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Uso do método cooperativo de aprendizagem Jigsaw adaptado ao ensino de nanociência e nanotecnologia

Use of the Jigsaw cooperative learning methos adapted to nanoscience and nanotechnology teaching

Resumos

Atualmente os efeitos estudados pelos campos da Nanociência e da Nanotecnologia (N&N) influenciam o cotidiano do ser humano. No entanto, há ainda dificuldade por parte dos sistemas escolares em abordar esta temática, principalmente no nível de Educação Básica. Neste artigo, tecem-se considerações sobre uma metodologia de ensino de N&N baseada na aplicação de um minicurso a alunos do Ensino Médio, conjuntamente com uma variação do método de Aprendizagem Cooperativa Jigsaw, na qual se utilizou um texto de divulgação científica como eixo da atividade. Obteve-se que a junção das referidas atividades possibilitou que os alunos relacionassem e compreendessem os diferentes conceitos atrelados a N&N, formando e ampliando sua base conceitual de maneira cooperativa entre os sujeitos envolvidos no proceso.

nanociência e nanotecnologia; Ensino Médio; método de Aprendizagem Cooperativa Jigsaw


In our days, the effects which are studied in the fields of Nanoscience and Nanotechnology (N&N) have influence on the daily lives of human beings. However, school systems still have difficulties addressing these subjects, especially at the level of basic education. In this article, a teaching methodology of N & N is discussed; it is based on the application of a short course to high school students, along with a variation of the method of Cooperative Learning Jigsaw, in which we use a scientific text as a focus for the activity. It was found that the combination of these activities enabled students to understand and correlate the different concepts related to N&N, as well as form and expand their conceptual bases in a cooperative way.

nanoscience and nanotechnology; high school education; method of Cooperative Learning Jigsaw


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DE FÍSICA

Uso do método cooperativo de aprendizagem Jigsaw adaptado ao ensino de nanociência e nanotecnologia

Use of the Jigsaw cooperative learning methos adapted to nanoscience and nanotechnology teaching

Ilaiáli Souza Leite1 1 E-mail: ilaiali.leite@gmail.com. ; Ariane Baffa Lourenço; José Guilherme Licio; Antonio Carlos Hernandes

Laboratório de Difusão Científica, Grupo de Crescimento de Cristais e Materiais Cerâmicos, Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil

RESUMO

Atualmente os efeitos estudados pelos campos da Nanociência e da Nanotecnologia (N&N) influenciam o cotidiano do ser humano. No entanto, há ainda dificuldade por parte dos sistemas escolares em abordar esta temática, principalmente no nível de Educação Básica. Neste artigo, tecem-se considerações sobre uma metodologia de ensino de N&N baseada na aplicação de um minicurso a alunos do Ensino Médio, conjuntamente com uma variação do método de Aprendizagem Cooperativa Jigsaw, na qual se utilizou um texto de divulgação científica como eixo da atividade. Obteve-se que a junção das referidas atividades possibilitou que os alunos relacionassem e compreendessem os diferentes conceitos atrelados a N&N, formando e ampliando sua base conceitual de maneira cooperativa entre os sujeitos envolvidos no proceso.

Palavras-chave: nanociência e nanotecnologia, Ensino Médio, método de Aprendizagem Cooperativa Jigsaw.

ABSTRACT

In our days, the effects which are studied in the fields of Nanoscience and Nanotechnology (N&N) have influence on the daily lives of human beings. However, school systems still have difficulties addressing these subjects, especially at the level of basic education. In this article, a teaching methodology of N & N is discussed; it is based on the application of a short course to high school students, along with a variation of the method of Cooperative Learning Jigsaw, in which we use a scientific text as a focus for the activity. It was found that the combination of these activities enabled students to understand and correlate the different concepts related to N&N, as well as form and expand their conceptual bases in a cooperative way.

Keywords: nanoscience and nanotechnology, high school education, method of Cooperative Learning Jigsaw.

1. Introdução

A curiosidade por compreender o mundo em suas escalas mais ínfimas não é algo recente na História. O ser humano questiona e faz uso dos efeitos que minúsculas estruturas causam em sua percepção macroscópica pelo menos desde a Antiguidade [1]. No entanto, os estudos mais aprofundados nessas áreas, atualmente conhecidas como Nanociência e Nanotecnologia (N&N), as quais englobam os fenômenos referentes à escala de um bilionésimo de metro, foram iniciados há menos de um século, tendo como marco inicial uma conferência proferida por Richard Feynman, em 1959 [2], e os posteriores trabalhos realizados por Kim Eric Drexler, considerado o pioneiro nos estudos de N&N [3].

