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Revisitando dois problemas clássicos do Irodov sobre curvas de perseguição

Revisiting two classic problems of Irodov about pursuit curves

Resumos

O clássico livro de I. E. Irodov intitulado “Problems in General Physics” de 1981, bem conhecido como Irodov entre os estudantes, contém dois problemas de perseguição entre partículas com velocidades constantes em 2 dimensões que inspiraram variantes em recentes Olimpíadas de Física e vestibulares do IME e do ITA. Neste artigo, apresentamos em um único texto as versões mais estudadas desses problemas, incluindo soluções e simulações computacionais usando recursos avançados do Desmos, um sistema gráfico online e gratuito. Além disso, mostramos os cálculos das curvas exatas das trajetórias da perseguição nas variantes e mostramos que coincidem com as simulações computacionais. Finalmente, consideramos novas variantes naturais, como perseguição envolvendo mais pontos em diferentes trajetórias, e obtemos resultados computacionais para elas.

Palavras-chaves:
Mecânica; Movimento uniforme em 2 dimensões; Física computacional


The 1981 classic book by I. E. Irodov entitled “Problems in General Physics”, well known as Irodov among students, contains two problems of pursuit between particles with constant speeds in 2 dimensions that inspired variants in recent Physics Olympiads. In this paper, we present in a single text the most studied versions of these problems, including their solutions and computational simulations using advanced features of Desmos, a free online graphics system. Furthermore, we show the calculations of the exact pursuit curves and show that they coincide with the computer simulations. Finally, we consider new natural variants, such as pursuit involving more points at different trajectories, and we obtain computational results for them.

Keywords:
Mechanics; Uniform motion in 2 dimensions; Computational physics


1. Introdução

Alunos que se preparam para Olimpíadas de Física internacionais, como IPho (International Physics Olympiad) e OIbF (Olimpíada Iberoamericana de Física), costumam conhecer bem o Irodov, termo comumente usado para se referir ao clássico livro “Problems in General Physics” [11 [1] I.E. Irodov, Problems in General Physics (MIR, Moscou, 1981).], da editora MIR Moscou, escrito por Igor Evgenevich Irodov, físico russo mundialmente conhecido, que faleceu em 2002 e completaria 100 anos em 2023 (ver Figura 1). Esse livro escrito em russo em 1979 na antiga União Soviética e traduzido para o inglês em 1981 contém cerca de 1900 problemas cobrindo as principais áreas da Física e foi traduzido em 2014 para o público brasileiro [22 [2] I.E. Irodov, Problemas de Física Geral (VestSeller, Fortaleza, 2014).]. Nesta obra, dois problemas consecutivos de perseguição a velocidades constantes, os Problemas 1.12 e 1.13, tornaram-se clássicos e algumas de suas variantes surgiram em provas de física de alto nível, como o exame do IME de 2021, o exame do ITA de 2011 e a Olímpíada Russa de 2008, para citar alguns. A seguir, enunciamos esses problemas com base na tradução para o português [22 [2] I.E. Irodov, Problemas de Física Geral (VestSeller, Fortaleza, 2014).].

Figura 1
Clássico livro “Problems in General Physics”, comumente conhecido como Irodov, devido ao seu autor, Prof. Igor E. Irodov, que completaria 100 anos em 2023.
  • Problema 1.12 do Irodov: Três pontos estão localizados nos vértices de um triângulo equilátero, cujos lados são iguais a L. Todos eles começam a mover-se simultaneamente com velocidade v constante, em módulo, com o primeiro apontando sempre em direção ao segundo, o segundo apontando sempre em direção ao terceiro e o terceiro sempre apontando em direção ao primeiro. Após quanto tempo os pontos irão se encontrar?

  • Problema 1.13 do Irodov: Um ponto B move-se uniformemente com velocidade vB de modo que o vetor vB está continuamente apontado para um ponto A que, por sua vez, move-se retilineamente e uniformemente com velocidade vA<vB. No instante inicial, as velocidades são perpendiculares entre si e os pontos estão separados por uma distância d. Após quanto tempo os pontos irão se encontrar?

