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A questão linguística na inclusão escolar de alunos surdos: ambiente regular inclusivo versus ambiente exclusivamente ouvinte

The linguistic issue in school inclusion of deaf students: regular inclusive environment versus exclusively hearing environment

Resumos

Ao direcionarmos o olhar para as questões e implicações que a surdez suscita, um ponto que emerge imediatamente refere-se à linguagem. A pesquisa visa à descrição da linguagem utilizada por e com alunos surdos em contexto inclusivo, focalizando ambientes escolares distintos: um exclusivamente ouvinte, com presença de apenas uma aluna surda em toda a escola; e outro em que há concentração de alunos surdos na mesma escola. Os sujeitos focais da pesquisa são três meninas surdas que cursam o ensino fundamental em duas escolas municipais, assim como os professores e colegas que interagiram com elas ao longo da observação. Os sujeitos focais foram observados e filmados em sala de aula e durante situação de interação livre. O estudo permitiu observarmos comparativamente o que ocorreu em cada uma das escolas. Naquela em que há presença de vários surdos na escola, a proximidade com os professores do Centro de Atendimento Especializado, fluentes em LIBRAS, e os investimentos realizados na formação dos professores em língua de sinais, ainda que insuficientes, promoveram a presença da LIBRAS na escola. Embora utilizada de modo parcial, já que geralmente combinada a gestos e linguagem oral, a língua de sinais foi usada pelos surdos e ouvintes em suas interações. Em contrapartida, na escola em que não houve investimento na inclusão da LIBRAS e a escolarização segue princípios basicamente oralistas, a única aluna surda matriculada não fez uso nem de língua de sinais nem de linguagem oral de modo significativo.

Educação Especial; Linguagem e Educação; Inclusão Educacional; Surdos


When we look at the issues and implications of deafness one point that emerges immediately refers to language. This study aims to describe language used by and with deaf students in inclusive contexts, focusing on different school environments: an exclusively hearing one, with the presence of only one deaf student throughout the school; and another one in which there is a concentration of deaf students in the same school. The focal subjects are three deaf girls who attend elementary school in two municipal schools, as well as the teachers and colleagues who interacted with them during the study. The focal subjects were observed and filmed in the classroom and during free interaction situations. The study allowed us to compare what happened in each of the schools. In the one where there are several deaf students, interaction with the special support system teachers, who were fluent in Brazilian sign language, and the investments made in the training of teachers to use sign language, albeit insufficient, promoted the presence of sign language in that school. Sign language was used by the deaf and hearing people in their interactions, even though it was not used to full extent, because it was usually combined with gestures and oral language. In contrast, in the school in which there was no investment in the inclusion of Brazilian sign language and the educational approach follows basically oralist principles, the only deaf student enrolled used neither sign nor oral language effectively.

Special Education; Language and Education; School Inclusion; Deafness


RELATO DE PESQUISA

A questão linguística na inclusão escolar de alunos surdos: ambiente regular inclusivo versus ambiente exclusivamente ouvinte

The linguistic issue in school inclusion of deaf students: regular inclusive environment versus exclusively hearing environment

Patricia AspilicuetaI; Carla Delani LeiteII; Emileine Cristine Mathias RosaIII; Gilmar de Carvalho CruzIV

IDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Campus Irati/PR; patriciaspili@hotmail.com

IIEspecialista em Neuropediatria pelo IBRATE; Fonoaudióloga da APAE de Francisco Beltrão/PR e da APAE de Salgado Filho/PR; carlita_delani@hotmail.com

IIIFonoaudióloga da Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos e da Fala (APADAF) de Porto União/SC e da Secretaria de Educação de Irineópolis/SC; emileinee@hotmail.com

IVDoutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Docente do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Campus Irati/PR; Docente credenciado junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa/PR; gilmar@irati.unicentro.br, gilmarcruz@uepg.br

RESUMO

Ao direcionarmos o olhar para as questões e implicações que a surdez suscita, um ponto que emerge imediatamente refere-se à linguagem. A pesquisa visa à descrição da linguagem utilizada por e com alunos surdos em contexto inclusivo, focalizando ambientes escolares distintos: um exclusivamente ouvinte, com presença de apenas uma aluna surda em toda a escola; e outro em que há concentração de alunos surdos na mesma escola. Os sujeitos focais da pesquisa são três meninas surdas que cursam o ensino fundamental em duas escolas municipais, assim como os professores e colegas que interagiram com elas ao longo da observação. Os sujeitos focais foram observados e filmados em sala de aula e durante situação de interação livre. O estudo permitiu observarmos comparativamente o que ocorreu em cada uma das escolas. Naquela em que há presença de vários surdos na escola, a proximidade com os professores do Centro de Atendimento Especializado, fluentes em LIBRAS, e os investimentos realizados na formação dos professores em língua de sinais, ainda que insuficientes, promoveram a presença da LIBRAS na escola. Embora utilizada de modo parcial, já que geralmente combinada a gestos e linguagem oral, a língua de sinais foi usada pelos surdos e ouvintes em suas interações. Em contrapartida, na escola em que não houve investimento na inclusão da LIBRAS e a escolarização segue princípios basicamente oralistas, a única aluna surda matriculada não fez uso nem de língua de sinais nem de linguagem oral de modo significativo.

