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A gênese da interpretação probabilística em livros didáticos de mecânica quântica

The genesis of probabilistic interpretation in quantum mechanics textbooks

Resumos

Neste artigo propomos uma análise de vinte livros didáticos utilizados no ensino de Física em cursos de licenciatura e bacharelado, com o objetivo de investigar como eles abordam e justificam a interpretação probabilística do quadrado do módulo da função de onda na Mecânica Quântica. Do ponto de vista do ensino de física, destaca-se a importância de ensinar não apenas os conceitos científicos, mas também as justificativas subjacentes a esses conceitos. Nesse sentido, a discussão da análise das obras busca amparo nas fontes primárias e secundárias que tratam sobre a temática. As principais questões a serem respondidas são quais argumentos e evidências são apresentados para legitimar a interpretação probabilística associada a função de onda e quais limitações são identificadas em cada abordagem didática adotada.

Palavras-chave:
Mecânica Quântica; Interpretação Probabilística; Livros Didáticos


In this article, we propose an analysis of twenty textbooks used in Physics education for undergraduate and graduate programs. The main objective is to investigate how these textbooks approach and justify the probabilistic interpretation of the square of the modulus of the wave function in Quantum Mechanics. From the perspective of physics education, the importance of teaching not only scientific concepts but also the underlying justification for these concepts is highlighted. Therefore, the discussion of the analysis of these works is based on primary and secondary sources related to the topic. The main questions to be addressed are what arguments and evidence are presented to legitimize the probabilistic interpretation associated with the wave function and what limitations are identified in each adopted didactic approach.

Keywords:
Quantum Mechanics; Probabilistic Interpretation; Textbooks


1. Introdução

A Mecânica Quântica (MQ) é uma das teorias de maior sucesso da física, tendo sobrevivido a inúmeros testes experimentais ao longo dos anos. Sua robustez teórica e experimental permite a compreensão das interações ao nível dos constituintes da matéria. O caráter estatístico intrínseco dessa teoria é um dos aspectos que a fundamentam e permite sua compreensão. Tal caráter foi devidamente formalizado por von Neumann [1[1] J.V. Neumann, Mathematical Foundations of Quantum Mechanics (Springer, Berlim, 1932), 1 ed.] que o descreve de em termos de autoestados e autovalores. Nessa perspectiva, quando uma certa grandeza física A é medida em um sistema no estado normalizado |ψ, a probabilidade P(an) de obter como resultado o autovalor não degenerado a_n do correspondente observável A^1 1 Nesse formalismo o observável é um operador. é

(1) P ( a n ) = | u n | ψ | 2

onde |un é o autovetor normalizado do observável A^ associado ao autovalor an.

O formalismo proposto por von Neumann tem um caráter mais geral, compreendendo também o entendimento do caráter estatístico em termos da função de onda. Na representação espacial da função de onda o seu modulo quadrado (ψ*ψ) desempenha um papel de densidade de probabilidade. Isto é, (ψ*ψ)dx corresponde à probabilidade de encontrar uma partícula entrex e x+dx. Tal enunciado pode ser entendido como uma regra de correspondência [2[2] M. Jammer, The Philosophy of Quantum Mechanics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1974)., 3[3] M. Bunge, Física e Filosofia (Perspectiva, São Paulo, 2015).], ou seja, ela conecta um elemento abstrato da teoria (a função de onda) com uma grandeza empiricamente mensurável (a probabilidade de uma medida). Embora essa ideia tenha começado a ser desenvolvida por diversos físicos, como Dirac e Jordan [4[4] M. Longair, Quantum Concepts in Physics: An Alternative Approach to the Understanding of Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2013).], usualmente atribui-se sua gênese aos trabalhos de Max Born [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).]. Posteriormente, essa viria a ser uma das teses centrais do que ficou conhecido como interpretação de Copenhague [6[6] W. Heisenberg, Physics and Philosophy (Penguin Books, Londres, 2000).].

Nesse sentido, a interpretação probabilística2 2 Como mencionamos, a associação do módulo quadrado da função de onda com uma densidade de probabilidade, a rigor, é uma regra de correspondência. Entretanto, historicamente, ela carrega consigo a noção de que a função de onda tem caráter apenas instrumental – o que entra no campo a interpretação da teoria, e por isso, é chamada de interpretação. Há interpretações que a regra de correspondência é mantida mesmo que se atribua significa físico para ψ, como no casso da Teoria de Variáveis Ocultas de David Bohm – mas não é nosso objetivo entrar nessa discussão. atribui um caráter puramente epistêmico à função de onda [7[7] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica (Livraria da Física, São Paulo, 2003).], isto é, a função de onda é entendida como uma representação matemática que nos permite encontrar valores de probabilidade. De forma geral uma interpretação envolve um conjunto de afirmações que não possuem implicações experimentais. Mesmo assim, estamos adotando o termo interpretação probabilística porque ele é amplamente usado nos livros didáticos e se refere ao fato de que o significado da função de onda passou a ser interpretado como algo relacionado a conceitos probabilísticos. Deve-se ressaltar que essa não era a interpretação original de outros físicos como Louis de Broglie e Erwin Schrödinger [8[8] N Lima. e R. Karam, Am. J. Phys. 89, 521 (2021).]. Em especial, na década de 1960, Louis de Broglie voltou a se opor a interpretação epistêmica da função de onda, propondo a noção de um campo real [9[9] N.W. Lima e J.P. Chaib, Rev. Bras. História da Ciência 43, e20210246 (2021).].

As pesquisas na área de Ensino de Física vêm há muito tempo reforçando a importância de que os alunos aprendam não somente os conceitos científicos; mas, também, as justificativas que estão por trás de tais conceitos [10[10] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa Crítica, disponível em: https://www.if.ufrgs.br/ moreira/apsigcritport.pdf.
https://www.if.ufrgs.br/ moreira/apsigcr...
]. Por exemplo, tão importante quanto saber que o módulo quadrado da função de onda corresponde a uma densidade de probabilidade é entender como se chegou a tal noção bem como quais evidências teóricas e empíricas corroboram essa afirmativa3 3 Deve-se ressaltar que, embora, hoje, a interpretação probabilística seja um postulado (portanto, não sendo provada), historicamente, ela foi motivada por discussões teóricas, experimentais e analogias como apresentaremos na próxima seção. . Um ensino que esteja preocupado com essa justificativa (e não somente a apresentação de informações) tem maior potencial de ser significativo para os discentes, uma vez que lhes permite atribuir significado aos elementos matemáticos abstratos a que estão sendo apresentados.

Nesse sentido, é importante que, em um curso de Física, permita-se que os alunos dominem as ferramentas matemáticas e simbólicas daquele campo específico do conhecimento – o que se pode chamar de aspecto instrumental do aprendizado. Mas também é importante que os alunos conectem os conceitos, entendam o seu desenvolvimento, saibam os justificar, e até mesmo questionar o limite de validade das propostas estudadas – uma dimensão mais reflexiva do aprendizado. É reconhecido que, a partir da segunda guerra mundial, a pedagogia científica tem se voltado sobretudo para a dimensão instrumental da aprendizagem [11[11] D. Kaiser, Choice Rev. Online, 10.5860/choice.49-1528 (2011).
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, 12[12] R. Nardi, Investig. em Ensino Ciências 10, 63, 2005.]. Essa abordagem tem sido criticada amplamente na área de ensino [13[13] A. Johansson, S. Andersson, M. Salminen-Karlsson e M. Elmgren, Cult. Stud. Sci. Educ. 13, 205 (2018).].

Diante disso, diferentes abordagens para o Ensino de Mecânica Quântica têm sido propostas, como a abordagem postulacional, histórica e fenomenológica [14[14] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investig. em Ensino Ciências 5, 23 (2000).]. Essas diferentes propostas apresentam vantagens e desafios específicos, mas concordam que existe um desafio concreto em contribuir para que os alunos atribuam significado ao formalismo estudado. Nesse mesmo sentido, a literatura especializada aponta que, mesmo alunos que conseguem resolver exercícios de Mecânica Quântica, têm dificuldade de atribuir significado físico ao formalismo [15[15] C. Singh, Am. J. Phys. 69, 885 (2001).].

