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AUTONOMIA DO JOVEM COM SÍNDROME DE DOWN: CONCEPÇÕES DE MÃES E FILHOS1

AUTONOMY OF YOUNG PEOPLE WITH DOWN SYNDROME: CONCEPTIONS OF MOTHERS AND CHILDREN

RESUMO

O objetivo deste artigo foi analisar as concepções de mães e filhos em relação à autonomia de jovens com Síndrome de Down. Nesse sentido, participaram deste estudo 20 mães e 20 jovens com Síndrome de Down. Foi realizado um estudo qualitativo, por meio de entrevistas semiestruturadas, que foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas. Os resultados do estudo mostraram que a perspectiva das mães com relação à autonomia diz respeito à realização das atividades cotidianas em casa, mas, ao sair desse ambiente, eles demonstram medo, não permitindo que os filhos ampliem essa autonomia para outros ambientes. Com relação ao jovem com Síndrome de Down, é possível perceber que, mesmo não entendendo a sua condição genética e o que venha a ser de fato autonomia, eles demonstram o desejo de terem uma vida como qualquer outro jovem, que estuda, namora, trabalha, sai de casa sozinho. Assim sendo, é preciso a implementação de programas voltados à capacitação de profissionais, família e jovens com SD no auxílio à autonomia.

PALAVRAS-CHAVE:
Juventude; Síndrome de Down; Autonomia; Mães

ABSTRACT

The objective of this article was to analyze the conceptions of mothers and children in relation to the autonomy of young people with Down Syndrome. In this sense, 20 mothers and 20 young people with Down Syndrome participated in this study. A qualitative study was carried out through semi-structured interviews, which were recorded, transcribed and subsequently analyzed. The results of the study showed that the perspective of mothers regarding autonomy concerns carrying out daily activities at home, but when leaving this environment, they show fear, not allowing their children to extend this autonomy to other environments. With regard to young people with Down Syndrome, it is possible to notice that even though they do not understand their genetic condition and what autonomy actually means, they demonstrate the desire to have a life like any other young person, who studies, dates, works, leaves home alone. Thus, it is necessary to implement programs aimed at training professionals, families and young people with DS in helping autonomy.

KEYWORDS
Youth; Down Syndrome; Autonomy; Mothers

1 INTRODUÇÃO

A autonomia é um processo que capacita o indivíduo a compreender e agir sobre ele mesmo e seu ambiente, e é importante para a formação da identidade pessoal e a transição para a vida adulta. A sua conquista depende de vários fatores, como o conhecimento de si mesmo, de suas habilidades pessoais, ajustamento social, preparação para o trabalho, saúde física e mental; além disso, ter tido, desde a infância, uma educação baseada na responsabilidade e na aquisição de autonomia pessoal (Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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; Peñuelas, 2014Peñuelas, B. G. (2014). Sindrome de Down - Relações Afetivas e Sexualidade. Editora Saberes.).

A juventude, por sua vez, é um período do desenvolvimento humano marcado por transformações físicas, cognitivas, emocionais e sociais, que resultam na aquisição de competências que contribuem para o desenvolvimento da autonomia (Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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). De acordo com a teoria psicossocial de Erik Erikson, a juventude é uma fase de busca por identidade e autonomia. Nesse período, os jovens estão buscando descobrir quem são, o que querem e como se encaixam no mundo ao seu redor. Para isso, é comum que testem diferentes papéis sociais, valores e crenças, em busca de um senso de identidade própria e autêntica. Nesse sentido, a juventude é uma fase crucial do desenvolvimento humano, com suas próprias características e desafios.

No entanto, quando se trata da vivência da juventude por pessoas com Síndrome de Down, existem peculiaridades a serem consideradas. Montobio e Lepri (2007)Montobio, E., & Lepri, C. (2007). Quem eu seria se pudesse ser: a condição adulta da pessoa com deficiência intelectual. Fundação Síndrome de Down. chamam a atenção para o fato de que muitas das dificuldades vividas pelo jovem com Síndrome de Down estão centradas na impossibilidade de ele conceber sua vida como adulto, mantido em uma infância eterna. Esse processo, segundo os autores, limita suas potencialidades, o sentimento de sua própria dignidade, sua autoestima e sua contribuição para o crescimento e o desenvolvimento na sociedade. Além disso, o jovem com Síndrome de Down possui limitações percepto-cognitivas e escassas oportunidades para aquisição dessa autonomia. Esse processo é dificultado pelo restrito número de experimentações que o conduziriam à independência (Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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).

Diante desse contexto, a primeira questão que surge para uma família que recebe uma criança com Síndrome de Down, ou com algum tipo de dano orgânico, diz respeito à elaboração do luto pela criança que chegou em vez daquela originalmente esperada. Esse fato se apresenta aos pais e à família como um abismo inicial, uma cruel distância entre o bebê imaginado e aquele que acaba de chegar. Isso ocorre porque nenhuma criança real corresponde exatamente à criança imaginada (Gurski et al., 2013Gurski, R., Ferrari, A. G., & Silva, M. R. (2013). O sujeito sindrômico e a infância eternizada: um modo de penhasco? Cadernos de Psicanálise, 35(29), 127-142.).

Quando nasce uma criança sindrômica, os pais ficam entregues a uma espécie de desamparo, sem saber como agir com o filho e sua diferença. O viés da incapacidade revela-se como o ponto forte da atenção desses pais. Eles não conseguem olhar para as produções singulares do filho, mas insistem na marca do que falha em suas funções. A partir disso, os pais buscam inúmeras técnicas de aprendizagem para “ajudar” o filho a se desenvolver nos padrões de “normalidade”, não restando, então, lugar para o desejo do sujeito (Jerusalinsky, 1989Jerusalinsky, A. (1989). Psicanálise e desenvolvimento infantil. Artes Médicas.).

