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A Física no Brasil através de olhos alemães

CARTA AO EDITOR

A Física no Brasil através de olhos alemães

A edição de maio do Physik Journal traz, entre os títulos de capa, um interessante artigo sobre a Física no Brasil de autoria de nosso colega Klaus Capelle, do Instituto de Física da USP/São Carlos. Antes de comentar o artigo do Prof. Capelle, vale lembrar que o Physik Journal - a antiga Physikalische Blätter - é a revista oficial da Deutsche Physikalische Gesellschaft (DPG). Com uma tiragem mensal de 50 mil exemplares, ela seria o equivalente alemão da Physics Today. Seu impacto no mundo acadêmico e empresarial é bastante considerável, não apenas em função da qualidade dos artigos que publica, mas também pela distribuição geográfica de seus leitores, espalhados pelos mais diversos países.

O título do artigo do Prof. Capelle "Auf Feynmans Spuren'' (em tradução livre "Nas pegadas de Feynman") foi muito bem escolhido. Os comentários de Feynman sobre a Física no Brasil, feitos no "Surely You're Joking, Mr. Feynman", podem e muitas vezes acabam sendo lidos como um instantâneo da situação do nosso país, um erro bastante comum se não respeitada a devida perspectiva histórica. Pois é justamente com uma desmistificação desta idéia que o Autor inicia seu artigo, citando dados e fatos como suporte às suas colocações. Com um conciso, mas abrangente panorama, o Prof. Capelle cita alguns exemplos da excelência do país em áreas como genética, prospecção de petróleo em águas profundas e aeronáutica. O papel das agências de fomento na consolidação da pesquisa em Física tem, obviamente, um papel de destaque. Um breve panorama histórico e social levanta a questão das desigualdades sociais e regionais e seus reflexos no meio científico nacional.

Por se tratar de um artigo escrito para um público estrangeiro, boa parte dele é obviamente voltada a elucidar as particularidades de nosso sistema de ensino e da carreira acadêmica, tomando por base de comparação os sistemas alemão e americano. Assim não cabe aqui fazer uma descrição detalhada dos tópicos discutidos pelo Autor, uma vez que os conhecemos bem. Gostaria porém de chamar a atenção de alguns pontos por ele levantados que considero interessantes e dignos de uma reflexão mais profunda:

1) A ainda pequena interação universidade-indústria, não obstante os grandes esforços feitos nesta direção. Embora a Alemanha tenha uma longa tradição na área, o tema é atualmente muito discutido e durante o Ano Mundial da Física, já transcorrido, deu-se bastante ênfase ao lada prático de Einstein - quem por exemplo sabe que ele recebeu atá 1938 direitos pela patente de um giroscópio que ajudou a desenvolver junto com um amigo engenheiro? Ou que L. Prandtl tenha desenvolvido a teoria da camada-limite tentando entender um problema na linha de montagem? O fomento da multidisciplinaridade e da formação de alunos com um perfil diferenciado e mais adequado às necessidades da era na qual vivemos tem levado as universidades alemãs a propor e criar novos cursos - para citar apenas um exemplo, a Universidade de Würzburg oferece há alguns anos um curso de Engenharia de Nanoestruturas, ao qual o Instituto de Física contribui de maneira fundamental.

2) A maior participação feminina tanto nos quadros discentes quanto docentes. A Alemanha tem tentado, através de programas de incentivo, aumentar a participação de mulheres na Física. Embora se observe uma tendência positiva nesta direção, uma série de fatores econômicos, sociais e culturais ainda contribuem para que esse número seja baixo quando comparado ao Brasil.

3) A falta de domínio de um língua estrangeira por parte de nossos estudantes. Compartilho da opinião do Autor quando diz que não obstante nossos alunos consigam ler sem maiores dificuldades artigos da Physical Review, isso não significa que tenham condições de conduzir uma conversação com seus autores, o que obviamente tem impacto negativo no longo prazo. Não cabe à universidade cobrir as lacunas de um Ensino Fundamental falho, mas creio que um esforço de nossa parte seja necessário. Aqui julgo interessante citar o caso de uma universidade alemã (Essen-Duisburg): embora a grande maioria dos estudantes alemães seja capaz de levar uma conversação em Inglês adiante, isso não implica que eles se sintam seguros para discutir Física em outro idioma que não o pátrio. O Instituto de Física em Duisburg resolveu então oferecer cursos de Física em Inglês. A aceitação e interesse dos alunos foram bastante grandes.

4) Para concluir, devo ainda citar o ponto levantado pelo Autor com relação ao baixo fluxo de estudantes e pesquisadores entre os dois países, quando comparados com outras nações, não obstante a forte atuação das agências de fomento alemãs (DAAD, Fundação Alexander von Humboldt, etc.) e das brasileiras (CAPES, CNPq, e algumas estaduais) que há décadas mantém programas bilaterais e oferecem bolsas para estudantes e pesquisadores brasileiros. Na minha opinião a possibilidade de enviar estudantes no âmbito de projetos binacionais é um dos grandes diferenciais dos projetos Brasil-Alemanha. Não bastasse o já grande interesse por parte de pesquisadores alemães em colaborações internacionais, há no momento uma grande pressão para que as Universidades se internacionalizem ainda mais. Enquanto as diretrizes do Acordo de Bologna estão sendo implementadas, o governo federal resolveu alçar 5 instituições à categoria de Universidades de Elite (um processo não isento de acaloradas discussões). Um dos principais itens na avaliação das candidatas foi o grau de interação com parceiras estrangeiras. Se ainda conhecemos pouco do atual cenário da Física alemã e de suas particularidades, com certeza após o artigo do Prof. Capelle a recíproca deixou de ser verdadeira. Num momento em que as universidades alemãs buscam redefinir seu papel dentro do cenário europeu e internacional, buscando novas parcerias e fortalecendo antigas, o artigo do Prof. Capelle sem dúvida representa uma grande contribuição para a divulgação da Física no Brasil.

Silvio R. Dahmen

Instituto de Física

Unversidade Federal do Rio Grande do Sul

Physikalisches Institut/Universität Würzburg

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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