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Auto-organização e formação de padrão em sistemas físicos e biológicos

Self-organization and pattern formation in physical and biological systems

Resumos

Neste trabalho apresentamos uma breve discussão sobre a descrição matemática do fenômeno formação de padrão em sistemas biológicos, observando os modelos matemáticos de dinâmica de populações. Listamos vários exemplos de sistemas físicos, químicos e biológicos que exibem este fenômeno enfatizando, em cada um, os parâmetros principais envolvidos em seu entendimento. Mostramos que, no caso das populações, o fenômeno padrão pode ser modelado ao modificarmos a equação de Fisher-Kolmogorov, considerando uma interação não-local para o termo de competição. Apresentamos um estudo analítico e numérico da equação de Fisher-Kolmogorov com difusão e analisamos o papel dos termos de crescimento, difusão e competição na formação dos padrões.

Palavras-chave:
Dinâmica de populações; Formação de padrão; Fisher-Kolmogorov; Interações não locais


In this work we present a brief discussion of the mathematical description of pattern formation phenomena in biological systems through the mathematical models of population dynamics. We present some examples of physical, chemical and biological systems which exhibit this phenomena. For each system we show the main parameters that describe the patterns. We show that in the case of population, patterns can be described when we modify the Fisher-Kolmogorov equation, considering a non-local interaction for the competition term. We present an analytical and numerical study of the Fisher-Kolmogorov equation with diffusion and we analyze the role of growth, diffusion and competition term in the pattern formation.

Keywords:
Population dynamics; Pattern formation; Fisher-Kolmogorov; nonlocal interactions


1. Introdução

O desenvolvimento científico e tecnológico vivido pela sociedade, em certos momentos, se deu por meio da tentativa de desvendar determinados mecanismos responsáveis por fenômenos encontrados na natureza. Um desses fenômenos que sempre atraiu grande atenção da comunidade científica, é o fenômeno de formação de padrão. Este fenômeno se caracteriza pelo processo no qual um estado espacial de um determinado sistema, inicialmente homogêneo e estável, evolui para um novo regime, agora sem esta homogeneidade espacial. Neste novo regime o sistema esboça um tipo de estrutura espacial que chamamos de padrão [1[1] M.C. Cross and P.C. Hohenberg, Rev. Mod. Phys. 65, 851 (1993).].

Consideremos um sistema termodinâmico onde não existam trocas de matéria ou energia. Nestas condições este sistema pode obedecer as leis básicas da termodinâmica de equilíbrio, onde suas variáveis macroscópicas são invariantes no tempo e homogêneas no espaço. Neste sistema em equilíbrio, se houver troca de energia ou matéria com o meio, o sistema pode se organizar em estruturas com dinâmicas próprias que caracterizam o fenômeno de “formação de padrão”, caso em que as variáveis macroscópicas do sistema apresentam uma dependência espacial e (ou) temporal [1[1] M.C. Cross and P.C. Hohenberg, Rev. Mod. Phys. 65, 851 (1993).].

Neste texto analisamos alguns sistemas físicos, químicos e biológicos que apresentam os fenômenos de auto-organização e formação de padrão. Descrevemos como alguns sistemas se auto-organizam formando padrões, e, para cada sistema, quais os parâmetros envolvidos neste processo. Uma vez compreendido e listado alguns exemplos de auto-organização e formação de padrão, mostramos como este fenômeno pode ser modelado matematicamente em um sistema biológico constituído de um coletivo qualquer de indivíduos de uma população descritos pela equação de Fisher-Komogorov.

2. Auto-organização e formação de padrão

Na literatura científica, encontramos inúmeros trabalhos teóricos e experimentais sobre auto-organização e formação de padrão em sistemas físicos, químicos e biológicos [1[1] M.C. Cross and P.C. Hohenberg, Rev. Mod. Phys. 65, 851 (1993).13[13] E. Ben-Jacob, O. Schochet, A. Tenenbaum, I. Cohen, A. Czirók and T. Vicsek, Nature 368, 46 (1994).]. É interessante observar a riqueza de sistemas encontrados na natureza, que exibem formas diferentes do mesmo fenômeno. Abaixo, apresentamos uma breve descrição de alguns destes sistemas já bem estabelecidos e estudados pela comunidade científica.