As soluções dos problemas do Irodov são apresentadas em dois livros de A. K. Singh [33 [3] A.K. Singh, Solutions to Irodov’s Problems in General Physics (Wiley India, New Delhi, 2010), v. 1.], também conhecidos pelos estudantes de Olimpíadas de Física. As resoluções dos Problemas 1.12 e 1.13, mostradas nas seções seguintes, utilizam conceitos básicos de cálculo (derivação e integração) e ajudam no ensino da aplicação desses conceitos matemáticos na Física.

Posteriormente surgiram variantes desses problemas, considerando diferentes trajetórias ou diferente quantidade de pontos na perseguição. Para citar alguns exemplos, variantes do Problema 1.12 com 4 pontos no quadrado e 6 pontos no hexágono regular surgiram no vestibular do IME de 2021 e do ITA de 2011, respectivamente. Além disso, uma variante do Problema 1.13 onde o ponto perseguido A se move em círculos ocorreu na Olimpíada Russa de 2008. Esta variante é bem complexa no caso geral e portanto foi apresentada uma simplificação na Olimpíada Russa, obrigando a colinearidade dos pontos com o centro do círculo:

  • Problema 1.13 colinear em círculos: Um ponto A move-se em um círculo de raio R com velocidade vA. Um ponto B persegue o ponto A com velocidade vB>vA, partindo do centro O do círculo e durante toda a perseguição o raio do círculo conecta os dois pontos (ou seja, A, B e O são colineares). Após quanto tempo os pontos irão se encontrar?

Neste artigo, estamos interessados em determinar não apenas o tempo que leva a perseguição, mas também as curvas de perseguição (pursuit curves), inclusive para situações em que ela não termina. Muitos alunos e professores não sabem que tais problemas de determinar curvas de perseguição são estudados há muito tempo. Alguns autores, como Brocard [44 [4] H. Brocard, Nouvelle Correspondance Mathématique 3, 280 (1877).] e Puckette [55 [5] C.C. Puckette, The Mathematical Gazette 37, 256 (1953).], atribuem a primeira concepção real dos problemas de curvas de perseguição a Leonardo da Vinci (1452-1519) por volta do ano 1510, muito antes da matemática necessária ter sido inventada [66 [6] A. Guha e S.K. Biswas, Bulletin of the Institute of Mathematics and its Applications 30, 12 (1994).]. No entanto, de acordo com Nahin [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007).] e Mungan [88 [8] C.E. Mungan, European Journal of Physics 26, 985 (2005).], o primeiro a formular (e resolver) um problema de curva de perseguição, especificamente o Problema 1.13 do Irodov, foi Pierre Bouguer [99 [9] P. Bouguer, em: Mémoires de Mathématique et de Physique Tirés des Registres de l’Académie Royale des Sciences (Imprimerie Royale, Paris, 1732).] em 1732, no contexto de pirataria: um navio mercante é perseguido por um navio pirata. O Problema 1.12 surgiu um pouco mais tarde, em 1877, no artigo “Problem of the Three Dogs” de E. Lucas [1010 [10] E. Lucas, Nouvelle Correspondance Mathématique 3, 175 (1877).], cuja solução também foi obtida no mesmo ano [44 [4] H. Brocard, Nouvelle Correspondance Mathématique 3, 280 (1877).]. A variante do Problema 1.13 em círculos (sem a restrição de colinearidade) foi introduzida em 1920 por A. S. Hathaway [1111 [11] A.S. Hathaway, American Mathematical Monthly 27, 31 (1920).] como “the dog-and-duck problem”. O livro Chases and Escapes [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007)., 1212 [12] S. Tabachnikov, The Mathematical Intelligencer 31, 78 (2009).] de 2007 e o periódico The Physics Teacher [1313 [13] B. Korsunsky, The Physics Teacher 54, 430 (2016).] de 2016 abordam este problema com ponto perseguidor B lento (vA>vB). Não conhecemos artigo ou livro que apresentem a variante do Problema 1.13 colinear em círculos, além da Olimpíada Russa de 2008.