Palavras-chave: Educação Especial. Linguagem e Educação. Inclusão Educacional. Surdos.

ABSTRACT

When we look at the issues and implications of deafness one point that emerges immediately refers to language. This study aims to describe language used by and with deaf students in inclusive contexts, focusing on different school environments: an exclusively hearing one, with the presence of only one deaf student throughout the school; and another one in which there is a concentration of deaf students in the same school. The focal subjects are three deaf girls who attend elementary school in two municipal schools, as well as the teachers and colleagues who interacted with them during the study. The focal subjects were observed and filmed in the classroom and during free interaction situations. The study allowed us to compare what happened in each of the schools. In the one where there are several deaf students, interaction with the special support system teachers, who were fluent in Brazilian sign language, and the investments made in the training of teachers to use sign language, albeit insufficient, promoted the presence of sign language in that school. Sign language was used by the deaf and hearing people in their interactions, even though it was not used to full extent, because it was usually combined with gestures and oral language. In contrast, in the school in which there was no investment in the inclusion of Brazilian sign language and the educational approach follows basically oralist principles, the only deaf student enrolled used neither sign nor oral language effectively.

Keywords: Special Education. Language and Education. School Inclusion. Deafness.

1 INTRODUÇÃO

A educação escolarizada de pessoas com necessidades especiais é tema repleto de contradições, seja no âmbito acadêmico-científico, da intervenção profissional ou das políticas públicas.O Manifesto da Comunidade Acadêmica solicitando "revisão da Política Nacional de Educação Inclusiva" (PETIÇÃO PÚBLICA, 2011) ilustra essa assertiva. As demandas específicas dessas pessoas não podem ser negligenciadas pela escola que, dentro de uma perspectiva educacional inclusiva, assuma a responsabilidade de se organizar para garantir um efetivo processo de escolarização de seus alunos. Isso implica no reconhecimento da inequívoca heterogeneidade das turmas e dascondições peculiares de aprendizagem dos alunos como, no caso desse estudo, dos alunos surdos.

As autoras Bevilacqua e Formigoni (2003) e Corrêa (1999) apontam que a inclusão tem sido vista como algo que propiciará aos indivíduos surdos melhores condições de desenvolvimento por possibilitar o estabelecimento de relações mais próximas com as crianças ouvintes dentro da escola, podendo o surdo, dessa forma, adaptar-se melhor à sociedade ouvinte. Embora atraenteessa ideia de inclusão propõea adaptaçãodos surdos ao mundo dos ouvintes, submetendo-os a um contexto em que suas características específicasnão são respeitadas. No caso dos surdos, Skliar (1998) alerta que a educação inclusiva não deve ser norteada pela igualdade com os ouvintes e sim pelas diferenças sócio-histórico-culturais da comunidade surda, apontando a diferença linguística e a inclusão da sua língua materna - a língua brasileira de sinais (LIBRAS) - como pontos fundamentais nesse processo.

Concordamos com Bisol e Sperb (2010) que há que se considerar a singularidade e o percurso de cada sujeito e, portanto, não se pode reduzir a uma proposta uniforme a educação para qualquer tipo de criança, em especial para a criança surda. No sentido de situar de que criança surda fala-se nesse momento, recorre-se à diferenciação indicada por Bevilacqua e Formigoni (2003). Há crianças surdas que respondem a sons de fala quando adequadamente protetizadas. Essas crianças conseguem fazer uso da audição para a comunicação com o auxílio de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) ou de implante coclear (IC) e podem apresentar bom desenvolvimento da linguagem oral, necessitando de atenção especial quanto ao seu posicionamento em sala de aula, uso de estratégias facilitadoras de comunicação e de recursos metodológicos que apóiem sua aprendizagem na escola regular. Esse processo é apoiado na língua portuguesa, em suas modalidades oral e escrita.

No entanto, em outro grupo de crianças surdas, que enfocaremos nesse artigo, estão aquelas que não respondem a sons de fala, mesmo com auxílio de AASI. Para essas crianças o desenvolvimento da linguagem oral depende de diversos fatores e a LIBRAS será a única língua a qual poderão ter acesso de forma natural, ou seja, sua primeira língua (L1). Para a escolarização desse grupo de surdos, a necessidade de aprender através de sua L1 deve ser atendida. Nesse sentido, deve-se priorizar nas propostas de educação de crianças surdas o contato pleno com sua primeira língua - a língua de sinais - e que essa língua seja incluída na escola.

Ao direcionar-se o olhar para as questões e implicações que a surdez suscita, um ponto que emerge imediatamente refere-se à linguagem. O surdo não adquire a língua oral da mesma forma que um ouvinte, pois o surdo necessita de recursos especializados que lhe permitam compensar a perda auditiva. Entretanto, ele adquire a língua de sinais naturalmente se lhe for possibilitado o convívio com já falantes dessa língua. Desse modo, considera-se a língua de sinais como a primeira língua do surdo e a língua oral majoritária como sua segunda língua. A questão a ser problematizada aqui se refere a como a inclusão do surdo tem sido promovida em escola regular em que a língua usada tanto para o ensino quanto para a socialização é o português, em suas modalidades oral e escrita.