2.1. Cristalização de Wigner

Existem vários sistemas físicos que se organizam apresentando uma ordem espacial, ou seja, formando um padrão. A cristalização de Wigner é um dos exemplos mais simples que exibem este fenômeno. Como ilustrado na Fig. 1, no cristal de Wigner elétrons são depositados sobre uma fina camada de Hélio que por sua vez é colocada sobre um substrato. Estes elétrons estão presos na superfície do Hélio na direção vertical devido a interação destes com o substrato. Na horizontal os elétrons interagem entre si via um potencial coulombiano.

Figura 1
Rede triangular periódica de elétrons formando um cristal de Wigner bidimensional.

No estudo deste sistema definimos o parâmetro Γ=UK, sendo U a média da energia potencial de interação entre elétrons e K a média da energia cinética [14[14] J.A.R da Cunha and L. Cândido, Phys. Rev. B 71, 1 (2005)., 15[15] J.A.R. da Cunha and L. Cândido, Braz. J. Phys. 36, 682 (2006).]. Segundo o critério de Lindmann [14[14] J.A.R da Cunha and L. Cândido, Phys. Rev. B 71, 1 (2005)., 15[15] J.A.R. da Cunha and L. Cândido, Braz. J. Phys. 36, 682 (2006).], para Γ1 os elétrons encontram-se em um regime totalmente desordenado vagando em uma dinâmica randômica pela superfície do Hélio. Já para Γ1 os elétrons se auto-organizam em um regime cristalino, distribuídos em uma rede triangular periódica, como apresentado na Fig. 1. Agora para Γ1 temos uma situação em que os dois regimes coexistem. É interessante observar que Γ é o parâmetro de ordem que determina o surgimento da estrutura de padrão neste sistema.

2.2. Convecção de Rayleigh-Bénard

Na convecção de Rayleigh-Bénard temos uma fina camada de óleo que é aquecida lentamente a partir de sua superfície inferior. Se a diferença de temperatura ΔT=TiTs, da parte inferior e superior da lâmina de óleo, for menor que um certo valor crítico Tc, então temos um fluxo de calor homogêneo da parte de baixo do óleo para sua superfície em um processo convectivo normal.

Como ilustrado na Fig. 2, se a diferença de temperatura ΔT exceder o valor crítico Tc, agora teremos uma convecção no óleo, que em algumas regiões ocorre da parte inferior do líquido para a superfície, e em outras regiões da parte superior da lâmina para baixo. Na superfície da lâmina, veremos a formação de “telhas” em formato hexagonal por onde circula o óleo. Nestas “telhas” hexagonais, teremos o seguinte comportamento para o fluxo de óleo: no centro do hexágono temos um fluxo que sobe, e nas laterais um fluxo em sentido contrário, que sai da superfície e vai para a região inferior da lâmina. Esta nova dinâmica convectiva caracteriza o surgimento do que conhecemos como formação de padrão [1[1] M.C. Cross and P.C. Hohenberg, Rev. Mod. Phys. 65, 851 (1993).,2[2] P. Berge and M. Dubois, Phys. Rev. Lett. 32, 1041 (1974).]. Para este sistema é importante observar a existência de um estado inicial estável no qual, alterando um determinado parâmetro, que no caso da convecção de Rayleigh-Bénard é o valor de ΔT, teremos a perda desta estabilidade espacial favorecendo o surgimento da formação de padrão.

Figura 2
Convecção de Rayleigh-Bénard em óleo com pó de alumínio suspenso no líquido. Adaptado de: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA.