Na Seção 2, apresentamos o Problema 1.12 generalizado para qualquer número n3 de pontos formando um polígono regular, cuja solução envolve espirais logarítmicas (Figura 4). Na Seção 3, apresentamos uma solução do Problema 1.13, diferente da apresentada em [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007).], um pouco mais curta e simples em nossa opinião. Não temos a pretensão de afirmar que seja uma solução original, dado ser este um problema bastante estudado, mas de fato não fomos capazes de encontrá-la publicada em outro documento. Mostramos também simulações computacionais dos Problemas 1.12 e 1.13, mostrando que coincidem com as trajetórias calculadas.

Na Seção 4, apresentamos a variante do Problema 1.13 colinear em círculos, mencionada anteriormente, provando que a curva do perseguidor também é circular (Figura 7). Na Seção 5, apresentamos a variante do Problema 1.13 circular livre (sem colinearidade), generalizado para n pontos P1,,Pn com velocidades v1<v2<<vn em que Pn se move em círculos e Pi persegue Pi+1 para 1i<n. Calculamos os valores para os quais as distâncias entre os pontos convergem. Mostramos ainda que as trajetórias da perseguição são círculos concêntricos, onde os pontos perseguidores formam uma espiral (Figuras 9 e 10). Espirais famosas como a Espiral de Teodoro (das raízes quadradas, com todas as distâncias finais iguais a 1), a Espiral de Fibonacci e a Espiral de Galileu podem ser obtidas de perseguições desse tipo (Figuras 9 e 10), dependendo das velocidades.

Além disso, outra contribuição desse artigo é reunir em um mesmo documento várias soluções dessas variantes do problema de perseguição, apresentando simulações para todas elas. As simulações computacionais foram feitas no Desmos, que é um sistema gráfico online e gratuito. Preferiu-se esta plataforma, devido ao fácil acesso para os leitores, bem como por sua alta qualidade gráfica. Apesar disso, foram usados recursos avançados do Desmos, pouco conhecidos, como relógio (“ticker”), ações (através do operador ), objetos clicáveis, listas de tamanho variável e comandos como if e for. Com isso, foi possível simular perseguições reais entre os objetos com a atualização instantânea dos valores de velocidade, direção e sentido de cada objeto. Os projetos do Desmos com todas as simulações aqui citadas estão disponibilizados e podem ser acessados livremente em [1414 [14] F. Cunha e R. Sampaio, Simulações de Curvas de Perseguição no Desmos, disponível em: https://github.com/rudinims/irodov.
https://github.com/rudinims/irodov...
], podendo ser de grande auxílio para estudantes e professores de Física, que desejam aprender a usar esta magnífica ferramenta em seus próprios estudos.

2. Perseguição Múltipla Cíclica (Problema 1.12)

Nesta seção, generalizamos o Problema 1.12 para polígonos regulares com n3 pontos P1,,Pn em perseguição cíclica a velocidades constantes e iguais a v em módulo, ou seja, Pi persegue Pi+1 para 1i<n e Pn persegue P1. Seja O o centro do polígono (ou seja, o centro da circunferência circunscrita ao polígono). Pela simetria, os pontos continuarão nos vértices de um polígono regular de n lados com mesmo centro em O, cujos lados terão seus tamanhos diminuindo com o tempo. Veja a Figura 2 para alguns exemplos.

Figura 2
Perseguição cíclica sobre polígonos regulares. O problema original do Irodov é sobre o triângulo equilátero, a variante do vestibular do IME de 2021 é sobre o quadrado e a variante do ITA de 2011 é sobre o hexágono regular.

Seja L o lado do polígono no início e seja 2α=π(n2)/n o ângulo em cada vértice do polígono (vide Figura 3). Logo, devido à simetria dos polígonos regulares, a componente da velocidade de cada ponto em direção ao centro O é igual a vr=vcosα. Além disso, de acordo com a Figura 3, cosα=L/2R, onde R é o raio (distância do centro O para cada vértice do polígono). Portanto, o tempo T para ocorrer o encontro é

T = R v r = L / ( 2 cos α ) v cos α = L 2 v cos 2 α = L 2 v cos 2 ( π 2 π n ) T = L 2 v sin 2 ( π n )
Figura 3
Geometria do Problema 1.12 generalizado.