Ademais, é reconhecido que o livro didático apresenta um papel central no processo de formação de cientistas [16[16] D. Kaiser, International Journal of Science Education 29, 931 (2007).] e na formação de professores [17[17] N.W. Lima, de B.B. de Souza, C.J.H. Cavalcanti e F. Ostermann, Rev. Bras. Pesqui. em Educ. em Ciências 18, 365 (2018).]. Por isso, analisar como livros didáticos apresentam determinado conceito é uma forma prática de entendermos como a comunidade científica vem formalizando essa noção – proposta que vem sendo discutida desde o trabalho seminal de Thomas Kuhn [18[18] T. Kuhn, The structure of Scientific Revolutions (The University of Chicago Press, Chicago, 1996).], com diferentes implicações para o Ensino de ciências [19[19] I. Martins, Pro-Posições 1, 117 (2006)., 20[20] M. Badino e J. Navarro, Research and Pedagogy – A History of Quantum Physics through Its Textbooks (Edition Open Access, Berlim, 2013).]. Em especial, existem trabalhos nacionais na área de Ensino de Física que apontam distorções significativas em livros didáticos com relação ao eletromagnetismo [21[21] J.P.M.C. Chaib e A.K.T. Assis, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 65 (2007).], na teoria da relatividade especial [22[22] F. Ostermann e T. Ricci, Cad. Bras. Ensino Física 21, 83 (2004).] e na proposta de dualidade onda-partícula de Louis de Broglie [23[23] N.W. Lima, M.M. Nascimento, C. Cavalcanti e F. Ostermann, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20190134 (2020).], entre outros [19[19] I. Martins, Pro-Posições 1, 117 (2006)., 24[24] H.B. Cardoso, P.T.C. Freire e J.M. Filho, Cad. Bras. ensino Física 23, 218 (2006).].

Buscando contribuir para o ensino de Mecânica Quântica, neste artigo, temos por objetivo analisar como livros didáticos de ensino superior introduzem a interpretação probabilística da função de onda. Isto é, pretendemos investigar como livros amplamente usados no ensino superior na formação de bacharéis e licenciados em Física apresentam e justificam a interpretação probabilística da função de onda, quais argumentos e elementos eles mobilizam para indicar aos estudantes a necessidade de tal proposição. Em especial, pretendemos responder às seguintes perguntas: 1) quais justificativas e evidências (teóricas, empíricas ou analogias) são fornecidas em livros contemporâneos para legitimar a interpretação probabilística? 2) A partir dos resultados obtidos, que lacunas didáticas foram encontradas e quais possíveis caminhos podem nos ajudar a superar tais deficiências?

Sobretudo, a importância dessa discussão se dá no sentido de mapear a discussão didática existente sobre o assunto a fim de viabilizar a busca de novas propostas. É importante que tenhamos conhecimento de como está fundamentada a produção contemporânea para verificar a necessidade e a potencialidade de novas propostas didáticas que contribuam para uma aprendizagem significativa de mecânica quântica e, especialmente, da intepretação probabilística.

Para responder as perguntas apresentadas, na seção 2, apresentamos uma breve discussão histórica sobre a gênese e desenvolvimento da interpretação probabilística justamente para apontar as justificativas e evidências históricas para esse conceito. Na seção 3, apresentamos a metodologia de pesquisa para análise dos livros didáticos, a dizer, a análise de conteúdo de Bardin. Na seção 4, apresentados os resultados. E, por fim, na seção 5 apresentamos nossas considerações finais e reflexões para área de Ensino de Mecânica Quântica.

2. Gênese da Interpretação Probabilística da Função de Onda

O início do século XX foi marcado por intensos debates no campo filosófico e científico, sobretudo na área da física. Nesse período, uma crescente necessidade de entender e interpretar sistemas microscópicos levou uma série de cientistas a se debruçar sobre os mais variados temas relacionados a essa problemática. Nesse contexto, o comportamento ondulatório de sistemas físicos, ou seja, perturbações de alguma grandeza física no espaço com uma periodicidade no tempo, assim como a dinâmica de corpos rígidos e consequentemente de partículas (corpúsculos), já eram bem conhecidos na época constituindo duas alternativas distintas para descrever os sistemas clássicos.

Apesar disso, é bem sabido, que diferentes estudos apontavam para a necessidade de conciliar os dois grupos de propriedades aos mesmos fenômenos, o que ficou conhecido como dualidade onda-partícula [25[25] R.A. Martins e P.S. Rosa, História da teoria quântica – a dualidade onda-partícula, de Einstein a De Broglie (Livraria da Física, São Paulo, 2014)., 26[26] B.R. Wheaton, The Tiger and the Shark: empirical roots of wave-particle dualism (Cambridge University Press, Cambridge, 1983).]. O físico Erwin Schrödinger (1887–1961) tornou-se um dos protagonistas desse período, quando publicou em 1926 na revista Annalen der Physik quatro artigos intitulados “Quantização como um Problema de Autovalor” (Quantisierung als Eigenwertproblem no original) [27[27] E. Schrödinger, Ann. Phys. 384, 361, (1926).], dando origem àquilo que posteriormente ficou conhecido como Mecânica Ondulatória.

De forma geral, o formalismo de Schrödinger atribuía ao sistema (partículas massivas como elétrons) um caráter ondulatório, fato esse que foi motivo de grandes discussões e dúvidas na ocasião. Embora Schrödinger tenha em princípio tentado atribuir um significado físico para a função de onda, as crescentes críticas o fizeram a colocar em xeque esse significado, como ele mesmo destaca em um dos seus trabalhos,

A afirmação de que o que realmente acontece é corretamente representado ao se descrever um movimento de onda não necessariamente significa a mesma coisa que: o que realmente existe é o movimento de onda. Veremos mais adiante que, ao generalizar para um sistema mecânico arbitrário, somos levados a descrever o que realmente acontece nesse sistema por meio de um movimento de onda no espaço generalizado de suas coordenadas (espaço-q). Embora este último tenha um significado físico bem definido, não pode ser dito que ele “existe” no sentido comum da palavra. Portanto, um movimento de onda nesse espaço também não pode ser dito que “existe” no sentido ordinário da palavra. É apenas uma descrição matemática adequada do que acontece [28[28] E. Schrödinger, Four Lectures on Wave Mechanics (Blackie & Son, Londres, 1928)., p. 6, nossa tradução].

A despeito da controvérsia sobre a função de onda, para dar conta do fato de que o sistema emitia radiação eletromagnética, Schrödinger relacionou a função de onda ψ um “significado eletromagnético” [29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).], associando essa função a uma distribuição de carga (densidade de carga),

(2) ρ = e ψ ψ *

derivando assim, do seu formalismo, uma “equação da continuidade”. Dessa forma, considerando que essa carga está distribuída em uma pequena região do espaço e estabelecendo uma associação entre a eletrodinâmica e a função de onda, Schrödinger pode interpretar, pelo menos em um dado momento, que os corpúsculos são grupos de ondas localizados em uma pequena região formados pela superposição de funções de ondas ψ[29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).]4 4 Para maiores detalhes ver “The Conceptual Development of Quantum Mechanics” de M. Jammer. . A rigor o pacote de onda que representa uma partícula livre se dispersa no espaço ao longo do tempo podendo implicar uma distribuição de carga mais dispersa, o que de fato nunca foi verificado, a carga sempre é detectada de forma pontual.

Em seus trabalhos sobre MQ Schrödinger essencialmente faz uma analogia ótico-mecânica [30[30] N. Lima e R. Karam, Eur. J. Phys. 43, 11 (2022).] e obtém uma equação geral em termos de uma função de onda. Posteriormente utiliza sua prescrição para solucionar o “oscilador harmônico linear”. Dessa forma, ele tenta mostrar que é possível compatibilizar o comportamento do sistema com a ideia de pacotes de ondas.

Entretanto, no mesmo período, Heisenberg (1901–1976) faz duras críticas à essa concepção de pacotes de ondas. No “oscilador harmônico” os níveis de energia são igualmente espaçados, isso o torna um caso bastante especial e compatível com a imagem concebida por Schrödinger para as ondas [4[4] M. Longair, Quantum Concepts in Physics: An Alternative Approach to the Understanding of Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2013)., 31[31] A. Pais, JSTOR 218, 1193 (1982).]. De forma geral as ondas se dispersam no espaço tornando-se incompatível com a imagem de que as partículas são pequenos pacotes de ondas localizadas que se propagam. Outras objeções à concepção de Schrödinger derivam dos efeitos observados em experimentos de difração de elétrons em cristais e de processos de colisões (espalhamento) onde é difícil compatibilizar a estabilidade das partículas com a dispersão da função de onda [29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).].

Antes da proposição da Mecânica Ondulatória de Schrödinger, alguns trabalhos já começavam a introduzir noções probabilísticas na teoria quântica. Primeiramente, é notório que ela nasce de estudos estatísticos sobre a radiação, herdando o conceito de probabilidade dos estudos de Boltzmann, como acontece no artigo de Einstein de 1905 sobre a natureza da radiação [32[32] A. Einstein, Am. J. Phys. 33, 367 (1965).]. Einstein, também, em 1917, deriva a equação de Planck a partir da noção de probabilidades de transição de níveis de energia. Embora, segundo Einstein, essas probabilidades deveriam ser interpretadas no sentido estatístico (sem implicar um indeterminismo intrínseco), Bohr e outros viram nessa discussão um reconhecimento de uma propriedade fundamental da natureza [33[33] M. Beller, Stud. Hist. Philos. Sci. 21, 563 (1990).].