2.3. Instabilidade do impressor

Este fenômeno é uma instabilidade morfológica de origem hidrodinâmica conhecida como Instabilidade do Impressor [16[16] H.Z. Cummins, L. Fourtune and M. Rabaud, Phys. Rev. E 47, 1727 (1993)., 17[17] R.L. Santos, U. Agero and J.M.A. Figueiredo, Phys. Rev. E 77, 66310 (2008).]. Neste sistema, consideramos um rolo molhado por um líquido que gira com certa velocidade angular ω. Na interface da camada de líquido com o ar do ambiente, forma-se uma região cuja morfologia apresenta formação de padrão espontânea, como observado na Fig. 3, quando a velocidade angular do cilindro possui determinado valor crítico ωc, ou um valor acima deste.

Figura 3
Franjas de formação de padrão no experimento da instabilidade do impressor [16[16] H.Z. Cummins, L. Fourtune and M. Rabaud, Phys. Rev. E 47, 1727 (1993).]. Painel A, foto das franjas de padrão e painel B aparato experimental utilizado.

2.4. O modelo de Turing

Em 1952, Alan Turing propõe um mecanismo que representa uma grande contribuição para os estudos sobre a morphogeneses [7[7] T. Leppanen, M. Karttunen, R.A. Barrio and K. Kaski, Braz. J. Phys. 34, 368 (2004)., 10[10] T. Leppanen, M. Kartunen, K. Kaski, R. Barrio and L. Zhang, Phys. D 168, 35 (2002).], o processo no qual um zigoto adquire forma e se torna um embrião. Turing sugere um modelo de reação-difusão, onde sob certas condições, populações podem interagir e se difundir de alguma maneira produzindo padrões heterogêneos estáveis. No modelo de Turing, os padrões são resultados das taxas de reação e difusão das substâncias químicas que estão envolvidas no processo, não levando em conta nenhum outro mecanismo externo. As equações do modelo de Turing, são usualmente escritas como

(1) U ( r , t ) t = D U 2 U ( r , t ) + f U , V V ( r , t ) t = D V 2 V ( r , t ) + g U , V .

Neste conjunto de equações, U e V representam substâncias químicas que podem se difundir e reagir. As funções f e g são os termos de reação, não-lineares, que são escolhidos de acordo com o sistema.

2.5. Reações de Belouzov-Zhabotinsky

Outro sistema químico muito famoso é a reação de Belousov-Zhabotinsky. Neste caso padrões espaciais e temporais surgem de reações oscilantes onde a concentração dos reagentes envolvidos oscilam no tempo gerando padrões. Assim como no modelo de Turin este sistema pode ser modelado por um conjunto de equações de reação-difusão semelhantes as equações de dinâmica de populações de Lotka-Volterra [1[1] M.C. Cross and P.C. Hohenberg, Rev. Mod. Phys. 65, 851 (1993).].

2.6. Padrões em populações

As populações também se organizam formando padrões. Um conjunto de bactérias, pássaros, roedores, peixes e outros animais, em determinadas condições também podem exibir padrões espaciais ou temporais [18[18] J.D. Murray, Mathematical Biology I: An Introduction (Springer-Verlag Berlin Heidelberg, 2002).].

Como bem conhecido na literatura, a sincronização do piscar de vaga-lumes apresenta um padrão temporal, onde estes insetos piscam de forma síncrona para atrair a fêmea da espécie. O fenômeno de sincronização também pode ser observado em diapasões ou pêndulos e é bem descrito pelo modelo de fases de Kuramoto.

Como ilustrado na Fig. 4 pássaros, como gaivotas, construindo seus ninhos em uma ilha também exibem padrões bem definidos. Eles tendem a se agrupar, como fazem várias outras espécies, obedecendo a lei de Allee [19[19] E.P. Odum, Systems Ecology. An Introduction (Jon Wiley and Sons, New York, 1983)., 20[20] E.P. Odum, Fundamentos de Ecologia (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1988), 6ª ed.], no intuito de reduzir a chance de predação por outros animais. Caso o terreno para seus ninhos fosse infinito, ou mesmo se não existisse interação entre estes pássaros, não teríamos esta figura de padrão.

