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Alguns problemas de eletromagnetismo envolvendo séries infinitas

Problems of electromagnetism involving infinite series

Resumos

Neste trabalho consideramos alguns aspectos físicos relacionados a séries divergentes e a série condicionalmente convergentes.


In this work we have discussed some physical aspects connected to divergent series and conditionally convergent series.


ARTIGOS GERAIS

Alguns problemas de eletromagnetismo envolvendo séries infinitas

(Problems of electromagnetism involving infinite series)

Denimar Possa; José Alexandre Nogueira* * nogueira@cce.ufes.br

Departamento de Física, Centro de Ciências Exatas, Universidade Federal do Espírito Santo, 29.060-900, Vitória, ES, Brasil

RESUMO

Neste trabalho consideramos alguns aspectos físicos relacionados a séries divergentes e a série cpndicionalmente convergentes.

ABSTRACT

In this work we have discussed some physical aspects connected to divergent series and conditionally convergent series.

1 Introdução

O estudo da convergência das séries infinitas é por si só um assunto interessante. Contudo, nas disciplinas de matemática, tais como cálculo, análise e em muitos casos até mesmo de física matemática dos cursos de Física, não existe uma associação com problemas físicos. Isto é, existe a falta de interpretações físicas ligadas a como somar os termos das séries e a soma de séries. Tais interpretações tornam-se mais interessantes ainda quando consideramos as séries condicionalmente convergentes.

Este trabalho tem como objetivo discutir os significados físicos associados às séries infinitas e às séries condicionalmente convergentes, isto é, a soma de séries divergentes e a possíveis formas de serem realizadas as somas das séries condicionalmente convergentes. Neste trabalho, não temos a intenção de esgotar ou elucidar completamente o assunto, que entendemos ser amplo e profundo. Nossa intenção é despertar, sobretudo nos alunos, o interesse em se realizar uma reflexão sobre os significados e interpretações físicas ligadas às séries infinitas e condicionalmente convergentes.

O artigo está organizado como segue. Na seção 2 consideramos uma série divergente, mais especificamente uma função zeta de Riemann de 1. Tratamos da determinação do potencial elétrico de infinitas cargas elétricas pontuais. Devido à posição destas cargas elétricas, o potencial elétrico será dado por uma série infinita. Na seção 3 consideramos as séries condicionalmente convergentes. Tratamos da determinação do potencial elétrico e da força elétrica exercida por infinitas cargas elétricas pontuais, as quais convenientemente colocadas, conduzem a uma série condicionalmente convergente. Por fim, na seção 4 consideramos a soma de duas séries divergentes. Mais uma vez, tratamos da determinação da força exercida por infinitas cargas elétricas.

2 Séries infinitas

Suponha que sobre o eixo-x são colocadas cargas elétricas pontuais positivas e idênticas, nas posições -1, -2, -3, ....1 1 As posicões das cargas são dadas em unidades de comprimento que serão omitidas por simplicidade. O potencial elétrico gerado por esta distribuição, calculado usando o princípio de superposição, é dado por [1, 2]

com x ¹ -n 2 2 As divergências nos pontos x = -n são bem conhecidas. Elas têm sua origem em tentarmos determinar o potencial nas fontes [3]. . Na origem o potencial é dado por

onde z(s) é a função zeta de Riemann [4], definida como

para

e (s) > 1.

Uma vez que z(1) é a série harmônica 3 3 Definida como o potencial obtido na Eq.(2) é divergente, da mesma forma que o potencial da Eq.(1) para qualquer x finito. Esta divergência tem sua origem no fato de tomarmos o ponto de referência de potencial nulo no infinito.

Se desejássemos calcular a diferença de potencial elétrico entre dois pontos x1 e x2

estaríamos frente a uma dificuldade, pois estaríamos somando duas séries divergentes, algo não bem definido. De outra forma, não podemos garantir que a soma de duas séries divergentes possa ser feita termo-a-termo.

Este problema pode ser contornado se tomarmos o ponto de referência em um ponto arbitrário qualquer x0, o que pode ser feito, uma vez que o potencial é uma grandeza relativa. Agora o potencial fica dado por

sendo finito, sempre que x0 seja finito4 4 Observe que agora o potencial diverge quando x tende para infinito. . Desta forma, o trabalho realizado por um agente externo para levar uma carga unitária de um ponto qualquer x0 até a origem é

que como esperávamos é finito.