Hoje, as pesquisas em N&N trazem conhecimentos e aplicações que influenciam no cotidiano de toda a sociedade, da miniaturização de componentes eletrônicos até ao desenvolvimento de cosméticos [4]. Por exercer tamanha influência no modo de vida contemporâneo, torna-se necessário ensinar, mesmo que de maneira introdutória, conceitos relacionados a essas áreas, sobretudo a alunos da Educação Básica. Além disso, o ensino de N&N pode aprimorar os ensinos relacionados à Física Moderna e Contemporânea, o que reforça a importância da apresentação desses temas [5].

Um dos desafios encontrados no ensino de N&N é o desenvolvimento de uma metodologia eficaz e interessante para a discussão dos tópicos a serem apresentados, posto que, de uma maneira geral, a Física é apresentada na Educação Básica de forma a gerar, muitas vezes, desinteresse por parte do aluno [6]. Os tipos de abordagens pesquisadas prezam pela clareza dos conteúdos ministrados [5], e também pela interdisciplinaridade com áreas como a biologia, a química e até mesmo a sociologia, quando se discute as questões éticas envolvidas nesses campos do conhecimento [7].

Um método particularmente interessante para motivar a discussão de N&N em sala de aula é a apresentação de textos de divulgação científica, uma vez que a linguagem é mais adequada para um contato inicial com tópicos especiais. O uso desse tipo de material, juntamente com a orientação do professor, permite a realização de atividades em que a aprendizagem seja mais eficiente do que aquela ocorrida nos moldes convencionais [6]. Com o uso desses textos, torna-se possível discutir as vantagens e possíveis desvantagens trazidas pelo desenvolvimento da N&N, assim como as possibilidades de atuação dos profissionais dessas áreas.

Diante desse panorama, percebe-se a importância de abordar o assunto N&N nas escolas de uma maneira mais atrativa, não somente introduzindo seus conceitos em aulas expositivas, mas buscando formas de envolver os alunos, incentivar a interação entre eles e, também, com o professor. Desse modo, nessa pesquisa usou-se uma metodologia diferenciada, baseada na realização de um minicurso, jogos envolvendo nanoarte e o estudo de um artigo de divulgação científica, para abordar conceitos e aplicações envolvendo nanociência e nanotecnologia. Os resultados foram analisados considerando uma variação proposta ao Método Cooperativo de Aprendizagem Jigsaw.

2. Metodologia

O minicurso preparado na temática N&N fazia parte de uma ação de difusão científica, desenvolvida pelos pesquisadores, e continha quatro aulas de cinquenta minutos cada. Nas três primeiras utilizaram-se recursos audiovisuais e jogos didáticos na busca de um ambiente em que o aluno assumisse um papel ativo no processo de ensino-aprendizagem. Na última aula, além de atingir este objetivo pretendia-se criar um momento de compartilhamento de conhecimento entre os alunos. Para isso uma atividade baseada no Método Cooperativo de Aprendizagem Jigsaw foi desenvolvida, a qual serviu também como método de avaliação do minicurso.

As aulas se iniciaram com a abordagem da temática por meio de uma discussão sobre a definição de tamanho e de como são realizadas as medidas. Com a exposição de diferentes aparelhos de medida e o contraste de como seria medir vários objetos de tamanhos distintos com o mesmo instrumento (por exemplo, medir uma borracha e uma quadra de uma rua com uma régua de 15 cm) permitiu estabelecer a necessidade de diferentes unidades métricas (metro, centímetro, quilômetro etc.) e de instrumentos variados. Essa diversidade permite mensurar adequadamente objetos e distâncias de acordo com seu tamanho como, por exemplo, distâncias entre galáxias, medidas em anos-luz.

