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O arrasto magnético e as correntes de Foucault: um experimento de baixo custo com vídeo-análise

Magnetic drag and Foucault currents: a low cost experiment with video analysis

Resumo

Neste trabalho, apresentamos um experimento de baixo de custo para estudar o fenômeno do arrasto magnético. Trata-se de um tema difícil de ser abordado experimentalmente, principalmente em escolas que não dispõe de um laboratório especializado. O experimento possibilita a discussão da Lei de Faraday e das correntes de Foucault de forma prática e com poucos recursos físicos. A aquisição dos dados é realizada por meio um smartphone. O tratamento dos dados é realizado pela a associação de uma ferramenta de vídeo-análise, o software livre Tracker, e uma ferramenta de ajuste e tratamento de dados, o software livre LibreOfficeCalc. Dessa forma, a atividade experimental proposta neste texto pode se ajustar as mais diversas realidades escolares.

Palavras-chave:
Lei de Faraday; frenagem magnética; correntes de Foucault; experimento de baixo custo; vídeo-análise

Abstract

In this work, we present a low-cost experiment to study the phenomenon of magnetic drag. It is a difficult subject to be studied experimentally, especially in schools that do not have a laboratory. The experiment makes possible the discussion about the Faraday's Law and the Foucault currents, in a practical way and using only few physical resources. The data acquisition is carried out through a smartphone. The data processing is performed by the association of a video-analysis tool, the free software Tracker, and a data analysis tool, the free software LibreOfficeCalc. In this way, the experimental activity proposed in this text can be adpated to the most diverse school realities.

Keywords:
Faraday's Law; magnetic drag; eddy currents; low cost experiment; video analysis

1. Introdução

A física é uma ciência que busca sempre uma melhor compreensão dos fenômenos físicos que nos cercam. Naturalmente, em seu processo de construção, muitas teorias surgiram, algumas das quais foram fundamentais para o aparecimento de novas áreas de pesquisa, ampliando nossa percepção do universo, como ocorreu com a teoria da relatividade de Einstein, de 1905 [1][1] J. Stache, O ano miraculoso de Einstein: cinco artigos que mudaram a face da física (Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 2001)., e com a mecânica quântica, desenvolvida a partir do trabalho de Planck sobre a radiação do corpo negro, de 1900 [2][2] M. Planck, Deutsch Phys. Ges. 2, 202 (1900).. Outras teorias foram importantes pelo seu papel unificador, como ocorreu no magnífico trabalho de Maxwell, de 1873 [3][3] J.C. Maxwell, Lond. Edinb. Dubl. Phil. Mag. 21, 281, (1861)., em que ele desenvolveu uma teoria unificada para o eletromagnetismo clássico, e ainda, apresentou a óptica como um ramo do eletromagnetismo. As famosas equações de Maxwell influenciariam profundamente a ciência, a tecnologia e a sociedade, como se pôde constatar nos anos que seguiram ao desenvolvimento da teoria. Isso fez com que o eletromagnetismo de Maxwell se constituísse em uma das maiores contribuições científicas da história. Não por acaso, o eletromagnetismo está presente no currículo de física no ensino médio e superior, face de sua importância para o aluno na compreensão do mundo em que vive.

Apesar da importância do tema, as equações de Maxwell não são um tema fácil de se abordar, sobretudo no ensino médio, onde geralmente o assunto é apresentado de maneira sintética e rasa. Em parte, isso se dá porque atividades experimentais que permitam investigar os fenômenos explicados por Maxwell são difíceis de serem realizados, principalmente em unidade escolares que não possuem equipamentos apropriados para esse tipo de investigação. Com isso em mente, propomos neste trabalho um experimento de baixo custo para analisar um importante fenômeno físico explicado por uma das equações de Maxwell, a Lei de Faraday, conhecido como arrasto magnético. Este fenômeno está associado às correntes de Foucault, também conhecido como corrente parasita. A atividade experimental proposta neste texto utiliza, além de um aparato construído com materiais de baixo custo, um smartphone para aquisição de dados e os softwares livres Tracker e LibreOfficeCalc para análise e tratamento dos dados.