Em estudo realizado no Paraná, as autoras apontam que as principais dificuldades citadas pelos professores paranaenses para a inclusão de alunos surdos no ensino regular "ora relacionam-se aos professores (em sua falta de conhecimento de estratégias para a surdez, dificuldade de interação, conhecimento da LIBRAS) ora aos surdos (surdez, dificuldade de compreensão)" (GUARINELLO et al., 2006, p.327).

Lacerda (2007) indica que a comunicação é uma importante dificuldade para a inclusão de crianças surdas na escola regular e a inclusão da LIBRAS na escola fundamental para sua escolarização. Paula (2009) acrescenta que a inclusão da língua de sinais na escola implica a aceitação da cultura surda que, por sua vez, relaciona-se à constituição da identidade surda. Nesse sentido, ela ressalta a importância do contexto escolar para as crianças surdas, que em grande maioria provém de famílias ouvintes.

Nesse trabalho, pretendemos focalizar especificamente a inclusão de crianças surdas no sistema educacional. Na perspectiva do bilinguismo, adotada aqui como referencial teórico, percebemos o surdo como um indivíduo bilíngue e bicultural, pertencente a uma comunidade surda com língua e cultura próprias, imerso em uma comunidade ouvinte majoritária.

Ao colocarmos a questão linguística em primeiro plano na educação de surdos, pretendemos discutir a inclusão do surdo a partir de sua diferença linguística.Entendemos linguagem como constitutiva do sujeito.O sujeito "é-feito" de linguagem (DE LEMOS, 1997) e a questão linguística extrapola o viés comunicativo da língua. A discussão por se realizar sobrea inclusão de alunos surdosaborda o aspectolinguístico a partir da observação de que língua ou linguagem foiusada na interação das crianças surdas dentro da escola regular, considerando que:

Se partimos do pressuposto que as interações sociais deflagradas no interior da escola e no seu entorno desempenham papel importante no processo de escolarização - não sendo, entretanto, sua função específica - é necessário, por conseguinte, que os contextos nos quais essas interações se manifestam, sejam considerados por ocasião da organização de ambientes de aprendizagem que se pretendam inclusivos(CRUZ, 2008, p.18).

Portanto, nessa pesquisa nos propomos aconhecer os recursos linguísticos utilizados pelos e com os alunos surdos em diferentes situações dentro do contexto escolar regular inclusivo. A finalidade do estudo é descrever a linguagem usada entre os alunos surdos e os outros membros da escola,focalizando ambientes escolares distintos: um exclusivamente ouvinte, com presença de apenas uma aluna surda em toda a escola; e outro em que há concentração de alunos surdos na mesma escola.

2 MÉTODO

O estudo realizado configura-se como uma pesquisa descritiva de cunho qualitativo. Os sujeitos focais da pesquisa são três meninas surdas que cursam o ensino fundamental em duas escolas municipais. Ainda foram sujeitos do estudo os professores e colegas que interagiram com as alunas surdas ao longo da observação. Em uma das escolas envolvidas (escola A) há vários alunos surdos incluídos no ensino regular enquanto na outra escola (escola B) há apenas uma aluna surda em toda a escola. Ambas localizam-se em uma cidade do interior do Paraná. As duas alunas focalizadas na escola A cursavam a terceira série e tinham 10 e 11 anos de idade. A única aluna surda da escola B tinha 14 anos e cursava a quinta série. Todas elas apresentam perda auditiva neurossensorial profunda bilateral e utilizavam aparelho de amplificação sonora individual.

Os sujeitos focais foram observados e filmados durante 30 minutos em cada um dos seguintes contextos: em sala de aula, na aula de educação física e durante situação de interação livre como o recreio e a saída da escola. O material filmado foi descrito utilizando-se formulário desenvolvido especificamente para o estudo que permitiu registrar e analisar a linguagem utilizada com e pelas alunas surdas na escola em suas interações com seus pares e professores. Esse instrumento configura-se como um protocolo para transcrição das filmagens, registrando cada evento interativo em separado. Delimitamos os eventos interativos como todo e qualquer tipo de interação com intenção de comunicação entre uma díade. Desse modo,verificamos que recurso foi usado pelas alunas surdas ao se dirigirem aos seus professores e colegas e vice-versa. Os recursos empregados nessas interações foram classificados como língua oral, língua de sinais (LIBRAS), alfabeto manual, escrita e linguagem gestual. Para cada evento interativo, podemos encontrar a utilização de apenas um recurso ou de mais de um recurso no mesmo evento.

A presente pesquisa norteia-se pelas diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, em conformidade à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Ressalta-se que a mesma foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Saúde da Universidade Estadual do Centro-Oeste.

