal of Clinical Epidemiology, 62(10), e1-e34. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000100
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).

Foram buscados artigos publicados de 1 de janeiro de 2020 a 1 de julho de 2021, período em que as medidas restritivas, como o distanciamento social, em virtude da pandemia de Covid-19, estavam ocorrendo. A busca foi realizada em única fase no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A escolha da realização de busca nessa plataforma se deve ao fato de nela estarem as bases de dados com artigos disponíveis para download. Os critérios de inclusão dos estudos eram a sua disponibilidade na íntegra nas bases de dados e serem estudos com entrevistas com pais ou responsáveis de crianças com diagnóstico de TEA ou entrevistas com docentes e/ou coordenadores de escolas em que havia crianças com diagnóstico de TEA matriculadas. Foram excluídos artigos não revisados por pares, conceituais, de revisão e os de cunho estatístico.

Os descritores utilizados na busca foram: Autis* and Covid and Education, combinados. O uso da busca booleana com a expressão Autis* representa a busca de todas as palavras iniciadas com o prefixo “autis”, como autista, autismo etc. Em virtude do período de realização do estudo (ano 2021), os dicionários especializados – alimentados pela frequência de citação das palavras em pesquisas – ainda não possuíam descritores que atendessem ao objetivo deste estudo, portanto a escolha dos descritores se deu a partir do objetivo proposto para este estudo.

Acessando o Portal de Periódicos da Capes com os descritores definidos, a busca retornou 29 referências. Em seguida, aplicando o filtro de artigos revisados por pares, foram eliminados dois textos. Também foi descartada uma resenha, restando 26 artigos. O próximo passo foi a leitura dos resumos, e 17 artigos foram eliminados por não atenderem à temática pesquisada, restando nove para leitura na íntegra. Por fim, após a leitura na íntegra dos artigos, dois foram eliminados por não se encaixarem no tema proposto, restando sete artigos para análise. A Figura 1 apresenta esse caminho.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos documentos, segundo a recomendação Prisma

Para análise dos dados, foram produzidas categorias sobre características e conteúdos presentes nos estudos e exploradas suas similaridades e diferenças, utilizando descrição e síntese (Hohendorff, 2014Hohendorff, J. V. (2014). Como escrever um artigo de revisão de literatura. In S. H. Koller, M. C. P. P. Couto, & J. V. Hohendorff (Eds.), Manual de produção científica (1ª ed., pp. 39-54). Penso Editora.). Dessa forma, os resultados são apresentados e discutidos a partir de duas categorias: entrevista e programas de treinamento.

3 Resultados e discussão

As sete pesquisas selecionadas e analisadas eram dos seguintes países: Israel (Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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), Irã (Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
https://doi.org/10.3390/brainsci10110892...
), Indonésia (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.1039...
), China (McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.1038...
), Reino Unido (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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) e Estados Unidos da América – EUA (Jeste et al., 2020Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
https://doi.org/10.1111/jir.12776...
; Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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).

Em todos os estudos, o contato dos pesquisadores com os participantes foi remoto, variando entre conversa por chamada telefônica, mensagem escrita por e-mail e redes sociais privadas e chamadas de vídeo. Das sete pesquisas, quatro investigaram a percepção das famílias com relação ao desenvolvimento e à vivência dos filhos durante o período de isolamento social (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
https://doi.org/10.1080/08856257.2021.18...
; Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.1039...
; Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
https://doi.org/10.1177/1362361320984317...
; Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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); duas investigaram os efeitos de serviços de apoio no formato de curso, oferecido com o objetivo de capacitar os participantes no cuidado e na manutenção da educação dos filhos com TEA (McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.1038...
; Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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); e uma investigou as mudanças que ocorreram nos serviços de atendimentos educacional e clínico (Jeste et al., 2020Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
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) para indivíduos com TEA. O Quadro 1 apresenta uma visão geral dos artigos selecionados.