Para a equação da trajetória de cada ponto, tomamos o centro O como origem do sistema de coordenadas. Considere um ponto qualquer da perseguição em um instante t e seja (r,θ) a sua representação em coordenadas polares, que corresponde às coordenadas cartesianas (rcosθ,rsinθ), onde θ0 é o ângulo do ponto no instante 0. Pelo discutido anteriormente, r=Rvtcosα. Além disso, pela simetria dos polígonos regulares, a velocidade angular ω=dθdt=1rvsinα. Portanto, dθ=1rvsinαdt e

θ θ 0 = 0 t v sin α R v t cos α d t = tan α 0 t 1 t R v cos α d t = tan α ln ( t R / ( v cos α ) 0 R / ( v cos α ) )

Concluímos observando que α=π2πn e portanto r=Rvtsin(π/n) e

θ = θ 0 cot ( π n ) ln ( 1 v t R sin ( π n ) ) θ = θ 0 cot ( π n ) ln ( r R ) .

Portanto, em coordenadas polares, temos a espiral logarítmica

r = R exp { tan ( π n ) ( θ θ 0 ) }

É importante frisar que os resultados desta seção valem para qualquer polígono regular com n3 lados e que, para polígonos não regulares, os resultados seriam diferentes. Com esses cálculos generalizados, foi possível criar um projeto no Desmos para simulação computacional [1414 [14] F. Cunha e R. Sampaio, Simulações de Curvas de Perseguição no Desmos, disponível em: https://github.com/rudinims/irodov.
https://github.com/rudinims/irodov...
], mostrando que os pontos seguem de fato a trajetória calculada. é possível selecionar qualquer número n de pontos. Veja a Figura 4 para n = 5. Após alterar o valor de n, deve-se clicar em “’Configuração inicial’. Para começar a simulação, deve-se clicar em “Iniciar / Pausar”.

Figura 4
Simulações do Problema 1.12 generalizado no Desmos, para números diferentes de pontos. O trajeto de cada ponto na perseguição segue o trajeto teórico desenhado em azul na imagem, que formam espirais logarítmicas.

3. Perseguição Sobre Uma Reta (Problema 1.13)

A partir desta seção, em se tratando de dois pontos na perseguição, chamaremos o ponto perseguidor B de gato e o ponto perseguido A de rato [66 [6] A. Guha e S.K. Biswas, Bulletin of the Institute of Mathematics and its Applications 30, 12 (1994).]. Vamos considerar que o gato está no ponto (L, 0) e corre com velocidade vB atrás do rato, o qual inicia uma corrida no eixo y a partir da origem com velocidade vA. Veja a Figura 5. Mostramos o cálculo para determinar o tempo T do encontro no Problema 1.13 original quando vA<vB e apresentamos uma solução para o problema da trajetória do gato para quaisquer valores vA e vB, tanto para vA<vB como vAvB.

Figura 5
Imagem da geometria do Problema 1.13 em parte gerada no Desmos.

Considere um certo instante t de tempo. Seja β o ângulo que o gato faz com a horizontal e seja a distância entre o gato e o rato. A velocidade relativa entre eles é igual a ddt=vAsinβvB. Sendo T o tempo final, temos que o movimento relativo do gato para o rato percorrerá a distância L e portanto

(1) 0 L = L 0 d = 0 T ( v A sin β v B ) d t 0 T sin β d t = v B T L v A

onde β deve ser visto não como uma constante, mas como uma função β=β(t) no tempo. Além disso, no eixo y o rato percorre vAT e o gato percorre 0TvBsinβdt e portanto, pela equação (1):

v A T = 0 T v B sin β d t = v B ( v B T L v A ) T = v B L v B 2 v A 2

Uma solução semelhante a esta pode ser vista em [33 [3] A.K. Singh, Solutions to Irodov’s Problems in General Physics (Wiley India, New Delhi, 2010), v. 1.].