Há uma dificuldade de supor no filho um sujeito passível de se constituir em meio a sua patologia orgânica. Dessa forma, a eternização da infância do sujeito sindrômico parece funcionar como uma estratégia de defesa em relação ao luto não elaborado dos pais (Gurski, 2012Gurski, R. (2012). O lugar simbólico da criança no Brasil: uma infância roubada? Educação em Revista, 28(1), 61-78. https://doi.org/10.1590/S010246982012000100004
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). Um dos efeitos dessa configuração é a percepção do sujeito em um estado de infantilização eternizada, especialmente quando se refere às duas questões já mencionadas, identificadas, desde Freud, em 1930, como sinais da adultez: a possibilidade de amar e trabalhar. São pessoas cujas vidas ficam marcadas por um absoluto silenciamento, em relação à própria sexualidade e à potência laboral (Gurski et al., 2013Gurski, R., Ferrari, A. G., & Silva, M. R. (2013). O sujeito sindrômico e a infância eternizada: um modo de penhasco? Cadernos de Psicanálise, 35(29), 127-142.).

O exercício do amor e da sexualidade e a capacidade de trabalho são como uma espécie de passaporte simbólico, delimitando o ingresso do sujeito no mundo dos adultos. Diante disso, é importante o questionamento sobre: o que se produz em um sujeito deixado à margem desses processos? (Gurski, 2012Gurski, R. (2012). O lugar simbólico da criança no Brasil: uma infância roubada? Educação em Revista, 28(1), 61-78. https://doi.org/10.1590/S010246982012000100004
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).

Bastos e Deslandes (2012)Bastos, O. M., & Deslandes, S. F. (2012). Sexualidade e deficiência intelectual: narrativas de pais de adolescentes. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 22(3), 1031-1046. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000300010
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identificaram, em seu estudo, uma dificuldade entre os pais de jovens com Síndrome de Down, por não conseguirem percebê-los com maturidade sexual e não saberem como se comportar, principalmente quando os filhos apresentam alguma curiosidade ou manifestação sexual. Assim, a negação, a repressão e a infantilização são, com frequência, o caminho adotado para tamponar a realidade que se apresenta e não perceber a necessidade que o filho tem (Ambrósio et al., 2019Ambrosio, R. B. A., Riscado J. L. de S., Vieira M. de L. F., & Melo F. de M. (2019). Sexualidade do Adolescente com deficiência: Ancoragens na literatura. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 11(3), 1-11. https://doi.org/10.25248/reas.e277.2019
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).

Pessoas com Síndrome de Down passam por muitos desafios em seus relacionamentos familiares, suas comunidades, nos sistemas de educação, de saúde e no mercado de trabalho. A sociedade continua a assumir um papel paternalista, negando, muitas vezes, à pessoa com Síndrome de Down o direito de assumir as suas responsabilidades e fazer escolhas. Tal atitude dificulta a maturidade pessoal e social da pessoa com Síndrome de Down, contribuindo para impedir o processo de autodeterminação e inclusão social desse sujeito (Cardozo & Raitz, 2018Cardozo, J. P., & Raitz, T. R. (2018). Os sentidos da educação e inserção profissional para jovens e adultos com síndrome de Down: desafios e expectativas. Revista de Educação, Ciência e Cultura Canoas, 23(1), 215-229.).

A integração no mundo do trabalho é extremamente importante para as pessoas com deficiência, pois traz consigo não só independência econômica, mas também a oportunidade de participar ativamente da sociedade e se sentir valorizado. Estar empregado permite que a pessoa com deficiência tenha uma rotina mais estruturada, conviva com outras pessoas, desenvolva suas habilidades e se sinta útil (Pereira & Batanero, 2009Pereira, M. E. S., & Batanero, F. (2009). Percursos educativos, formativos e profissionais na Síndrome de Down. Revista Brasileira de Educação Especial, 15(2), 197-218. https://doi.org/10.1590/S1413-65382009000200003
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).

No entanto, para promover uma inclusão efetiva e valorizar as pessoas com deficiência, como os jovens com Síndrome de Down, é essencial escutar o sujeito para além de sua condição orgânica. É necessário enxergar e valorizar suas individualidades, suas histórias, suas habilidades e potenciais (Paul & Gurski, 2015Paul, Z. C., & Gurski, R. (2015). Adolescência e Síndrome de Down na Ttela. Estilos da Clínica, 20(3), 459-474. https://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i3p459-474
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).

A arte da escuta é um processo complexo que envolve não só ouvir as palavras do outro, mas também compreender suas intenções, seus sentimentos e suas percepções. Escutar a si mesmo é um passo importante nesse processo, pois permite que possamos compreender nossas próprias experiências, emoções e perspectivas, o que nos ajuda a ser mais sensíveis e empáticos com os outros. Quando escutamos alguém, abrimos espaço para que essa pessoa construa seu próprio mundo, com suas próprias perspectivas e experiências. É importante que esse espaço seja respeitoso e acolhedor, sem preconceitos ou julgamentos. Ao dar voz ao outro, reconhecemos sua humanidade e valorizamos sua contribuição para o mundo (Dunker & Thebas, 2019Dunker, C., & Thebas, C. (2019). O palhaço e o psicanalista. Como escutar os outros pode transformar vidas. Editora Planeta.).

Nessa acepção, é de extrema importância a escuta atenta e genuína aos jovens com Síndrome de Down. Em vez de assumir o controle e fazer coisas por eles, devemos dar-lhes espaço para expressar suas opiniões, seus desejos e suas necessidades. Ao escutar ativamente, reconhecemos sua individualidade, valorizamos suas capacidades e permitimos que sejam participantes ativos em suas próprias vidas (Dunker & Thebas, 2019Dunker, C., & Thebas, C. (2019). O palhaço e o psicanalista. Como escutar os outros pode transformar vidas. Editora Planeta.).

Este artigo trata, portanto, de uma pesquisa empírica que teve como objetivo investigar as concepções de mães e jovens em relação à autonomia da pessoa com Síndrome de Down. Por meio deste estudo, busca-se compreender como as famílias e os próprios jovens enxergam a questão da autonomia e como isso pode influenciar suas experiências e oportunidades.

