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CARTAS AO EDITOR

Rigor na Pesquisa em Ensino de Física

Obrigado pela elogiosa referência que você fez à revista "Investigações em Ensino de Ciências" no editorial do último número da RBEF. Independente disso, o editorial está muito bom e as referências ao Guest Comment do Prof. Holcomb - formalmente um dos meus orientadores em Cornell -, estão muito apropriadas. Tenho convicção que a pesquisa em ensino de física pode contribuir muito para o ensino de física. É, no entanto, necessário que os estudos sejam conduzidos com o rigor que Holcomb muito bem destaca. Como editores, temos que nos preocupar muito com isso. Não importa se a pesquisa é quantitativa ou qualitativa. Se tem grupo de controle ou não. O importante é o rigor metodológico, a qualidade da pesquisa, a relevância da questão investigada.

Marco Antonio Moreira

Editor de Investigações em Ensino de Ciências

Instituto de Física, UFRGS

Crítica e Bom Uso do Idioma

Faz algum tempo que lhe devo uma manifestação de agrado pelo crescimento, pela diversificação e nível da RBEF e, é claro, acompanhada de longo aplauso a toda equipe de trabalho, e em particular aos articulistas. O Suplemento "A Física na Escola" está excelente e, não há dúvida, de grande utilidade nas mãos dos professores mais empreendedores e desejosos de vencer os problemas do ensino da física em nossas escolas.

Entretanto levou-me a lhe escrever um problema de natureza editorial. Espero que tome estes comentários como expressão de minha solidária colaboração antes que de censura ou reclamação. Meu comentário se faz através de dois exemplos, extraídos do número de setembro de 2001 da RBEF.

O primeiro é o estilo, pelo menos desprimoroso, com que os autores do artigo "Mecânica Relacional: A Propósito de uma Resenha", [RBEF 23 (3), 260 (2001)] redigiram seu texto. Devo dizer que não conheço pessoalmente o autor da Mecânica Relacional, a não ser por um texto seu publicado em livro intitulado Eletrodinâmica de Weber. Assim não tenho o propósito de desagravá-lo do tratamento recebido. Tampouco tenho o propósito de veicular qualquer juízo de mérito em favor dele ou de seus críticos; simplesmente nunca li a Mecânica Relacional e os argumentos de seus críticos são contextualizados de tal forma que não cabe qualquer posição a não ser associar-se à condenação. Lembra aqueles julgamentos da Santa Inquisição onde um promotor, braço esticado, dedo em riste apontado para a face do réu, mudo e cabisbaixo, volta-se para seus pares e com afiada eloqüência alinha pecados, fraquezas, violações das sagradas escrituras, uma só das quais seria suficiente para condená-lo à fogueira. Entendo que esse estilo de texto deve ser evitado: dá a impressão de que existem assuntos tabus dentro da física que não admitem questionamentos e este é um ensinamento muito ruim, além de ser reprovável do ponto de vista do bom gosto. Relatividade Geral, Restrita ou qualquer outro assunto. Mesmo que se corra o risco de ultrapassar os limites que separam a ortodoxia daquilo que os autores chamaram de "ciência patológica". Ninguém melhor que Einstein simbolizou exemplarmente esse tipo de independência intelectual e cultivou essa característica da física.

A segunda é a observância do idioma português. Encontrei numa leitura ligeira, somente neste número, alguns exemplos de estrangeirismos em vocábulos e na construção de sentenças cuja correção, acredito, seja do interesse geral. É importante que se pratique e se leve a alunos e professores, textos que consolidem o uso da língua portuguesa em assuntos técnicos e científicos, porque é através deles que se processa parte ponderável da invasão cultural nos países em desenvolvimento. É bom não esquecer que a moderna ciência no Brasil teve seu impulso máximo nos anos '50 como resultado de um movimento de afirmação da identidade do povo brasileiro que nasceu na semana de Arte Moderna de 1922, continuou na Associação Brasileira de Educação, na criação da USP, da Universidade do Distrito Federal e teve seus pontos mais altos na criação do CNPq e, mais tarde, na Reforma Universitária. Respeitar o idioma é o mínimo que se pode esperar de todos os que se sentem ligados ao processo de formação de nossa identidade. Para os que se acreditam vivendo a modernidade "pós-história" me permito lembrar que milhões de brasileiros vivem fora dela e que é parte do compromisso do professor trazê-los para essas vivências; é, parece-me, muito mais fácil fazê-lo em seu idioma nativo do que ensinar-lhes uma língua estrangeira ou, o que é pior, tentar fazê-lo em dialetos híbridos sem qualquer organização idiomática. Devo mencionar que dentre os estrangeirismos detectados encontrei um que parece mais popular: o vocábulo "massivo". Este vocábulo não existe no idioma português, não aparece em nossos mais conceituados e atuais dicionários - o Aurélio Século XXI e o Houaiss - caracterizados, ambos, pela generosa adoção de vocábulos ou expressões estrangeiras quando elas não encontram equivalentes no vernáculo. Seu uso deve ser condenado veementemente.