Foram então introduzidos os conceitos de escalas macroscópica, microscópica e nanoscópica. A primeira a ser abordada foi a macroscópica, com o intuito de seguir uma sequência lógica de ensino, partindo de dimensões mais palpáveis e com as quais os alunos estão acostumados, uma vez que inclui os objetos vistos ao olho nu. Relações entre diferentes medidas foram exploradas, como qual unidade é mais apropriada para expressar as dimensões de um prédio, estrada etc. Nesse momento, relembra-se o conceito de notação científica. A etapa seguinte foi apresentar o chamado "mundo microscópico", ressaltando que esse está presente em tudo o que nos cerca, uma vez que existem níveis hierárquicos de organização. Por exemplo, na Terra encontramos paisagens, que contém animais, que são compostos por sistemas, constituídos por tecidos, formados por células, até chegar aos átomos. Explora-se a relação de dimensão numa sequência lógica e, com isso, também se chega aos materiais e discute-se a composição química a partir da combinação de átomos. Como para medir necessita-se de instrumento, faz-se a apresentação do microscópio eletrônico, que permite visualizar objetos de dimensões microscópicas, como células e bactérias.

Pode-se então introduzir o nanômetro, partindo-se da origem do prefixo nano (do grego, significando "anão"), sua dimensão (um bilionésimo de metro) e o que é medido nessa unidade métrica, como o comprimento de onda da luz visível. Com o término da discussão das unidades métricas, realizou-se uma atividade envolvendo cartões com imagens e escalas, na qual os alunos deveria relacioná-los. A N&N, a partir desse ponto, torna-se o foco central do minicurso, no qual foram abordados suas definições, diferenças, áreas nas quais está presente, como medicina, eletrônica etc., e exemplos de produtos e tecnologias já disponíveis no mercado. A manipulação dos átomos para a produção de novos materiais e o aperfeiçoamento dos existentes foram abordados, assim como de que maneira funcionam os aparelhos que tornam isso possível.

O minicurso foi finalizado com a apresentação de vídeos com o tema nanoarte e com os alunos montando quebra-cabeças confeccionados com estas imagens. No Brasil esta concepção começou a aparecer em 2008 [8], quando cientistas perceberam que algumas imagens obtidas por microscopia eletrônica, quando coloridas, tornavam-se muito artísticas e começaram a apresentá-las em exposições culturais. A nanoarte é, segundo Cris Orfescu, uma disciplina que engloba tanto a arte quanto a ciência e a tecnologia, utilizando-se, para tanto, de imagens ou esculturas de dimensões nanométricas para a elaboração de obras artísticas [9]. Ocasionalmente são realizados concursos artísticos envolvendo nanoarte, permitindo, assim, a divulgação desse movimento.

Participaram das atividades do minicurso 80 alunos do Ensino Médio de uma escola pública da cidade Porto Ferreira, SP. Para analisar os dados foi utilizada a Análise de Conteúdo, que permite avaliar diferentes tipos de textos baseando-se em descrições sistemáticas, resultando em uma compreensão de significados [10].

2.1. Quanto à aprendizagem cooperativa

O panorama atual dentro das escolas evidencia um ensino baseado em uma estrutura expositiva, individualista e competitiva, na qual o aluno é um ser passivo na sala de aula, recebendo a mesma informação que os outros, e ativo fora da escola, estudando sozinho para compreender e adquirir o conhecimento, o que ressalta ainda mais as diferenças entre os alunos [11]. Visando valorizar atitudes cooperativas, diversos métodos de Aprendizagem Cooperativa vêm sendo desenvolvidos. Este tipo de aprendizagem possui aplicação não somente no âmbito escolar, como afirma Cochito [11, p. 18]:

Poderá também funcionar como modelo de aprendizagem da cidadania democrática e semente de coesão social, uma vez que 'elege' a heterogeneidade e o trabalho entre pares como formas privilegiadas de reduzir estereótipo e preconceito, ao proporcionar o conhecimento do outro, nas suas diferenças e semelhanças, na experimentação de um percurso e na construção de um propósito comum.

A investigação da Aprendizagem Cooperativa começou nos anos 70 e vem se destacando como ferramenta de combate à discriminação nas salas de aula, baseando-se no estudo e na reflexão de um determinado tema e na sua discussão com uma ou mais pessoas com o objetivo de entendê-lo e aprimorar este conhecimento [12].