2 MÉTODO

Para que o objetivo apresentado fosse alcançado, foi realizado um estudo qualitativo de caráter exploratório. Nesta pesquisa, optou-se por utilizar entrevistas semiestruturadas, sendo esta um instrumento científico muito difundido, que possibilita uma investigação mais ampla sobre os aspectos relevantes ao estudo a respeito do entrevistado. As entrevistas semiestruturadas permitem que o entrevistador explore questões mais profundas e compreenda melhor as perspectivas e opiniões dos entrevistados, além de permitir que os participantes se expressem livremente sobre o assunto em questão. O uso dessa técnica também permite uma análise mais detalhada dos dados, fornecendo informações relevantes sobre as percepções e as experiências dos participantes em relação à autonomia das pessoas com Síndrome de Down (Biasoli-Alves, 1998Biasoli-Alves, Z. M. M. (1998). A pesquisa em psicologia: análise de métodos e estratégias na construção de um conhecimento que se pretende científico. In G. Romanelli, & Z. M. M. Biasoli-Alves (Orgs.), Diálogos metodológicos sobre prática de pesquisa (1ª ed., pp. 135-157). Legis Summa.).

A presente pesquisa foi conduzida no Projeto Alfadown, desenvolvido pelo Programa de Referência a Inclusão Social (PRIS), que compõe uma das extensões da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).

2.1 PARTICIPANTES

Os participantes deste estudo foram 20 jovens com Síndrome de Down, de ambos os sexos, com idade entre 15 e 29 anos, e 20 mães de jovens com Síndrome de Down, residentes em Goiânia e região, atendidos no Projeto Alfadown da PUC Goiás. Optou-se por incluir somente as mães na pesquisa devido ao fato de que elas frequentemente assumem um papel primordial no cuidado e no acompanhamento de seus filhos com Síndrome de Down nas atividades do Projeto Alfadown.

A faixa etária de 15 a 29 anos deve-se ao fato de ser uma etapa do processo de socialização da pessoa humana e da consolidação das responsabilidades e dos vínculos sociais (Paul & Gurski, 2015Paul, Z. C., & Gurski, R. (2015). Adolescência e Síndrome de Down na Ttela. Estilos da Clínica, 20(3), 459-474. https://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i3p459-474
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). Os participantes foram selecionados pela pesquisadora, de acordo com os critérios de inclusão, sendo Jovens com Síndrome de Down de ambos os sexos, com idade entre 15 e 29 anos e suas mães, residentes em Goiânia e região, e que são atendidos no Projeto Alfadown da PUC Goiás e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). Ao todo, foram selecionados 40 possíveis participantes, pela instituição citada.

Foram usados como critérios de exclusão participantes que apresentassem qualquer condição que limitasse a capacidade de resposta, aqueles que se recusassem a assinar os termos ou não respondessem à entrevista totalmente. Foram utilizados, assim, os seguintes materiais: TCLE; TALE; roteiro de entrevista semiestruturada, celular; computador; papel; lápis e caneta.

2.2 INSTRUMENTOS

Durante a entrevista semiestruturada, foram utilizados dois roteiros: um direcionado às mães e outro aos jovens com Síndrome de Down. Com as mães, foram abordados vários aspectos relacionados aos filhos, como a experiência de autonomia na escola, os principais desafios enfrentados e a interação social. Além disso, também foram abordadas questões sobre a autonomia dos filhos, incluindo sua capacidade de realizar atividades sem ajuda, bem como questões relacionadas à sexualidade e ao interesse em ter uma profissão no futuro. Os jovens com Síndrome de Down foram, por sua vez, questionados sobre sua autopercepção, incluindo se eles se consideravam crianças, adolescentes ou adultos, questões relacionadas à autonomia, incluindo autonomia na escola, sexualidade e perspectivas profissionais.

2.3 PROCEDIMENTOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da PUC Goiás, registrado sob o número CAAE - 35648720.1.0000.0037. Para conduzir a pesquisa, a pesquisadora entrou em contato com as mães e os jovens que já participavam do Projeto Alfadown da PUC Goiás, cujas atividades são coordenadas pela própria pesquisadora. Essa estratégia facilitou a realização das entrevistas, uma vez que tanto as mães quanto os jovens já estavam familiarizados com a pesquisadora e se sentiam confortáveis em compartilhar suas perspectivas e experiências.

A coleta de dados ocorreu de julho a setembro de 2021. Realizou-se uma triagem para selecionar os que atendiam aos critérios constituídos na pesquisa. Após a seleção, estabeleceu-se um contato com as mães e os jovens por telefone, explicando a proposta e os objetivos da pesquisa. As mães assinaram o TCLE e o TALE. No caso dos adolescentes, os responsáveis legais também foram convidados a assinar a autorização para que seus filhos pudessem participar da pesquisa. Apresentou-se o objetivo da pesquisa, a possibilidade de se retirar da pesquisa a qualquer momento e o sigilo quanto à sua identidade. As entrevistas foram realizadas com a mãe e, após, com o jovem com Síndrome de Down, com a duração de uma hora, cada, via chamada de vídeo. Todos os procedimentos foram executados em conformidade com as orientações éticas e metodológicas para os estudos que envolvem a participação de seres humanos.

2.4 ANáLISE DE DADOS

O conteúdo das entrevistas foi transcrito e submetido à análise de conteúdo de acordo com as técnicas de Bardin (1977)Bardin L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.. O objeto da análise de conteúdo é a palavra, em seu aspecto individual e em seu ato de linguagem; a análise de conteúdo trabalha com a palavra, que diz respeito ao uso da língua por emissores identificáveis, buscando compreender os fatos em um dado momento pelas observações das partes, considerando os seus significados (conteúdos) (Bardin, 1977Bardin L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.).

O autor considerou um método de análise de conteúdo que envolve três fases principais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos. Na fase de pré-análise, a pesquisadora realizou uma leitura inicial do material coletado para se familiarizar com os dados e definir as unidades de análise. Para isso, ela estabeleceu categorias de análise que estavam relacionadas ao objetivo da pesquisa, como a autonomia dos jovens com Síndrome de Down.

