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Investigando a atmosfera com dados obtidos por radiossondas

Investigating the atmosphere with data obtained by radiosondes

Resumo

Neste trabalho apresentamos uma proposta de investigação do comportamento da pressão atmosférica e da temperatura do ar com a altitude, utilizando dados de uma radiossonda lançada por uma Estação Meteorológica de Altitude (EMA). Radiossondas, sensores atmosféricos transportados por balões, são lançados diariamente para medir dados de pressão, temperatura, umidade do ar e vento em diversos níveis da atmosfera. Nesta atividade o professor tem oportunidade de discutir com os alunos vários aspectos do comportamento da atmosfera em altitude. Apresentamos dois exemplos de aplicação utilizando dados de uma radiossonda lançada na EMA do Galeão (Rio de Janeiro). Tais dados podem ser coletados através de um rádio definido por software (RTL-SDR), de fácil aquisição e configuração, ou através de sítios de meteorologia de acesso livre.

Palavras-chave:
Ensino por Investigação; Meteorologia; Radiossondas; Radio Definido por Software (RDS)

Abstract

In this work we present a proposal to investigate the behavior of atmospheric pressure and air temperature with altitude using data from a radiosonde launched by an Upper-air Meteorological Station. Radiosondes, atmospheric sensors transported by balloons, are launched daily to measure pressure, temperature, humidity and wind data at various levels of the atmosphere. In this activity, the teacher has the opportunity to discuss with students various aspects of the atmospheric behavior at altitude. We present two application examples using data from a radiosonde launched at the Upper-air Meteorological Station of Galeão (Rio de Janeiro). Such data can be collected through software-defined radio (RTL-SDR), easy to acquire and configure, or through free-access meteorological sites.

Keywords:
Research Teaching; Meteorology; Radiosondes; software-defined radio (SDR)

1. Introdução

Diariamente, previsões do tempo são apresentadas nos telejornais. A partir das previsões o público pode tomar decisões que afetam diretamente a sua vida, relacionadas ao trabalho, viagens, lazer e outras. Em sala de aula, o professor pode levantar questões sobre a elaboração das previsões do tempo. Esse assunto pode se tornar cativante e despertar muito interesse.

Para elaboração da previsão do tempo, os meteorologistas utilizam diversos recursos, tais como imagens de satélite e de radar, além de dados observacionais provenientes das estações meteorológicas de superfície e de Estações Meteorológicas de Altitude (EMAs). Nas EMAs radiossondas são lançadas duas vezes ao dia. As radiossondas são equipamentos utilizados para medir a temperatura, pressão, umidade, direção e velocidade do vento em diversos níveis de altitude. Radiossondas são ferramentas extremamente importantes para apoiar os meteorologistas na previsão de tempo.

As radiossondas são levadas a partir de um balão preenchido com gás hidrogênio ou hélio e chegam a atingir 25 km de altitude. Durante o voo, a radiossonda envia os dados, via rádio, para a estação em terra. Um dos modelos de radiossonda utilizada no Brasil, a RS92-SGP [1][1] Radiossonda Vaisala RS92-RGP, http://br.vaisala.com/br/products/soundingsystemsandradiosondes/radiosondes/Pages/RS92.aspx, acesso em 08/11/2017.
http://br.vaisala.com/br/products/soundi...
, fabricada pela empresa Vaisala, é apresentado na Figura 1(a). Na Figura 1(b) mostramos a sonda presa ao balão num momento que precede o lançamento.

Figura 1:
Fotos tiradas na EMA Galeão (Aeroporto Internacional Tom Jobin - Rio de Janeiro/RJ) no dia 08/12/2014: (a) detalhe da radiossonda RS92-SGP e (b) lançamento da radiossonda no horário de 12:00 UTC.

Neste trabalho desenvolvemos recursos didáticos com vistas a um estudo investigativo da atmosfera terrestre utilizando dados de radiossondagens. Os exemplos de aplicação que discutiremos adiante estão mais direcionadas para a ementa de Hidrostática e Termodinâmica no Ensino Médio, mas como veremos são muitas as possibilidades de aplicação em outras áreas.