O arrasto magnético é um tema de interesse acadêmico e prático. Por exemplo, é utilizado em dispositivos sofisticados como, balanças de precisão, medidores de corrente e tensão e fornos de indução [4[4] F. Vacher, F. Alves e C. Gilles-Pascaud, NDT&E International 40 439, (2007). [5] J. García-Martín, J. Gómez-Gil e E. Vázquez-Sánchez, Sensors 11, 2525 (2011).-6[6] J. Zheng, J. Ruan, L. Dong, T. Zhang, M. Huang e Z. Xu, ACS Sustainable Chemistry & Engineering 5, 161 (2016).]. Além disso, as correntes de Foucault, que dão origem ao fenômeno do arrasto, também são responsáveis por outro fenômeno físico impressionante e de grande aplicação prática e tecnológica, a levitação magnética [7[7] M. Bonvalot, P. Courtois, P. Gillon e R. Tournier, Journal of Magnetism and Magnetic Materials 151, 283 (1995). [8] M.T. Thompson, IEEE potentials 19, 40 (2000). [9] J. Íñiguez, V. Raposo, A.G. Flores, M. Zazo e A. Hernández-López, European Journal of Physics 26, 951 (2005).-10[10] N. Paudel e J.Z. Bird, Progress In Electromagnetics Research 49, 1 (2013).]. Uma vez que explicita aspectos do eletromagnetismo clássico de uma maneira bastante perceptível, facilmente compreensível e muito bela, as correntes de Foucault e os fenômenos associados vêm recebendo grande atenção por parte de professores e pesquisadores do ensino básico e superior nos últimos anos [11[11] H.A. Carmona, Física na Escola 1, 18 (2000). [12] Y. Kraftmakher, European Journal of Physics 29, 663 (2008). [13] J.B.G. Canalle e J.N. Silva Neto, Física na Escola 9, 17 (2008). [14] J.A. Molina-Bolivar e A.J. Abella-Placios, European Journal of Physics 33, 697 (2012).-15[15] M. Cattani e A. Vannucci, Publicação do Instituto de Física 1681, 1 (2013).].

É importante mencionar que nossa proposta está alinhada às tendências contemporâneas para o ensino de física no Brasil. Por exemplo, a utilização de aparatos experimentais de baixo custo tem se mostrado uma excelente opção para a execução de atividades experimentais mesmo quando os recursos para montagem de um laboratório especializado são escassos [16[16] A.R. Souza, A.C. Paixão, D.D. Uzêda, M.A. Dias, S. Duarte e H.S. Amorim, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 1702 (2011). [17] S.E. Duarte, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 525 (2012). [18] J.C.X. Silva e C.E.S. Leal, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e1401 (2017).-19[19] R.M. Szmoski, A. Doff, V.M. Lenart, S.K. Schwiderke e L.V.G. Fachini, Revista Brasileira de Ensino de Física 40, e1505 (2018).]. Ademais, a utilização de vídeo-análise e processamento de dados auxiliada pelo computador como ferramenta para aquisição, análise e tratamento de dados experimentais para fins didáticos tem se tornado cada vez mais comum nos últimos anos, o que, em parte, é devido à popularização dos smartphones e de aplicativos livres que podem ser utilizados para este fim [20[20] C. Sirisathitkul, P. Glawtanong, T. Eadkong e Y. Sirisathitkul, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013). [21] V.L.B. Jesus e D.G.G. Sasaki, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3503 (2014). [22] V.L.B. Jesus e D.G.G. Sasaki, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3301 (2016). [23] A.C.P. Fernandes, L.T.S. Auler, J.A.O. Huguenin e W.F. Balthazar, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3504 (2016).-24[24] F. Santos Neto e P.V.S. Souza, Physics Education 53, 055022 (2018).]. O experimento aqui proposto, não apenas possibilita que se realize uma discussão de conceitos básicos de física, mas também auxilia na compreensão do mundo tecnológico em que vivemos, promovendo o desenvolvimento de competências e habilidades de ampla aplicação por parte dos alunos, envolvendo aspectos didático-educacionais enfatizados nos Parâmetros Curriculares Nacionais [25[25] BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (Ministério da Educação, Brasília, 1999).]. Adicionamos ainda, que a possibilidade de modelar fenômenos matematicamente, realizar medidas e analisar os dados consolida o aprendizado do aluno pois propicia uma melhor compreensão do fenômeno na mesma medida em que promove uma visão desmistificada da ciência e do trabalho do cientista [26[26] A.T. Borges, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 19, 291 (2002). [27] M.S.T. Araújo e M.L.V.S. Abib, Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 176 (2003).-28[28] N.A. Grandini e C.R. Grandini, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 251 (2004).]. Por conseguinte, entendemos que o experimento aqui proposto tem grande possibilidade de contribuir para compreensão do fenômeno físico e de ser aplicado em salas de aula, permitindo que uma rica discussão seja realizada, o que pode colaborar com o processo ensino-aprendizagem.