Ademais, deve-se ressaltar que o desenvolvimento da Mecânica Matricial por Heisenberg, Dirac, Jordan e Pauli, a partir de 1925, permitia calcular os níveis de energia do oscilador harmônico e do átomo de hidrogênio, bem como a intensidade das diferentes linhas de emissão, o que estaria associado com a frequência relativa das transições quânticas. Nesse contexto, contrapondo-se a interpretação realista para a função de onda de Schrödinger, Max Born (1882–1970) publica um artigo sobre o processo de colisão de elétrons contra alvos atômicos [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).]. Neste trabalho, Born cita o trabalho de Heisenberg [34[34] W. Heisenberg, J. Phys. 33, 879 (1925).] relacionados ao desenvolvimento do formalismo matricial da MQ (o próprio Born contribuiu com esses trabalhos) e o artigo da mecânica ondulatória de Schrödinger [35[35] E. Schrödinger, Phys. Rev. 28, 1049 (1926).]. Dessa forma, o cenário na época se dividia (de forma simplista) entre estabelecer relações entre quantidades observadas (formalismo de Heisenberg) ou atribuir um processo dinâmico ao sistema quântico, porém interpretá-lo como um pacote de ondas que se propaga no espaço (formalismo de Schrödinger).

Por outro lado, motivado por recentes experimentos envolvendo colisão de elétrons, entre eles os realizados por James Franck (1882–1964) e seus colaboradores, Born estava inclinado a conceber uma natureza corpuscular associada aos elétrons [31[31] A. Pais, JSTOR 218, 1193 (1982).]. Mesmo reconhecendo mais tarde que a questão mais relevante não estava na controvérsia entre a representação corpuscular ou ondulatória e sim na solução para a transição de estado quântico [33[33] M. Beller, Stud. Hist. Philos. Sci. 21, 563 (1990).], o apelo ao caráter corpuscular teve importante influência na sua interpretação. Em relação a essa questão, Born comenta que,

As ondas que satisfazem essa equação não representam o movimento das partículas de matéria; elas apenas determinam os possíveis movimentos, ou melhor, estados, da matéria. A matéria pode sempre ser visualizada como consistindo de massas pontuais (elétrons, prótons), mas em muitos casos, as partículas não devem ser identificadas como indivíduos, por exemplo, quando elas formam um sistema atômico [36[36] M. Born, Nature 119, 354 (1927)., p. 355, nossa tradução].

Nesse contexto, o caráter complexo da dualidade onda-partícula não é um elemento que traz muitas dificuldades a sua interpretação e sim uma possibilidade do formalismo. Esse aspecto evidência uma postura muito mais preocupada em resolver outras questões, como a transição de estado comentada anteriormente, do que considerar o curioso aspecto dual da matéria que foi exaustivamente explorado e confirmado nas décadas seguintes.

Apesar de reconhecer as potencialidades do formalismo desenvolvido por Schrödinger enquanto princípio dinâmico, Born rejeita a interpretação de Schrödinger para a função de onda e propõe uma alternativa para essa concepção. Para testar sua interpretação, Born propõe uma análise da colisão de elétrons contra alvos (átomos), seguindo a prescrição do formalismo de Schrödinger [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).]. Os elétrons (antes e depois da colisão) longe do centro de espalhamento (nos limites assintóticos) podiam ser considerados livres da influência do potencial do centro espalhador. Dessa forma, Born obtém a solução para a onda incidente e espalhada. A análise realizada por Born em seu artigo, consistiu em utilizar um tipo de aproximação, reconhecida posteriormente como aproximação de Born [37[37] L. Wessels, Proceedings of the Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association 1980, 187 (1980).], que de forma geral é uma aplicação de teoria de espalhamento de ondas planas [4[4] M. Longair, Quantum Concepts in Physics: An Alternative Approach to the Understanding of Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2013).].

Na interpretação probabilística de Born a natureza corpuscular não é abandonada, entretanto para compatibilizar esse fato com o formalismo de Schrödinger (ondulatório), ele é conduzido a uma interpretação estatística da função de onda. Ou seja, não podemos dizer categoricamente qual o estado final que o sistema adquire, essa questão perde o sentido nessa interpretação. Ao invés disso, deveríamos nos perguntar “Qual é a probabilidade de um estado particular após a colisão?” [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927)., p. 2, nossa tradução]. Assim, Born estabelece uma solução “meio termo” [29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).] para a interpretação da função de onda que é a solução da equação de Schrödinger, uma tentativa de reconciliar ondas e partículas. Nessa perspectiva, a função de onda não adquire um “status ontológico”, os corpúsculos (elétrons) continuam na condição de principais elementos da natureza. Entretanto, a função de onda ψ carrega consigo informações essenciais da “dinâmica” desses corpúsculos nesse novo regime de validade (“em dimensões atômicas”). Sobre essa perspectiva Born chega a afirmar que “o movimento da partícula segue as leis da probabilidade, mas a própria probabilidade se propaga de acordo com as leis causais.” [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927)., p. 2, nossa tradução]. Desse modo, ele renuncia a natureza ondulatória dos corpúsculos e tenta estabelecer uma associação da função de onda à presença das partículas [29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).] por meio de uma interpretação estatística5 5 Para maiores detalhes ver, Quantum Concepts in Physics: An Alternative Approach to the Understanding of Quantum Mechanics de M. Longair. .

Nesse contexto, a função de onda assume um papel mediador entre a natureza do sistema físico (corpuscular) e seus efeitos dinâmicos (probabilísticos). As partículas, entidades reais para Born, de alguma forma se orientam no espaço de acordo com a dinâmica estabelecida pela equação de Schrödinger. Born complementa esse quadro afirmando que essa situação está “intimamente relacionada a considerar as ondas de Broglie-Schrödinger como campos fantasmas, ou melhor ainda, campos guias” [p. 2, nossa tradução], tal como uma ideia concebida por Einstein. A representação de que as partículas poderiam se orientar de acordo com a dinâmica de um campo é herdada de uma imagem concebida por Einstein ao relacionar os quanta de luz (fótons) ao campo eletromagnético [29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).]. Em relação a essa questão, Pais [31[31] A. Pais, JSTOR 218, 1193 (1982).] discorre sobre um comentário de Wigner que conhecia pessoalmente Einstein na década de 1920,

“a imagem [de Einstein] tem uma grande semelhança com o quadro atual da mecânica quântica. No entanto, Einstein, embora de certa forma gostasse dela, nunca a publicou. Ele percebeu que ela está em conflito com os princípios de conservação” [31[31] A. Pais, JSTOR 218, 1193 (1982)., p. 1197, nossa tradução].

Assim, a despeito da controvérsia a respeito da imagem da função de onda como um campo guia, Born faz questão de mencionar em seu artigo essa imagem da função de onda, acrescentando então mais um elemento de influência sobre sua concepção da MQ. Mesmo que nas atuais abordagens da MQ não se mencione essa questão, é curioso que analogias com situações bastante distintas foram utilizadas como argumento para se reforçar uma hipótese.

A interpretação probabilística de Born da mecânica ondulatória de Schrödinger, diferentemente da interpretação deste último, confere um novo status aos sistemas quânticos, uma vez que não determina categoricamente a ocorrência de um evento e sim a probabilidade de que ele ocorra. Mais ainda, essa probabilidade associada aos sistemas quânticos difere das “estatísticas” encontradas nos casos clássicos como na teoria de probabilidades [39[39] A. Khrennikov, Interpret. Probab.,10.1515/9783110213195 (2009).
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] e mecânica estatística conferindo uma característica singular à interpretação probabilística de Max Born [4[4] M. Longair, Quantum Concepts in Physics: An Alternative Approach to the Understanding of Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2013).]. A título de ilustração, se considerarmos a probabilidade de encontrar uma partícula classicamente (tal como na mecânica estatística clássica) que pode percorrer caminhos distintos, estamos considerando que a probabilidade de encontrar partícula é a soma das probabilidades para os diferentes caminhos, ou seja,

(3) P ( x ) = P 1 + P 2 .

Por outro lado, considerando o formalismo de Schrödinger, a probabilidade de encontrar a partícula é dada pelo quadrado do módulo da função de onda. Assim, para efeitos comparativos, se considerarmos que a função de onda é uma superposição de dois estados ψ=ψ1+ψ2 (“duas possibilidades”), a probabilidade fica,

(4) | ψ | 2 = | ψ 1 + ψ 2 | 2 = ψ 1 2 + ψ 2 2 + ψ 1 * ψ 2 + ψ 2 * ψ 1 = P 1 + P 2 + ψ 1 * ψ 2 + ψ 2 * ψ 1 ,

que, evidentemente difere da situação anterior. Assim, ao introduzir uma interpretação probabilística Born não só se distância das visões concorrentes da física quântica (como a de Schrödinger e de Heisenberg por exemplo) mas também inaugura uma nova epistemologia a respeito do caráter estatístico relacionado aos fenômenos quânticos [29[29] M. Jammer, The Conceptual Development of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1966).].

Cabe destacar que a função de onda é uma possibilidade de representação para os estados dos sistemas quânticos. Existem outras representações igualmente relevantes. Em seu trabalho Born utilizou apenas a representação espacial da função de onda para discutir o caráter probabilístico. Entretanto, como verificou-se posteriormente, esse caráter também está presente em outras representações.