Podemos resumir os recursos utilizados através do esquema apresentado da Figura 2: uma radiossonda, transportada por um balão transmite dados da atmosfera local de forma digital e em intervalos regulares de tempo; o sinal é captado por uma antena direcional e reproduzido por um receptor de rádio especial, associado a um PC; os dados são processados e armazenados no PC via softwares dedicados.

Figura 2:
Representação esquemática dos recursos aplicados no presente trabalho: a radiossonda transportada por um balão é lançada a partir de uma Estação Meteorológica de Altitude; uma estação de recepção, que pode estar instalada na escola, e é composta de uma antena direcional, um rádio receptor SDR (software-defined radio) acoplado, via porta USB, a um PC. No computador estão os programas que assistem a recepção do sinal e decodificação dos dados enviados pela sonda.

As radiossondas que podemos acompanhar são aquelas enviadas pelas EMA's, situadas em diferentes pontos do país e com sinal de acesso livre. Como veremos, o alcance do sistema de recepção é admiravelmente grande.

Na próxima seção descrevemos a metodologia utilizada para recepção e decodificação dos dados das radiossondas. A seção 3 discute duas aplicações com resultados e na seção 4 estão as considerações finais e conclusões. Para simplificar a exposição, os detalhes envolvendo a construção de partes da antena, a configuração e aplicação dos programas utilizados encontram-se em um pequeno manual e que pode ser facilmente obtido pelos interessados na página do Mestrado Nacional em Ensino de Física [2][2] Mestrado Nacional em Ensino de Física, http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_academica/artigos/sonda/, acesso em 08/11/2017.
http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_acad...
.

2. Metodologia para recepção e decodificação dos dados da radiossonda RS92-SGP

A recepção e decodificação dos dados enviados por essas radiossondas são relativamente simples.

2.1 A Antena

A antena tem um papel importante, já que é através dela que é possível receber o sinal da radiossonda com uma intensidade adequada. Vários tipos de antena apropriadas para a recepção da faixa do UHF (ultra high frequency) podem ser usados. De acordo com a folha de dados (datasheet) da radiossonda Vaisala RS92-SGP [3][3] Folha técnica (datasheet) da radiossonda Vaisala RS92-RGP, http://br.vaisala.com/Vaisala%20Documents/Brochures%20and%20Datasheets/RS92SGP-Datasheet-B210358PT-F-LOW.pdf, acesso em 08/11/2017.
http://br.vaisala.com/Vaisala%20Document...
, modelo utilizado no Brasil, a banda de frequência de emissão situa-se em torno de 403 MHz.

Para um bom resultado na recepção recomenda-se a utilização de uma antena Yagi LFA que tem apenas 3 elementos. A antena Yagi LFA é formada por um elemento alimentado, conectado ao receptor, formado por um dipolo simples ou um dipolo curvado, chamado de "radiador", além dos elementos que não se conectam à linha de transmissão e recebem a energia através da indução mútua. Eles são classificados como refletores e diretores. Localizado na frente do elemento alimentado, e reforçando o campo para frente, está o elemento diretor. Os elementos por trás, e que reforçam o campo em frente, são chamados de refletores. Pelo fato do radiador ser um circuito fechado (curto-circuito), ela capta menos ruído de origem estática, ou baixa frequência, do que um dipolo aberto (Figura 3a).

Figura 3:
Antena Yagi LFA para a frequência 403 MHz: (a) Foto da antena feita com varetas de solda amarela e (b) Medidas da antena (mm) adaptada para a frequência de 403 MHz [4][4] Dados da antena YAGI-LFA, http://www.qsl.net/py4zbz/antenas/LFA.htm, acesso em 08/11/2017.
http://www.qsl.net/py4zbz/antenas/LFA.ht...