3 RESULTADOS

3. 1ESCOLA A: AMBIENTE INCLUSIVO COM CONCENTRAÇÃO DE ALUNOS SURDOS NA MESMA ESCOLA REGULAR

A escola em questão, denominada aqui como Escola A, foi escolhida por se tratar de uma escola pública, do ensino fundamental, considerada centro de referência na educação dos surdos no município. Nessa escola encontra-se a maioria das crianças surdas da cidade. Ela localiza-se na região central, ficando próxima ao Centro de Atendimento Especializado à Deficiência Auditiva (CAEDA). Não há intérprete na escola, porém já foram ministradas algumas aulas de LIBRAS para alunos, professores e funcionários da escola.

3.1.1 OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA

A aula analisada abordou o reino animal. O conteúdo foi igual para todos os alunos, não havia presença de intérprete em sala de aula, assim como não foi utilizado nenhum material adaptado para a participação das alunas surdas na atividade. A professora explicava o conteúdo oralmente e o escrevia na lousa a fim de ser copiado pelos alunos. A professora fazia perguntas sobre o conteúdo, que eram respondidas oralmente pelos alunos ouvintes. Durante a explicação oral, a professora utilizava palavras-chave em LIBRAS e alguns gestos. Embora, ao longo de toda a aula, a professora escrevesse o conteúdo no quadro, esse não foi, em sua maior parte, usado como recurso para interagir com as alunas surdas. Acrescente-se a isso que essas alunas apenas compreendem o significado de poucas palavras escritas, atuando como copistas.

Entre os eventos interativos descritos, vinte foram de interação entre professora e alunas surdas, quatro eventos envolveram a interação entre alunas surdas e ouvintes e dois eventos foram de interação entre surda e surda, totalizando vinte e seis eventos analisados.

Nos vinte primeiros, a professora fezpredominantemente uso combinado de linguagem oral, LIBRAS elinguagem gestual no mesmo evento (60%). Ocorreram, ainda,15% de eventos em que ela utilizou linguagem oral egestual simultaneamente. Em 5% dos eventos interativos foi usada apenas a linguagem oral e em outros 5% apenas a gestual. Consideramosque em 15% dos eventos houve uso de linguagem oral, gestual, escrita e LIBRAS no mesmo evento (Figura 1).


Por outro lado, nesses vinte eventos de interação entre a professora e os sujeitos focais, as alunas surdas utilizaram LIBRAS em 20% dos eventos, apenas o recurso gestual em 30%, combinação de linguagem oral e gestual no mesmo evento em 5% e combinação de LIBRAS, linguagem oral e gestual na mesma situação em 5% das situações. Nos restantes 40% dos eventos,a iniciativa da interação foi da professora e não houve resposta por parte das alunas surdas (Figura 2).


Nos quatro eventos analisados em que houve interação entre alunas surdas e ouvintes, constatamos que a língua preponderante foi a LIBRAS. Em 75% dos eventos as alunas surdas usaram LIBRAS e em 25% dos eventos a aluna surda nada respondeu à iniciativa de interação da aluna ouvinte (Figura 3).


Em contrapartida, ao analisarmos a linguagem usada pelos alunos ouvintes na interação com seus pares surdos, encontramos 25% de situações em que o aluno ouvinte não responde à tentativa de interação da aluna surda. No restante desses eventos, 25% correspondem ao uso de LIBRAS pelo aluno ouvinte e 50% a utilização de LIBRAS e linguagem gestual no mesmo evento (Figura 4).


Registramos duas interações entre as alunas surdas; nesses eventos houve 50% de uso combinado de LIBRAS e gestos no mesmo evento e 50% de uso apenas de LIBRAS durante a interação (Figura 5).


3.1.2 OBSERVAÇÃO EM SITUAÇÃO DE INTERAÇÃO LIVRE

Observamos a interação das crianças surdas com crianças ouvintes, com os pares surdos e com professores ouvintes e surdo no recreio. Entre os eventos interativos descritos, 16 foram entre aluna surda e criança ouvinte, oito eventos envolveram a interação entre as alunas surdas e quatro eventos foram entre aluna surda e professora ouvinte, totalizando 28 eventos analisados.

Nos eventos entre alunas surdas e alunas ouvintes prevaleceu, por parte das alunas ouvintes, o uso combinado de LIBRAS e linguagem gestual no mesmo evento em 67,75% dos casos. Encontramos em torno de 25% de eventos em que foram utilizadas pelo ouvinte somente a linguagem gestual e6,25% em que a criança ouvinte utilizou apenas a LIBRAS (Figura 6).


Analisamos também os recursos utilizados pelas alunas surdas durante a interação com os alunos ouvintes. Elas utilizaram LIBRAS em 25% dos eventos, LIBRAS e linguagem gestual em 18,75%, linguagem gestual isolada em 18,75%, combinação de LIBRAS, linguagem oral e gestual na mesma situação em 6,25% dos eventos. Nos restantes 31,25% de eventos entre alunos surdos e ouvintes, a iniciativa da interação foi do aluno ouvinte e não houve resposta por parte das alunas surdas (Figura 7).


