Acessibilidade / Reportar erro

Uma nota sobre o movimento parabólico: uma elipse e um círculo inesperados

A note on the parabolic motion: unexpected circle and ellipse

Resumos

Discutimos dois aspectos curiosos e pouco conhecidos do movimento parabólico descrito por um projétil na ausência da resistência do ar. Escondidas na descrição cinemática deste movimento particular encontramos uma elipse e uma família de círculos.

cinemática; movimento no plano; movimento de projéteis


We discuss two curious little known features of the parabolic motion described by a projectile in space in the absence of air resistance. Hidden in the kinematical description of this particular motion there lies an ellipse and a family of circles

kinematics; motion on a plane; projectile motion


NOTAS E DISCUSSÕES

Uma nota sobre o movimento parabólico: uma elipse e um círculo inesperados

A note on the parabolic motion: Unexpected circle and ellipse

V. Soares, A.C. Tort 1 E-mail: tort@if.ufrj.br. 1 1 E-mail: tort@if.ufrj.br. ; A.G. de Oliveira Gonçalves

Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Discutimos dois aspectos curiosos e pouco conhecidos do movimento parabólico descrito por um projétil na ausência da resistência do ar. Escondidas na descrição cinemática deste movimento particular encontramos uma elipse e uma família de círculos.

Palavras-chave: cinemática, movimento no plano, movimento de projéteis.

ABSTRACT

We discuss two curious little known features of the parabolic motion described by a projectile in space in the absence of air resistance. Hidden in the kinematical description of this particular motion there lies an ellipse and a family of circles

Keywords: kinematics, motion on a plane, projectile motion.

O movimento de projéteis desempenha um papel importante no desenvolvimento da cinemática e da dinâmica modernas e a sua primeira descrição correta deve-se a Galileu Galilei que percebeu o papel secundário exercido pela resistência do ar. Galileu desconsidera a força resistiva e introduz de um modo muito claro o princípio da independência do movimento horizontal que se desenrola com uma velocidade constante em módulo, direção e sentido, e um movimento vertical executado com aceleração constante [1]. É a primeira vez que o movimento de um projétil é decomposto e não visto como um todo como era praxe na física aristotélica e medieval. O princípio da independência dos movimentos foi posteriormente corroborado com a emergência da dinâmica newtoniana. Para estudante moderno do ensino médio e universitário, o movimento parabólico muitas vezes lhe é apresentado como um exemplo importante de movimento no plano, esvaziado em sua importância histórica e conceitual. Nosso objetivo aqui, porém, é o de chamar a atenção para alguns aspectos do movimento parabólico que embora não sejam inéditos, são pouco conhecidos e permanecem constantemente ausentes dos principais livros de texto utilizados no ensino médio e universitário. Escondidas na descrição cinemática do problema encontramos duas curvas inesperadas: uma elipse e uma família de círculos. Para perceber estes aspectos do movimento parabólico comecemos por relembrar suas caracter sticas principais. Considere um projétil lançado da origem de um sistema de coordenadas cartesianas ortogonais com velocidade inicial formando um ângulo com o eixo que define a direção horizontal. Levando em conta que a aceleração gravidade jaz ao longo do eixo e aponta no sentido negativo deste eixo, as equações cinemáticas do movimento de projéteis - veja por exemplo a Ref.[2] - se escrevem

onde , e é o tempo. Eliminando entre essas duas equações obtemos a equação da trajetória descrita pelo projétil no plano . Esta equação se lê

Vemos então que o projétil descreve uma curva parabólica. Se fizermos e resolvermos a equação algébrica do segundo grau resultante obteremos o alcance R

Por outro lado, se fizermos obteremos a altura máxima H atingida pelo projétil

Com as Eqs. (3) e (4) podemos eliminar o ângulo de lançamento e obter

Agora comparamos a Eq. (5) com a equação de uma elipse com centro no ponto em relação a um sistema de coordenadas cartesianas e que tem seu eixo maior disposto ao longo do eixo e o eixo menor ao longo do eixo

onde o comprimento do eixo maior é dado por e o comprimento do eixo menor por , with . No nosso caso, podemos fazer as identificações e . Os fatores constantes a and b são também facilmente identificados. Segue então que e , isto é, o centro da elipse descrita pela Eq. (5) é o ponto . Considere um ponto que pertence à curva el ptica descrita pela Eq. (5). Sua coordenada horizontal é igual à metade do alcance da parábola à qual ele também pertence e sua coordenada vertical corresponde à altura máxima. A Fig.1 ilustra este fato curioso. A elipse em questão é o conjunto de todos esses pontos.


Figura 1 - Uma elipse inesperada.

Outro aspecto do movimento parabólico pouco conhecido e ignorado nos livros de textos tanto do ensino médio como do universitário é o círculo de simultaneidade. As equações paramétricas da trajetória do projétil podem ser facilmente combinadas e levar à equação de um círculo cujo centro geométrico e raio dependem do tempo

A interpretação física deste resultado é simples: se diversos projéteis forem lançados da origem simultaneamente no instante com a mesma magnitude de velocidade inicial , então, em um instante de tempo , todos estes projéteis, independentemente dos respectivos ângulos de lançamento estarão sobre o círculo de simultaneidade. A Fig.2 mostra este círculo em cinco instantes de tempo distintos. Note que o centro geométrico do círculo move-se no sentido negativo do eixo vertical.


Figura 2 - O círculo de simultaneidade.

Como já mencionado, os dois aspectos do movimento parabólico discutidos aqui são totalmente ignorados nos livros-textos comumente uitlizados no ensino médio e universitário no nosso país e mesmo na bibliografia internacional sobre o tema, exceto, tanto quanto é do conhecimento dos presentes autores, em um texto datado pelos padrões modernos de MacMillan [3]. Recentemente, a elipse oculta no movimento parabólico foi redescoberta por Fernandez-Chapou et al. [4]. A simplicidade algébrica e o interesse intr nsico que esses resultados podem despertar nos estudantes os tornam ideais como tema de discussão em sala de aula ou como trabalho complementar para os alunos do Ensino Médio.

Recebido em 11/8/2012

Aceito em 11/2/2013

Publicado em 24/4/2013

  • [1] G. Galilei, Dialogues Concerning Two New Sciences (Dover Publications, New York, 1954).
  • [2] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker Fundamentos de F sica (LTC, Rio de Janeiro, 2008), 8 ed.
  • [3] W.D. MacMillan: Theoretical Mechanics: Statics and Dynamics of a Particle (Dover, New York, 1958), p. 249-254.
  • [4] J.L. Fernandez-Chapou, A.L. Salas-Brito and C.A. Vargas, Am. J. Phys. 72 1109 (2004).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      11 Ago 2012
    • Aceito
      11 Fev 2013
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br