Figura 4
Figura de padrão em uma colônia de pássaros disputando espaço para construir seus ninhos. Adaptado de: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA.

Outro exemplo, visualizado na Fig. 5, apresenta os ninhos das Tilápias encontrados no fundo do rio. Elas se agrupam em uma colônia e como cada uma tenta defender seu espaço, seus ninhos ficam equidistantes em relação às vizinhas. Nesta disputa por espaço as bordas dos ninhos exibem formatos hexagonais, pentagonais ou quadrados. Observando de longe a colônia de Tilápias exibe uma figura típica de padrão.

Figura 5
Padrão observado em uma colônia de Tilápias. Adaptado de: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA.

3. Equação de Fisher-Kolmogorov

Como discutido anteriormente as populações também se organizam formando padrões espaciais. Um aspecto importante na dinâmica de populações para a formação de padrão é a interação entre os constituintes deste sistema. Como nos exemplos citados as colônias de populações em uma competição por espaço e suprimentos podem se organizar exibindo estruturas espaciais.

Do ponto de vista da predição do número ou densidade de indivíduos de uma população ao longo do tempo e espaço, temos vários modelos matemáticos muito bem estabelecidos na literatura. Estes modelos descrevem muito bem como é o crescimento, competição, difusão, migração e interação entre espécies. Diante deste cenário podemos nos questionar: será que podemos modelar a formação de padrão de uma colônia via uma equação de dinâmica de populações? A resposta é sim e nas próximas seções mostraremos que este fenômeno pode ser modelado modificando a forma como ocorre a competição entre seus constituintes.

3.1. Equação de Fisher-Kolmogorov com interação local

Uma forma geral de descrever a taxa de variação de uma densidade populacional u(x,t), que pode migrar de uma região para outra, se difundir em um meio, crescer e competir por espaço ou recursos é através da equação de Fisher-Kolmogorov com termo convectivo [21[21] J.A.R. da Cunha, G.R. Resende, A.L.A. Penna, R. Morgado and F.A. Oliveira, Act. Phys. Pol. B 40, 1473 (2009)., 22[22] J.A.R. Cunha, A.L.A. Penna, M.H. Vainstein, R. Morgado and F.A. Oliveira, Phys. Lett. A 373, 661 (2009).]

(2) u ( x , t ) t = υ u ( x , t ) x + D 2 u ( x , t ) x 2 + a u ( x , t ) b u 2 ( x , t ) .

Nesta equação a densidade populacional u(x,t) muda no tempo obedecendo os seguintes processos:

  1. A população pode evoluir em um fluxo migratório com velocidade υ dado pelo termo

    (3)υu(x,t)x

  2. À medida que uma população cresce a densidade u(x,t) se difunde no espaço com uma taxa D. Este comportamento dos indivíduos de uma colônia é dado pelo termo

    (4)D2u(x,t)x2

  3. O processo de crescimento em um contexto malthusiano ocorrem com uma taxa a e são descritos pelo termo

    (5)au(x,t)

  4. A competição dos constituintes de um determinada população, que ocorrem com uma frequência b, é dado pelo termo de Verhust

    (6)bu(x,t)u(x,t)

As competições entre os constituintes de uma população, no modelo de Fisher-Kolmogorov, Eq. (6), são do tipo local no sentido em que os indivíduos interagem com seus vizinhos apenas quando estão no mesmo ponto, não sendo assim interações de médio ou longo alcance. Isso se assemelha a uma interação de caroço duro, em que uma partícula apenas percebe a outra quando estão no mesmo ponto do espaço. Como neste tipo de interação os indivíduos não percebem seus vizinhos a uma determinada distância esta equação de dinâmica de populações não é capaz de descrever a formação de padrão em uma colônia [23[23] M.A. Fuentes, M.N. Kuperman and V.M. Kenkre, Phys. Rev. Lett. 15, 91 (2003).26[26] S. Gourley, J. Math. Biol. 41, 272 (2000).].