Para a construção da antena Yagi LFA especializada para a frequência de 403 MHz, foi utilizado uma haste de madeira (cabo de vassoura) de 50 cm de comprimento e os elementos com varetas de solda amarela. As medidas apropriadas estão representadas na Figura 3(b), sendo as medidas em preto para varetas de solda amarela com 1,5 mm de diâmetro e em cinza para varetas de 2,4 mm de diâmetro.

2.2 O Receptor

O receptor pode ser qualquer modelo de rádio com sensibilidade na faixa de 400 a 450 MHz. Normalmente, esses equipamentos são restritos ao radioamadorismo e exigem uma licença especial para o uso. Uma ótima opção de receptor é o dongle RTL-SDR (software defined radio ou rádio definido por software) que é um sintonizador de TV que utiliza o chipset RTL2832U (Figura 4). Conectado ao computador via porta USB é possível receber sinais de rádio na faixa de 24 MHz até 1766 MHz. Esse pequeno dispositivo trouxe uma grande contribuição ao radioamadorismo e cria possibilidades de aproximação com a escola muito interessantes e que ainda não temos como avaliar. Uma busca simples na internet colocará o interessado em contato com muitas informações sobre essa modalidade de rádio. Atualmente, esse dispositivo pode ser facilmente encontrado no mercado online brasileiro. A instalação é relativamente simples, necessitando apenas um driver para porta USB que pode ser encontrado utilizando o software ZADIG [5][5] Software para a instalação do driver do SDR RTL na plataforma Windows, http://rtlsdr.org/softwarewindows, último acesso em 23/07/2016.
http://rtlsdr.org/softwarewindows...
.

Figura 4:
Dongle RTL -- SDR. Na fotografia vemos também a antena dipolo normalmente fornecida com o dongle. Neste trabalho ela foi substituída pela antena Yagi LFA.

Uma vez instalado o driver do RTL-SDR é necessário um software para acessar as configurações do rádio, seleções de frequências, gravação e outras opções comuns a qualquer receptor. Dois softwares que podem trabalhar muito bem com o RTL-SDR são o SDR-Rádio[6][6] SDR-Radio, http://sdr-radio.com/, acesso em 23/07/2016.
http://sdr-radio.com/...
e o SDR-Sharp[7][7] SDR-Sharp, http://airspy.com/download/, acesso em 23/07/2016.
http://airspy.com/download/...
. Para receber sinal da radiossonda deve-se configurar a frequência de recepção no SDR-Rádio. Pode-se adicionar a frequência de 403 MHz e realizar o ajuste fino com o mouse. Na Figura 5 vemos o painel de abertura do programa SDR-Radio. No canto superior esquerdo vemos o gráfico com o espectro em frequência do sinal captado de uma radiossonda Vaisala RS92-SGP. A medida no canto direito corresponde ao centro da banda sintonizada. Os outros diagramas são representação em cores do sinal captado.

Figura 5:
Programa SDR-Rádio configurado e recebendo o sinal da radiossonda.

2.3 O programa SondeMonitor

O sinal, com os dados atmosféricos, enviado pela radiossonda é de carácter digital. Ao ser reproduzido pelo SDR-Radio se mostra como um áudio típico de uma fonte de ruído. Para decodificar esse sinal de áudio é necessário um programa dedicado. O programa utilizado é o SondeMonitor[8][8] SondeMonitor, https://www.coaa.co.uk/sondemonitor.htm, acesso em 08/11/2017.
https://www.coaa.co.uk/sondemonitor.htm...
.

Para que o sinal reproduzido no SDR-Rádio seja levado ao SondeMonitor (Figura 6) deve-se conectar a saída de áudio da placa de som do PC na entrada de áudio (mic). Para evitar qualquer interferência, pode-se configurar o mixer interno do computador para o envio direto do sinal à entrada de áudio. Pode-se também utilizar um plugin gratuito que simula um cabo virtual para essa conexão como o VB-Audio Virtual Cable[9][9] Virtual Cable, https://www.vb-audio.com/Cable/, acesso em 08/11/2017.
https://www.vb-audio.com/Cable/...
.