Na fase de exploração do material, a pesquisadora realizou uma leitura minuciosa dos dados para identificar as unidades de significação, que foram agrupadas posteriormente em categorias previamente comprovadas. Durante essa fase, a pesquisadora destacou os trechos mais relevantes e persistentes para a análise, que foram organizados em uma tabela para facilitar a comparação entre as respostas das mães e dos filhos.

Por fim, na fase de tratamento dos resultados obtidos, a pesquisadora realizou uma interpretação dos dados, comparando as respostas das mães e dos filhos e analisando as semelhanças e diferenças entre as categorias protegidas. A partir dessa análise, a pesquisadora identificou as principais concepções de autonomia dos jovens com Síndrome de Down e suas respectivas mães.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, serão apresentados os dados sociodemográficos dos dois grupos de participantes, seguido pelos resultados derivados das entrevistas realizadas com o grupo de mães e o grupo de jovens com Síndrome de Down. Para garantir a confidencialidade e o anonimato dos participantes, todos os nomes utilizados nos quadros a seguir serão representados pela letra “P”, sendo designada uma letra específica para identificar o responsável de cada jovem. Por exemplo: P1 (mãe) e P1 (jovem, filho da P1), e assim por diante. Dessa forma, a privacidade dos participantes é respeitada ao longo da pesquisa.

3.1 CARACTERíSTICAS SOCIODEMOGRáFICAS DOS PARTICIPANTES

A ficha de dados sociodemográficos foi aplicada para coletar informações sobre a idade, gênero e escolaridade dos jovens com Síndrome de Down. Dos 20 jovens com Síndrome de Down participantes, sete são do sexo masculino e 13 são do sexo feminino. A faixa etária dos jovens varia entre 15 e 29 anos. Observou-se que a maioria dos jovens com Síndrome de Down está matriculada no Ensino Médio. Essas informações, mostradas na Figura 1, fornecem uma visão geral do perfil sociodemográfico dos jovens participantes da pesquisa.

Figura 1
Gráfico das características sociodemográficas dos jovens com Síndrome de Down

No grupo de mães participantes, observou-se que a faixa etária abrange 18 mães com idades entre 41 e 69 anos, das quais duas possuem idade de 59 e 60 anos. Das mães, 12 são casadas, enquanto quatro são solteiras e outras quatro são divorciadas. Quanto à escolaridade, constatou-se que as mães apresentam níveis de instrução variados, desde Ensino Fundamental até Ensino Superior completo. Essas informações estão apresentadas de forma visual na Figura 2, oferecendo uma visão geral sobre a distribuição das mães participantes de acordo com a faixa etária, estado civil e nível de escolaridade.

Figura 2
Gráfico das características sociodemográficas das mães dos jovens com Síndrome de Down

Os dados obtidos na entrevista com o grupo de mães e jovens foram transcritos, analisados e divididos em categorias de acordo com a frequência que surgiram dentro dos grupos pesquisados da seguinte forma: I. Autonomia. II. Autonomia na escola; III. Sexualidade e namoro; IV. Aspecto profissional.

3.2 GRUPO DE MãES

Nesta seção, aborda-se a avaliação das mães em relação à autonomia dos filhos, à autonomia na escola, ao namoro e à sexualidade e, por fim, ao aspecto profissional.

3.2.1 AUTONOMIA

Sobre o tema “autonomia”, a questão era: como as mães avaliavam a autonomia do filho, o que os jovens conseguem fazer sozinhos? Com relação às atividades diárias, foi percebido que a maioria consegue realizar as atividades básicas como se alimentar, se vestir, fazer a higiene pessoal, porém todos relataram que não sabem cozinhar, usar dinheiro ou sair sozinhos. A seguir, alguns relatos que se apresentam nessa classe:

ele se alimenta sozinho, toma banho, sabe se vestir, lava as vasilhas do café da manhã, usa o celular sozinho, mas não sabe cozinhar, tenho medo dele se queimar; e não sabe usar dinheiro, não sai sozinho, só comigo. (P17)

se alimenta sozinha, faz seu lanche, mas não deixo cozinhar, sabe se vestir, escolhe a própria roupa, mas nunca deixei sair sozinha e nem tem noção de dinheiro. (P9)

As mães foram questionadas sobre o conceito de autonomia e como elas avaliavam a autonomia do filho. Para elas, o conceito de autonomia se relaciona com a capacidade para o “fazer” com independências, o cuidar de si e realizar as atividades do dia a dia:

é ela ter o interesse dela, de aprender e fazer sozinha, ser independente. Eu acho que ela se sai muito bem. (P2)

ser independente. Eu acho que ela é independente com coisas de casa, tomar banho, se vestir, arrumar a casa. Mas ela pode ser mais, né? Eu vejo dificuldade nela não falar bem, as pessoas não entendem o que ela fala, só eu que entendo. Eu sou muito medrosa, insegura de deixá-la fazer as coisas sozinha, sair, trabalhar. Fico com medo de alguém fazer alguma maldade. (P3)

Ele não é independente. Eu penso que eu preciso de ajuda de profissionais pra me ajudar, me orientar sobre a autonomia, sexualidade. (P5)

é fazer as coisas sozinha, escolher o que quer comer e vestir, ter suas próprias vontades. Eu acho que ela tem autonomia sim. Mas tenho medo dela trabalhar, de soltar para o mundo, hoje é muito perigoso. (P9)

A partir dos relatos, é possível perceber que, para as mães, autonomia é a realização das atividades cotidianas em casa, mas, ao sair desse ambiente, eles demonstram medo, não permitindo que os filhos ampliem essa autonomia para outros ambientes. Segundo Montobio e Lepri (2007)Montobio, E., & Lepri, C. (2007). Quem eu seria se pudesse ser: a condição adulta da pessoa com deficiência intelectual. Fundação Síndrome de Down., a deficiência não impede o indivíduo de ter preferências, gostos, inclinações pessoais, intenções, desejos. A subjetividade, no fim das contas, é isso. Para muitos jovens, há um prolongamento da condição infantil dificultando a percepção de que se tornaram adultos. A juventude não é apenas uma condição biológica, mas também uma definição cultural. Para as pessoas com deficiência intelectual, a “permissão para crescer” passa por um consentimento da família e quando ele não existe, as coisas se tornam muito complicadas (Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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; Lepri, 2019Lepri, C. (2019). A Pessoa no centro: autodeterminação, autonomia e adultidade para pessoas com deficiência. Saberes Editora.; Peñuelas, 2014Peñuelas, B. G. (2014). Sindrome de Down - Relações Afetivas e Sexualidade. Editora Saberes.).