A gênese da interpretação de |ψ|2 de fato não pode ser reduzida a uma simples afirmação. Mesmo que sua hipótese a priori a respeito do caráter estatístico pudesse em princípio ser justificada pelo sucesso em explicar fenômenos observáveis [36[36] M. Born, Nature 119, 354 (1927).], ainda restaria compreender os motivos ou justificativas que levaram Born a considerar sua hipótese. Para Beller [33[33] M. Beller, Stud. Hist. Philos. Sci. 21, 563 (1990).], as raízes da interpretação não podem ser simplesmente derivadas dos seus artigos originais. Assim, para construir uma ideia mais adequada sobre essa concepção somos levados a considerar uma série de questões que contribuíram para a proposta interpretativa, questões essas que consideram analogias, construções teóricas e resultados experimentais.

No que diz respeito a aplicabilidade das ideias defendidas por Born, podemos citar os trabalhos de Wentzel que usou o método utilizado por Born da abordagem da mecânica ondulatória para derivar a fórmula de espalhamento de Rutherford [40[40] I.M.G. Soon, Archive for History of Exact Sciences, 10.1007/bf00375790 (1996).
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], enquanto Faxén e Holtsmark [41[41] H. Faxén e J. Holtsmark, Z. Phys. 45, 307 (1927).], Mott [42[42] N.F. Mott, The Royal Society 124, 425 (1929).] e Bethe [43[43] H. Bethe, Ann. Phys. 5, 325 (1930).] usaram a mesma abordagem para estudar a passagem de partículas rápidas e lentas através da matéria. Entre os sucessos desses trabalhos estava a interpretação do efeito Ramsauer-Townsend, o mínimo na seção transversal para o espalhamento de elétrons de baixa energia nos gases nobres, argônio, criptônio e xenônio [44[44] C. Ramsauer, Ann. Phys. 369, 513 (1921)., 45[45] J.S. Townsend e V.A. Bailey, The London, Edinburgh, and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science 43, 593 (1922).] – esse fenômeno não tinha explicação de acordo com a física clássica, mas é encontrado naturalmente na teoria quântica de espalhamento de elétrons [46[46] S.G. Kukolich, Am. J. Phys. 36, 701 (1968).].

Esse breve relato certamente não esgota o assunto e muito menos tem a pretensão de ser uma síntese definitiva a respeito do desenvolvimento da interpretação probabilística. Por outro lado, ilustra e contextualiza alguns elementos que consideramos relevantes para os propósitos deste trabalho, uma vez que contrastamos as abordagens encontradas nos livros com uma narrativa coerentemente conectada com os trabalhos de Born.

3. Metodologia

Como o objetivo do trabalho é analisar livros didáticos quanto sua apresentação da interpretação probabilística, optamos por uma perspectiva de pesquisa qualitativa, ou seja, uma abordagem que permite um entendimento de um contexto específico com objetivo de explorar as abordagens encontradas. Por ser uma pesquisa qualitativa, não estamos interessados em generalizar resultados e sim entender como os livros analisados abordam a temática e como isso pode influenciar o ensino do tema em questão. Para fins de análise adotamos o método de análise de conteúdo baseado em Bardin [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).]. Segundo a autora, a análise de conteúdo é “[] um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a “discursos” (conteúdos e continentes) extremamente diversificados” [39[39] A. Khrennikov, Interpret. Probab.,10.1515/9783110213195 (2009).
https://doi.org/10.1515/9783110213195...
, p. 15]. Nos livros didáticos a comunicação dos “discursos” realiza-se por meio de textos, neles encontramos elementos que interpretados pelo leitor adquirem significados, constituindo assim uma base de interpretação para o conteúdo exposto.

Na pesquisa em questão, estamos interessados em evidenciar as formas como o conteúdo da gênese da interpretação probabilística é apresentada nos livros didáticos utilizados no ensino superior. Além disso, propomos problematizar e evidenciar como as diferentes abordagens encontradas podem implicar em possíveis concepções a respeito da gênese dessa interpretação. Assim, o método de análise de conteúdo mostra-se como uma ferramenta adequada e capaz de fornecer subsídios para organizar e apresentar sistematicamente como esses livros didáticos abordam o tema de interesse, além de propiciar uma discussão qualificada a respeito de possíveis desdobramentos no ensino de física.

De forma geral, podemos pensar a estrutura dessa análise organizada em três passos: pré-análise; exploração do material, categorização ou codificação; tratamento dos resultados obtidos e interpretação [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).]. Primeiramente selecionamos e organizamos o material a ser analisado, no caso específico desse estudo, isso inclui uma pré-análise dos livros didáticos de física observando o que está acessível e se existe coerência entre o que será analisado e os objetivos propostos na pesquisa. Ademais, Bardin [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).] recomenda uma leitura flutuante dos textos escolhidos, em nosso caso, os livros didáticos. Isso pressupõe uma escolha a priori dos livros e uma seleção a posteriori dos trechos de interesse. Com isso, constituímos o corpus a ser analisado, formulamos objetivos e preparamos o material a ser explorado. Essa etapa foi realizada primeiramente pelo autor e posteriormente compartilhada e discutida com os coautores desse estudo.

Selecionados os livros, o próximo passo constituiu-se na exploração do material. Esse momento da análise caracteriza-se pela codificação e categorização do material. A codificação é um elemento crucial nesse tipo de análise, pois auxilia o recorte das unidades de registro e de contexto. Para isso, define-se uma unidade de registro que pode ser uma palavra, tema, objeto entre outros [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).]. Para Franco: “A Unidade de Registro é a menor parte do conteúdo, cuja ocorrência é registrada de acordo com as categorias levantadas” [48[48] M.L.P.B. Franco, Análise de conteúdo (Líber Livro, São Paulo, 2008)., p. 41].

Para selecionar os trechos para análise levamos em consideração a unidade de registro (Interpretação Probabilística) presente nos capítulos (ou seções) que apresentam especificamente essa temática. Ressaltamos que analisamos somente as seções em que há a primeira apresentação sobre o tema, ou seja, quando ele é introduzido ao aluno, não investigando argumentos que possam estar espalhados ao longo do livro didático. Uma vez identificados os capítulos ou seções pertinentes, parte-se para uma segunda restrição, um recorte mais refinado onde identificamos as unidades de contexto. Segundo Bardin (2016) a unidade de contexto,

serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores a da unidade de registro) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da unidade de registro [39[39] A. Khrennikov, Interpret. Probab.,10.1515/9783110213195 (2009).
https://doi.org/10.1515/9783110213195...
, p. 137].

Para Bardin [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).] a unidade de contexto é guiada por dois critérios, o custo e a pertinência. Nesse sentido, as dimensões dessa unidade devem ser tal que cada elemento selecionado possibilite a compreensão precisa da(s) unidade(s) de registro(s). Nesse momento é possível organizar todo o material explorado em categorias de análise. Para Bardin a categorização é “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” [39[39] A. Khrennikov, Interpret. Probab.,10.1515/9783110213195 (2009).
https://doi.org/10.1515/9783110213195...
, p. 147]. De forma geral, o processo de categorização pode ocorrer de duas maneiras: as categorias são previamente fornecidas, e os elementos analisados são divididos à medida que são encontrados; ou as categorias são evidenciadas à medida que classificamos analogicamente e progressivamente os elementos [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).]. Assim, como estamos interessados em explorar as diferentes abordagens encontradas nos livros didáticos, optamos pela primeira forma. Esta etapa foi realizada manualmente pelo autor do artigo, após isso, realizou-se um processo de três momentos de análise e conferência com os coautores. Para cada momento, teve-se um período de ajustes e correção até que todos os três momentos fossem concluídos. Diferentemente de uma análise quantitativa, onde podemos analisar os dados obtidos dentro de uma margem de erro, a análise qualitativa proposta para esse estudo exigiu uma estratégia de análise e conferência em diferentes rodadas com os coautores para que o resultado refletisse coerência na convergência das diferentes concepções dos autores do estudo.

Terminado a etapa de exploração e com as categorias definidas, passamos para a última etapa da análise, o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).] que será abordado na seção seguinte. Todo o processo anteriormente descrito permite ao pesquisador uma visão ampla dos dados. Embora os livros didáticos possuam diferentes particularidades na apresentação da interpretação probabilística, o processo de categorização evidencia características de similaridade ou disparidades entre as apresentações do tema. Assim, ao invés de focar em apenas um livro, podemos fazer uma discussão ampliada em termos das abordagens mais (ou menos) recorrentes.

Por fim, destacamos que a nossa análise tem como preocupação principal evidenciar as abordagens da gênese da interpretação probabilística em livros didáticos e apontar possibilidades no âmbito do ensino de física. Dessa forma, as categorias propostas permitem uma análise comparativa das abordagens e ao mesmo tempo possibilitam a problematização e discussão de possíveis desdobramentos para ensino de física.