É isso. Quero reiterar meus cumprimentos e o desejo de que suas iniciativas ganhem cada vez mais público e seus frutos se multipliquem.

Alfredo Marques

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, CBPF/MCT, Rio

Escobar e Pleitez respondem

Não é nossa intenção realizar a Santa Inquisição contra o Professor Assis ainda mais que o artigo prende-se única e exclusivamente à obra que foi objeto da resenha publicada anteriormente na mesma RBEF. Uma inquisição teria, para justificar este nome de tão tristes lembrancas, que realizar um trabalho extenso cobrindo toda a obra do Professor Assis. Procuramos no nosso artigo mostrar que em ciência não basta o questionamento! É bom lembrar que em ciência não vale tudo. Se é verdade que na proposta de uma nova teoria pode "valer tudo" (Feyerabend) o mesmo não acontece na verificação dessa teoria. Neste caso é o acordo com os dados experimentais que vai dizer se a teoria vale ou não. A Mecânica Relacional já foi eliminada pela experiência e foi isto que procuramos mostrar aos leitores da RBEF.

Carlos O. Escobar, Instituto de Física 'Gleb Wataghin', UNICAMP

Vicente Pleitez, Instituto de Física Teórica, UNESP

Os Mitos dos Cientistas

Com relação ao artigo por Rodrigo Moura e João Batista Garcia Canalle [RBEF 23 (2), 238 (2001)], envio os seguintes comentários:

1. Acho difícil imaginar que os biógrafos de Einstein que estudaram os hábitos escolares do jovem Einstein não estivessem a par do sistema usado nas escolas alemães para indicar as notas dos estudantes. Parece mais provável que o mito segundo o qual Einstein teria sido um mau estudante esteja relacionado (até os mitos precisam ter uma origem definida) com o fato (este verdadeiro) de que Einstein foi reprovado na sua primeira tentativa de ingressar na ETH de Zurique (onde a sua dificuldade era com as disciplinas fora da área das chamadas ciências exatas).

2. Se Galileu realmente proferiu a expressão "Eppur si muove" ele o fez muito baixo ou pelo menos longe dos ouvidos de seus juízes. De fato, é inconcebível que alguém numa sessão solene destinada à abjuração de uma heresia tivesse a audácia de afrontar o Tribunal de Inquisição de um modo tão flagrante, pois isto faria com que fosse considerado relapso e, em conseqüência, condenado a penas severíssimas. Por outro lado, o fato desta história só ter sido publicada em 1789 não garante que ela tenha sido obra exclusiva de algum "biógrafo romântico". Acho provável que já existisse na tradição oral, divulgada pelos simpatizantes de Galileu.

3. Quanto à tradição de que Arquimedes teria incendiado a frota romana no cerco de Siracusa, acho que a versão segundo a qual teria começado o incêndio pelas velas dos navios também tem os seus problemas. Realmente, as galeras da época possuíam dois métodos de propulsão: a vela (para a viagem em mar aberto) e os remos (para as manobras e nas batalhas navais). Ora estando a frota necessariamente próxima do porto, não parece provável que as velas estivessem içadas nesse momento, o que seria inútil e até mesmo perigoso. A verdade, naturalmente, nunca se saberá, mas não parece impossível que Arquimedes tenha usado a reflexão concentrada de luz para cegar, perturbar, ou aterrorizar os soldados dos navios e que isto tenha sido posteriormente embelezado (como tantas vezes ocorre) na história do incêndio.

4. Na p. 250 do artigo, os autores citam a opinião de um senhor Brian Adams que, comentando as ironias da vida de Einstein, diz que ele sendo um pacifista, "foi obrigado a exigir a publicação de uma bomba devastadora". Não li o texto original, mas se a tradução estiver correta não posso deixar de afirmar que:

- Einstein não "foi obrigado". Ele foi solicitado a escrever uma carta a respeito de um possível uso da energia nuclear na construção de um artefato bélico. Se ele pessoalmente "sentiu-se obrigado" a fazer isto, a história é outra;

- Einstein não exigiu nada, primeiro porque não tinha poderes para isto e depois porque a "bomba devastadora" ainda era uma idéia que envolvia muitas incertezas a respeito de um assunto que não era da sua especialidade;

- Os pesquisadores mais sóbrios que investigaram o assunto não conseguiram avaliar a importância da carta de Einstein na construção efetiva da bomba atômica, pois o famoso projeto Manhattan só foi iniciado bem depois, havendo a influência de outros especialistas mais familiarizados com o assunto (as primeiras pesquisas começaram na Inglaterra).

Talvez este seja mais um dos mitos sobre a História da Ciência a serem discutidos no futuro.

Rogério C.T. da Costa

Instituto de Física de São Carlos - USP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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