3.2.2 AUTONOMIA NA ESCOLA

Sobre o tema “autonomia na escola”, as mães foram questionadas sobre a percepção que possuem sobre o ambiente escolar. A maioria das mães relataram que a convivência na escola era boa, porém todas disseram que os filhos não participavam das mesmas atividades que os outros alunos. Ainda relataram o preconceito e a falta de preparo dos profissionais com relação à pessoa com deficiência. A seguir, alguns relatos que se apresentam nessa classe:

ela participava, mas não aprendia da mesma forma. Achava que deveria ter um professor de apoio, porque eles passavam as atividades, mas ela não aprendia. Tinha vez que ficava sentada sem fazer nada, ou no pátio. Até estava com livro aberto, mas não sabia ler. Falta de ajuda, de acompanhamento de um professor de apoio para ajudar na alfabetização dela, ela ficava muito solta na escola. (P19)

a convivência era boa, eles tentavam adaptar atividades pra ela, mas ela não aprendia, tinha vez que voltava pra casa com o caderno vazio. (P6)

ela assiste as aulas, tem a professora de apoio que manda a tarefa dela diferente, mas o conteúdo é o mesmo. Inclusão não é como acontece, o professor interage com ela, ajuda ela a participar, mas ela não aprende os conteúdos, precisa de ajuda. (P16)

para início, foi um pouco difícil, porque teve uma rejeição muito forte. E sobre a questão de você ter que praticamente implorar pra que ela tenha atendimento igual aos outros, deixá-la permanecer dentro da sala de aula. (P4)

A inclusão escolar está relacionada ao acolhimento e à oportunidade de acesso aos estudos para todos e qualquer indivíduo independentemente das suas condições. Entretanto, essa inclusão deve ser feita de forma adequada e qualificada para que esse aluno possa realmente ser incluído no ambiente escolar. Então, a educação inclusiva, diferentemente da educação tradicional, na qual todos os alunos é que precisavam se adaptar a ela, chega estabelecendo um novo modelo, em que a escola é que precisa se adaptar às necessidades e às especificidades do aluno, buscando, além de sua permanência na instituição, o seu máximo desenvolvimento (Cardozo & Raitz, 2018Cardozo, J. P., & Raitz, T. R. (2018). Os sentidos da educação e inserção profissional para jovens e adultos com síndrome de Down: desafios e expectativas. Revista de Educação, Ciência e Cultura Canoas, 23(1), 215-229.; Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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).

3.2.3 NAMORO E SEXUALIDADE

Com relação ao tema “namoro e sexualidade”, as mães foram questionadas se havia diálogo com os filhos sobre o tema. É percebido que a maioria das mães apresentam dificuldades ao falar sobre o assunto, como pode ser observado nos depoimentos a seguir:

nunca perguntou nada, mas se masturba todos os dias. Nunca conversei, eu fico sem saber como agir com esse assunto. Que ele continue assim, namora um namoro “sadio”, mas sem mais envolvimento. Não está nos meus planos ele casar. Porque acho que seria mais uma responsabilidade para mim. (P5)

eu nunca pensei nisso não. Eu não abordo esse assunto. (P10)

sinceramente se eu pudesse eu bloqueava totalmente isso. Não vejo que ela vai encontrar alguém, constituir família, essas coisas. (P14)

expliquei para ele que masturbar, ele não poderia fazer na frente de ninguém, no quarto dele sim, no banheiro dele sim. Ele nasceu virgem, vai morrer virgem. Não acho que ele vai casar, ter ninguém não. (P17)

Não, nunca conversei, eu não vou incentivar e depois ter que puxar pra trás. (P19)

A discussão do tema sexualidade em nossa cultura ainda surge acompanhada de preconceito. Quando esse tema é voltado para a pessoa com deficiência, essas constatações tornam-se ainda mais reais (Ministério da Saúde, 2009Ministério da Saúde. (2009). Direitos sexuais e reprodutivos na integralidade da atenção à saúde de pessoas com deficiência. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/direitos_sexuais_integralidade_pessoas_deficiencia_0.pdf
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). Há uma dificuldade entre os pais de jovens com deficiência por não conseguirem percebê-los com maturidade sexual e por não saberem como se comportar, principalmente quando os filhos manifestam a genitalidade, assim a negação, a repressão e a infantilização são com frequência o caminho adotado para mascarar a realidade que se apresenta e não visualizar a necessidade que o filho demonstra (Ambrósio et al., 2019).

3.2.4 ASPECTO PROFISSIONAL

No que se refere ao tema “aspecto profissional”, as mães foram questionadas se os filhos trabalham e qual profissão gostariam de seguir. Os relatos foram os seguintes:

não trabalha, mas gostaria. Ela fala que quer ser professora. Mas eu fico pensando se não está muito tarde, ela já tem 30 anos. Eu penso que se tivesse estimulado desde cedo, talvez ela tivesse se desenvolvido mais. (P3)

ela fala que quer trabalhar, mas eu falo que não chegou a hora, tentando enrolar. Mas o problema somos nós. Ela sempre procura independência. Com a superproteção da gente, não tem como não, é excluir ela do mundo, mas uma superproteção mesmo. (P4)

nunca trabalhou, mas gostaria. Sonho o melhor pra ele, mas fico insegura de deixá-lo fazer as coisas sozinho. (P8).