A seguir, determinamos a trajetória do gato na perseguição, tanto para vA<vB quanto para vAvB. Como dito na introdução, nossa solução é bastante diferente da apresentada em [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007).], e é um pouco mais curta e simples em nossa opinião, utilizando mais recursos trigonométricos do que recursos de cálculo. Não temos a pretensão de afirmar que seja uma solução original, dado ser este um problema bastante estudado, mas de fato não fomos capazes de encontrá-la publicada em outro documento. A principal diferença entre as soluções é que a abordagem tradicional de [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007).] foca em estabelecer diretamente a coordenada y do gato em função de x, que é a direção mais natural à primeira vista, mas leva a maiores dificuldades técnicas. A nossa abordagem foca em obter primeiramente a distância do gato para o rato em função do ângulo β do gato com a horizontal, o que leva a cálculos menos complexos. Com isso, obtemos a partir de recursos trigonométricos a tangente de β em função de x e finalmente a curva y em função de x.

Iniciamos observando que dβ=vAcosβdt. Como d=(vAsinβvB)dt, então dt=(vAsinβvB)1d e portanto

d β = v A cos β d v A sin β v B e
L ( 1 ) d = 0 β ( v A sin β v B v A cos β ) d β
= 0 β tan β d β v B v A 0 β 1 cos β d β

Essas integrais são bem conhecidas para 0β<π/2, pois ddβln(cosβ)=tanβ e ddβln(1+sinβcosβ)=1cosβ. Assim obtemos a distância entre os pontos em função do ângulo β que o gato faz com a horizontal, onde b=vB/vA:

(2) ln ( L ) = ln ( cos β ) v B v A ln ( 1 + sin β cos β ) = L cos β ( cos β 1 + sin β ) b

Uma aplicação interessante da equação (2) é no encontro quando vA<vB: para =0, temos que cosβ=0 e portanto β=π/2. Ou seja, quando há encontro este sempre ocorre com ângulo reto. Outra aplicação interessante dessa função é quando vA = vB. Nesse caso, a perseguição não termina e a distância entre os pontos é =L/(1+sinβ), tendendo a =L/2 (metade da distância inicial) quando β=π/2. Uma última aplicação é determinar a distância mínima quando vA>vB. Nesse caso, a velocidade relativa vBvAsinβ é 0 e portanto sinβ=b=vB/vA, cosβ=1b2 e

distância mínima = L 1 b 2 ( 1 b 1 + b ) b , para b = v B v A < 1 .

Para obter a trajetória do gato, sejam x e y as suas coordenadas durante a perseguição. Note que dy=tanβdx. Vamos calcular tanβ em função de x. Como x=cosβ, então pela equação (2) e tomando a=1/b=vA/vB:

( x L ) a = ( x L ) 1 / b = cos β 1 + sin β = 2 1 + sin β 1 sin β = 1 ( x / L ) 2 a 1 + ( x / L ) 2 a .

Consequentemente, da identidade Pitagórica da trigonometria, obtemos

cos β = 2 ( x / L ) a 1 + ( x / L ) 2 a e
tan β = 1 2 [ ( x L ) a + ( x L ) a ] .

Portanto,

(3) y = L x tan β d x = 1 2 L a L x x a d x 1 2 L a L x x a d x .

Pela equação (3), se a1 (vAvB), então a trajetória do gato é dada por

y = L 2 [ ( x / L ) 1 + a 1 + a ( x / L ) 1 a 1 a ] + a L 1 a 2 .

Se a=b=1 (vA = vB), então pela equação (3) a trajetória do gato é dada por

y = 1 4 L ( x 2 L 2 ) L 2 ln ( x L )

Consideramos esta solução interessante, pois se utiliza mais de recursos trigonométricos do que de técnicas de integração, ao contrário da solução em [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007).], com quase seis páginas, que obtém essas mesmas trajetórias finais de modo diferente.

Foi criado um projeto no Desmos para simulação computacional desse problema [1414 [14] F. Cunha e R. Sampaio, Simulações de Curvas de Perseguição no Desmos, disponível em: https://github.com/rudinims/irodov.
https://github.com/rudinims/irodov...
], mostrando que o ponto perseguidor (gato) segue de fato a trajetória calculada tanto para vA<vB como para vAvB. Veja a Figura 6. A simulação se inicia ao clicar em “Iniciar/Pausar”. Após modificar as velocidades e outros parâmetros da perseguição, deve-se clicar em “Configuração inicial” para que o gato e o rato comecem de suas posições iniciais.