3.2. Equação de Fisher-Kolmogorov com interação não-local

De acordo com a seção anterior a forma usual da equação de Fisher-Kolmogorov, Eq. (2), não é capaz de descrever a formação de padrão em sistemas biológicos. Para que isso aconteça, devemos reescrever o termo de competição, introduzindo uma não-localidade na interação entre indivíduos.

Como discutido por vários autores [21[21] J.A.R. da Cunha, G.R. Resende, A.L.A. Penna, R. Morgado and F.A. Oliveira, Act. Phys. Pol. B 40, 1473 (2009)., 22[22] J.A.R. Cunha, A.L.A. Penna, M.H. Vainstein, R. Morgado and F.A. Oliveira, Phys. Lett. A 373, 661 (2009)., 24[24] V.M. Kenkre, Phys. A 242, 342 (2004).28[28] J.A.R. Cunha, A.L.A. Penna and F.A. Oliveira, Acta Physica Polonica B 43, 909 (2012).], uma interação não-local no termo de competição bu(x,t)u(x,t) pode ser escrita considerando a densidade u(x,t) na posição x e somando o produto desta com as demais densidades que estão a uma distância β. Isso equivale a dizer que cada indivíduo da colônia vai interagir com todos os vizinhos que se encontram a uma determinada distância β. Para um sistema de tamanho L, devemos substituir a interação local pela não-local como:

(7) b u ( x , t ) u ( x , t ) b u ( x , t ) L f β ( x x ) u ( x , t ) d x

Considerando apenas o termo difusivo, a nova equação com não-localidade é escrita como

(8) u ( x , t ) t = D 2 u ( x , t ) x 2 + a u ( x , t ) + b u ( x , t ) L f β ( x x ) u ( x , t ) d x .

Esta equação é conhecida como Equação de Fisher-Kolmgorov Generalizada (EFKG). Neste formato, os constituintes de uma determinada colônia têm suas interações pesadas pela função fβ(xx) que é uma distribuição chamada “função influência”, caracterizada pelo alcance β normalizada no domínio L

(9) L f β ( x ) d x = 1 .

Neste modelo cada indivíduo interage com todos seus vizinhos que estão dentro de um determinado raio β e esta interação é pesada pela função influência fβ(xx), diferentemente da antiga formulação local em que as competições se davam em um mesmo ponto x. A função influência de interação, pode assumir diversas formas. Podemos utilizar distribuições gaussianas, delta de Dirac, funções de Heaviside ou mesmo uma distribuição de Laplace. Esta escolha depende do tipo de interação a ser modelado.

3.3. Limites da função influência

É relatado em alguns trabalhos [4[4] M.G. Clerc, D. Escaff and V.M. Kenkre, Phys. Rev. E 72, 056217 (2005)., 23[23] M.A. Fuentes, M.N. Kuperman and V.M. Kenkre, Phys. Rev. Lett. 15, 91 (2003).25[25] M.A. Fuentes, M.N. Kuperman and V.M. Kenkre, J. Phys. Chem. B 108, 10505 (2004).] e será analisado nesta seção, que a formação de padrão observada em uma densidade populacional estacionária u(x), para uma dada função de distribuição fβ(xx), tem os seguintes comportamentos:

  1. Se o alcance da interação competitiva entre os indivíduos for muito curto β0, isso corresponde a uma função de distribuição bem localizada, do tipo delta

    (10)fβ(xx)=δ(xx).

    Para esse caso o termo de competição pode ser escrito como

    (11)bu(x,t)Lδ(xx)u(x,t)dx=bu2(x,t).

    Com este alcance para a função influência, notamos que o termo de interação da equação generalizada volta a ser o mesmo termo da equação de Fisher-Kolmogorov normal.