Para que este tipo de aprendizagem ocorra, cinco princípios e elementos devem estar presentes: 1) a interdependência positiva, na qual os alunos envolvidos saibam que o sucesso não é atingido individualmente, mas sim por todos os envolvidos; 2) responsabilidade individual, uma vez que cada participante deve se esforçar para adquirir conhecimento, de forma a contribuir ativamente na discussão; 3) competências cooperativas, que envolve a habilidade de compreender o tema e encontrar uma maneira didática de transmiti-lo ao demais, de avaliar seu desempenho junto com os dos outros alunos e de trabalhar com problemas; 4) competências de interação, que envolvem o uso adequado das habilidades interpessoais; e 5) a interação face a face, que coordena os esforços de todos para atingir o mesmo objetivo [13, 14].

2.2. Quanto à Variação do Método Cooperativo de Aprendizagem Jigsaw

Para propiciar um ambiente na perspectiva da Aprendizagem Cooperativa, na última aula do minicurso, os alunos participaram de uma dinâmica baseada numa variação do Método Cooperativo de Aprendizagem Jigsaw. Esse método prevê, originalmente, a subdivisão de um assunto central escolhido em subtópicos, com o intuito de, por meio do estudo, observar e discutir essas fragmentações e, posteriormente, chegar a uma conclusão referente ao assunto central [15]. A variação desse método baseia-se no uso de um texto de divulgação científica como material didático e questões, separadas em um tópico central e subtópicos.

O uso de texto de divulgação científica no processo de ensino é totalmente favorável, visto que auxilia a prática por meio da complementação dos materiais didáticos tradicionais, colabora na inserção da linguagem científica no cotidiano dos alunos e estimula o desenvolvimento da leitura por meio do contato com a estrutura argumentativa predominantemente presente nestes tipos de textos [16]. O texto utilizado, "A nanotecnologia revolucionará o nosso modo de viver" [17], apresenta o desenvolvimento das tecnologias que já estão incorporadas em nosso dia-a-dia, introduz a nanotecnologia com uma discussão sobre átomos e moléculas, expõe seu grande potencial devido à manipulação desses elementos e discute os benefícios que surgirão com o desenvolvimento dessa tecnologia.

No início da atividade foram formados grupos denominados "grupos de base" (primeiro momento da Fig. 1), contendo um número de integrantes igual ao número de subtópicos utilizados, que correspondem a quatro questões elaboradas pelos pesquisadores (questões de A a D na Tabela 1). Essas questões visavam uma reflexão mais minuciosa, por parte dos alunos, sobre diferentes aspectos da temática, como o que é nanotecnologia, suas vantagens e aplicações. Cada aluno no grupo base recebeu uma questão e um texto, realizando uma leitura para que o grupo pudesse então iniciar uma breve discussão sobre o que foi lido.


Após essa discussão, uma reorganização dos grupos ocorreu, agrupando alunos de mesma questão nos denominados "grupos especialistas" (segundo momento da Fig. 1), chamados desta forma por promover uma discussão entre um número maior de alunos sobre o mesmo subtópico, de maneira aprofundada. Nesta nova conformação, cada grupo engajou-se numa argumentação sobre sua questão, organizada de modo a permitir que todos contribuíssem com suas ideias. Após a exposição de todos os pontos de vista, os grupos iniciaram uma discussão, com o intuito de chegar a um consenso sobre o que deveria ser respondido, fazendo com que cada aluno escrevesse em sua folha a mesma resposta.

Ao término dessa etapa, os grupos originais foram novamente reconstituídos, e cada aluno expôs a conclusão obtida por seu grupo especialista. Uma última questão foi então distribuída para cada grupo base (questão E da Tabela 1), desempenhando o papel de tópico central, envolvendo os aspectos abordados nas quatro questões anteriores. Os alunos iniciaram uma última discussão debatendo sobre qual era a contribuição de cada questão anterior, do conteúdo visto no minicurso e as informações e conhecimentos individuais provenientes do cotidiano e vivência de cada membro. Ao fim desta discussão, cada grupo chegou a uma nova conclusão.

3. Resultados

Para a análise dos resultados foi necessário distinguir os grupos das duas salas e os grupos especialistas de cada uma delas. Para tanto, a distinção entre as salas foi feita pelo uso dos algarismos 1 e 2, e entre os grupos especialistas, pelos subíndices α, β, χ e δ, onde cada sνmbolo faz referência às questões A, B, C e D, respectivamente.