Com o potencial elétrico agora dado pela Eq.(5) podemos calcular sem ambigüidades a diferença de potencial elétrico DF entre dois pontos x1 e x2

pois, sendo as séries convergentes, podemos somar termo-a-termo

Um outro modo de contornarmos o problema da série divergente na Eq.(1) é torná-la finita supondo que o número de cargas elétricas N seja finito. Agora o potencial elétrico da Eq.(1) (com referencial no infinito) fica finito, porém dependente de N,

Com o potencial elétrico finito podemos determinar a diferença de potencial elétrico entre os pontos x1 e x2 sem ambigüidades. E, finalmente, restabelecemos o problema original calculando o limite de N tendendo para infinito.

Entretanto, tal procedimento é formal. Sendo os limites divergentes, não podemos garantir que a soma dos limites é o limite da soma.

Este procedimento é muito semelhante à regularização por cut-off, com a prescrição de renormalização sendo dada pela condição física de somente diferenças de potenciais serem observadas [5].

Embora, aparentemente tenhamos resolvido o problema da divergência da Eq.(1), isto não é de todo verdade. De fato, a divergência, neste caso, não é um problema matemático, mas sim físico e que, portanto, não pode ser excluído por qualquer procedimento matemático. Quando calculamos o potencial na Eq.(2), estamos determinando o trabalho que deve ser realizado por um agente externo para levar uma carga elétrica unitária de prova do infinito até a origem. Tal trabalho tende para infinito quando o número de cargas da configuração tende para infinito. Entretanto, se de alguma forma (quando possível) o sistema existe com uma carga de prova em x0, então, um procedimento matemático pode ser empregado para obter-se um resultado finito, uma vez que o trabalho realizado por um agente externo em levar a carga elétrica unitária de prova de x0 até a origem é realmente finito, Eq.(6).

É importante notar que a quantidade infinita de trabalho necessária para o agente externo levar a carga elétrica de prova do infinito à origem não é um problema exclusivo da quantidade infinita de cargas elétricas, mas também das posições destas. Note que se as cargas elétricas fossem colocadas nas posições -1, -4, -9, -16, ..., o potencial elétrico na origem seria dado por

sendo uma quantidade finita, embora o número de cargas elétricas seja infinito.

3 Séries alternadas. Convergência condicional

3.1 O Potencial Elétrico

Vamos considerar uma nova distribuição, onde cargas elétricas positivas e negativas são colocadas nas posições -1, -3, -5, ... e -2, -4, -6, ..., respectivamente. O potencial elétrico, com o referencial no infinito, fica dado por

E na origem fica dado por

Embora finita a série acima não é absolutamente convergente e, portanto, seu resultado depende de como a soma é realizada. Tais séries são chamadas de condicionalmente convergentes. Se, pelo princípio de superposição, consideramos a ação das cargas seqüencialmente, o potencial fica dado por

De outra forma, se consideramos a ação de uma carga elétrica positiva seguida da ação de duas outras negativas, o potencial fica dado por

Assim, diferentes maneiras de se aplicar o princípio de superposição conduzirá a diferentes resultados.

Novamente, se desejássemos determinar a diferença de potencial elétrico entre os pontos x1 e x2 estaríamos frente aos mesmos problemas da seção anterior, pois não podemos garantir que a soma de duas séries condicionalmente convergentes possa ser realizada termo-a-termo. Entretanto, tal diferença de potencial elétrico DF é finita e tem sempre o mesmo resultado,

que é uma série absolutamente convergente.

Embora para a determinação da diferença de potencial elétrico entre dois pontos finitos o fato do resultado da soma da série condicionalmente convergente depender de como a soma seja feita não conduza a diferentes resultados físicos, isto não é verdade para o cálculo do trabalho a ser realizado por um agente externo em levar um carga elétrica unitária de prova do infinito para a origem, como fica claro quando comparamos as equações (14) e (15).