Para a pessoa com deficiência, o trabalho pode ter um sentido maior, pois ela sai da condição de isolamento social e da dependência de outros, para criar seus vínculos em outros espaços, com outras pessoas e desenvolvendo outras atividades (Rocha & Françozo, 2018Rocha, A. L., & Françozo, M. F. C. (2018). Trabalho ou benefício de prestação continuada: a escolha da família do jovem com Síndrome de Down. Serviço Social em Revista, 20(2), 123-142. https://doi.org/10.5433/1679-4842.2018v20n2p123
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).

O medo das mães de que o jovem possa assumir uma posição adulta, seja por meio do trabalho, seja por meio da realização amorosa, além de mantê-lo em um estado de infantilização eternizada, revela a dificuldade em abrir espaço para o surgimento de um sujeito de fato; impera uma situação na qual se destaca somente o significante da síndrome. No momento em que há uma identificação com um único significante, o do portador de uma síndrome, apaga-se a dimensão de sujeito (Zachello et. al., 2015Zachello, C., Paul, F. M., & Gurski, R. (2015). Adolescência e Síndrome de Down na tela. Estilos da Clínica, 20(3), 459-474. https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i3p459-474
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).

3.3 GRUPO DE JOVENS COM SíNDROME DE DOWN

Nesta seção, aborda-se a avaliação dos jovens com Síndrome de Down desta pesquisa em relação à sua autonomia, à autonomia na escola, ao namoro e à sexualidade e, por fim, ao aspecto profissional.

3.3.1 AUTONOMIA

Para os jovens, a palavra “autonomia” era de difícil compreensão e até mesmo de difícil pronúncia. Iniciamos, portanto, com a exploração do conceito: o que é autonomia para você? Você sai sozinho? Se não, tem vontade de sair? Para onde? O que você gostaria de fazer que seus pais não deixam? Em geral, eles relatavam somente autonomia nas atividades do dia a dia (banho, alimentação e vestuário). A seguir, alguns relatos que se apresentam nessa classe:

não sei o que é autonomia. Não saio não. Eu queria ir para casa da minha vó, para casa de colega. Sair de casa. (P1)

tomar banho, comer, arrumar casa. Não sei. Só com a mamãe. Queria sair, cozinhar. (P3)

Não sei, não saio. Ir pra festas. Tomar leite condensado. (P4)

Não sei o que é. Tenho vontade, conhecer mais amigos saí e com namorada. Sair de casa sozinho. (P15)

caminhar sozinha, levar o cachorro pra passear. Não saio, queria dirigir o carro. (P19)

Nunca ouvi isso não. Não saio. Quero escolher a roupa, ela fala que tá feio, tem que sair com uma bonitinha. (P9)

A partir dos relatos, é possível perceber que os jovens demonstram uma dificuldade no entendimento do que seja autonomia, mas demonstram o desejo de vivenciá-la fora de casa. Para o jovem com Síndrome de Down, pensar-se como adulto é produto de uma construção mental, apenas quem foi pensado adulto, autônomo, sexuado etc. pode aprender a pensar em si mesmo como adulto, em todas essas dimensões (Lepri, 2019Lepri, C. (2019). A Pessoa no centro: autodeterminação, autonomia e adultidade para pessoas com deficiência. Saberes Editora.).

Os pais de jovens com Síndrome de Down frequentemente enfrentam o medo de permitir que seus filhos desenvolvam autonomia. Esse medo pode ser justificado por diversos fatores, como a preocupação com a segurança do(a) filho(a) e a crença de que a Síndrome de Down pode limitar suas habilidades, o que pode levar a uma sensação de insegurança ao permitir que seus filhos realizem tarefas ou tomem decisões por conta própria (Lepri, 2019Lepri, C. (2019). A Pessoa no centro: autodeterminação, autonomia e adultidade para pessoas com deficiência. Saberes Editora.).

Além disso, a falta de informação e apoio também pode contribuir para a insegurança dos pais em relação ao desenvolvimento da autonomia de seus filhos. Contudo, é importante destacar que a autonomia é uma parte crucial do desenvolvimento saudável de qualquer indivíduo, incluindo jovens com Síndrome de Down. Com o apoio adequado, essas crianças podem desenvolver habilidades e competências importantes para sua vida adulta, como a capacidade de se comunicar, tomar decisões e realizar tarefas diárias. É fundamental, portanto, que os pais trabalhem em conjunto com profissionais especializados em saúde e educação para ajudar seus filhos a desenvolver a autonomia de forma segura e adequada às suas necessidades individuais. Assim, eles podem ajudar seus filhos a se tornarem adultos independentes, confiantes e realizados (Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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; Montobio & Lepri, 2007Montobio, E., & Lepri, C. (2007). Quem eu seria se pudesse ser: a condição adulta da pessoa com deficiência intelectual. Fundação Síndrome de Down.; Peñuelas, 2014Peñuelas, B. G. (2014). Sindrome de Down - Relações Afetivas e Sexualidade. Editora Saberes.).

3.3.2 AUTONOMIA NA ESCOLA

Com relação à escola, a maioria dos jovens relatou gostar do ambiente, porém apresenta um entendimento superficial das atividades que realizam. Seguem os principais relatos:

lá tem muitas atividades lá. Lá aprende escrever bastante, desenhar, fazer tarefa de casa que os professores passam. Eu gosto de brincar bastante com meus amigos. (P1)

aula de matemática, geografia, inglês, espanhol, educação física, fazer tarefa. (P5)

dança, lanche, escrever, ler, tudo. (P14)

gosto da minha escola, brincar com minha amiga e amigos, diverte. (P10)