O texto está estruturado da seguinte maneira. Primeiramente, revisamos alguns conceitos fundamentais para compreensão do experimento. Em seguida, apresentamos o aparato propriamente dito, a atividade experimental e os resultados. Por fim, apresentamos comentários finais na seção concludente do texto.

2. As correntes Foucault, a frenagem magnética e as oscilações amortecidas

As correntes de Foucault, também conhecidas como correntes parasitas, surgem em materiais metálicos que se movem em uma região em que há campo magnético. Entretanto, diferente do caso em que temos uma corrente induzida em um percurso bem definido, como ocorre no caso de uma espira, as correntes parasitas surgem em materiais metálicos compactos, devido a variação do campo magnético em uma dada região desse material. Essas correntes se manifestam em consequência da ação da Lei de Faraday-Lenz [29][29] O. Darrigol, Electrodynamics from ampere to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2003)., que nos diz que quando o fluxo magnético através de um condutor varia no tempo, surge neste condutor uma corrente que dá origem a um campo magnético cujo fluxo tende a se opor à variação que lhe deu origem [30][30] D.J. Griffiths, Introduction to electrodynamics (Prentice Hall, New Jersey, 1999).. Elas tendem a circular ao longo dessa região onde o campo magnético varia e podem ser estudadas utilizando um sistema formado por uma placa de material condutor, atrelada a uma haste capaz de movimentar-se como um pêndulo através de uma região onde há campo magnético [31][31] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, Lições de física de Feynman: edição definitiva (Bookman, São Paulo, 2008).. Com isso, teremos uma variação do fluxo magnético num dado volume da placa, conforme pode ser visto na Fig. 1.

Figura 1
A figura mostra uma placa P, presa a uma haste, oscilando em uma região em que há um campo magnético uniforme B, que aponta para dentro do papel. O movimento oscilatório produz correntes parasitas.

Como a entrada do pêndulo na região em que há um campo magnético B apontando para dentro do papel faz com que um fluxo magnético através da placa aumente, o campo induzido Bind associado a esta variação terá sentido contrário ao de B, ou seja, apontará para fora do papel. Com isso, uma corrente circulará a placa do pêndulo no sentido anti-horário. À medida que o pêndulo oscila, o surgimento de correntes deste tipo faz com que a placa experimente uma força magnética no sentido contrário ao movimento do pêndulo.

As correntes parasitas são fortemente afetadas pelo tamanho e formato da placa em que circulam uma vez que se tornam tão mais abundantes quanto maior for região disponível para se estabeleça um circuito fechado. Naturalmente, uma placa de mesmo tamanho que a mostrada na Fig. 1, mas que apresente várias frestas abertas, como mostrado na Fig. 2, terá correntes parasitas de menor intensidade. Uma situação intermediária é obviamente esperada para uma placa que apresenta frestas fechadas, ou seja, uma placa cujas extremidades estão conectadas.

Figura 2
A figura mostra uma Placa P, com frestas, presa a uma haste, oscilando em uma região em que há um campo magnético uniforme B, que aponta para dentro do papel.