Quadro 1
Pesquisas analisadas

Embora as pesquisas tenham utilizado termos distintos para designar seus participantes – como família, pais, mães, cuidadores e coordenadores –, os principais participantes foram pessoas de famílias que tinham pelo menos um membro com TEA. Apenas uma pesquisa foi específica na exigência de mães, pois buscava entender a condição materna no contexto de atividades escolares em casa durante a pandemia (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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), e uma pesquisa envolveu coordenadores de creches (Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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).

3.1 Entrevistas

Neece et al. (2020)Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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entrevistaram 77 pais de crianças com idade entre três e cinco anos, com o objetivo de investigar as perspectivas dos pais sobre o impacto da covid-19 em crianças com atraso de desenvolvimento ou TEA em uma amostra de famílias predominantemente hispânicas que vivem nos EUA, mais especificamente na Califórnia e em Oregon. Os relatos indicaram desafios em conciliar a educação dos filhos e o trabalho, uma vez que os pais precisaram assumir os papéis dos profissionais responsáveis pelos serviços presenciais suspensos. Os participantes também expressaram preocupação com respeito aos impactos de longo prazo, caso a pandemia continuasse causando perda dos serviços e de oportunidades de convivência social.

Para compreender as experiências básicas de pais de crianças com autismo durante essa perturbação significativa da vida, Latzer et al. (2021)Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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realizaram entrevistas telefônicas semiestruturadas com 31 pais de crianças com TEA que viviam em Israel. Para esses pais, a suspensão dos serviços educacionais presenciais gerou insegurança com relação à adequação do ambiente doméstico, uma vez que o espaço físico era limitado. Quebra de rotina, qualidade da alimentação e sono também foram indicados como desafios para a continuidade do desenvolvimento infantil, uma vez que os pais observaram um aumento significativo em comportamentos inadequados, como se alimentar com maior frequência e de forma desequilibrada, alterações na quantidade e qualidade do sono, aumento de estereotipias e diminuição de foco durante as atividades.

Canning e Robinson (2021)Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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tiveram o objetivo de examinar as experiências de oito famílias da área sudeste do Reino Unido com crianças com necessidades educacionais especiais e deficiências, com foco no autismo, durante um período de nove semanas de “bloqueio” devido à covid-19, no ano de 2020. As famílias relataram que sentiram o espaço doméstico invadido por expectativas externas, gerando ansiedade no que tange a possíveis julgamentos de professores e colegas sobre a estrutura do lar, seja essa estrutura física ou emocional. Essas famílias destacaram que seus filhos ficavam diante de telas por muito tempo, apresentavam dificuldade de manter o foco nas atividades, fatos que geraram sobrecarga para conciliar trabalho e apoio educacional aos filhos.

Daulay (2021)Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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realizou entrevistas online para explorar as experiências e os esforços de cinco mães na implementação da educação domiciliar para seus filhos com TEA durante a pandemia de covid-19 na Indonésia. Os relatos apontaram para a dificuldade da implementação educacional domiciliar frente ao aumento de comportamentos inadequados apresentados pelas crianças com TEA durante o isolamento. Ainda pontuaram o peso da maternidade na cultura indonésia, pois a mãe é responsável pela harmonia do lar, e quaisquer problemas que ocorrem em casa são atribuídos a elas.

Em suma, a partir dos dados obtidos nos estudos, algumas dificuldades foram recorrentes, como receio de não conseguir atender com qualidade à demanda educacional de seus filhos, problemas de comportamento em virtude de mudanças da rotina, sobrecarga entre o dever de trabalhar em casa e atender às necessidades educacionais de seus filhos e preocupação com um espaço adequado para os estudos (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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; Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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; Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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). Essas dificuldades também são elencadas por Pellicano e Stears (2020)Pellicano, E., & Stears, M. (2020). The hidden inequalities of COVID-19. Autism, 24(6), 1309-1310. https://doi.org/10.1177/1362361320927590
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e Crane et al. (2020)Crane, L., Adu, F. , Arocas, F. , Carli, R., Eccles, S., Harris, S., Jardine, J., Phillips, C., Piper, S., Santi, L., Sartin, M., Shepherd, C., Sternstein, K., Taylor, G., & Wright, A. (2020). Vulnerable and forgotten: The impact of the COVID-19 pandemic on autism special schools in England. Frontiers in Education, 6, 1-6. https://doi.org/10.31219/osf.io/nmhrp
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, que sugerem que o fechamento das escolas teve grande impacto no recebimento de educação formal em diversos países, especialmente com crianças com TEA.