A partir dos relatos, é visto que a maioria dos jovens com Síndrome de Down, mesmo cursando o Ensino Médio, não participa das mesmas atividades que os alunos sem a síndrome, relatando atividades como: brincar, desenhar. Dessa forma, no Brasil, os dados oficiais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2012Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2012). Censo Brasileiro de 2010. IBGE.) revelam que os jovens das classes populares enfrentam, no seu dia a dia escolar, a baixa qualidade educacional que continua gerando o fracasso escolar e a evasão. Emerge a ideia de que apenas existe a garantia à vaga, aos alunos com deficiência, porém ainda são necessárias ações voltadas ao ensino-aprendizagem de forma efetiva para esses alunos, como, por exemplo, adaptar o conteúdo ao nível de conhecimento da criança ou do adolescente, suporte/apoio físico ou visual sempre que necessário, fragmentar o conteúdo a ser ensinado e trabalhar um tópico de cada vez, uso de linguagem simples e clara, utilizar recurso concreto que exija menos do raciocínio abstrato e a repetição para auxiliar a memorização do conteúdo (Cardozo & Raitz, 2018Cardozo, J. P., & Raitz, T. R. (2018). Os sentidos da educação e inserção profissional para jovens e adultos com síndrome de Down: desafios e expectativas. Revista de Educação, Ciência e Cultura Canoas, 23(1), 215-229.; Cerrón et al., 2021Cerrón, M. M., Mayer, F. B., Arantes-Costa, F. M., & Tempski, P. Z. (2021) O desenvolvimento da autonomia em adolescentes com síndrome de Down a partir da pedagogia de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 26(8), 3019-3030. https://doi.org/10.1590/1413-81232021268.09322020
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).

3.3.3 NAMORO E SEXUALIDADE

Com relação ao tema “namoro e sexualidade”, os jovens foram questionados sobre o que é namorar, se eles namoram, se sabem o que é sexualidade e se gostariam de casar e ter filhos. Os relatos dos jovens foram os seguintes:

que a gente arruma namorada beija ela e só. Não sei o que é. Primeiro a gente namora conhece e depois a gente pensa em casar. (P1)

Carta de amor por e-mail. Não sei. Não gosto de namorado, não. Primeiro estudar e trabalhar. (P4)

Isso não sei muito. Meu sonho é casar ter filho marido. (P6)

namorar é muito chato. Mimimi pra lá, mimimi pra cá. Mas gostaria de namorar. Não pensei sobre isso. Não sei o que é isso. (P10)

namorar? Aí falou minha língua. Legal!! Meu sonho é namorar e casar. E transar. Não sei o que é. (P15)

Nesse sentido, esses jovens ficam jogados no abismo da ausência de significação e de uma perspectiva do vir-a-ser. Jerusalinsky (1989)Jerusalinsky, A. (1989). Psicanálise e desenvolvimento infantil. Artes Médicas. sublinha a ocorrência dessa configuração também na chegada da adolescência e da juventude, quando o apagamento da dimensão da sexualidade, por exemplo, obtura o futuro do sujeito e induz a família a antecipar um bebê mesmo quando se trata de um jovem adulto (Gurski et al., 2013Gurski, R., Ferrari, A. G., & Silva, M. R. (2013). O sujeito sindrômico e a infância eternizada: um modo de penhasco? Cadernos de Psicanálise, 35(29), 127-142.).

3.3.4 ASPECTO PROFISSIONAL

Com relação ao tema “aspecto profissional”, os jovens foram questionados se trabalham, se gostariam de trabalhar. A seguir alguns relatos dos jovens:

eu prefiro trabalhar no hospital, para cuidar dos doentes. (P1)

professora de matemática. (P3)

trabalhar como enfermeira também, ser uma boa médica. Ajudar todo mundo. (P4)

ajudar carregar sacolas no supermercado. (P5)

ser professora de maternal. Adoro criança. (P10)

advogado. Um sonho meu. (P17)

veterinária de animais. (P19)

dançarina, dança do ventre, capoeira, tudo. (P14)

É possível perceber que o jovem com Síndrome de Down demonstra o interesse pelo trabalho. Nessa acepção, o principal argumento da importância do trabalho para a pessoa com deficiência é de que ele é entendido como atividade fundamental para a manutenção da vida adulta e das relações sociais, visto que repercute e compõe a identidade e a autonomia das pessoas, além de favorecer a autoestima e a interação social das pessoas (Cardozo & Raitz, 2018Cardozo, J. P., & Raitz, T. R. (2018). Os sentidos da educação e inserção profissional para jovens e adultos com síndrome de Down: desafios e expectativas. Revista de Educação, Ciência e Cultura Canoas, 23(1), 215-229.).

Ao analisar os resultados do presente estudo, constata-se que os jovens com deficiência apresentam baixa autonomia nas atividades sociais, muitas vezes realizando atividades pouco diversificadas e sempre acompanhados por um adulto. Essa falta de autonomia pode ser atribuída à falta de oportunidades proporcionadas pelas suas famílias, que, muitas vezes, carecem de orientação profissional e apoio emocional para lidar com as complexidades da deficiência de seus filhos (Cardozo & Raitz, 2018Cardozo, J. P., & Raitz, T. R. (2018). Os sentidos da educação e inserção profissional para jovens e adultos com síndrome de Down: desafios e expectativas. Revista de Educação, Ciência e Cultura Canoas, 23(1), 215-229.).

Nesse sentido, é importante destacar a necessidade de uma escuta qualificada por parte dos profissionais, para que os medos dos pais sejam considerados e o luto decorrente da condição de ter um filho com deficiência possa ser elaborado. É fundamental que as famílias tenham acesso a informações e suporte para ajudá-las a compreender as reais condições e possibilidades dos seus filhos, possibilitando a criação de um ambiente acolhedor e seguro para o desenvolvimento de suas habilidades e competências (Gurski et al., 2013Gurski, R., Ferrari, A. G., & Silva, M. R. (2013). O sujeito sindrômico e a infância eternizada: um modo de penhasco? Cadernos de Psicanálise, 35(29), 127-142.).