Nos oito eventos analisados em que houve interação entre as duas alunas surdas, constatamos que a língua preponderante foi a LIBRAS. As surdas, em interação uma com a outra, utilizaram 50% de LIBRAS, 25% de combinação entre gestos e LIBRAS, 12,5% de língua oral e LIBRAS combinadas e em 12,5% não houve resposta (Figura 8).


Durante o recreio, registramos alguns momentos de interação entre as alunas surdas e os professores do CAEDA. Esses professores são fluentes em LIBRAS e um deles é inclusive surdo. Nesses eventos observou-se que a LIBRAS foi utilizada em 100% dos quatro eventos analisados (Figura 9).


3.2 ESCOLA B: AMBIENTE EXCLUSIVAMENTE OUVINTE COM PRESENÇA DE UMA ALUNA SURDA

Trata-se de uma escola pública de ensino fundamental localizada em bairro residencial do município, próximo à moradia da aluna surda focalizada no estudo. Ela é a única surda que frequenta essa escola.

3.2.1 OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA

A primeira aula analisada foi a de educação física, dentro da sala de aula, pois a professora iria proceder a uma aulateórica. A aluna localizava-se à frente, perto da mesa da professora. O conteúdo abordado referiu-seàs regras do handebol e ocorreu da mesma forma para todos os alunos, sem haver presença de intérprete. Ela passou a teoria de handebol, sem de fato interagir com nenhum aluno e todos os alunos, inclusive a aluna surda, copiavam do quadro. Durante a explicação, a professora pedia que os alunos lessem oralmente o que ela havia escrito no quadro. Entre os eventos ocorridos, cinco foram entre a professora e a aluna surda e dez eventos entre a aluna surda e os alunos ouvintes, no total de quinze eventos.

Os resultados mostram que a interação da professora com a aluna surda configurou-se ora oral, ora gestual, ambos os casos com 40% cada. A combinação de linguagem oral e gestual no mesmo evento correspondeu a 20% dos eventos interativos (Figura 10).


Nosmesmos eventos, a aluna surda interage com a professora utilizando, na maioria dos eventos,o recurso gestual (60%) ou apresenta ausência de resposta à iniciativa da professora (40%) (Figura 11).


A maior parte dos eventos interativos em sala de aula ocorreu entre os alunos e não entre a aluna surda e a professora. Por parte dos alunos ouvintes, alinguagem gestual é preponderante (60%) e há também o uso do alfabeto manual associado aos gestos no mesmo evento (40%) (Figura 12).


Nesses eventos, a aluna surda interage com seus colegas ouvintes através tanto do alfabeto manual associado aos gestos (50%) quantodos gestos isoladamente (50%) (Figura 13).


3.2.2 OBSERVAÇÃO EM SITUAÇÃO DE INTERAÇÃO LIVRE

Os eventos interativosregistrados na hora do recreio e da saída da escola, no total de 10, são entre a aluna surda e colegas ouvintes. Observamosforte presença dos gestos e do alfabeto manual, tanto por parte da aluna surda quanto dos alunos ouvintes.

Quanto aos recursos usados pelos colegas ouvintes na interação com a aluna surda, predominou a linguagem gestual associada ao alfabeto manual (60%), seguida do uso de gestos (20%) e de linguagem gestual, língua oral e alfabeto manual no mesmo evento (10%). Em 10% dos casos constatamos ausência de resposta (Figura 14).


Em relação à linguagem utilizada pela aluna surda, houve predomínio, como no anterior,da combinação de gestos e alfabeto manual (60%), seguido do uso de gestos isolados (30%). Registramos episódio de uso de linguagem oral (10%) por parte da aluna surda (Figura 15).


4 DISCUSSÃO

Ao acompanharmos alunas surdas no ensino fundamental em duas escolas municipais, assim como os professores e colegas que interagiam com elas, observamos como a diferença linguística tem se manifestado nesse contexto escolar inclusivo. Em uma das escolas (A) havia alguns alunos surdos incluídos no ensino regular enquanto na outra escola (B) havia apenas uma aluna surda em toda a escola. Os resultados apontam na mesma direção de estudo realizado por Schemberg et al. (2012), indicando que as interações linguísticas nas escolas estudadas são restritas e pouco efetivas.

Na escola A, na análise das filmagens tanto em sala de aula quanto no recreio, nota-se a presença da LIBRAS usada por professores e alunos ouvintes com os alunos surdos, assim como pelos alunos surdos com seus professores e colegas, mas essa é normalmente utilizada em associação a outros recursos, tais como gestos e oralidade, evidenciando uma mescla linguística. Constatou-se, portanto, que apesar da LIBRAS encontrar-se presente nessa escola essa presença não era efetiva, pois a língua era usada de modo parcial. A linguagem mais utilizada configurou-se como uma mescla envolvendo LIBRAS, gestos, língua oral e escrita.