Considerando diferenças culturais, algumas preocupações específicas foram relatadas. Na pesquisa realizada com mães da Indonésia, por Daulay (2021)Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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, surgiram preocupações relacionadas ao fato de ser mãe nessa sociedade, pois as mulheres são cobradas pelo andamento perfeito do lar e da família, ficando o marido responsável apenas pelos recursos financeiros. Esse estudo, que tinha como objetivo explorar as experiências e as limitações dos pais na implementação da educação em casa, ao mesmo tempo que explorava as estratégias de enfrentamento usadas pelas mães indonésias, também visava fornecer novas informações relacionadas aos esforços realizados em relação à implementação da educação domiciliar por essas mães durante a pandemia de covid-19. As mães relataram que são culpabilizadas pela família quando o desenvolvimento dos filhos fica prejudicado, o que gera angústia e ansiedade para conseguir manter a qualidade do desenvolvimento em tempos de isolamento social. Outra característica apontada, mas essa como vantagem, foi o apego religioso. Essas mães relataram que a fé e os momentos de meditação e oração trazem conforto e paciência para enfrentarem essa nova rotina. Os resultados de Daulay (2021)Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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, cujo impacto foi muito intenso, corroboram, de certa forma, os achados de Eshraghi et al. (2020)Eshraghi, A. A., Li, C., Alessandri, M., Messinger, D. S., Eshraghi, R. S., Mittal, R., & Armstrong, F. D. (2020). COVID-19: overcoming the challenges faced by individuals with autism and their families. The Lancet Psychiatry, 7(6), 481-483. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30197-8
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, que também relatam sobrecarga de atividades e esgotamento dos pais.

A pesquisa realizada por Canning e Robinson (2021)Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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com famílias do Reino Unido, para além dos fatores comuns de dificuldade, relataram receio de ter o ambiente doméstico e a privacidade invadidos pelos momentos de aula síncrona. Pontuaram o desconforto de professores e colegas visualizarem como é o interior da casa, possivelmente gerando julgamentos sobre o ambiente físico e formas de convívio social familiar. Essa preocupação não apareceu nas demais pesquisas selecionadas. Também foi a única amostra que relatou desconforto em partilhar recursos tecnológicos com os filhos, enfatizando que os filhos ficavam muito tempo com os recursos, além do problema de sobrecarga de aplicativos salvos nos equipamentos.

No tocante às estratégias de enfrentamento durante esse período pandêmico, Neece et al. (2020)Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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obtiveram resultados que demonstraram a valorização da vida em família e de suas relações. Familiares responderam que era essencial a reorganização da rotina com o objetivo de passarem mais tempo em atividades que envolvessem toda a família. Também pontuaram o cuidado com a qualidade da alimentação e o tempo de sono, além dos relatos de hábitos de meditação e oração. Essas famílias, similarmente às mães da Indonésia (Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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), informaram que a fé auxiliou no equilíbrio emocional nos momentos de reorganização da rotina e de enfrentamento de crises dos filhos.

Daulay (2021)Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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destaca que as famílias orientais buscam soluções coletivas e que isso concede condições melhores para o enfrentamento de crises em comparação com as famílias ocidentais. Entretanto, as famílias da Califórnia e Oregon, ocidentais de origem latina, relataram estratégias parecidas em sua forma e resultado (Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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). Portanto, com base nos dados das pesquisas selecionadas (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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; Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Jeste et al., 2020Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
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; Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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; McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.1038...
; Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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; Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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), pode-se inferir que, mesmo a cultura não provocando diferenças significativas na percepção das dificuldades do isolamento social, a forma de enfrentamento pode variar.