Com efeito, se diminuirmos cada vez mais a quantidade de volume do material da placa, introduzindo fendas mais largas ou uma quantidade maior de fendas, o efeito da ação das correntes parasitas seria muitíssimo reduzido, o que implicaria numa proporcional diminuição da força de arrasto magnético experimentada pela placa [31][31] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, Lições de física de Feynman: edição definitiva (Bookman, São Paulo, 2008).. A intensidade do efeito depende também da resistividade elétrica do material do qual é feita a placa. Apenas para exemplificar, considerando duas placas de tamanho e formato iguais, espera-se que a frenagem resultante da ação do atrito magnético seja quase duas vezes mais eficiente se uma placa de prata(ρAg=1,59.10-8 Ω · m) for usada ao invés de uma placa de alumínio(ρAl=2,92.10-8 Ω · m). Além disso, o efeito é também fortemente influenciado pela direção e sentido do campo magnético na região através da qual a placa oscila. Essas características do campo magnético estão, por sua vez, relacionadas a aspectos geométricos do problema, como a forma e disposição dos imãs.

Como já descrito, pêndulos com placas que oscilam em uma região em que há campo magnético experimentam uma força de arrasto magnético que tende a amortecer a oscilação e diminuir sua amplitude com o tempo. O movimento do pêndulo é dito, neste caso, um movimento harmônico amortecido e é descrito por uma equação que tem a seguinte forma [31][31] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, Lições de física de Feynman: edição definitiva (Bookman, São Paulo, 2008).:

(1) S = A e β t cos ( ω t + δ ) ,

onde A é a amplitude do movimento, ω é a frequência angular do movimento, δ é a constante de fase e β é um parâmetro chamado de constante de amortecimento. Com o tempo, a amplitude do movimento é reduzida de acordo com o termo A e-βt. Se β=0, temos um movimento harmônico simples. Se β > 0, temos um movimento amortecido, uma vez que a amplitude diminui com o tempo. Isto pode ser visto na Fig. 3 para três diferentes valores da constante de amortecimento, β=0, β=0, 3 e β=1, 3.

O comportamento descrito nos gráficos observados na Fig.3 corresponde ao movimento do pêndulo na ausência (B=0) e na presença (B > 0) de um campo magnético. Quando B=0 (B >,0), o movimento subsequente corresponde ao observado quando β=0 (β > 0).

Figura 3
Oscilação harmônica simples para β=0 e amortecida para β=0, 3 e β=1, 3 com A=1.0, ω=0.5 e δ= 0.

3. Experimento e resultados

O aparato necessário para realização do experimento é constituído, basicamente, de um pêndulo com uma placa de alumínio na extremidade, oscilando através de um campo magnético que é gerado por um conjunto de imãs de NdFeB, muito comuns no mercado. A Fig.4 mostra o dispositivo. O importante para o experimento é que a placa oscile através do campo magnético gerado pelo conjunto de imãs mostrado Fig.4c. Além disso, precisamos de placas de alumínio com diferentes formatos para verificar como os essas diferenças afetam o arrasto magnético. Preparamos três amostras, uma compacta e sem frestas (P1), a segunda com frestas fechadas (P2) e a terceira com frestas abertas (P3). Elas podem ser vistas na Fig.5. Como se pode facilmente observar, o aparato pode ser inteiramente construído com materiais de baixo custo, o que torna sua construção e utilização possíveis para as mais diversas realidades escolares.

Figura 4
Aparato experimental. Em (a), apresentamos uma foto de perfil do aparato; em (b), uma foto de frontal do aparato e, em (c), uma foto da associação de imãs com distância ajustável que gera o campo magnético na região através da qual a placa vai oscilar. Os imãs foram dispostos dessa maneira para minimizar efeitos de borda e para que o campo magnético na região através da qual a placa oscila seja aproximadamente uniforme.
Figura 5
Placas de alumínio utilizadas no experimento. Em (a), a placa compacta e sem frestas (P1); em (b), a placa com frestas fechadas (P2) e, em (c), a placa com frestas abertas (P3).