4. Resultados

4.1. A gênese da interpretação probabilística em livros didáticos

Nesta pesquisa foram analisados vinte livros didáticos comumente utilizados no ensino superior de física (bacharelado/licenciatura) em disciplinas de Mecânica Quântica (MQ). A escolha dos livros se deu a partir de indicações de pesquisadores e professores do tema nas universidades de origem dessa pesquisa. Ademais, os livros foram escolhidos com base em características de similitude. Todas as obras abordam temas relacionados à MQ, porém com diferentes níveis de profundidade e ênfase, sendo amplamente usados em cursos de graduação e indicados por docentes de disciplinas sobre o assunto. Esses livros podem ser visualizados no Quadro 1. Na etapa pré-análise já foi possível visualizar algum tipo de abordagem (ou ausência) sobre a gênese da interpretação probabilística em todos os livros didáticos.

Quadro 1
Livros analisados.

Uma vez compostos e organizados os objetos de análise, partimos para a codificação, ou seja, identificamos a unidade de registro e de contexto [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).]. Escolhemos propositalmente a temática “interpretação probabilística” como unidade de registro, pois entendemos que atende aos objetivos deste trabalho, visto que estamos interessados em identificar as diferentes abordagens desse assunto utilizadas nos livros. Por outro lado, essa escolha se justifica pois em contextos de MQ a palavra probabilidade/probabilística pode se relacionar a outras questões que não especificamente a gênese da interpretação probabilística associada a função de onda. Para ilustrar essas situações extraímos dois trechos de diferentes livros que mencionam a palavra probabilidade/probabilística:

A seção de choque de espalhamento especifica a probabilidade do espalhamento ocorrer tanto pelo processo Rayleigh quanto pelo processo Compton. Para o chumbo, que tem um número atômico alto e consequentemente elétrons fortemente ligados, o espalhamento Rayleigh domina o espalhamento Compton quando a energia do fóton é menor que aproximadamente hν=105eV [40[40] I.M.G. Soon, Archive for History of Exact Sciences, 10.1007/bf00375790 (1996).
https://doi.org/10.1007/bf00375790...
, p. 49, nossa tradução].

A seção a qual o trecho pertence se intitula “Seções de Choque para Absorção e Espalhamento de Fótons”. Nessa passagem, a palavra “probabilidade” se relaciona a um contexto sobre espalhamento de fótons em alvos sólidos e não aborda especificamente argumentos sobre interpretação da probabilidade associado a função de onda.

A leitura flutuante dos textos permitiu perceber possíveis consequências ao se adotar uma unidade de registro e suas implicações para a análise. Uma escolha inadequada poderia nos conduzir a resultados indesejados, uma vez que, os trechos analisados poderiam não estar vinculados aos objetivos da pesquisa, a saber, nos argumentos que subsidiam a interpretação do quadrado da função de onda.

Outro trecho que evidencia a questão mencionada acima foi retirado do livro do autor Sakurai [50[50] J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics (Addison-Wesley, Boston, 1994).],

Para ilustrar melhor a equivalência entre as duas figuras, estudamos as amplitudes de transição, que terão um papel fundamental na Seção 2.5. Suponha que haja um sistema físico preparado em t=0 para estar em um autoestado de observável A com autovalor a’. Em algum momento posteriort, podemos perguntar: Qual é a amplitude de probabilidade, conhecida como amplitude de transição, para o sistema ser encontrado em um autoestado de B observável com autovalor b’? [41[41] H. Faxén e J. Holtsmark, Z. Phys. 45, 307 (1927)., p. 88, nossa tradução].

No trecho acima, a palavra “probabilidade” aparece no contexto de amplitude de transição, ou seja, o foco não está voltado para a fundamentação da interpretação probabilística de |ψ|2. Assim, reforça-se a necessidade de escolher o tema “interpretação probabilística” e não uma palavra apenas como unidade de registro para a análise de conteúdo.

Uma vez escolhida a unidade de registro foi possível identificar em cada livro um capítulo (contendo seções) que tratam exclusivamente sobre o tema de interesse. Essa etapa foi realizada fazendo um levantamento dos sumários de cada obra selecionada. Identificamos nesse processo que todos os livros analisados trazem alguma discussão sobre a interpretação probabilística. Ao total, verificamos vinte capítulos que tratam sobre a temática de estudo.

Nessa etapa de exploração do material e definição das unidades de registro, buscamos recorrências e não recorrências [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).] sobre a temática de interesse nos capítulos destacados na etapa anterior. Nesse momento, percebemos que poderia haver alguma reorganização inicial que evidenciasse convergências e diferenças das abordagens adotadas e presentes em cada capítulo selecionado. Assim, estabelecemos categorias que se diferenciam quanto a fundamentação utilizada para se interpretar o quadrado do módulo da função de onda.

A primeira categoria está associada a argumentos teóricos que fundamentam a interpretação probabilística da função de onda, ou seja, consideramos nessa categoria discussões que se baseiam em derivações de princípios mais gerais da física (como conservação de energia, princípio de mínima ação, teorema de Hamilton-Jacobi, etc.). Uma segunda categoria utiliza uma fundamentação baseada em analogias, ou seja, estabelece uma relação de semelhança entre coisas ou fatos distintos. A terceira categoria está relacionada às argumentações que utilizam algum tipo de experimento para justificar tal interpretação. Para casos que não se enquadram nesses tipos de fundamentações, optamos por definir uma quarta categoria onde não há justificativa explícita (teórica, analógica ou experimental). As categorias estão resumidas no Quadro 2 abaixo.

Quadro 2
Categorias de fundamentação.

É importante destacar que na análise de conteúdo [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).] aqui utilizada não faz sentido que um trecho selecionado se enquadre em mais de uma categoria de análise. Para antecipar possíveis situações desse tipo, utilizamos como critério de análise a utilização do argumento central destacado em cada trecho selecionado das obras. Dessa forma, trechos diferentes de uma mesma obra podem ser classificados em categorias diferentes sem recairmos em contradições na análise e as obras podem estar associadas às diferentes categorias, uma vez que são os trechos (unidades de contexto) que são, a rigor, categorizados e não as obras.

Concluída essa parte, partimos para a seleção das unidades de contexto. Assim, para essa seleção extraímos trechos que exemplificam as abordagens presentes nas obras no que diz respeito à discussão sobre a gênese da interpretação probabilística. Nas seções seguintes trazemos alguns exemplos de trechos utilizadas na análise.

4.2. Categoria T

Na categoria T procuramos por unidades de contexto que exemplificassem a interpretação probabilística em termos de uma derivação a partir de princípios mais gerais da física. Como comentado anteriormente a interpretação probabilística da MQ possui uma série de questões que podemos associar a possíveis justificativas para seu embasamento. As justificativas teóricas que esperaríamos para essa categoria, na nossa perspectiva, deveriam ter semelhanças com o desenvolvimento proposto por Born em seu artigo sobre colisões. Nesse artigo, Born parte do modelo proposto por Schrödinger, que por sua vez, parte de uma analogia ótico-mecânica utilizando os princípio de Maupertuis e Fermat [30[30] N. Lima e R. Karam, Eur. J. Phys. 43, 11 (2022).], para analisar de forma teórica uma fenômeno físico que é a colisão de elétrons contra átomos. Ou seja, por semelhanças entendemos algum tipo de derivação que parte de princípios mais gerais da física, como conservação de energia, momento, princípio de mínima ação, etc. e que possa ser contrastado com algum argumento ou resultado conhecido. No problema de espalhamento abordado por Born, ele utiliza uma aproximação (que ficou conhecida como aproximação de Born) cujo resultado para o espalhamento conduz (com uma certa manipulação) a fórmula de espalhamento de Rutherford. Ou seja, sua derivação conduz a um resultado (de espalhamento) conectado com algo conhecido e que é interpretado a luz da probabilidade. Como comentado na seção Metodologia, os trechos escolhidos para análise levaram em consideração a unidade de registro (Interpretação Probabilística) presente nos capítulos que apresentam especificamente essa temática. Assim, é comum encontrar primeiramente uma apresentação que não justifique essa interpretação de forma teórica, tal como comentado, e ao longo dos capítulos (ou seções) seguintes utilize algum desenvolvimento matemático para reforçar a ideia de que essa interpretação já apresentada anteriormente é coerente.

Entretanto, dos vinte livros analisados não encontramos obras que se enquadrassem na perspectiva acima mencionada. Dessa forma, a categoria T não teve nenhum trecho selecionado. Por outro lado, cabe destacar que na análise evidenciamos que algumas obras utilizavam argumentos baseados em postulados ou suposições, ou seja, uma afirmação ou fato que admitimos ser verdade sem a necessidade de prova ou demonstração. Poderia se considerar essas abordagens uma justificativa teórica se as implicações do postulado fossem analisadas ou investigadas. No entanto, não há qualquer justificativa ou discussão sobre a validade desses postulados quando apresentada a temática de interesse.