3.2 Programas de treinamento

Passando às pesquisas que investigaram a oferta de cursos com o objetivo de capacitar essas famílias no cuidado e na manutenção da educação dos filhos com TEA (McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
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; Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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), os resultados sobre a efetividade desses cursos propostos e observados foram similares. A conclusão de ambos os estudos foi de benefícios tanto na forma de conduzir as atividades com os filhos como na redução da ansiedade gerada pelo medo das famílias de não estarem capacitadas para acompanhá-los nas atividades.

Na pesquisa realizada no Irã (Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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), foram envolvidos 30 coordenadores e 336 pais de crianças com diagnóstico de TEA. Foi avaliado o serviço de teleprática disponibilizado para as famílias. O termo teleprática foi definido como a aplicação da tecnologia de telecomunicações para fornecer serviços profissionais a distância, e o provedor de serviços era avaliado por um cliente ou um supervisor de provedores de serviços. Esse serviço foi utilizado para orientar pais sobre os objetivos da aprendizagem planejada para as crianças, utilizando informações visuais e escritas e sessões de videochamada síncronas. Foram criados grupos online com supervisor e equipe da creche para atendimento.

Embora houvesse a necessidade de as famílias usarem smartphone e internet, nenhuma dificuldade com relação a essas exigências foi registrada pelos pesquisadores. A dificuldade apontada na pesquisa, anterior à implementação do serviço, foi a falta de conhecimento da família sobre TEA e de envolvimento dos pais. Os relatos familiares sobre o uso do serviço foram positivos, indicando sua eficácia. Os pesquisadores concluíram que, além de a teleprática produzir bons resultados em situações de isolamento social, seria indicado seu uso em conjunto com os serviços da creche para incentivar maior participação das famílias.

Na China, McDevitt (2021)McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
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fez o treinamento de 294 pais de crianças com TEA, utilizando o programa Parent Education and Training (PET) para criar um ambiente virtual de aprendizagem. Esse programa foi criado a partir da adaptação do programa Training of Trainers (TOT), que planejava o ensino em forma de cascata. Foram utilizadas sessões de treinamento virtual interativo, sendo fornecidos feedbacks constantes aos pais sobre sua atuação em casa. Também foi incentivada a criação de grupos de pais, com a função de rede de apoio. Os pesquisadores atuaram com participantes chineses que estavam na China e nos EUA, observando uma diferença cultural acerca do conhecimento sobre o autismo. Os pais que estavam na China demonstraram o objetivo de alcançar a cura do autismo com a educação, enquanto os pais dos EUA estavam cientes de não haver cura. Os resultados demonstraram que a formação virtual trouxe benefícios a muitos pais, uma vez que esse atendimento chegou até lugares mais remotos, inclusive rurais, atendendo famílias que não tinham acesso à informação. Nessa pesquisa também não foram relatadas dificuldades com relação ao uso da tecnologia.

As duas últimas pesquisas citadas (McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
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; Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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) demonstraram que a formação da família durante o isolamento social trouxe diminuição da ansiedade que ocorria em função de não saberem como educar os filhos nesse período. Entretanto, como já foi mencionado, não houve registro de dificuldades de acesso à tecnologia, fato que permitiu a implementação e a realização das formações, demonstrando a necessidade de investimento em tecnologia como serviço para a população.

A última pesquisa selecionada, realizada por Jeste et al. (2020)Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
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, registrou como participantes 1.106 cuidadores (pais, mães e responsáveis); no entanto, o estudo traz nos resultados 818 respostas, das quais 669 são de participantes dos EUA e 149 de participantes de fora do país. Dos respondentes, 56% afirmaram ter recebido pelo menos alguns serviços por meio de teleducação. De modo geral, os participantes registraram insatisfação com relação aos serviços educacionais e pontuaram que nem sempre os serviços consideram as especificidades dessas crianças, de forma a não atender à continuidade do desenvolvimento educacional. Ainda disseram que a fragilidade e/ ou a perda dos serviços ofertados geraram sobrecarga de suas obrigações. As sugestões foram para que os serviços ampliassem suas parcerias e ofertas, visando a melhoria do planejamento e eficácia.