Figura 6
Simulação do Problema 1.13 no Desmos. O trajeto do gato na perseguição segue a curva teórica calculada, que está desenhada em azul.

4. Perseguição Colinear em Círculos

Nesta seção, considere que o ponto B (gato) está na origem O em (0,0) e persegue com velocidade vB o ponto A (rato), que inicia uma corrida a partir do ponto (R, 0) sobre o círculo de raio R com centro em O no sentido anti-horário. Veja a Figura 7 para R = 10. A perseguição tem a restrição de que os pontos A, B e O são sempre colineares. Sem esta restrição, o problema de determinar o tempo e a trajetória exata da perseguição se torna bastante complexo, como mencionado na Seção 5. Mostraremos o cálculo para determinar o tempo T do encontro quando vA<vB e apresentamos a trajetória do gato para quaisquer valores vA e vB, tanto para vA<vB como vAvB. No primeiro caso, a trajetória do gato também será circular e, no segundo caso, a trajetória será formada por dois trechos também circulares.

Figura 7
Simulação no Desmos da variante do Problema 1.13 sobre o círculo com A, B e O colineares, com vA<vB. O trajeto do gato na perseguição segue a curva teórica calculada, que está desenhada em vermelho e é também circular.

Considere um certo instante de tempo t. Sejam r, θ, vr e vθ a distância do gato para a origem, o ângulo do gato com o eixo x e as componentes radial e tangencial da velocidade vB do gato, respectivamente. Pela colinearidade, o gato e o rato estão com mesma velocidade angular. Ou seja, ω=vθ/r=vA/R. Além disso, vB2=vr2+vθ2. Logo

(4) d r d t = v r = v B 2 ( v A R r ) 2 d t = 1 v A R ( v B v A R ) 2 r 2 d r

Portanto, pela equação (4) e por ddxarcsin(x/a)=1a2x2,

t = 0 t d t = 0 r 1 v A R ( v B v A R ) 2 r 2 d r t = R v A arcsin ( v A r v B R )

Como θ=vAt/R, então θ=arcsin(vArvBR). Se vAvB, o encontro ocorre com r = R no tempo T e ângulo Θ abaixo

T = R v A arcsin ( v A v B ) e Θ = arcsin ( v A v B )

Ademais, a trajetória do gato em coordenadas polares (r,θ) é

(5) r = R v B v A sin ( v A t R ) e θ = v A R t r = R v B v A sin θ

Conclui-se então que, se vBvA, o valor de r estabilizará no valor máximo com θ=π/2. Se vA = vB, o encontro também se dará com θ=π/2, ou seja, em um quarto do círculo. Veja na Figura 8 um exemplo para vA>vB. Note que, após atingir θ=π/2, a trajetória será um círculo com raio r=RvB/vA com centro na origem, pois nesse caso vr=vB e portanto ω=vBr=vAR.

Figura 8
Simulação no Desmos da variante do Problema 1.13 sobre o círculo com A, B e O colineares, com vAvB. O trajeto do gato segue a curva teórica calculada, que está em vermelho e consiste de dois trechos circulares.

Finalmente, como se pode ver nas Figuras 7 e 8, é possível provar que a trajetória do gato no primeiro trecho (até atingir o rato ou a mesma velocidade angular do rato) também será circular, mas com centro no eixo y diferente da origem, no ponto (0,RvB2vA). Para isso, note na equação (5) que r=RvBvAcos(π2θ) e portanto a reta no ponto B perpendicular ao segmento AB toca o eixo y no ponto P=(0,RvBvA). Com isso, o ângulo OB^P é sempre reto, o que é condizente com um círculo de diâmetro RvBvA, e portanto raio RvB2vA.

Foi criado um projeto no Desmos para simulação computacional desse problema [1414 [14] F. Cunha e R. Sampaio, Simulações de Curvas de Perseguição no Desmos, disponível em: https://github.com/rudinims/irodov.
https://github.com/rudinims/irodov...
], mostrando que o ponto perseguidor (gato) segue de fato a trajetória calculada tanto para vA<vB como para vAvB. Veja as Figuras 7 e 8. A simulação se inicia ao clicar em “Iniciar/Pausar”. Após modificar parâmetros da perseguição, deve-se clicar em “Configuração inicial” para que o gato e o rato comecem de suas posições iniciais.