4.3. Categoria A

Os livros que foram classificados na categoria A são: Cohen-Tannoudji, Diu e Laloe [51[51] C.C. Tannoudji, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics: Waves and particles. Introduction to the fundamental ideas of quantum mechanics (Wiley, Nova Jersey, 2005).]; Shankar [52[52] R. Shankar, Principles of Quantum Mechanics (Springer, Berlim, 1994).]; Caruso e Oguri [53[53] F. Coruso e V. Oguri, Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos (Elsevier, Rio de Janeiro, 2006).]; Auletta, Fortunato e Parisi [54[54] G. Auletta, M. Fortunato e G. Parisi, Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2009).]; Merzbacher [55[55] E. Merzbacher, Quantum mechanics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1998), 3 ed.].

A título de exemplo temos o livro dos autores Merzbacher [55[55] E. Merzbacher, Quantum mechanics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1998), 3 ed.] que traz uma analogia entre o padrão de interferência das ondas eletromagnéticas em óptica física com a fenomenologia presente na física quântica, descrita pela função de onda ψ(x,y,z,t). O trecho destacado a seguir foi utilizado como unidade de contexto e esclarece uma situação que se enquadra como uma justificativa analógica,

Na óptica física, os padrões de interferência são produzidos pela superposição das ondas de E e B, mas a intensidade das franjas é medida por E2 e B2. Analogamente a esta situação, assumimos que a quantidade positiva |ψ(x,y,z,t)|2 mede a probabilidade de encontrar a partícula na posição x,y,z no tempo t…Aqui queremos apenas apresentar alguns argumentos qualitativos gerais para essa chamada interpretação probabilística da função de onda quântica para partículas com massa, que foi introduzida na mecânica quântica por Max Born [46[46] S.G. Kukolich, Am. J. Phys. 36, 701 (1968)., p. 7, nossa tradução].

O autor evidencia a relação entre o quadrado dos campos elétrico e magnético com a intensidade das franjas de interferência das ondas eletromagnéticas ao passarem por obstáculos. Quanto maior o módulo ao quadrado dos campos em uma região, maior é a intensidade da radiação. Há uma noção de probabilidade subentendida nessa descrição, pois associa a intensidade da radiação à probabilidade de encontrarmos fótons. Nesse sentido, a função de onda faria o papel dos campos, consequentemente o quadrado da função de onda estaria relacionado a uma interpretação probabilística, tal como o quadrado dos campos elétrico e magnético (“intensidade da radiação”) com a noção de probabilidade. Por outro lado, o autor argumenta que deseja apenas avançar na questão que foi introduzida por Born [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).] de forma qualitativa, evidenciando assim a postura de que esse assunto já está consolidado e bem entendido na literatura, não carecendo de maiores detalhes.

O próximo trecho destacado da obra de Caruso e Oguri [53[53] F. Coruso e V. Oguri, Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos (Elsevier, Rio de Janeiro, 2006).], assim como no caso anterior, também faz uma analogia entre elétrons e fótons:

É possível fazer uma analogia entre um feixe de elétrons e um feixe luminoso: se ao fóton corresponde o elétron, ao campo E corresponde a função de onda ψ, de tal modo que o produto Ψ*Ψ=|Ψ|2, isto é, o quadrado do módulo da função de onda seja igual ao número de elétrons por unidade de volume.

Born interpretou, assim, o quadrado do módulo da função de onda, |Ψ|2=ρ, como uma densidade de probabilidade de presença, representando a distribuição de probabilidade das posições ocupadas por uma partícula ao longo de seu movimento por uma dada região do espaço, e J=i(ΨΨ*Ψ*Ψ)/2m como uma densidade de corrente de probabilidade [44[44] C. Ramsauer, Ann. Phys. 369, 513 (1921)., p. 449].

Embora uma onda eletromagnética (composta de campo elétrico e magnético) seja de natureza completamente diferente da “onda de matéria” (função de onda ψ), a uma tentativa de se estabelecer uma analogia entre esses elementos distintos, para justificar a razoabilidade de se associar um caráter estatístico à mecânica ondulatória. Por outro lado, o autor não evidencia o fato de que as “estatísticas” em ambos os casos diferem na sua composição, como comentado na seção 2.

Esses dois exemplares da categoria A comentados anteriormente exemplificam a postura dos livros que se enquadram nessa categoria. Esse tipo de abordagem pode ser interessante na perspectiva de ensino, pois de forma geral parte de algo mais familiar para o leitor e avança sobre uma nova problemática. Entretanto, é necessária uma atenção especial ao adotar tal perspectiva principalmente quando comparamos situações de natureza tão distintas. Fazer afirmações como, “Born interpretou, assim, o quadrado do módulo da função de onda…” [44[44] C. Ramsauer, Ann. Phys. 369, 513 (1921)., p. 449], pode induzir o leitor a pensar que foi exatamente dessa maneira que a interpretação de |ψ|2 foi realizada, ou seja, no imaginário do leitor cria-se uma perspectiva de que apenas a analogia foi suficiente para tal suposição. Embora essa analogia tenha desempenhado um papel relevante no desenvolvimento da gênese da interpretação probabilística, deixa-se de lado outros argumentos igualmente importantes elaboradas por Born, focando-se apenas em um aspecto (analogia com o campo e quanta de luz) de toda a discussão.

4.4. Categoria N

Os livros que foram classificados na categoria N são: Griffiths [56[56] D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Pearson Education, Londres, 2005), 2 ed.]; Sakurai [50[50] J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics (Addison-Wesley, Boston, 1994).]; Messiah [57[57] A. Messiah, Quantum Mechanics (Dover Publications, North-Holland, 1961).]; Eisberg e Resnick [49[49] R. Eisberg e R. Resnick, Quantum Physics of Atoms, Molecules, Solids, Nuclei, and Particles (John Wile & Sons, Nova Iorque, 1985), 2 ed.]; Fong [58[58] P. Fong, Elementary Quantum Mechanics (Addison-Wesley, Boston, 1962).]; Goswami [59[59] A. Goswami, Quantum Mechanics (Waveland Press Inc, Illinois, 2003).]; Gasiorowicz [60[60] S. Gasiorowicz, Quantum Physics (John Wile & Sons, Nova Iorque, 2003).]; Gottfried e Yan [61[61] K. Gottfried e T.M. Yan, Quantum Mechanics: Fundamentals (Springer, Berlim, 2003).]; Liboff [62[62] R.L. Liboff, Introductory Quantum Mechanics (Addison-Wesley, Boston, 2003).]; Greiner e Bromley [63[63] W. Greiner e D.A. Bromley, Quantum Mechanics: An Introduction (Springer, Berlim, 2000).]; Landau e Lifshitz [64[64] L.D. Landau e E.M. Lifshitz, Quantum Mechanics: Non-relativisti theory (Pergamon, Londres, 1991).]; Schiff [65[65] L.I. Schiff, Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1968).]; Blokhintsev [66[66] D.I. Blokhintsev, Quantum Mechanics (Springer, Berlim, 1964).]; Kemble [67[67] E.C. Kemble, The Fundamental Principles of Quantum Mechanics (McGraw Hill, Nova Iorque, 1937).]; Powell e Crasemann [68[68] J.L. Powell e B. Crasemann, Quantum Mechanics (Addison-Wesley, Boston, 1961).].

Nessa categoria os livros não utilizam argumentos para justificar a interpretação probabilística associada da função de onda, como podemos observar no trecho da obra de Griffiths [56[56] D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Pearson Education, Londres, 2005), 2 ed.] destacado abaixo,

Mas o que exatamente é essa “função de onda” e o que ela faz por você depois de consegui-la? Afinal, uma partícula, por sua natureza, está localizada em um ponto, enquanto a função de onda (como o próprio nome sugere) está espalhada no espaço (é uma função de x, para qualquer tempo t). Como tal objeto pode representar o estado de uma partícula? A resposta é fornecida pela interpretação estatística de Born da função de onda, que diz que |ψ(x,t)|2 dá a probabilidade de encontrar a partícula no ponto x, no tempo t – ou mais precisamente,

a b | ψ ( x , t ) | 2 d x = Probabilidade de encontrar a partícula entre a e b , no tempo t .

[47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016)., p. 2, nossa tadução].

Casos como esse são comuns entre os livros analisados. Em uma primeira abordagem, discutem a ideia da interpretação probabilística apenas referenciando outro autor para esse propósito. O trecho acima, destacado do primeiro capítulo da obra intitulado de “A Interpretação Estatística” (nossa tradução) o autor não faz uma discussão prévia mais elaborada a respeito do caráter probabilístico associado à função de onda ψ(x,t). Esse fato fica mais evidente uma vez que no trecho apenas é mencionado que a resposta para a questão “o que é a função de onda?” é fornecida pela “estatística de Born”. No restante do capítulo nenhuma informação ou discussão adicional é feita em relação a essa afirmação. Em uma nota de rodapé encontra-se uma menção ao caráter complexo da função de onda e a relação do seu módulo ao quadrado com a probabilidade: “A própria função de onda é complexa, mas ψ2=ψ*ψ (onde ψ* é o complexo conjugado de ψ) é real e não negativo – como a probabilidade, é claro, deve ser.” [47[47] L. Bardin, Análise de Conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016)., p. 2, nossa tradução]. Entretanto, não evidenciamos nenhum argumento a respeito da necessidade de se vincular |ψ|2com a noção probabilística neste trecho ou em outros da mesma obra.