3.1. As concepções sobre nanotecnologia

Os grupos especialistas 1α e 2α apresentaram a nanotecnologia como o estudo de materiais em escala nanométrica, de partículas invisíveis ao olho. Eles descreveram o desenvolvimento de novos materiais e o aperfeiçoamento dos já existentes em uma dimensão tão reduzida como o diferencial da nanotecnología em relação a outras tecnologias, trazendo diversas vantagens sobre elas, como uma maior precisão, redução no gasto de energia e no número de impurezas e resíduos, como se observa nas citações da sala 1 e sala 2, respectivamente:

É a tecnologia do 10–9, que estuda coisas do universo, como: átomos, moléculas, células etc. Ela trata da manipulação dos átomos e/ou moléculas para a produção de novos materiais, dispositivos e até mesmo máquinas invisíveis ao olho.

Por ser capaz de controlar a estrutura atômica da matéria é que ela tem o potencial de revolucionar o modo que vivemos.

A discussão dos grupos especialistas resultou na produção de um texto objetivo, apresentando majoritariamente informações contidas no texto de divulgação, resultando na paráfrase desse material. Isso se deve ao teor teórico apresentado pela questão 1, que questiona os alunos a respeito da definição da nanotecnologia, e desta forma a pergunta provoca nos alunos uma tendência de respondê-la com informações evidentes no texto de divulgação científica. Conforme preconizam Nobre e Queiroz [18], este quadro pode favorecer a ocorrência de repetição empírica ou formal. Observa-se que os conceitos abordados no minicurso estão presentes na exemplificação de como ela diverge de outras tecnologias, presente na seção das aplicações da nanotecnologia.

3.2. Áreas de atuação da nanotecnologia

Dentre as respostas fornecidas pelos grupos especialistas, as que apresentaram a maior diferença entre os grupos das duas salas foram as referentes à atuação da nanotecnologia. O grupo 1χ apresentou somente duas áreas de atuação: medicina e comunicação. Dentro dessa última, abordou-se a idealização de um novo celular utilizando a nanotecnologia em seu desenvolvimento, tópico pelo qual os alunos demonstraram grande interesse. Já o grupo especialista 2γ descreveu aplicações na área médica, cosmética, biotecnológica e artística:

Atua em diversas áreas, como na medicina, eletrônica (no desenvolvimento de aparelhos mais sofisticados, como o novo celular da Nokia) entre outras áreas que poderão revolucionar o nosso modo de viver.

A nanotecnologia atua na arte, na ciência, na tecnologia, na biotecnologia de microestruturas, medicina, cosméticos.

Arte: coloração de imagens de microscópios.

Pesquisa para melhorias de aparelhos já existentes.

Pesquisa em cima de doenças como: AIDS, câncer, diabetes, paralisias. (Sala 2)

3.3. Benefícios decorrentes da nanotecnologia à sociedade

Os benefícios mais citados pelos grupos especialistas foram melhorias na saúde (como na cardiologia, oftalmologia e ortopedia), no setor da economia de energia elétrica e de água e a facilitação do cotidiano. Ambos mencionaram que a nanotecnologia, com toda sua inovação trazida pela capacidade de manipular estruturas tão pequenas, vai revolucionar a vida do homem:

Com o estudo de micropartículas é possível transformar materiais já conhecidos em outros materiais benéficos, e também a criação de materiais pequenos para melhorar e facilitar o cotidiano. (Sala 1)

Ela traz facilidade e versatilidade para o ser humano, transforma as coisas reduzindo e diminuindo seu tamanho e sua portabilidade, tanto tecnologicamente como biologicamente. Trouxe benefícios para a cardiologia, ortopedia e oftalmologia. (Sala 2)

Os conceitos presentes nesta questão são provenientes do minicurso, também apresentados durante a discussão das diversas aplicações da nanotecnologia. O grupo especialista 2β, que apresentou exemplos específicos na área de saúde se ateve não somente às aplicações já existentes da nanotecnologia, mas explorou as possíveis utilizações dessa área no futuro, como microcirurgias, indicando que os alunos não se limitaram a apresentar o que estava escrito no texto.

3.4. A nanoarte

Esta expressão artística foi descrita pelos dois grupos de uma maneira muito similar, demonstrando que o conceito do que é nanoarte foi compreendido pelos alunos durante o minicurso, único momento no qual foi discutido. Eles a apontaram como sendo o produto da escolha de algumas imagens de microscopia eletrônica, que são obtidas em branco e preto, e sua subsequente coloração por meio de uso de programas de computadores. Neste momento, tem-se que os alunos tiveram que resgatar a discussão realizada no minicurso, adaptando-a com suas palavras.