  2. A não-localidade deixará de existir para o limite oposto, se o alcance da interação competitiva for grande, βL2. Para este valor de β, observando as condições de contorno, as interações são pesadas e contadas entre L2 até L2 igualmente para todos os pontos. Neste caso a função influência é constante e pode ser retirada para fora da integral e o que resta do termo de interação é apenas o produto de u(x,t) com uma constante. Com isso a competição entre termos deixa de existir e novamente não teremos formação de padrão. Este comportamento pode ser melhor compreendido resolvendo a EFKG numericamente.

  3. Os processos difusivos também têm um papel muito importante na formação de padrão nos sistemas biológicos, por exemplo em uma colônia de bactérias. Se tivermos uma constante de difusão muito grande, essa dinâmica dominará a competição entre os indivíduos do sistema, fazendo com que a distribuição inicial de bactérias u(x) se torne rapidamente homogênea ao longo do espaço, não dando tempo para que o sistema se organize em uma estrutura, não formando assim uma figura de padrão.

Como observado nos itens anteriores, a função de distribuição fβ(xx) deve ter um alcance β não muito pequeno nem muito grande, para que possamos ter formação de padrão. Desta forma, funções adequadas com as características desejadas, serão, distribuições do tipo gaussianas, Heaviside ou mesmo Laplacianas, desde que obedeçam os requisitos anteriores.

4. Análise perturbativa na EFKG

Podemos fazer um estudo analítico na EFKG introduzindo uma pequena perturbação na solução de u(x,t) que não exibe padrão. As soluções que não exibem padrões são homogêneas no espaço e constantes, u(x,t)=u0. As soluções que exibem padrões são caracterizado pelo surgimento de ondas com comprimento e frequência bem definidos na solução de u(x,t). Impondo que u(x,t)=u0 na EFKG teremos u0=ab, sendo a a constante de crescimento e b o termo de competição. Nesta análise perturbativa, devemos imaginar que o estado estacionário homogêneo terá uma pequena flutuação temporal. Se esta flutuação for amplificada no tempo, a solução final estacionária será deslocada da solução homogênea u0 dando origem à formação de padrão no sistema [4[4] M.G. Clerc, D. Escaff and V.M. Kenkre, Phys. Rev. E 72, 056217 (2005)., 25[25] M.A. Fuentes, M.N. Kuperman and V.M. Kenkre, J. Phys. Chem. B 108, 10505 (2004).]. Matematicamente este comportamento pode ser dado por

(12) u ( x , t ) = u 0 + ε e i k x e φ ( k ) t .

Nesta equação, ε é a amplitude da perturbação oscilante considerada muito pequena, i é a unidade imaginária (i2=1), k é o número de onda no espaço de Fourier e φ(k) é a quantidade de maior interesse nesta análise, conhecida como taxa de crescimento da formação de padrão, que pode depender do número de onda k. Notamos que se a taxa de crescimento da formação de padrão φ(k) for menor que zero, esta perturbação se extinguirá no tempo, não deslocando a solução homogênea para um estado de formação de padrão. Mas se φ(k) for maior que zero, alguns modos perturbativos são amplificados, propiciando assim, o surgimento deste fenômeno. Desta forma, nossa análise perturbativa se dará no sentido de verificar em quais condições os modos de perturbação serão ou não amplificados gerando formação de padrão, ou seja, estaremos interessados em verificar para quais condições dos parâmetros da EFKG a taxa φ(k) é positiva ou negativa.

Substituindo a Eq. (12) na Eq. (8), desprezando termos de segunda ordem na amplitude de ε, introduzindo a transformação de variáveis z=xx e considerando que a função influência obedece as seguintes propriedades

(13) f β ( x x ) = f β ( x x )

e

(14) L f β ( x ) d x = 1

encontramos a seguinte relação de dispersão

(15) φ ( k ) = D k 2 a F c f β ( z ) i a F s f β ( z ) .