Figura 6:
O programa SondeMonitor recebendo os dados da telemetria de uma radiossonda Vaisala RS92-SGP enviada a partir do Aeroporto Internacional Tom Jobin na cidade do Rio de Janeiro. O sinal foi recebido na cidade de Três Rios, no interior do estado do Rio de Janeiro a uma distância de aproximadamente 90 km em linha reta.

Ao iniciar o SondeMonitor no sistema operacional Windows é importante executar na condição de Administrador para poder receber o sinal corretamente. Alguns itens de configuração precisarão ser informados. Muitas instruções de configuração do SondeMonitor podem ser encontradas na internet, mas todos os detalhes estão descritos no manual indicado na referência [2][2] Mestrado Nacional em Ensino de Física, http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_academica/artigos/sonda/, acesso em 08/11/2017.
http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_acad...
.

Para começar a decodificar os dados da telemetria da radiossonda basta clicar em “start” (uma bolinha verde na barra de ferramentas) e aguardar o processo de calibração automática. A barra vermelha na parte inferior ficará toda verde, indicando que os dados já poderão ser vistos na tela, como mostra a Figura 5.

3. Aplicações

3.1 Estudo da variação da pressão atmosférica com a altitude

Um dos problemas interessantes que podemos investigar com base nas radiossondas é o problema da variação vertical da pressão atmosférica. Como varia a pressão na medida que subimos na atmosfera? Uma formulação independente deste problema pode ser encontrada no volume 2 do curso de Física, de Resnick, Halliday e Krane [10][10] D. Halliday, R. Resnick e K.S. Krane, Física 2 (LTC Ltda. Rio de Janeiro, 2003), p. 41..

Se tomamos os dados enviados por uma radiossonda podemos encontrar a resposta de forma direta. A sonda registra, entre outras coisas, a pressão atmosférica e a altitude obtida a partir de sinais de GPS. Na Figura 7 apresentamos o gráfico da pressão em função da altitude. Vemos uma queda continua da pressão (p) com a altitude (h). Se tomamos por base um estudo investigativo por alunos de Ensino Médio (EM) esse resultado é bastante provocativo. Numa primeira abordagem, considerando a ementa básica de hidrostática do EM, podemos aplicar a equação fundamental da hidrostática para um fluido homogêneo,

(1) p = p o p g h
Figura 7:
Dados de radiossondagem realizada no dia 08/12/2014 a partir do Aeroporto Internacional Tom Jobin, Rio de Janeiro/RJ revelando o comportamento da pressão atmosférica em função da altitude. As linhas, tracejada e solida, correspondem a simulações discutidas no texto.

onde p0 é a pressão para h = 0 (nível do mar), g é a aceleração da gravidade e ρ a densidade do fluido. Se tomamos a densidade do ar (ao nível do mar) como 1,21 kg/m3 e g = 9,80 m/s2 podemos estimar a variação da pressão atmosférica com a altitude. A reta tracejada indicada na Figura 7 corresponde a equação (1), em flagrante contradição com o resultado experimental. Essa pode ser uma oportunidade para boas discussões. Claramente, o problema é que não podemos considerar o ar atmosférico como um fluido incompressível, o que torna inadequada a aplicação da equação (1). A forma mais apropriada para descrever o problema é utilizar a equação fundamental da hidrostática na sua forma diferencial,

(2) d p = p g d h

onde, podemos considerar uma camada de ar de espessura infinitesimal dh e assumir a densidade do ar ρ como constante nessa camada. A equação (2) pode ser integrada considerando-se que o ar atmosférico se comporta como um gás ideal, ou seja, considerando-se que a densidade do ar é diretamente proporcional a pressão e, assumindo-se que a variação da aceleração da gravidade g e a da temperatura do ar com a altitude não é significativa. Nessas aproximações, obtemos a conhecida equação barométrica,