As imagens que são coletadas através do microscópio eletrônico, em preto e branco são avaliadas e selecionadas, passam por um processo de coloração. Assim surge a nanoarte. (Sala 1)

Através de um microscópio eletrônico são tiradas fotos em preto e branco de átomos e moléculas. (Sala 2)

3.5. Uma visão crítica do desenvolvimento da nanotecnologia

Para a análise da questão central criaram-se categorias enquadrando o aspecto central do que foi apresentado nos textos elaborados. Ao analisar a resposta de cada grupo, observa-se que alguns deles foram além do âmbito tecnológico da nanotecnologia, calculando cuidadosamente as consequências de seu desenvolvimento indiscriminado e analisando seu impacto sobre a sociedade. Isso possibilitou separar as categorias observadas em dois tipos: aquelas que descrevem o aspecto positivo (Tabela 2) do desenvolvimento da nanotecnologia e as que descrevem o negativo (Tabela 3).

Todos os grupos apresentaram um ou mais benefícios trazidos pela nanotecnologia, resgatando os aspectos e exemplos utilizados pelos grupos especialistas, como as aplicações tecnológicas, abordadas tanto no texto de divulgação quanto no minicurso, que contribuem positivamente para o desenvolvimento da sociedade. No entanto, é interessante analisar as afirmações apresentadas pelos grupos que ressaltaram fatores negativos trazidos pelo seu desenvolvimento, pois estes foram capazes de fazer uma reflexão perante o assunto, e trazer informações de outras fontes. Dos 17 grupos analisados, 10 apresentaram aspectos negativos: 7 pertencentes à sala 1 e 3 à sala 2. Percebe-se que os alunos expressaram suas concepções de modo a transcender seu papel de estudante, pois a questão os fazem refletir também como cidadãos. É importante ressaltar que o texto sobre nanotecnologia desempenhou um papel fundamental na organização dos conceitos adquiridos nas três primeiras aulas do minicurso, uma vez que resgata sucintamente diversos argumentos apresentados no minicurso. Observa-se também que essa análise crítica mais aprofundada só pode ser alcançada por meio do intercâmbio de opiniões e conhecimentos proporcionado pelos momentos de discussão entre os alunos, tanto nos grupos base como nos especialistas. Diversos argumentos apresentados nos textos elaborados vieram claramente da análise dos tópicos abordados anteriormente.

Um dos grupos que ressaltou aspectos negativos inicia essa discussão partindo da afirmação que a nanotecnologia traz diversos benefícios, como na área da saúde e no setor financeiro, trazendo capital para os países que a desenvolvem. No entanto, esse crescimento econômico pode levar a um aumento do desemprego, um fenômeno cada vez mais comum em países emergentes, com a substituição da mão de obra por máquinas. Além disso, o aumento da exclusão social também é um fator que deve ser considerado, uma vez que pessoas de baixa renda não teriam acesso a este tipo de tecnologia. Esta linha de raciocínio foi apresentada por mais um grupo.

A nanotecnologia vem sendo um tema muito debatido por seus benefícios que não são poucos, como melhoria no setor de saúde, lazer e economia. Mas também tem um certo lado negativo, trabalhadores podem perder sua vaga de emprego para uma máquina que tenha um avanço na nanotecnologia. Por exemplo, um trabalhador da área rural, que muitas vezes não possui ensino completo, não vai conseguir manusear esse tipo de máquina com nanotecnologia.

Em certas ocasiões com o uso da nanotecnologia, a mão de obra será substituída por máquinas e isso traz danos, pois causa o desemprego e a economia do país é abalada.

dinheiro que vai ser usado para investir na nanotecnologia em um hospital bom, por exemplo, pode ser investido em algum hospital que precise mais. (Sala 1)

Outros grupos exploraram outras características negativas advindas dela, como o fato de demandar um elevado investimento. Ao invés do Brasil investir na melhoria da saúde pública ou do ensino, este capital migraria para a pesquisa e desenvolvimento desta tecnologia. O fato de o investimento necessário ser elevado leva também a um maior distanciamento entre os países, pois a maior parte não tem esse este capital. Outro importante aspecto citado foi sua má utilização, principalmente se aplicada no setor bélico. Um determinado grupo fez menção à possibilidade de se criar pequenas máquinas nocivas ao homem:

Os fatos negativos:

Com a nanotecnologia se desenvolvendo muito rápido vão usar essa tecnologia para forças bélicas e capaz de fazer uma grande destruição.