5. Perseguição Livre em Círculos

Considere agora a mesma perseguição da seção anterior sobre o círculo, mas sem a restrição de colinearidade. Ou seja, o gato persegue o rato livremente, sempre apontado pra o rato. Esse problema foi abordado recentemente em 2016 no periódico The Physics Teacher [1313 [13] B. Korsunsky, The Physics Teacher 54, 430 (2016).]. Em seu livro Chases and Escapes, Nahim [77 [7] P.J. Nahin, Chases and Escapes: The Mathematics of Pursuit and Evasion (Princeton University Press, Princeton, 2007).] comenta que o problema de se obter a trajetória exata do gato é de fato bastante complexo. Ele obtém equações diferenciais e obtém soluções a partir do Matlab dadas as posições iniciais dos pontos, sem apresentar no entanto uma simulação.

Nesta seção, obtemos a trajetória para a qual o gato converge no caso em que vA>vB (rato veloz), bem como o valor final para o qual a distância entre os dois converge. Na verdade, obtemos uma generalização para n pontos P1,,Pn com velocidades v1<<vn em que Pn se move em um círculo de raio R e Pi persegue Pi+1 para todo 1i<n. Obtemos ainda uma simulação computacional no Desmos para qualquer número n de pontos. Veja a Figura 9 para um exemplo com R = 10 e n=5,10,20 e 40 pontos na perseguição com velocidades 1,2,,n.

Figura 9
Simulação no Desmos da perseguição livre no círculo, generalizado para qualquer número n de pontos com velocidades 1,2,,n. Exemplos para n=5,10,20 e 40. O trajeto dos pontos tende a círculos concêntricos na origem e a configuração dos pontos converge para uma espiral de Galileu.
Figura 10
Simulação no Desmos. Obtenção da espiral logarítmica de Fibonacci com ângulo central γ33o (a esquerda) e da espiral de Teodoro (das raízes quadradas) com distâncias finais iguais a 1 (a direita) a partir da configuração final de pontos em perseguição.

Pela simetria, independente das posições iniciais dos pontos, a trajetória de cada ponto convergirá para um círculo, com todos os pontos em MCU (movimento circular uniforme) na mesma velocidade angular ω=vi/Ri, onde Ri é o raio da trajetória final do ponto Pi. Note que Rn=R e portanto ω=vn/R e Ri=vi/ω. Ou seja, os raios dos círculos são proporcionais às suas velocidades. Além disso, pela característica da perseguição, o triângulo PiPi+1O será retângulo em Pi após muito tempo, onde O é a origem, e consequentemente a distância de Pi para Pi+1 converge para

(6) d ( P i , P i + 1 ) = R i + 1 2 R i 2 d ( P i , P i + 1 ) = 1 ω v i + 1 2 v i 2 ,

onde ω=vn/R.

Percebe-se que esta sucessão de triângulos retângulos PiPi+1O levará a configuração de pontos a convergir para uma espiral. Entre as espirais mais conhecidas obtidas por sequências de triângulos retângulos, destacam-se:

  • (a)

    a espiral logarítmica, com Ri/Ri+1=c constante e consequentemente todos os triângulos retângulos semelhantes, com ângulo γ=arccos(c) em O; a espiral de Fibonacci é um caso particular, para γ33o;

  • (b)

    a espiral de Teodoro, com Ri=i, com distâncias iguais a 1 entre quaisquer pontos consecutivos Pi e Pi+1, que converge para uma espiral de Arquimedes quanto maior o número de pontos;

  • (c)

    a espiral com Ri = i, que converge para uma espiral de Galileu quanto maior o número de pontos.