(3) p = p 0 exp ( g ρ 0 p 0 . h )

onde ρ0 representa a densidade do ar para h = 0. Os detalhes da derivação da equação barométrica podem ser encontrados no já citado livro de Resnick et al.[10][10] D. Halliday, R. Resnick e K.S. Krane, Física 2 (LTC Ltda. Rio de Janeiro, 2003), p. 41.. Na Figura 7, a linha continua representa a equação (3) com os valores aproximados, já indicados mais acima, para as constantes. Vemos que o resultado se aproxima muito mais das medidas observadas. Podemos estimar que até uma altitude um pouco mais acima de 5000 m a aproximação é muito boa. A aproximação linear traduzida pela equação (1) pode ser uma aproximação razoável para as primeiras camadas atmosférica, mas com a extensão em altitude atingida com a radiossonda, de aproximadamente 25 km, é notadamente insuficiente. A aproximação linear tem também uma contradição clara ao estabelecer um teto superior para a atmosfera: vemos na Figura 7 que para h ~ 8,5 km a pressão é nula. Já em 1931 sabíamos que a atmosfera se estendia bem acima desta marca, com o feito histórico de Auguste Piccard, físico e explorador suíço, que juntamente com o seu assistente Paul Kipfer, também suíço, atingiram a marca de 15.781 m numa ascensão livre com um balão a gás, um recorde expressivo para a época [11][11] https://fr.wikipedia.org/wiki/Auguste_Piccard, último acesso em 27/10/2017.
https://fr.wikipedia.org/wiki/Auguste_Pi...
. A equação barométrica e descreve de uma forma mais apropriada a atmosfera planetária na medida que não estabelece para esta um limite superior. A equação barométrica é muito usada em medidores de altitude, baseados em sensores de pressão, como os altímetros muito usados por paraquedistas e praticantes de voo livre.

3.2 Estudo da variação da temperatura com a altitude

Ao descrever o tempo em uma determinada região, no sentido meteorológico, procura-se especificar as condições da atmosfera em um certo momento: se está chovendo, se há cobertura de nuvens, se o céu está claro, se a visibilidade horizontal é alta ou baixa, se o ar está quente ou frio, úmido ou seco etc. O tempo meteorológico está constantemente em mudança. Os meteorologistas elaboram análises das condições atmosféricas em superfície e também em altitude. Uma das análises em altitude é a investigação das condições de estabilidade da atmosfera. Normalmente, estuda-se na Mecânica as condições de equilíbrio através de três critérios: estável, instável e indiferente. Aplicando o mesmo conceito na atmosfera, o ar estará em equilíbrio estável quando, sendo elevado ou abaixado de um ponto, tende a retornar a sua posição original. O ar estará em equilíbrio instável, quando ligeiramente empurrado verticalmente, se move para mais longe de sua posição original, favorecendo assim as correntes verticais de ar [12][12] C.D. Ahrens, Essentials of Meteorology an Invitation to the Atmosphere (Brooks/Cole/Thomson Learning, Australia, 2001), 3ª ed., p. 110..

O movimento vertical é parte no transporte de energia e influencia intensamente o ciclo hidrológico. Sem o movimento vertical não haveria precipitação, mistura dos poluentes e o tempo meteorológico como o conhecemos não existiria.

Existem dois tipos de movimento vertical: (i) o movimento forçado, onde o ar é forçado a subir, como por exemplo sobre uma montanha, ou sobre uma massa de ar mais fria (no caso de frentes frias) e, (ii) o movimento de empuxo, no qual o ar sobe porque é menos denso do que o ar nas vizinhanças.

Os meteorologistas analisam a estabilidade vertical da atmosfera considerando qual seria o comportamento de uma pequena parcela de ar ao nível da superfície quando levemente impulsionada para cima: a parcela de ar tenderia a subir, retornaria à superfície ou simplesmente seria indiferente? É o assim chamado método da parcela.