Desse modo, embora presentes na escola, as alunas surdas ficaram excluídas das atividades propostas em sala de aula, tornando-se excelentes copistas de textos sem significado para elas. Da mesma forma, nas situações de interação livre analisadas, mesmo havendo interações entre os surdos e os demais membros da escola, essas ficaram restritas a apenas algumas trocas de informações. Notou-se durante a análise da hora do recreio que as crianças surdas não estabeleciam um diálogo com as crianças ouvintes. Os momentos em que se verificou uma troca mais ampla, utilizando a LIBRAS de forma efetiva, restringiram-se àqueles em que os surdos falavam entre si ou com os professores do Centro de Atendimento Educacional Especializado, fluentes em LIBRAS, que sistematicamente iam a essa escola.

Enquanto na escola A constatou-se o uso de LIBRAS, comunicação gestual, linguagem oral e escrita, por outro lado, na escola B, em que o ambiente inclusivo é exclusivamente ouvinte, não se registrou a presença da LIBRAS. Nessa, observou-se forte presença de gestos e do alfabeto manual tanto por parte da aluna surda quanto dos alunos ouvintes. Os gestos associados ao alfabeto manual foram o linguajar predominante tanto nas interações livres quanto na sala de aula.

As situações observadas apontam que, em ambas as escolas, houve predominância de uma mistura de recursos comunicativos na tentativa de vencer o bloqueio de comunicação entre surdos e ouvintes. No entanto, essa solução encontrada pelos membros da escola não se configura como efetiva para promover a inclusão escolar, pois os alunos surdos ficam privados do acesso a grande parte das informações e atividades propostas. De modo semelhante ao já constatado em outros estudos, "a criança surda está presente, mas está perdendo uma série de informações fundamentais sobre questões de linguagem, sociais e afetivas que lhe escapam justamente por sua condição de ser usuária de outra língua"(LACERDA, 2006, p. 178).

Há que se apontar que para a inclusão escolar dos surdos é premente que os membros da escola compartilhem de um mesmo sistema linguístico, propiciando às crianças surdas que absorvam todas as oportunidades que a escola oferece, contribuindo, dessa maneira, para a formação de sujeitos ativos dentro da sociedade.

Segundo Lacerda (2007), para possibilitar a inclusão de alunos surdos em escolas de ouvintes, é imprescindível a presença de intérprete de LIBRAS na sala de aula, e mais que isso, a LIBRAS deve ser valorizada e estar presente em toda a escola. Para tanto, a inclusão de LIBRAS no currículo da escola, a oferta de cursos de capacitação em LIBRAS e a inclusão da língua de sinais na formação dos professores são ações essenciais na direção da inclusão desses alunos.

As escolas brasileiras, em sua maioria, não contam ainda com intérpretes de LIBRAS nem com professores fluentes nessa língua. As escolas pesquisadas nesse estudo não fogem a esse cenário. Na escola A, apesar de capacitações em LIBRAS já terem sido ministradas aos professores e funcionários, essas não foram suficientes para suprir as necessidades linguísticas das alunas surdas e dos próprios professores e funcionários. A professora, apesar de apresentar conhecimento básico da LIBRAS, não atingiu fluência e, portanto, as aulas não são ministradas em língua de sinais, o que priva as alunas surdas de aprender efetivamente os conteúdos propostos.

Interessante notar que na interação com os alunos ouvintes, a LIBRAS esteve mais presente do que na interação com a professora. Presenciamos, inclusive, episódios em que a professora recorria aos alunos como facilitadores de sua interação com as alunas surdas. Contudo, a LIBRAS não é ofertada como disciplina aos alunos nessa escola. O interesse demonstrado pelos alunos ouvintes na utilização da LIBRAS em suas interações com as surdas indica que investimentos no sentido de introduzir o ensino de LIBRAS para ouvintes no currículo escolar podem ser bem recebidos pelos alunos.

É a partir de uma perspectiva bilíngue que algumas escolas têm obtido sucesso na educação de crianças surdas. Com um olhar voltado para elas e suas capacidades, essas escolas têm utilizado a LIBRAS para facilitar o acesso à aprendizagem, proporcionando que possam se reconhecer como surdas ao utilizar uma língua que é natural de sua comunidade (SILVA, 2001).

A relação entre língua e subjetividade encontra-se explicitamente afirmada em Benveniste (2005), para quem essa subjetividade do homem está mesmo atrelada à linguagem enquanto instância de discurso, pois é ela que o constitui como sujeito. Não há sujeito sem linguagem nem linguagem sem sujeito.

Podemos apontar aqui que o outro surdo é essencial para a aquisição da língua de sinais como primeira língua e para a formação da identidade da pessoa surda (GESUELI, 2006). Nessesentido, torna-se prioritário que se considere a interação da criança surda com outros surdos sinalizadores.Para se tornarem fluentes em língua de sinais, os surdos precisam conviver cotidianamente com outros surdos já fluentes, em analogia ao que ocorre com as crianças ouvintes ao interagirem com já falantes da língua desde seu nascimento.

Todavia, há situações, como na escola B, em que encontramos um único aluno surdo na escola e, portanto, esse não encontra pares fluentes em sua L1 com quem falar. Observamos que nesse ambiente exclusivamente ouvinte a própria aluna surda não faz uso de LIBRAS e o único componente dessa língua utilizado é o alfabeto manual.