O período de isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 afetou de maneira similar todas as regiões investigadas nas pesquisas analisadas, seja nos relatos das pesquisas que investigaram a opinião dos familiares (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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; Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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; Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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), seja nas que implementaram cursos para familiares (McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
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; Samadi et al., 2020Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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), seja na pesquisa que avaliou os serviços remotos educacionais e clínicos (Jeste et al., 2020Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
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).

As preocupações levam a supor que há uma necessidade de políticas públicas que atendam às demandas geradas pela condição extraordinária. O exemplo da China (McDevitt, 2021McDevitt, S. E. (2021). While quarantined: An online parent education and training model for families of children with autism in China. Research in Developmental Disabilities, 109, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2020.103851
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) de criar um curso de capacitação de familiares de maneira remota e na forma de cascata, na qual quem aprende ensina mais pessoas, pode ser uma alternativa explorada por outros países, pensando na disseminação dinâmica do conhecimento a um número maior de beneficiados.

Ainda, para Samadi et al. (2020)Samadi, S. A., Bakhshalizadeh-Moradi, S., Khandani, F. , Foladgar, M., Pousaid-Mohammad, M, & McConkey, R. (2020). Using hybrid telepractice for supporting parents of children with ASD during the COVID-19 lockdown: A feasibility study in Iran. Brain Sciences, 10(11), 1-14. https://doi.org/10.3390/brainsci10110892
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, programas que promovem o conhecimento dos familiares a respeito das características do TEA, da relevância da educação e da forma que ela deve ocorrer deveriam ser explorados mesmo fora do contexto pandêmico, pois poderiam promover maior participação e apoio familiar. Considerar programas que mantivessem contatos mais estreitos com familiares, compreendendo suas demandas, poderia evitar a criação de serviços pouco flexíveis e que não contemplem as especificidades dos alunos, conforme relatado pelos familiares na pesquisa realizada por Jeste et al. (2020)Jeste, S., Hyde, C., Distefano, C., Halladay, A., Ray, S., Porath, M., Wilson, R. B., & Thurm, A. (2020). Changes in access to educational and healthcare services for individuals with intellectual and developmental disabilities during COVID‐19 restrictions. Journal of Intellectual Disability Research, 64(11), 825-833. https://doi.org/10.1111/jir.12776
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.

Entretanto, para que fosse possível desenvolver no Brasil um programa semelhante aos descritos, haveria a necessidade de investimento, não apenas em formação de recursos humanos, como também em fornecimento de recursos tecnológicos. Essa consideração ampara-se nos números do país, que não são favoráveis, uma vez que 4,5 milhões de brasileiros não têm acesso à internet banda larga, dos quais 38% não têm conexão e 58% não têm sequer computadores (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior [Andes-SN], 2020Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. (2020). Projeto do capital para a educação, volume 4: O ensino remoto e o desmonte do trabalho docente. Andes-SN. https://issuu.com/andessn/docs/cartilha_ensino_remoto-
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).

Outras questões apontadas pelos familiares, como preocupação com recursos financeiros e insegurança em como organizar adequadamente o espaço domiciliar (Canning & Robinson, 2021Canning, N., & Robinson, B. (2021). Blurring boundaries: the invasion of home as a safe space for families and children with SEND during COVID-19 lockdown in England. European Journal of Special Needs Education, 36(1), 65-79. https://doi.org/10.1080/08856257.2021.1872846
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; Daulay, 2021Daulay, N. (2021). Home education for children with autism spectrum disorder during the COVID-19 pandemic: Indonesian mothers experience. Research in Developmental Disabilities, 114, 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2021.103954
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; Latzer et al., 2021Latzer, I. T., Leitner, Y., & Karnieli-Miller, O. (2021). Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Autism, 25(4), 1047-1059. https://doi.org/10.1177/1362361320984317
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; Neece et al., 2020Neece, C., McIntyre, L. L., & Fenning, R. (2020). Examining the impact of COVID-19 in ethnically diverse families with young children with intellectual and developmental disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, 64(10), 739-749. https://doi.org/10.1111/jir.12769
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), também poderiam ser minimizadas com programas assistenciais promovidos pelo governo. Países como Chile, Argentina e Colômbia destinaram auxílio financeiro, variando de R$230,00 a R$840,00, para as famílias consideradas vulneráveis. Países de outros continentes, como França, Alemanha e