3.2 A Força Elétrica

Como um outro exemplo, suponhamos que cargas elétricas positivas e negativas sejam colocadas nas posições -, -, -,... e -, -, -, ..., respectivamente [6]. A intensidade da força elétrica sobre uma carga elétrica de prova q0 colocada na origem é dada por

Novamente temos uma série condicionalmente convergente. Contudo, a força é uma grandeza absoluta, tendo ela mesmo significado físico. Então, como explicar os diferentes valores que esta força pode assumir? Os diferentes valores que a força elétrica sobre q0 pode assumir dependem da ordem em que as cargas elétricas são colocadas. Assim, se as cargas elétricas fossem colocadas na seqüência: uma positiva em x = -, depois uma negativa em x = - e assim sucessivamente, a intensidade da força elétrica seria

Se as cargas elétricas fossem colocadas na seqüência: uma positiva em x = -, depois uma negativa em x = - , seguida de outra negativa em x = - e assim sucessivamente, uma positiva e duas outras negativas, a intensidade da força elétrica seria

4 Soma de séries divergentes

Por fim, vamos considerar infinitas cargas elétricas positivas, nas posições -, -, -, -, -,... e nas posições , , , , ,.... Ingenuamente, poderíamos afirmar que a intensiade da força elétrica sobre uma carga elétrica de prova q0 colocada na origem,

seria nula. Porém, algum cuidado deve ser tomado, pois estamos considerando duas séries divergentes e, como já dissemos, não podemos garantir que a soma das séries é igual a série da soma. Fisicamente isto significa que a força resultante sobre q0 depende de como as cargas elétricas são colocadas. Se colocássemos uma carga elétrica em uma posição positiva seguida de outra na posição negativa simétrica, a força elétrica se anularia a cada par de cargas elétricas colocadas e o resultado final seria o cancelamento da força elétrica resultante. Isto ainda seria verdade se colocássemos um número finito de cargas nas posições positivas seguido de um mesmo número de cargas nas posições negativas simétricas. Este procedimento físico corresponderia ao resultado matemático das séries divergentes se anularem, isto é, de força elétrica resultante nula. Porém, se ''colocássemos" primeiramente todas as cargas nas infinitas posições positivas, a força elétrica sobre a carga de prova seria divergente e seu cancelamento com a colocação das cargas nas infinitas posições negativas não poderia ser garantido.

5 Conclusão

Através de alguns exemplos simples de eletromagnetismo discutimos os significados físicos relacionados às séries divergentes e às séries condicionalmente divergentes. Vimos que as ''ambigüidades'' ao se manusear tais séries (mesmo com o necessário rigor matemático) podem não conduzir a diferentes resultados físicos (como nas seções 2 e 3.1, para a determinação da diferença de potencial), bem como, podem conduzir a diferentes resultados físicos (como nas seções 3.2 e 4, para a determinação da força elétrica).

Mostramos que, quando lidamos com essas séries, alguns cuidados quanto às interpretações físicas dos resultados que obtemos devem sempre ser considerados. Isto porque existe uma íntima relação entre os resultados e as interpretações físicas dos manuseios das séries.

Recebido em 19 de setembro, 2003

Aceito em 22 de outubro, 2003

  • [1] J. R. Reitz, F. J. Milford and R. W. Christy, Fundamentos da Teoria Eletromagnética, Editora Campus, Rio de Janeiro (1982).
  • [2] D. J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics, Prentice-Hall, New Jersey (1999).
  • [3] J. D. Jackson, Eletrodinâmica Clássica, Editora Guanabara Dois S.A., Rio de Janeiro (1983).
  • [4] G. B. Arfken and H. J. Weber, Mathematical Methods for Physics, Academic Press, San Diego (1995).
  • [5] W. Spalenza, e J. A. Nogueira, Rev. Bras. Ens. Fis. 22(1), 83 (2000).
  • [6] M. L. Boas, Mathematical Methods in the Physical Sciences, John Wiley and Sons, Singapore (1996).
  • *
  • 1
    As posicões das cargas são dadas em unidades de comprimento que serão omitidas por simplicidade.
  • 2
    As divergências nos pontos x = -n são bem conhecidas. Elas têm sua origem em tentarmos determinar o potencial nas fontes [3].
  • 3
    Definida como
  • 4
    Observe que agora o potencial diverge quando x tende para infinito.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Recebido
      19 Set 2003
    • Aceito
      22 Out 2003
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