Do ponto de vista linguístico, torna-se central para a educação escolarizada de surdos que em cada município discuta-se onde seria o lugar em que a interação entre surdos, em sua própria língua, pode ocorrer. Somando-nos às vozes enunciadas em Sá (2011), propomos que tal reflexão leve sempre em consideração a possibilidade da escola de surdos como a melhor opção em termos linguísticos para a criança surda em fase de aquisição de LIBRAS como L1. Na escola de surdos, a criança surda poderá tornar-se falante em língua de sinais, poderá adquirir uma língua, o que será fundamental para qualquer aprendizagem, seja ela acadêmica ou social, e para sua constituição como sujeito.

Assumir a inclusão em escola regular como direito de todos não deve instituí-la como obrigatória para todos. O discurso inclusivista aponta para avanços importantes em nossa sociedade e em nossas escolas ao propor que essas passem a estar preparadas para receber todos aqueles que dela quiserem tomar parte. No caso de pessoas surdas, a questão da língua precisa ser pensada ao se considerar as opções possíveis para cada surdo em cada momento de sua vida e em cada realidade educacional que se apresentar.Uma compreensão mais sistêmica de nossa noção de escola coloca no centro da discussão não essa ou aquela escola, mas o sistema de ensino como um todo. Caso pretenda mesmo assumir e atender à heterogeneidade de suas turmas de alunos e à complexidade que encerra o ato de ensinar, esse sistema deve se organizar de modo complexo.

A inclusão de alunos surdos na rede regular de ensino não pode perder de vista o cerne da educação escolarizada. É importante ressaltar esta afirmação à medida que distorções relacionadas à maneira de abordar esse tema podem conduzir à supervalorização da integração social em detrimento da escolarização dos alunos mencionados.

O assunto adquire maior densidade à medida que a ideia de inclusão pode implicar na exclusão de pessoas diferentes. A presença física de alunos surdos em escolas e classes regulares está longe de significar êxito em seus processos de escolarização. A inclusão escolar de todas as pessoas que compõem nosso cenário social, a despeito de quão específicas sejam suas características, demanda um esforço coletivo que vai da reflexão teórica à intervenção pedagógica e deve guardar como foco a educação escolarizada de todos os alunos.

Se assumirmos que a inclusão escolar diz respeito à efetivação do processo de escolarização de alunos que apresentam condições peculiares de aprendizagem, como a questão da língua no caso dos surdos, o parâmetro para definir a escola mais adequada é o êxito no processo de escolarização. Nesse sentido, não é o espaço físico, o nome ou o tempo de existência da escola que vai indicar o ambiente físico-social mais adequado para a escolarização de alunos surdos. Mais do que estar na escola A, B ou C, interessa ao surdo estar numa escola que lhe garanta a apropriação do patrimônio cultural acumulado pela humanidade, traduzido na forma de saber escolarizado.Acompreensão de inclusão escolar há que ser assentada menos no espaço ocupado pelo aluno do que pelo modo como esse espaço repercute em seu processo de escolarização.

Em municípios em que não é possível o acesso a uma escola de surdos, há que se viabilizar alternativas nas escolas regulares que se comprometam com a inclusão da LIBRAS na escola. Em circunstâncias como as observadas nesse estudo, por exemplo, o direcionamento dos recursos e investimentos tanto materiais quanto humanos poderia concentrar-se em uma escola que pudesse tantoagregar a comunidade de escolares surdos quanto capacitar-se para a inclusão. Tal indicação, além de permitir a otimização de recursos, propiciaria o convívio cotidiano entre os surdos daquela comunidade.

Nas escolas regulares, várias ações precisam ser adotadas para a inclusão da LIBRAS na escola. Entre elas, há que se considerar como condição mínima essencial pra a inclusão de alunos surdos a presença de intérprete na sala de aula. Lacerda (2006) alerta que não se trata de panaceia solucionadoradas dificuldades, mas que se garanta minimamente o acesso do aluno surdo aos conteúdos escolares. A LIBRAS deve, ainda, ser incluída no currículo como opção de segunda língua para os alunos ouvintes e a escola servir como pólo de oferta de cursos de LIBRAS à comunidade tanto escolar quanto externa. Acrescente-se a isso a necessidade de valorização do professor surdo, conforme indica Faria (2011).

Entretanto, apenas a presença do intérprete não é suficiente para a inclusão dos alunos surdos. O investimento na formação dos professores passa pela capacitação em língua de sinais e por metodologias que atendam às especificidades do aluno surdo, porque:

Se a escola não voltar sua atenção para a metodologia utilizada e o currículo proposto, as práticas acadêmicas podem ser bastante inacessíveis ao aluno surdo, apesar da presença do intérprete. É também importante que o professor regente de classe conheça a língua de sinais, para que não esteja sempre na dependência do intérprete, ou delegando toda a responsabilidade da comunicação com os alunos surdos para esse profissional(GUARINELLO et al., 2006, p.238)

Outra diferença que não pode ser ignorada diz respeito à relação visual que o surdo estabelece com o mundo (NERY; BATISTA, 2004). Nesse sentido, adaptações voltadas para as estratégias de ensino e para o material didático auxiliam o processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos e, em adicional, enriquecem a aprendizagem dos alunos ouvintes.