Será também possível a criação de micro robôs capazes de destruir o corpo por dentro. (Sala 1)

Este argumento foi desenvolvido somente por este grupo (pertencente à sala 1), e levou em consideração o desenvolvimento de armas biológicas pelo homem, um argumento já apresentado por Oliveira [19]. Este é um fato bastante conhecido, mencionado quando estuda-se, por exemplo, História. Além disso, os alunos também levaram em consideração algumas informações apresentadas no minicurso. A união desses conceitos levou estes alunos a acreditarem que essa é uma terrível possibilidade para o futuro.

Por fim, foi descrito o chip Mondex, uma tecnologia citada pela mídia há alguns anos que seria empregada nos Estados Unidos. Este chip seria utilizado para identificação, abolindo documentos e cartões de crédito e armazenando importantes informações pessoais, como a ficha médica. Esta categoria aparece nas respostas de 2 grupos da sala 2, sendo apontada como um aspecto negativo pois o seu implante subcutâneo seria obrigatório, e a tentativa de sua remoção, segundo os alunos, levaria à liberação de toxinas, causando a morte do indivíduo.

4. Considerações finais

Este trabalho perspassou dois âmbitos de objetivos, um em que pela aplicação do minicurso foi possível desenvolver uma atividade de extensão universitária, avaliando-se o projeto quanto a sua aplicação, e outro referente a estudar as contribuições do uso de um texto de divulgação científica no contexto de uma atividade de aprendizagem cooperativa.

Foi identificado que o uso do texto de divulgação científica na dinâmica de Aprendizagem Cooperativa desempenhou dois papéis: o de referência para a paráfrase e de material de apoio. O primeiro está presente principalmente quando os alunos são questionados a respeito do que é a nanotecnologia. Neste caso, eles utilizam os primeiros parágrafos do texto para realizar uma cópia desta definição. Nos demais questionamentos, observa-se que os alunos refletiram sobre o que foi apresentado no minicurso, enriquecendo suas conclusões com informações presentes no texto. Tal diferenciação está fortemente atrelada ao tipo de pergunta realizada.

Os grupos base, quando requisitados a fazer uma análise crítica sobre o desenvolvimento da nanotecnologia, posicionaram-se majoritariamente de forma positiva em relação a ele. Citaram os benefícios trazidos por esta tecnologia presentes na medicina, no cotidiano, na área de preservação ambiental etc. Dos 17 grupos, 10 deles apresentaram impactos negativos sobre a sociedade, fruto de uma reflexão sobre tudo o que foi abordado no minicurso e presente no texto associado aos problemas já existentes nela. Os aspectos citados foram o aumento do desemprego pela substituição de mão de obra e necessidade de um elevado nível de instrução para manipular tais instrumentos com essa tecnologia, o aumento da exclusão social, a demanda de um elevado investimento para desenvolver equipamentos e pesquisa sobre nanotecnologia e a possibilidade de utilizá-la no setor bélico.

Todas essas informações, associadas à observação da condução das discussões dentro dos grupos indicam que o minicurso foi responsável pela criação de uma base conceitual sobre a temática nos alunos e que possibilitou que, além de seu papel de estudante, assumissem o papel de cidadãos críticos. O uso dessa metodologia, a variação do método Jigsaw, revela que o ato da argumentação, presente durante toda a dinâmica, promove a união dessas bases conceituais, levando à formação de uma mais ampla e enriquecida. Esta é resultado direto da correlação construtiva dos conceitos presentes no minicurso e no texto de divulgação, ocasionada pela participação e contribuição de cada indivíduo dentro de seu grupo. Desse modo, a atividade com o texto de divulgação promoveu uma interação positiva entre os alunos, atingida por meio da cooperação.

Os resultados indicaram que as atividades de difusão científica podem abranger um forte envolvimento e desenvolvimento de conceitos sobre nanociência e nanotecnologia e atitudes, como o posicionamento crítico dos alunos em relação à temática, do público alvo.

Recebido em 24/1/2013

Aceito em 21/2/2013

Publicado em 30/10/2013

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 2013
    • Aceito
      21 Fev 2013
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