Japão, criaram fundos emergenciais com planejamento para atenção à população e recuperação econômica de empresas (Salati, 2020Salati, P. (2020, 19 de maio). Veja medidas econômicas adotadas pelos países para socorrer população e empresas. G1, Economia. https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/05/19/veja-medidas-economicas-adotadas-pelos-paises-para-socorrer-populacao-e-empresas.ghtml
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). No Brasil, em 2021, o auxílio emergencial variou de R$150,00 a R$375,00 por mês e se destinava a pessoas selecionadas como elegíveis para o receberem em sua primeira oferta (Caixa Econômica Federal, 2021Caixa Econômica Federal. (2021). Auxílio Emergencial 2021. https://auxilio.caixa.gov.br/#/inicio
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).

4 Conclusões

De acordo com os estudos analisados, a pandemia de covid-19 trouxe inseguranças no que tange à qualidade da educação destinada a crianças e adolescentes com TEA. De maneira geral, os participantes indicaram o fator econômico como potencializador da instabilidade emocional, seguido da falta de confiança na aplicação das atividades indicadas pelos profissionais da educação, que, somados ao acúmulo de funções rotineiras das famílias, prejudicaram o desenvolvimento educacional dos indivíduos com TEA.

O período de isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 afetou de maneira similar todas as regiões investigadas nas pesquisas analisadas neste estudo (EUA, Reino Unido, Israel, Irã, Indonésia e China), realizadas por meio da investigação da opinião dos familiares, pela implementação de cursos para familiares, ou, ainda, na pesquisa que avaliou os serviços remotos educacionais e clínicos.

Apesar da diversidade cultural, o receio de não conseguir atender com qualidade à demanda educacional de seus filhos, problemas de comportamento em virtude de mudanças da rotina, sobrecarga em relação às atividades domésticas e ao atendimento das necessidades educacionais de seus filhos e preocupação com um espaço adequado para os estudos foram dificuldades recorrentes, aparecendo no relato de todas as famílias. Também chamou a atenção o relato, em duas pesquisas, de que, durante o período de isolamento social, os hábitos de meditação e oração auxiliaram no equilíbrio emocional nos momentos de reorganização da rotina e enfrentamento de crises dos filhos.

Entretanto, os resultados com relação a programas de apoio que ofertaram curso de formação e capacitação às famílias sinalizaram ser esse um possível caminho, desde que haja tecnologia acessível. Quanto aos serviços de educação remota oferecidos para as crianças com TEA em tempos de isolamento, os resultados indicam a necessidade da atenção às especificidades de cada aluno.

A principal limitação deste estudo refere-se às palavras de busca utilizadas, que podem não ter representado amplamente o tema de interesse. Pode-se, portanto, supor que nem todos os textos sobre o tema foram recuperados. Como recomendação de futuras pesquisas, sugere-se a ampliação de bases de busca para verificar se outras instituições realizaram pesquisas sobre o impacto do isolamento social na educação das crianças com TEA. Também se faz necessária a realização de pesquisas similares que olhem para os impactos da pandemia de covid-19 na educação de crianças com TEA no Brasil, devido às diferenças que podem existir em relação aos países já investigados ou mesmo olhando para as enormes diferenças que podem existir internamente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2022
  • Revisado
    29 Jan 2023
  • Aceito
    06 Fev 2023
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