O experimento é dividido em duas etapas. A primeira consiste em utilizar o aparato experimental (Fig.4) com cada uma das placas de alumínio (Fig.5) oscilando na ausência do campo magnético – nesse caso, retiramos o suporte com imãs na Fig.4c. Na segunda, as placas oscilam em uma região onde existe um campo magnético (Fig.4c). Em ambas etapas, o experimento foi realizado para o conjunto de três placas. Cada uma delas foi elevada a uma determinada altura, de modo que o ângulo formado entre a haste e o eixo y (quando a haste estava em repouso) fosse bem pequeno, próximo de 10. O experimento foi filmado e, na sequência, realizamos o processo de vídeo-análise, como é mostrado na Fig.6.

Figura 6
Imagem capturada da tela do software livre Tracker durante o processo de vídeo-análise. A análise é feita escolhendo um ponto específico do pêndulo, por exemplo, uma marca vermelha pintada na haste ou nas placas, e, posteriormente, acompanhando como a posição deste ponto varia no tempo, como comumente é feito usando o Tracker[32][32] M.H. Ramlia, K.T. Chana e W.F. Yapa, Solid State Science and Technology 24, 297 (2016)..

Para o caso em que as placas oscilam na ausência do campo magnético, notamos que a amplitude varia lentamente com o tempo, como mostra a Fig.7. Isso significa que o pêndulo se aproxima de um oscilador harmônico simples de maneira bastante satisfatória, uma vez que não temos a força de arrasto magnético. Isso é confirmado, quando utilizamos os dados obtidos experimentalmente para obter uma curva de ajuste usando o software livre LibreOfficeCalc, como feito, por exemplo, na referência [24][24] F. Santos Neto e P.V.S. Souza, Physics Education 53, 055022 (2018).. O procedimento de ajuste permite estimar os valores do fator de amortecimento para cada caso. Para as placas P1, P2 e P3 os valores estimados são respectivamente β1=0,019s-1, β2=0,019s-1 e β3=0,016s-1. Todos valores são muito pequenos, embora não sejam nulos, uma vez que o atrito entre a haste e o eixo de rotação está sempre presente. A realização do experimento na ausência do campo magnético é fundamental para referenciar os dados obtidos em seguida, quando o experimento é realizado com o campo magnético presente.

Figura 7
Os gráficos mostram o comportamento das placas P1, P2 e P3 oscilando na ausência de um campo magnético em função do tempo. Os triângulos representam os dados experimentais e a linha contínua o ajuste não-linear dos dados. (a) O valor do coeficiente estimado por meio da função de ajuste dos dados experimentais para a placa P1 é β1=0,019s-1. (b) O valor do coeficiente estimado por meio da função de ajuste dos dados experimentais para a placa P2 é β2=0,019s-1. (c) O valor do coeficiente estimado por meio da função de ajuste dos dados experimentais para a placa P3 é β3=0,016s-1.

A expectativa natural é que a constante de amortecimento β seja bem maior no estudo do segundo caso. Portanto, esperamos que as amostras da Fig.5 apresentem amortecimento em função do surgimento das correntes Foucault. Como o amortecimento está associado à intensidade da corrente que, por sua vez, está relacionada ao tamanho e ao formato de cada placa, a expectativa é que os ajustes aos dados experimentais conduzam a valores tais que as constantes de amortecimento obedeçam à seguinte relação: β1 > β2 > β2. É exatamente isso que é verificado experimentalmente, como por se visto na Fig.8, onde é apresentada a evolução temporal das posições das placas em função do tempo para cada placa.

Figura 8
Os gráficos mostram o comportamento das placas P1, P2 e P3 oscilando na presença de um campo magnético em função do tempo. Os triângulos representam os dados experimentais e a linha contínua o ajuste não-linear dos dados. (a) O valor do coeficiente estimado por meio da função de ajuste dos dados experimentais para a placa P1 é β1=1,99s-1. (b) O valor do coeficiente estimado por meio da função de ajuste dos dados experimentais para a placa P2 é β2=1,54s-1. (c) O valor do coeficiente estimado por meio da função de ajuste dos dados experimentais para a placa P3 é β3=0,40-1.