Ainda, sem utilizar nenhuma fundamentação, no entanto trazendo outros elementos para a discussão, na obra dos autores Greiner e Bromley [63[63] W. Greiner e D.A. Bromley, Quantum Mechanics: An Introduction (Springer, Berlim, 2000).] encontramos a terminologia “campo fantasma” atribuída a Einstein, como pode ser observado a seguir,

Max Born abriu o caminho para a interpretação estatística da função de onda que descreve uma partícula. Ele criou o termo campo guia (em alemão: “Führungsfeld”) como uma interpretação das funções de onda. A ideia realmente se originou com Einstein, que o chamou de Campo Fantasma (“Gespensterfeld”). O campo guia é uma função escalar ψ das coordenadas de todas as partículas e do tempo. De acordo com a ideia básica, o movimento de uma partícula é determinado apenas pelas leis de conservação de energia e momento e pelas condições de contorno que dependem do experimento particular (aparato). A partícula é mantida dentro desses limites definidos pelo campo guia. A probabilidade de a partícula seguir um determinado caminho é dada pela intensidade, ou seja, o quadrado absoluto da onda de matéria (campo guia) determina em cada ponto a probabilidade de encontrar um elétron ali [54[54] G. Auletta, M. Fortunato e G. Parisi, Quantum Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2009)., p. 38, nossa tradução].

Esse trecho, assim como em outras obras analisadas e que estão nessa mesma categoria, trazem referências e não argumentos para subsidiar a noção de probabilidade relacionada à função de onda ψ. Neste caso específico, o autor recorda a ideia de “campo guia” mencionada no artigo de Born [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).]. O “campo guia” é uma ideia introduzida por Born em seu artigo e relacionada ao termo conhecido como “Campo Fantasma” (Gespensterfeld) atribuído a Einstein. Em seu artigo Born utiliza tal associação para contextualizar seu “insight” da idealização da função de onda ψ como uma espécie de campo que guiaria as partículas. Uma curiosidade a respeito desse termo é o fato de que ele não aparece explicitamente em nenhum trabalho publicado de Einstein, como comentado na seção anterior. Por outro lado, é utilizado no artigo sobre colisões [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).] e atribuído exclusivamente a uma “imagem” concebida por Einstein relacionada com um campo que guiaria os quanta de luz.

4.5. Categoria E

Por fim temos a categoria E. Nessa categoria a justificativa central gira em torno da utilização de experimentos para embasar a noção probabilística associada ao quadrado da função de onda. Dos livros analisados, apenas a obra de Blokhintsev [66[66] D.I. Blokhintsev, Quantum Mechanics (Springer, Berlim, 1964).] traz argumentos que associam experimentos (ou pelo menos a fenomenologia encontrada em experimentos) com interpretação probabilística, como podemos notar no trecho a seguir,

A interpretação correta das ondas de De Broglie foi encontrada por Born de uma maneira bem diferente. Para entender a ideia básica de Born, vamos imaginar que elétrons estão sendo difratados e o impacto desses elétrons “difratados” em uma placa fotográfica é registrado. Deixe um pequeno número de elétrons ser inicialmente transmitido. Cada elétron que passa pelo sistema de difração (por exemplo, uma folha) é encontrado em algum ponto na placa e tem um efeito fotoquímico ali. A passagem de um pequeno número de elétrons produzirá na placa um padrão semelhante a um alvo usado por um atirador inexperiente. Uma distribuição regular de elétrons na placa é obtida somente quando um grande número de elétrons é transmitido e, finalmente, é obtida uma distribuição que corresponde exatamente à distribuição de intensidade na difração das ondas (por exemplo, a série de anéis de difração mostrada na Figura 10).

Esse comportamento das partículas levou Born à interpretação estatística das ondas de de Broglie, em que o atomismo das partículas pode ser combinado com os fenômenos ondulatórios. De acordo com essa interpretação, a intensidade das ondas de de Broglie em qualquer ponto do espaço é proporcional à probabilidade de encontrar a partícula naquele ponto [55[55] E. Merzbacher, Quantum mechanics (John Wiley and Sons, Nova Iorque, 1998), 3 ed., p. 32, nossa tradução].

Embora, possamos considerar que os argumentos experimentais sejam poucos substanciais no trecho em questão, o que chama atenção é o fato do autor da obra relacionar a fenomenologia da difração de elétrons como um argumento que levou Born a interpretação estatística.

De forma geral, os “experimentos” discutidos nas obras, quando aparecem, contribuem para estabelecer um quadro geral de toda a problemática evidenciando outros aspectos que não o caráter estatístico. Nesse sentido, não trazem elementos específicos (dados, análises, etc.) para substanciar argumentos estatísticos (probabilísticos) associados ao quadrado da função de onda. No trecho a seguir podemos perceber algo recorrente em algumas obras e que contextualiza essa questão,

O tamanho de um padrão de difração de pequeno ângulo é proporcional ao comprimento de onda. Portanto, Thomson foi capaz de verificar a equação do comprimento de onda de de Broglie (2–9) ao mostrar que os diâmetros dos anéis de difração mais internos são inversamente proporcionais aos momentos correspondentes dos elétrons. Os resultados para o ouro são reproduzidos na Tabela 2-1. A última coluna contém o produto do diâmetro do anel D_1, proporcional ao comprimento de onda, e da quantidade V1/2=[1+eV/(1200mc2)], proporcional ao momento do elétron (incluindo uma correção relativística). A constância desse produto, dentro do erro experimental, confirma a hipótese de De Broglie [56[56] D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Pearson Education, Londres, 2005), 2 ed., p. 39, nossa tradução].

No trecho acima destaca-se o experimento de difração de elétrons. O contexto em que esse trecho foi retirado vem acompanhado de dados experimentais, porém o que se evidencia é o comportamento ondulatório dos elétrons ou melhor o seu comportamento dual. Essa é uma situação recorrente nos trechos analisados quando pensamos em argumentos experimentais. Nessas situações não se utilizam os experimentos para argumentar a respeito da interpretação probabilística, pelo menos não explicitamente.

4.6. Síntese dos Resultados da Análise dos Livros Didáticos

Para fins de apresentação dos resultados optamos, na seção anterior, por trazer apenas alguns exemplos. Cada livro analisado teve ao menos um capítulo selecionado relacionado a temática de interesse. Em cada capítulo selecionamos trechos (unidades de contexto) que exemplificam a abordagem adotada pelo autor ao apresentar a gênese da interpretação probabilística da MQ. Após a análise dessas unidades de contexto, cada trecho foi enquadrado em uma das categorias propostas. O Quadro 3 apresenta a síntese dos resultados dessa análise conforme os livros.

Quadro 3
Síntese da análise dos livros didáticos conforme as categorias.

Da forma como os resultados são apresentados no Quadro 3 poderíamos ter diferentes trechos de um mesmo livro em categorias diferentes como comentado anteriormente. Essa situação não é contraditória do pondo de vista da análise de conteúdo, uma vez que, são os trechos destacados nas obras que são categorizados. Cada trecho específico se enquadra em uma categoria apenas.

De acordo com a Figura 1, é possível observar que a maioria dos trechos analisados (60%) não apresentam uma justificativa (categoria N), ao interpretar o quadrado da função de onda como uma probabilidade. Já a categoria A agrega 35% dos trechos analisados onde evidencia-se algum tipo de justificativa baseando-se em analogias com outros temas. Embora possamos considerar (ou pelo menos esperamos) que justificativas teóricas ou experimentais sejam tradicionais para apresentar ou discutir temáticas em física, nenhum trecho analisado foi selecionada para a categoria T (motivo da ausência no gráfico Figura 1) e apenas um (5%) enquadrou-se na categoria E. Cabe ressaltar que as categorias como a concebemos foram construídas a priori, dessa forma diferentes escolhas e definições são possíveis para definir as categorias de análise.

Figura 1
Distribuição dos trechos analisados por categoria. Fonte: Elaborado pelo autor.

Conforme mencionado anteriormente, as diferentes abordagens a respeito da gênese da interpretação probabilística desenvolvidas nos livros didáticos suscitam diferentes tipos de entendimentos e associações sobre as ideias ali apresentadas. A partir da categorização que propomos, construímos um panorama geral dessas abordagens que possibilita uma reflexão a respeito de possíveis consequências para o ensino de física ao se adotar uma ou outra abordagem. Embora a classificação que apresentamos neste trabalho seja discutível, pois outros elementos podem ser igualmente relevantes para essa problematização, podemos evidenciar as diferentes perspectivas apresentadas nos livros didáticos e mostrar que o tema em análise (interpretação probabilística da MQ), já consolidado na física, ainda pode ser explorado no âmbito do ensino de física.