Também se faz necessário, tanto com o sujeito quanto com os pais, trabalhar o denominado de estabelecimento do real, em outras palavras, circunscrever os limites do dano orgânico, a fim de eles não se estenderem para além dos prejuízos efetivamente produzidos pelo dano real e, simultaneamente, para que não se construam demandas impossíveis na direção do sujeito (Gurski et al., 2013Gurski, R., Ferrari, A. G., & Silva, M. R. (2013). O sujeito sindrômico e a infância eternizada: um modo de penhasco? Cadernos de Psicanálise, 35(29), 127-142.).

Lepri (2019)Lepri, C. (2019). A Pessoa no centro: autodeterminação, autonomia e adultidade para pessoas com deficiência. Saberes Editora. aponta para o fato de que, para encontrar o outro “real”, é necessário ter aprendido a enxergar a realidade sobre si mesmo; por isso, é preciso ajudar a pessoa com deficiência intelectual a incorporar a deficiência na construção da própria identidade e dar-lhe um sentido positivo. De fato, para poder pensar em uma vida independente, cada jovem precisa tomar consciência de quem ele realmente é, com capacidades e limites. Além disso, é essencial perceber que é um adulto e, portanto, deve assumir comportamentos adequados, sentir que tem um papel verdadeiro, que é reconhecido.

4 CONSIDERAçõES FINAIS

A presente pesquisa teve por objetivo investigar as concepções de mães e jovens em relação à autonomia da pessoa com Síndrome de Down. A partir dos relatos, foi possível perceber que a perspectiva das mães com relação à autonomia é a realização das atividades cotidianas em casa, mas, ao sair desse ambiente, elas demonstram medo, não permitindo que os filhos ampliem essa autonomia para outros ambientes. Há também uma dificuldade de perceber esses filhos com maturidade sexual, e, por não saberem como orientá-los, acabam, na maioria das vezes, negando as suas expressões e infantilizando.

Conforme indicado na literatura e verificado neste estudo, essas mães necessitam de um olhar atento dos profissionais que estão a sua volta, a partir de uma escuta atenta e sensível das suas vivências, bem como orientações sobre a importância de estimular a autonomia do jovem com Síndrome de Down.

Com relação ao jovem com Síndrome de Down, foi possível perceber que, mesmo não entendendo a sua condição genética e o que venha a ser de fato autonomia, eles demonstram o desejo de terem uma vida como qualquer outro jovem, que estuda, namora, trabalha, sai de casa sozinho. Nesse sentido, é preciso a implementação de programas voltados para a capacitação de profissionais e pais no auxílio às pessoas com Síndrome de Down.

É importante, por conseguinte, não só influenciar o desenvolvimento, o treinamento e a aquisição de responsabilidades em pessoas com Síndrome de Down, mas auxiliar as famílias a “assumir riscos” e permitir que seus filhos desenvolvam toda a autonomia de que são capazes. É importante que os pais sejam orientados a não guiarem sempre todas as ações de seu filho, mas deixá-lo tomar a iniciativa e segui-la. Permitir que esteja errado e que tome consciência de seu erro para que consiga avaliar as dificuldades de uma situação; caso contrário, não poderão avaliar o que fazem bem e estarem cientes de que executou corretamente a ação.

O desenvolvimento dessas habilidades está diretamente relacionado à atitude da família e não apenas à capacidade cognitiva desse jovem. É comum as atitudes de superproteção que existem em famílias de pessoas com deficiência e a tendência de subestimar as habilidades reais de seus filhos.

As diferentes conquistas do jovem com Síndrome de Down dependem de muitas coisas: o conhecimento de si mesmo, de suas habilidades pessoais, ajustamento social, preparação para o trabalho, saúde física e mental e, acima de tudo, ter tido, desde a infância, uma vida baseada na responsabilidade e na aquisição de autonomia pessoal.

As pesquisas apontam que é necessário apoiar, desde a mais tenra idade, o desenvolvimento das competências de autodeterminação das pessoas com Síndrome de Down, fornecendo as oportunidades, as experiências e os apoios necessários para aplicarem e utilizarem plenamente essas competências. A autodeterminação, portanto, deve tornar-se um aspecto central nos programas educacionais e nos apoios fornecidos, embasando, inclusive, todas as ações destinadas a melhorar os níveis de autonomia das pessoas com Síndrome de Down. A capacidade de planejar objetivos, fazer escolhas e tomar decisões, avaliar as próprias ações e resultados, de fato, são ações essenciais para melhorar a própria autonomia.

Dessa forma, nem o preconceito, nem o comprometimento genético, pode ser usado como argumento para a superproteção e infantilização do jovem, impedindo-o de crescer e desenvolver a autonomia. É importante olhar para a pessoa com todas as suas particularidades, de acordo com as suas necessidades, para além do dano orgânico.

A presente pesquisa investigou as concepções de mães e jovens em relação à autonomia da pessoa com Síndrome de Down. No entanto, é importante mencionar as limitações do estudo. Uma delas é a amostra limitada, que se restringiu a um grupo específico de mães e jovens, o que limita a generalização dos resultados para outras populações. Além disso, a pesquisa se baseou apenas em relatos de mães e jovens, sem a utilização de outros métodos de coleta de dados, como observação direta ou entrevistas com profissionais da área. Propostas de estudos subsequentes incluem a extensão da amostra e a utilização de diferentes métodos de coleta de dados para obter uma compreensão mais completa e abrangente das concepções e das necessidades das pessoas com Síndrome de Down e suas famílias em relação à autonomia.

Com base nos resultados aqui delineados, espera-se contribuir com o desenvolvimento de programas mais abrangentes, envolvendo não só jovens com Síndrome de Down, mas também suas famílias, visando uma conscientização e capacitação mais ampla para pais e profissionais que trabalham diretamente com essa população. Além disso, espera-se que as informações obtidas possam ser úteis para a formação acadêmica de futuros profissionais que lidem com pessoas com Síndrome de Down. É importante ressaltar também a relevância de se ouvir as necessidades desses jovens, para que eles possam desenvolver cada vez mais a consciência de seus direitos e deveres e, assim, conquistar autonomia para tomar decisões em relação ao seu futuro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2022
  • Revisado
    31 Maio 2023
  • Aceito
    16 Jun 2023
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