Nesta equação Fcfβ(z) e Fsfβ(z) são as tranformadas de Fourier cosseno e seno da função influência fβ(z),

(16) F c f β ( z ) = L f β ( z ) cos ( k z ) d z F s f β ( z ) = L f β ( z ) sin ( k z ) d z .

Observamos que a Eq. (15) é composta por uma parte real e uma parte imaginária

(17) γ ( k ) = R e φ ( k ) = D k 2 a F c f β ( z )

e

(18) η ( k ) = I m φ ( k ) = a F s f β ( z ) .

A evolução temporal da densidade populacional u(x,t) é observada no espaço real. Podemos verificar como esta evolução temporal ocorre pela Eq. (12), tomando apenas sua parte real

(19) u ( x , t ) = a b + ε cos ( k x ) e γ t .

Com isso devemos impor que nossa taxa de formação de padrão seja real. Observado esse detalhe, sempre restringiremos nossa análise à parte real da função φ(k) que denotamos por γ(k),

(20) γ ( k ) = D k 2 a L f β ( z ) cos ( k z ) d z .

Como estamos interessados em verificar em que conjunto de valores dos parâmetros da Eq. (8) a taxa de formação de padrão é positiva, devemos escolher uma função influência para realizar a transformada de Fourier e encontrar γ(k). Podemos começar nosso estudo analítico escolhendo a distribuição mais simples, que é uma distribuição de Heaviside,

(21) f β ( z ) = 1 2 β Θ β z Θ β + z .

Nesta equação, β é o alcance da função influência, que é normalizada no domínio L do sistema (0<β<L). Resolvendo a integral da Eq. (20), para a função influência de Heaviside, Eq. (21), encontramos a seguinte expressão para a taxa real γ(k)

(22) γ ( k ) = D k 2 a sin ( k β ) k β .

Na Fig. 6 mostramos como é o comportamento da taxa de crescimento da formação de padrão γ(k) para alguns valores da constante de difusão D. Notamos que para valores pequenos da difuão, D=0.001, γ(k) apresenta regiões positivas, mas para valores maiores, D=1.0, este comportamento deixa de existir. Isso é fisicamente aceitável uma vez que os processos difusivos tendem a levar um determinado sistema a um regime espacialmente homogêneo e isotrópico, ou seja, impossibilitando que determinadas regiões sejam privilegiadas, o que poderia caracterizar o fenômeno formação de padrão.

Figura 6
Taxa de crescimento da formação de padrão γ(k), para uma função influêcia Heaviside. A constante de crescimento vale a=3.0 e o comprimento de interação β=4.0. Neste gráfico a medida que a constante de difusão aumenta, a taxa γ(k) deixa de ter valores positivos.

5. Solução numérica da EFKG

Considere a EFKG com difusão em uma dimensão

(23) u ( x , t ) t = D 2 u ( x , t ) x 2 + a u ( x , t ) + b u ( x , t ) L f β ( x x ) u ( x , t ) d x .

Esta equação pode ser resolvida utilizando um método numérico apropriado, para uma determinada função influência fβ(xx), uma distribuição inicial u(x,t=0) e condições de contorno definidas.

Para um sistema de tamanho L, podemos ter diversos tipos de distribuições iniciais u(x) para nossa população. Podemos considerar uma distribuição constante em todos os pontos, u(x)=cte, ou mesmo um único ponto da distribuição diferente de zero, u(xx0)=δ(xx0). Considerando uma distribuição de indivíduos tipo gaussiana, teremos

(24) u ( x ) = Γ exp ( x x 0 ) 2 2 σ 2 .

Nesta equação Γ é um fator de normalização, x0 é o ponto onde a distribuição está centrada e σ é a dispersão da distribuição. Impondo que u(x) seja normalizada no intervalo [0,L], o fator de normalização Γ será dado por

(25) 1 Γ = π 2 σ erf x 0 2 σ erf x 0 L 2 σ .

A função influência escolhida é uma distribuição, também gaussiana, dada por

(26) f β ( x x ) = Λ exp ( x x ) 2 2 β 2 .