Considerando uma parcela de ar seco (ar que não atingiu a saturação) na atmosfera, pode-se atribuir a ela a energia interna (U), devido ao movimento microscópico e a interação mútua de suas moléculas. Aplicando a primeira lei da Termodinâmica [13][13] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 2: Fluidos, Oscilações e Ondas (Edgard Blucher, São Paulo, 2002), 4ª ed., vol. 2, p.181. a um deslocamento vertical muito pequeno da parcela de ar, podemos escrever,

(4) d U = d Q + d W

onde dU corresponde a variação da energia interna, dQ a quantidade de calor trocada com o meio externo e dW o trabalho aplicado sobre a parcela. Uma das simplificações centrais neste desenvolvimento é a de que a parcela ao subir na atmosfera basicamente não troca calor com o meio. Essa aproximação decorre do fato de que os movimentos ascensionais são rápidos e o ar é um péssimo condutor de calor. Assim a transformação termodinâmica sofrida pela parcela ao subir na atmosfera é fundamentalmente adiabática e, portanto, dQ = 0. A segunda aproximação central é a de que a ascensão da parcela é suficientemente lenta para podermos considerá-la como uma sucessão de estados de equilíbrio (transformação termodinâmica quase-estática). No cálculo de dW devemos levar em conta que a parcela sofre uma variação de volume dV devido a uma expansão ao encontrar pressões mais baixas nas camadas superiores,

(5) d W = p d V

Numa transformação termodinâmica de um gás ideal sabemos que, dU = ncvdT, ou seja, a energia interna de um gás ideal depende apenas de sua temperatura. Por sua vez, diferenciando a equação de estado de um gás ideal, pV = nRT, temos,

(6) p d V + V d v = n R d T

Podemos substituir esses resultados parciais na primeira lei e obter,

(7) n c v d T = V d p n R d T n ( c v + R ) d T = V d p = V ( ρ g d z )

Lembrando que,

V ρ = m = n M c p = C v + R

onde cp e cv são os calores específicos molares a pressão constante e a volume constante, respectivamente, M é a molécula grama para o ar seco (28,8 g/mol), obtemos,

(8) c p d T = g M d z c p M = C p C p d T = g d z

Pode-se obter a taxa de variação da temperatura com a altitude, onde dT é a variação de temperatura, dz a variação da altura, g a aceleração da gravidade e Cp o calor específico à pressão constante:

(9) d T / d z = g / C p

Se consideramos g =9,81 m/s2 e Cp(ar) = 1004 J/kg.K encontramos,

d T / d z 9 , 8 K / k m

A quantidade γ = -dT/dz é chamada em meteorologia de "lapse rate" ou gradiente vertical de temperatura e é utilizada, para determinar a estabilidade atmosférica.

Para descrever o movimento ascensional da parcela de ar, aplica-se a segunda de lei de Newton. As forças aplicadas na parcela, desconsiderando-se o atrito, são o peso (P) e o empuxo (E):

(10) m a = ( V ρ p a r c e l a ) a = E P = ( V ρ a r V ρ p a r c e l a ) g a = { ρ a r ρ p a r c e l a 1 } g

Levando-se em conta a equação de estado do gás ideal tanto para o ar contido na parcela quanto para o ar atmosférico externo a parcela, é possível escrever que,

(11) ρ a r ρ p a r c e l a = T a r T p a r c e l a a = { T a r T p a r c e l a 1 } g

No início do movimento ascensional da parcela tem-se que ρar = ρparcela. No transcorrer do movimento ascensional as temperaturas podem seguir cursos diferentes na medida em que a parcela executa uma transformação adiabática cuja taxa de variação com z é dada pela relação (9). Se a temperatura da parcela tende a ser maior que a temperatura externa a parcela tenderá a continuar o seu movimento ascensional, pois a > 0 (movimento vertical para cima) para todo z. Esse é o mesmo comportamento que observamos nos balões de ar quente. Se a tendência for o contrário, isto é, se a temperatura da parcela é menor que a temperatura do ar, vemos que a < 0 (movimento vertical para baixo), ou seja, a parcela tende a voltar para o chão. Se a temperatura da parcela é sempre igual à temperatura do ar então vemos que a = 0 e, portanto, temos uma condição de equilíbrio.