Com isso, é interessante notar que diferentes espirais como essas pode ser obtidas como configurações de pontos em perseguição, simplesmente ajustando as velocidades. Para a espiral logarítmica com ângulo central γ entre pontos consecutivos e portanto equação polar r=(cosγ)θ/γ, basta tomar as velocidades em progressão geométrica vi+1=vi/cosγ com v1 = 1. Para a espiral de Teodoro, que converge para uma espiral de Arquimedes com n tendendo ao infinito, basta tomar vi=i para todo i=1,,n. Para uma aproximação da espiral de Galileu, basta tomar vi = i para todo i=1,,n.

Todas as simulações obtendo essas espirais estão disponíveis no Desmos em [1414 [14] F. Cunha e R. Sampaio, Simulações de Curvas de Perseguição no Desmos, disponível em: https://github.com/rudinims/irodov.
https://github.com/rudinims/irodov...
]. Ver Figuras 9 e 10 para exemplos das espirais de Galileu, de Fibonacci e de Teodoro obtidas através da simulação das perseguições. A primeira imagem da figura mostra um momento anterior a convergência, com a configuração de pontos em vermelho e a trajetória final a convergir em azul.

6. Sobre as Simulações no Desmos

As simulações no Desmos apresentaram vários desafios técnicos. O primeiro deles foi a generalização para vários pontos na perseguição, que foi resolvido com o uso de listas no Desmos. Por exemplo, a instrução v=[i for i=[1n]] cria uma lista com valores de velocidade v[i]=i para cada ponto 1in. O segundo desafio foi a atualização temporal da posição dos pontos durante a perseguição, que foi resolvido com o uso de ações no Desmos através do operador “”. Por exemplo, sendo X, Y e β as listas com os valores de X[i], Y[i] e o ângulo β[i] de cada ponto 1in, as instruções X[X[i]+v[i]dTcosβ[i] for i=[1n]] e Y[Y[i]+v[i]dTsinβ[i] for i=[1n]] atualizam as listas X e Y com a posição de cada ponto durante a perseguição, onde dT é uma valor bem pequeno de tempo. O terceiro desafio foi a sincronização ordenada dessas atualizações das posições, que foi possível com a inclusão do recurso ticker (relógio) do Desmos, que precisa ser acionado/desacionado para iniciar/pausar todas as atualizações. O quarto desafio foi tornar a simulação amigável para pessoas não conhecedoras dos recursos do Desmos, que foi possível com a inclusão de “objetos clicáveis”, tanto para a “Configuração inicial” dos pontos da perseguição como para “Iniciar/Pausar” a perseguição, com o objetivo de evitar que os usuários sejam obrigados a acionar/desacionar o relógio do Desmos ou escrever sempre os valores iniciais para recomeçar a perseguição.

Com relação ao funcionamento das simulações, é importante destacar que, quanto maior a velocidade, menor a precisão. Por exemplo, na perseguição livre em círculos, em teoria o ângulo de cada vetor velocidade com o raio do ponto deveria ser reto. Isso ocorre de fato nas simulações com valores muito baixos de velocidade. No entanto, com velocidades maiores, que deixam as simulações mais interessantes aos usuários, esses ângulos podem chegar a 80 graus, diferindo consideravelmente de 90 graus, fazendo que as curvas finais da perseguição fujam levemente das espirais teóricas esperadas. Por isso, dependendo das velocidades, leves ajustes empíricos foram feitos nas espirais teóricas para que a perseguição de fato convergisse para elas.

Referências

  • 1
    [1] I.E. Irodov, Problems in General Physics (MIR, Moscou, 1981).
  • 2
    [2] I.E. Irodov, Problemas de Física Geral (VestSeller, Fortaleza, 2014).
  • 3
    [3] A.K. Singh, Solutions to Irodov’s Problems in General Physics (Wiley India, New Delhi, 2010), v. 1.
  • 4
    [4] H. Brocard, Nouvelle Correspondance Mathématique 3, 280 (1877).
  • 5
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  • 6
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  • 10
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  • 11
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  • 13
    [13] B. Korsunsky, The Physics Teacher 54, 430 (2016).
  • 14
    [14] F. Cunha e R. Sampaio, Simulações de Curvas de Perseguição no Desmos, disponível em: https://github.com/rudinims/irodov
    » https://github.com/rudinims/irodov

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2023
  • Revisado
    09 Dez 2023
  • Aceito
    18 Dez 2023
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