5. Considerações Finais

Neste trabalho propusemos uma análise das abordagens da interpretação probabilística da MQ em livros didáticos. Assim, evidenciamos diferentes tipos de abordagens que compuseram quatro categorias que sintetizam a justificativa utilizada. Uma quantidade expressiva dos livros (60%) não utiliza uma justificativa (no sentido das categorias apresentadas) ao inserir a interpretação probabilística no contexto da MQ ondulatória. Apenas 35% utilizam alguma analogia da interpretação probabilística no âmbito da física de partículas com outros temas, como por exemplo a noção de probabilidade de encontrar fótons associada ao módulo ao quadrado do campo de radiação. Além disso, nenhuma obra foi classificada na categoria T (justificativas teóricas) e apenas uma foi selecionada para a categoria E (justificativas experimentais). Deve-se ressaltar que esses resultados se referem à introdução dos temas nos livros, não implicando a inexistência de tais elementos ao longo do livro de forma posterior à sua introdução.

As implicações didáticas dessas posturas pedagógicas são imediatas. O leitor das obras é compelido a aceitar, mesmo que momentaneamente, as ideias apresentadas sem a possibilidade de construir um senso crítico próprio a respeito do que está sendo exposto, uma vez que não justificam a interpretação (categoria N) ou utilizam apenas fragmentos de um contexto mais amplo relacionado a interpretação (categoria A e E) no momento da introdução do assunto. Essa situação é problemática sob vários aspectos, limitando a discussão e deixando de lado características importantes que surgem durante o processo de elaboração de uma ideia. A título de exemplo, podemos citar a noção de “heurística” utilizada e citada no trabalho sobre colisões de Born [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927).], quando comenta sobre desenvolver heuristicamente a ideia de que o campo ψ, que é solução da equação de Schrödinger, é um campo escalar que serviria como “guia” para as partículas. Essa hipótese de trabalho de Born, poderia suscitar interessantes debates a respeito do próprio processo de desenvolvimento científico. Dessa forma, ao suprimir esses detalhes dos livros os leitores podem perder a oportunidade de refletir sobre essas construções. Além disso, o sentido atribuído aos conceitos ou a matemática utilizada fica comprometido uma vez que certos argumentos, utilizados nas fontes originais não são evidenciados nos livros didáticos em detrimento de outros, podendo resultar muitas vezes em lacunas para o ensino de física.

Uma característica comum a todos os livros independentemente da categoria que se incluem é a pouca aderência dos argumentos da concepção estatística da MQ com os artigos de Born [5[5] M. Born, Zeit Phys 37, 863 (1927)., 38[38] M. Born, Zeitschrift für Physik 38, 803 (1926).]. Embora os livros façam referência ao autor, as discussões consideram apenas fragmentos contidos no trabalho de Born, explicitando assim apenas uma versão segmentada de um quadro mais amplo de seu trabalho. Em relação a essa questão, poderíamos pensar em dois aspectos relevantes para o ensino de física: a pouca ênfase ao artigo de Born e as ideias ali encontradas é intencional ou desconhece-se o seu conteúdo. Sem a pretensão da certeza, preferimos acreditar que os autores conhecem sim o conteúdo presente nas fontes primárias. O que nos leva então a pensar que a pouca aderência comentada anteriormente decorre de questões pedagógicas. Nesse sentido, temos o seguinte quadro, de um lado temos uma preocupação didática legítima e por outro temos um apagamento de detalhes que poderiam constituir uma base para o entendimento da gênese da interpretação probabilística.

Cabe ressaltar que ao adotar uma perspectiva para abordar ideias, teorias e conceitos, em certo sentido, revela-se a tradição filosófica na qual a obra se insere. Assim, ao utilizar uma narrativa baseada por exemplo em postulados sem vínculo explícito com princípios gerais consolidados na física, tal como observado em algumas obras, ignora-se toda uma possível e rica discussão relacionada à concepção de probabilidade na MQ. Isso por sua vez, pode influenciar o leitor (estudantes por exemplo) no seu imaginário a pensar a ciência como algo que se desenvolve de forma linear, estruturada e cujos produtos dessa construção são a “verdade” final sobre a natureza.

É notável que uma parcela substancial dos trechos analisados (60%) se enquadra na categoria em que não há uma justificativa que subsidia a interpretação do módulo da função de onda ao quadrado. Portanto, segundo nossa categorização, não justificam a gênese da interpretação probabilística no sentido que não utilizam argumentações, sejam elas, teóricas, analógicas ou experimentais para sustentar essa concepção. Evidentemente, associações dessa interpretação probabilística com exemplos, situações ou problemas são realizadas nos capítulos, entretanto, são utilizadas apenas para reforçar a narrativa dessa concepção e não para justificar propriamente a interpretação. Além disso, percebe-se de forma geral a utilização de um artifício baseado muitas vezes no conhecido “argumento de autoridade”. Invoca-se uma autoridade no assunto (em muitos casos Max Born) para conferir credibilidade à ideia apresentada, promovendo assim um apagamento de elementos da rede [69[69] B. Latour, Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory (Oxford University Press, Oxford, 2005).] a qual pertence o desenvolvimento da interpretação probabilística da MQ.

Na nossa perspectiva, as abordagens evidenciadas nas obras podem comprometer a aprendizagem, pois colocam em segundo plano importantes discussões no âmbito da MQ. A interpretação probabilística de Born surge em meio a conflitos, tensões e incertezas a respeito da natureza das entidades ao nível quântico que passa tanto pelas discussões teóricas, analogias, resultados experimentais e intensos debates. Assim, suprimindo esses debates dos livros, os leitores das obras didáticas (alunos, professores, entusiastas, etc.) podem ser conduzidos a uma concepção de ciência onde não há conflitos, disputas e dúvidas, o que de fato não encontra respaldo em pesquisas na área da história das ciências.

De forma geral, uma alternativa ao quadro exposto acima poderia ser a construção de uma proposta didática que utiliza livros didáticos e fontes originais (ou secundárias) de tal forma que uma supra as deficiências da outra. Os desafios para isso são muitos, de um lado temos um material (livros didáticos) que tem como característica ser didaticamente acessível aos leitores, mesmo que suprima algumas particularidades, e de outro temos fontes originais com ricos detalhes, porém com complexidade matemática e de ideias maior. Independentemente da proposta, devemos ter sempre em mente o público a quem se destina e as formas de abordagem do tema em questão.

Pensando em alunos de graduação, uma proposta poderia estar associada a alguma derivação didaticamente viável, mas que guarde similaridades com as principais ideias que subsidiam o desenvolvimento da temática. Nessa perspectiva, para construir tais propostas somos levados a refazer os originais ou fontes secundárias que muitas vezes são de difícil compreensão, seja pelo idioma adotado ou pela complexidade da matemática e de ideias apresentada. Muitas vezes é necessário reescrever as equações em notação moderna para efetivamente entender o significado associado. Provavelmente esses fatores sejam os mais relevantes quando pensamos em possíveis obstáculos ao uso das fontes originais. Entretanto, tais fatores não são impeditivos para o uso dos originais, mas certamente acrescentam elementos desafiadores para sua utilização. Além disso, nem sempre é fácil visualizar uma proposta que parta de uma derivação, tal como comentado anteriormente, que seja didaticamente viável. Outra possibilidade é utilizar a leitura direta das fontes originais pelos alunos de forma concomitante aos livros didáticos, entretanto é necessário que o professor já tenha dominado o conteúdo das fontes originais em detalhes auxiliando os alunos nos pontos de maior dificuldade.

De qualquer forma, a utilização de fontes primárias (e secundárias) no ensino de física reforça não apenas a importância do acesso direto aos conceitos e/ou teorias originais, mas também a valorização das ideias que as subsidiam. Ao proporcionar aos estudantes o acesso direto às obras originais, permite-se uma contextualização e compressão dos conceitos que muitas vezes são amplamente utilizados no ensino de física sem que se entenda a origem de tais significados.

Agradecimentos

O Autor Nathan Willig Lima agradece o apoio financeiro concedido por meio da bolsa de produtividade CNPq.

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  • 1
    Nesse formalismo o observável é um operador.
  • 2
    Como mencionamos, a associação do módulo quadrado da função de onda com uma densidade de probabilidade, a rigor, é uma regra de correspondência. Entretanto, historicamente, ela carrega consigo a noção de que a função de onda tem caráter apenas instrumental – o que entra no campo a interpretação da teoria, e por isso, é chamada de interpretação. Há interpretações que a regra de correspondência é mantida mesmo que se atribua significa físico para ψ, como no casso da Teoria de Variáveis Ocultas de David Bohm – mas não é nosso objetivo entrar nessa discussão.
  • 3
    Deve-se ressaltar que, embora, hoje, a interpretação probabilística seja um postulado (portanto, não sendo provada), historicamente, ela foi motivada por discussões teóricas, experimentais e analogias como apresentaremos na próxima seção.
  • 4
    Para maiores detalhes ver “The Conceptual Development of Quantum Mechanics” de M. Jammer.
  • 5
    Para maiores detalhes ver, Quantum Concepts in Physics: An Alternative Approach to the Understanding of Quantum Mechanics de M. Longair.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2023
  • Revisado
    09 Dez 2023
  • Aceito
    07 Jan 2024
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