Verificamos neste caso que a placa P1 apresenta maior amortecimento, uma vez que quantidade de material metálico nessa placa é maior e a ausência das frestas facilita o estabelecimento das correntes parasitas. Em compensação, as placas apresentadas P2 e P3 apresentam um amortecimento mais suave em virtude da presença das frestas. Com efeito, a placa P2 apresenta maior amortecimento do que a placa P3 porque o fato de a extremidade das frestas estarem fechadas facilita o estabelecimento das correntes parasitas. Na Tabela 1 apresentamos os valores estimados para as constantes de amortecimento para cada placa na ausência e na presença de campo magnético. Na presença do campo magnético o amortecimento é muito mais evidente do que na ausência do campo magnético. Por exemplo, para a placa P1, a constante de amortecimento obtida na presença do campo magnético, β1=2,00s-1, é 105 vezes maior que a constante obtida quando a placa oscilava na ausência do campo magnético. Para as outras duas placas, P2 e P3, obtivemos, igualmente, um valor para a constante de amortecimento bem maior na presença do campo do que em sua ausência. As constantes de amortecimento obtidas para essas placas foram β2=1,54s-1 e β3=0,40s-1, respectivamente. Esses valores são notavelmente maiores do que os obtidos na ausência do campo magnético, 81,0 e 24,9 vezes, respectivamente.

Tabela 1
Constantes de amortecimento estimadas para cada placa na ausência e na presença de campo magnético e a razão entre os valores estimados.

Esses dados indicam de maneira inequívoca que o processo de frenagem do pêndulo é muitíssimo intensificado na segunda situação em consideração, o que não se justifica por nada, senão pela manifestação do atrito magnético em consequência do aparecimento das correntes parasitas, fenômeno este que é explicado pela Lei de Faraday.

4. Comentários finais

Neste trabalho, apresentamos um aparato de baixo custo e um experimento que pode ser utilizado para estudar o arrasto magnético, fenômeno este que entendemos ser de grande relevância, não só pelas aplicações, mas por ser consequência de uma das equações de Maxwell, a Lei de Faraday. Além da atividade proposta, o experimento ainda apresenta outras possibilidades, como o uso de placas de diferentes resistividades, por exemplo, aço inox, cobre ou um liga de cobre-níquel. A troca de material provocaria uma mudança na intensidade das correntes parasitas, consequentemente, o arrasto magnético seria diferente para cada material.

Entendemos também que a atividade aqui proposta tem possibilidade de ser utilizada em diversos cursos e níveis de ensino, por exemplo, no médio, técnico e universitário. Com relação aos dois primeiros, o aparato permite uma discussão conceitual sobre a lei de Faraday e as correntes parasitas, além de suas aplicações tecnológicas, como por exemplo, a frenagem e levitação magnética. No nível universitário, a atividade pode ser bem mais sofisticada, tanto no que diz respeito a parte teórica, quanto na parte de tratamento de dados, uma vez que os alunos podem modelar matematicamente o fenômeno, como realizado neste trabalho. Naturalmente, isso requer um nível de ensino mais avançado, uma vez que os assuntos em torno da atividade são, em sua maior parte, abordados no ensino superior.

Outro ponto importante de destacar são as ferramentas de vídeo-análise, aquisição e tratamento de dados. Efetivamente, além do aparato de baixo custo, apenas um smartphone e um computador pessoal com o software livre Tracker instalado são necessários realizar o experimento.

Em todos os casos estudados, verificamos que os dados obtidos experimentalmente têm uma excelente curva de ajuste. Nesse sentido, concluímos que o experimento reproduz muito bem a teoria e pode colaborar significativamente para que a Lei de Faraday e, mais especificamente, as correntes de Foucault e o arrasto magnético sejam estudados e melhor compreendidos nos diferentes níveis de ensino.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Revisado
    23 Out 2018
  • Aceito
    25 Out 2018
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