Como conclusão, vemos que uma atmosfera em equilíbrio, sem correntes de ar verticais, é aquela em que o gradiente de temperatura é o mesmo da taxa de esfriamento da parcela de ar. Com os dados da radiossonda podemos verificar diretamente o gradiente de temperatura vertical. A Figura 8 apresenta o gráfico da temperatura em função da altitude.

Figura 8:
Dados de radiossondagem realizada no dia 08/12/2014 a partir do Aeroporto Internacional Tom Jobin, Rio de Janeiro/RJ revelando o comportamento da temperatura do ar em função da altitude. A linha tracejada corresponde a simulação obtida através da equação (9). Duas faixas com taxas de resfriamento constante, entre 0 e ~ 2700 m e entre ~ 3700 m e ~ 12500 m podem ser observadas. Essas faixas estão separadas por uma pequena região de transição onde a temperatura sofre um ligeiro aumento. A pequena inserção no gráfico procura ampliar essa curiosa região. Por volta de ~ 17000 m vemos uma inversão mais substancial no comportamento da temperatura marcando o início da estratosfera. A faixa anterior, dominada pela queda da temperatura com a altitude constitui a troposfera.

O resultado revela detalhes muito interessante. No início da sondagem, entre 0 e aproximadamente 2500 m, e na faixa entre, aproximadamente, 4000 m e 12000 m podemos ver uma variação linear da temperatura separadas por uma pequena região onde ocorre uma rápida inversão no comportamento, com a temperatura tendo um leve aumento. A pequena inserção na Figura 7 amplifica essa região para facilitar a visualização. A linha reta tracejada mostra a simulação da queda de temperatura prevista pelo método da parcela para uma transformação adiabática do ar seco, com o gradiente de temperatura (lapse rate) de 9,8 K/km, dado pela equação (9). Em ambas as faixas lineares os gradientes de temperatura, indicados no gráfico pela inclinação das retas, são próximos deste valor, mas consistentemente menores. Esse é um fato muito interessante para investigação.

O gradiente térmico menor sugere uma fonte de calor no interior da parcela e que não foi considerada no cálculo anterior. Em poucas palavras, o problema está no fato de que o ar contém vapor de água na sua composição. Ao sofrer expansão e se resfriar uma parte do vapor se condensa e calor de condensação é liberado. Diríamos, em uma linguagem não mais em uso, que uma parte do calor latente de condensação se transformou em calor sensível. Como sabemos, a liberação desse calor atenua a taxa de resfriamento e pode mesmo reverter o sinal do gradiente de temperatura. É esse mesmo processo de condensação que dá origem a formação de nuvens em diferentes extratos atmosféricos.

Acima da altitude de aproximadamente 17000 m (Figura 8) começamos a ver uma reversão mais consistente no comportamento da temperatura. Essa reversão indica uma alteração significativa no estado da atmosfera na medida em que pode ser observada, sistematicamente, em outras sondagens, em outras épocas do ano. Ela marca o fim da primeira camada da atmosfera, a troposfera, e o início da próxima camada, a estratosfera. A pequena região de transição em que a temperatura é aproximadamente constante é chamada de tropopausa. Se pudéssemos seguir com a sondagem por mais alguns quilômetros veríamos o progressivo aumento de temperatura na estratosfera até um determinado nível em que a temperatura volta a cair com a altitude. Essa outra transição marca o fim da estratosfera e o início da próxima camada, a mesosfera.