Considerando condições de contorno periódicas u(0,t)=u(L,t), a normalização de fβ(xx) é constante e é dada por

(27) 1 Λ = π 2 β erf L 2 β .

Para resolver a EFKG numericamente, consideramos um sistema de tamanho L=1.0 e aplicamos condições de contorno periódicas u(x=0,t)=u(x=L,t). Em cada evolução temporal usamos uma distribuição gaussiana de partículas, Eq. (24), centrada em x0=0.5, com dispersão σ=0.04. Em todos os cálculos usamos os incrementos espaciais e temporais Δx e Δt iguais a Δx=3×103 e Δt=1×103. A evolução temporal de u(x,t) é feita até t=180 e os estados estacionários são encontrados utilizando a condição:

(28) | u ( x , t + Δ t ) u ( x , t ) | < δ ,

com δ=1×1012.

Na Fig. 7, apresentamos a solução u(x,t) com as interações pesadas por uma função gaussiana, com β=0.01 (A), β=0.15 (B) e uma taxa de difusão D=1×104, em unidades arbitrárias. Nesta figura podemos observar como ocorre a formação de padrão de uma distribuição gaussiana de partículas. No primeiro gráfico (A) as interações são pesadas igualmente e o efeito não-local não se manifesta. Quando β=0.15 os efeitos não-locais se fazem presentes na dinâmica do sistema, que se organiza em estruturas periódicas bem definidas. Na Fig 7 (B), para t=0 as partículas estão mais concentradas no centro do sistema, mas para tempos maiores, t=180, o sistema apresenta uma distribuição oscilante no espaço, caracterizando uma estrutura de formação de padrão.

Figura 7
Solução numérica da EFKG para uma função influência gaussiana. No painel A o comprimento de interação vale β=0.01 e no painel B, β=0.15. O coeficiente de difusão em ambos os casos vale D=1×104.

Os estados estacionários u(x) são mostrados na Fig. 8, para β=0.15 e β=0.25 e vários valores do coeficiente de difusão D. Nestes gráficos, podemos verificar a influência da difusão nas estruturas de formação de padrão. Fixando β=0.15, para valores pequenos da difusão os estados estacionários apresentam padrão. Mas quando elevamos o coeficiente de difusão, notamos que para D=2.5×104 os picos de padrão já se tornam negligenciáveis. O mesmo comportamento ocorre para β=0.25, onde notamos que as estruturas bem definidas de formação de padrão são completamente amortecidas para D=5.9×104. Este comportamento ilustra bem a relevância dos processos difusivos em sistemas biológicos, que vem sendo intensamente estudados nos últimos anos por vários autores.

Figura 8
Vetor estacionário u(x), para β=0.15 e β=0.25 e alguns valores da constante de difusão de um meio. Para um comprimento de interação β fixo, os picos dos estados estacionários são amortecidos elevando o valor da constante de difusão do sistema.

6. Conclusão

No presente texto realizamos uma revisão dos aspectos principais envolvidos no surgimento do fenômeno formação de padrão, do ponto de vista da dinâmica de populações. Apresentamos vários exemplos de sistemas físicos, químicos e biológicos que apresentam auto-organização seguindo dos padrões, ou mesmo sistemas que exibem padrões sem auto-organização. Verificamos que para cada sistema existem parâmetros específicos que governam o surgimento dos padrões. Para uma população o aspecto central na formação dos padrões são o espaço onde está confinado a população e principalmente as interações. Mostramos que para modelar matematicamente este fenômeno, é necessário modificar a equação de Fisher-Kolmogorov, que é um modelo dinâmico geral, e introduzir um termo não-local nas interações. Apresentamos um estudo analítico perturbativo e também solucionamos a EFKG numericamente e mostramos como os processos difusivos influenciam a formação de padrões e a importância da não-localidade nas interações na descrição deste fenômeno.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2015
  • Revisado
    11 Jan 2016
  • Aceito
    17 Jan 2016
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