A esse respeito é necessário que se avance no relacionamento estabelecido entre professores do ensino regular e professores do atendimento especializado com a finalidade de integrar o trabalho realizado e promover uma adaptação de material e estratégias de ensino que passe a fazer sentido para o aluno surdo. É necessário pontuar a importância da participação do educador surdo na escola, seja no sentido de levantar pontos que merecem atenção da equipe pedagógica, seja em relação às implicações de sua presença na constituição da identidade dos alunos surdos.

A inclusão escolar passa pela recuperação de um momento sistemático para a reunião de toda a equipe escolar em torno dessa questão. Nesse espaço, a participação de diferentes olhares sobre a inclusão poderá levantar discussões fundamentais para que se avance na escolarização do aluno surdo. Cabe aqui lembrar que falamos do aluno surdo, mas essa reorganização do tempo e a criação de espaços de trabalho em equipe não é uma demanda específica da inclusão de surdos. Ela é, antes, uma necessidade que se impõe em relação a todos os alunos. Esse momento permitiria, além da integração e planejamento conjunto, a realização de formação continuada, inclusive com a participação de profissionais como fonoaudiólogos, entre outros, para debater tanto questões gerais quanto específicas, como a da linguagem do surdo, aqui discutida.

5 CONCLUSÃO

As alunas surdas foram acompanhadas e filmadas em diferentes contextos escolares. Utilizou-se um protocolo específico que permitiu registrar e analisar que língua era utilizada com e pelas alunas surdas em suas interações com seus pares e professores tanto em sala de aula quanto em situação de interação livre.

O estudo permitiu observarmos comparativamente o que ocorreu em uma escola em que há concentração de alunos surdos e em outra em que há apenas uma aluna surda incluída. Na primeira, constatamos que a presença de vários surdos na escola, a proximidade com os professores do CAEDA - fluentes em LIBRAS - e os investimentosrealizados,ainda que insuficientes, no sentido da capacitação da equipe, promoveram a presença da LIBRAS na escola. Embora utilizada de modo parcial, já que muitas vezes combinada a gestos e linguagem oral, a língua de sinais é usada pelos surdos e ouvintes em suas interações. Em contrapartida, na escola em que não houve investimento na inclusão da LIBRAS e a escolarização segue princípios basicamente oralistas, a única aluna surda matriculada não fez uso nem de língua de sinais nem de linguagem oral de modo significativo.

Tais constatações nos levam a questionar o modo como tem sido efetivamente promovida a inclusão de surdos na realidade brasileira. A inclusão escolar deve traduzir um conjunto de reflexões e ações que garantam o ingresso, a permanência e a saída de todos os alunos, devidamente instrumentalizados para a vida em sociedade. Caso contrário, pode-se, a pretexto de promoção da inclusão, confirmar práticas pedagógicas excludentes ou, no mínimo, dissimuladoras de uma realidade que prima pela exclusão. A articulação do sistema de ensino como um todo, educação básica, educação superior e educação especial, possibilita a reunião de competências necessárias ao enfrentamento dos distintos desafios presentes no cotidiano escolar.

A inclusão de crianças surdas nas escolas regulares é política pública que vem se tornando uma realidade em todo o país e que deve ser enfrentada por toda a equipe ligada à escola. Esse enfrentamento pressupõe reflexão e busca constante e coletiva de soluções que respondam a cada situação específica.Do ponto de vista linguístico, a escola de surdos deve ser sempre considerada como alternativa adequada para sua escolarização. Todavia, quando a alternativa viável for a escola regular, é necessária a confluência dos aspectos de ordem legal, das políticas públicas e das condições concretas nas quais se materializa a intervenção profissional - considerando desde os recursos humanos às instalações físicas, passando pela organização do tempo escolar destinado ao investimento dos professores em sua própria formação continuada.

No caso estudado, nos parece pertinente apontar que a concentração de alunos surdos e investimentos em uma escola pólo para educação de surdos a fim de criar um ambiente inclusivo se apresenta-se como a opção mais indicada. Dessa forma, procura-se evitar ambientes exclusivamente ouvintes, nos quais a inclusão de alunos surdos em escolas regulares não responde aos desafios linguísticos impostos por essa inclusão.

A presente pesquisa possibilitou vislumbrarmos acentralidade da questão linguística na educação de surdos. As dificuldades apresentadas por alunos surdos em compreensão de textos e a sua escrita permeada por construções singulares, que atravessam as regras da língua portuguesa e acarretam a perda de sentido do texto, afetam todas as disciplinas escolares. Some-se a isso, o fato de que a linguagem é constitutiva do sujeito e, ainda, as questões comunicativas e interacionais que ela implica.

Recebido em: 10/09/2012

Reformulado em: 02/05/2013

Aprovado em: 22/05/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2012
  • Aceito
    22 Maio 2013
  • Revisado
    02 Maio 2013
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