O comportamento térmico da estratosfera é bastante peculiar. A reversão de temperatura é devido a reações fotoquímicas em que a radiação ultravioleta solar é absorvida no ciclo formativo de ozônio (O3). Nesse processo calor é liberado. A camada mais fria da estratosfera fica na base e camadas mais quentes vão se sucedendo progressivamente dando a estratosfera uma condição muito estável e estratificada, daí o seu nome. Há intensa absorção da faixa mais energética do ultravioleta solar, a faixa UV-C (100 nm -- 280 nm), fato este de especial importância para toda a vida no planeta. Essa faixa de radiação pode induzir alterações no DNA e é uma das principais causas de câncer de pele em todo o mundo.

4. Considerações Finais e Conclusão

A aplicação deste trabalho foi concebida para ser realizada em duas partes. A primeira parte consiste na construção dos recursos para recepção dos sinais das radiossondas. Para isso, o custo envolvido é bastante acessível. Dependendo da localização a estação de recepção pode ficar instalada na própria escola e passar a obter dados sistematicamente. Se a localização da escola não for adequada é possível deslocar facilmente a estação para um outro lugar.

A segunda parte consiste na análise dos dados. Essa parte pode ser aplicada sem a realização da primeira, uma vez que dados de sondagem vertical da atmosfera podem ser acessados a partir da internet. No sítio da University of Wyoming/EUA[14][14] University of Wyoming, Department of Atmospheric Science, http://weather.uwyo.edu/upperair/sounding.html, acesso em 03/11/2017.
http://weather.uwyo.edu/upperair/soundin...
pode-se obter dados de diferentes dias e com isso verificar a transição troposfera-estratosfera em diferentes épocas do ano e em diferentes latitudes. O fim da troposfera e início da estratosfera muda ao longo das estações do ano e com a latitude.

Enquanto os dados armazenados nas bases de dados, como a da Universidade do Wyoming, se restringem aos parâmetros termodinâmicos, os dados obtidos diretamente da sonda incluem suas coordenadas espaciais, latitude, longitude, altitude e tempo. Com esses dados é possível construir um mapa com a trajetória da sonda. Esse mapa pode ser explorado dentro de uma perspectiva da Cinemática revelando, por exemplo, os padrões de vento em altitude que são, por sua vez, os responsáveis pela deriva do balão. A transposição desses dados para uma plataforma como Google Earth é perfeitamente possível, ampliando bastante as aplicações.

Não foi objetivo deste trabalho explorar exaustivamente as possibilidades de aplicação de dados de radiossondagem, que são muitas, mas devemos ressaltar as atividades investigativas envolvendo a coleta sistemática de dados. Na coleta sistemática vamos observar padrões como a transição troposfera-tropopausa-estratosfera e eventos ocasionais como a pequena inversão térmica observada no gráfico da Figura 8. Esses registros podem ser bem aproveitados em atividades investigativas de carácter interdisciplinar. Em que pese as diferentes possibilidades de aplicação, há pelo menos a certeza que o resultado será um maior conhecimento pelos estudantes da interação vital entre clima e humanidade. Diante do grave quadro das alterações climáticas globais essa possibilidade é muito bem-vinda.

Este trabalho foi inicialmente aplicado em duas turmas do segundo ano do ensino médio regular, no município de Três Rios, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Na apresentação da proposta, houve uma grande adesão dos alunos. Na aula seguinte foi apresentada a importância das radiossondas e como seus dados são usados. No pátio da escola foi possível receber uma parte dos dados da fase de ascensão de uma radiossonda lançada pela estação do Galeão/RJ. A proposta a que se refere este trabalho, a relação aluno x professor, só tem a ganhar, seja em relação ao conhecimento adquirido ou mesmo ao comportamento dos alunos após as atividades.

Agradecimentos

Este artigo foi desenvolvido como parte do trabalho de mestrado (MNPEF) do primeiro autor, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Sociedade Brasileira de Física (SBF), através da Bolsa de Estudo. Os autores gostariam de agradecer ao Destacamento de Controle do Espaço Aéreo do Galeão - DTCEA-GL, pela receptividade e a oportunidade de acompanhamento do lançamento da radiossonda no dia 08 de dezembro de 2014.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2017
  • Aceito
    14 Dez 2017
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