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Sobre a assinatura da métrica em Relatividade Restrita

Regarding the signature of the metric in Special Relativity

Resumos

Neste trabalho, abordamos os fundamentos da Teoria da Relatividade Restrita, começando com uma revisão das Transformações de Lorentz e sua interpretação geométrica. Em seguida, discutimos por que a métrica no espaço-tempo deve ter uma assinatura não Riemanniana para garantir o primeiro postulado da Teoria da Relatividade. O artigo visa preencher uma lacuna didática no ensino da Física, oferecendo uma compreensão sólida dos conceitos essenciais da Teoria da Relatividade para estudantes de graduação e pós-graduação.

Palavras-chave:
Relatividade Restrita; Espaços métricos; Métrica de Minkowski


In this work, we address the fundamentals of Special Relativity, starting with a review of Lorentz Transformations and their geometric interpretation. We then discuss why the metric in spacetime must have a non-Riemannian signature to ensure the first postulate of the Theory of Relativity. The article aims to fill a didactic gap in the teaching of Physics by providing a solid understanding of the essential concepts of Relativity Theory for undergraduate and postgraduate students.

Keywords
Special Relativity; Metric Spaces; Minkowski Metric


1. Introdução

Uma das bases da Física Clássica é o conceito de realidade objetiva, ou seja, de que o objeto existe além da observação. Em outras palavras, o observador não afeta a realidade física, o que permite uma descrição completamente equivalente entre dois observadores [1[1] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology (Oxford University Press, New York, 2010)., 2[2] D. Morin, Special Relativity: For the Enthusiastic Beginner (CreateSpace, North Charleston, 2017).].

Uma consequência imediata disso é que as velocidades são noções relativas, ou seja, dois observadores não precisam concordar com as velocidades de um objeto [3[3] H.M. Nussenzveig, Curso de física básica (Blucher, São Paulo, 2014), v. 4.]. Por exemplo, imagine uma pessoa dentro de um trem e outra pessoa do lado de fora. Para a primeira pessoa, a mochila em seu colo está parada, ou seja, v = 0. Contudo, para quem está do lado de fora, a mochila se move com a velocidade do trem, logo, v ≠ 0.

No entanto, nem tudo é relativo; na realidade, a Física se manifesta em quantidades invariantes ou absolutas, como é o caso das forças e acelerações envolvidas.

Com base nisso, Newton formulou a Mecânica Newtoniana, centralizada no princípio fundamental da dinâmica [4[4] H.M. Nussenzveig, Curso de física básica (Blucher, São Paulo, 2013), v. 1.], o qual para massa (m) constante é dado por

(1)F=dpdt=md2rdt2=ma,
em que F é a soma de todas as forças que agem sobre o sistema, p é o momento linear, a é a aceleração e r=(x,y,z) é o vetor posição dado em coordenadas cartesianas.

Seja um referencial Sʹ, com coordenadas (xʹ, yʹ, zʹ) e que meça um tempo tʹ, que se mova com velocidade v constante em relação à um referencial inercial S. A conexão entre as coordenadas e tempos desses referenciais é feita via Transformações de Galileu [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998).],

(2)x=xvt,
(3)y=y,
(4)z=z,
(5)t=t.
Um fato importante da equação 1 é de a mesma é invariante sob tais transformações, uma vez que a=a. Diante disso, diz-se que a Mecânica Newtoniana é covariante sob tais transformações.

Um ponto crucial na Mecânica Clássica é a maneira como medimos distâncias entre dois eventos, ou seja, as distâncias entre duas posições. Quando temos dois eventos, digamos A e B, que estão suficientemente próximos, a distância entre eles é calculada por meio do elemento de linha

(6)dl2=dx2+dy2+dz2.
Essa expressão pode ser resumida usando uma ferramenta geométrica chamada métrica, denotada por δij = diag(+1, +1, +1). Aqui, xi = (x1, x2, x3) = (x, y, z) representa as coordenadas, e a expressão da distância pode ser reescrita de forma mais compacta como
(7)dl2=δijdxidxj,
em que índices repetidos indicam uma soma, segundo a notação de Einstein. A matriz δij, chamada de métrica euclidiana, apresenta uma característica fundamental: a assinatura (sinal das componentes) é uniforme para todas as coordenadas.

Contudo, com o advento da Teoria Eletromagnética, baseada nas quatro equações de Maxwell, percebeu-se três coisas intrigantes [1[1] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology (Oxford University Press, New York, 2010)., 2[2] D. Morin, Special Relativity: For the Enthusiastic Beginner (CreateSpace, North Charleston, 2017)., 6[6] V. Faraoni, Special Relativity (Springer, New York, 2013).]:

  1. As equações de Maxwell não são covariantes sob as Transformações de Galileu;

  2. A força associada aos campos elétrico e magnético (força de Lorentz), depende diretamente da velocidade;

  3. Ao desacoplar os campos elétrico e magnético nas equações de Maxwell obtém-se equações de ondas que se propagam com velocidade igual à da luz.

Diante disso, uma escolha precisava ser feita: ou a Mecânica Newtoniana (e a Gravitação) deveriam ser reformuladas, ou o Eletromagnetismo necessitaria de correções [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998).]. Einstein tomou uma decisão e optou por modificar a Mecânica, preservando certos aspectos, como a necessidade de que referenciais inerciais fossem indistinguíveis [7[7] R. Resnick, Introduction to Special Relativity (Wiley, New York, 1968).]. A catarse dessa revolução gerou a Teoria da Relatividade Restrita, que é o foco deste texto.

O cerne da Teoria Restrita de Einstein se resume a dois postulados, que podem ser enunciados da seguinte forma [2[2] D. Morin, Special Relativity: For the Enthusiastic Beginner (CreateSpace, North Charleston, 2017).]:

  1. Todos os referenciais inerciais (não acelerados) são equivalentes;

  2. A velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor c (≈ 3 · 108m/s) em qualquer referencial inercial.

O primeiro postulado garante que nenhum referencial inercial é melhor do que outro, de modo que não há um referencial privilegiado, tornando o movimento algo puramente relativo para o observador. Este postulado é completamente razoável, pois mantém o princípio galileano. Por outro lado, o segundo postulado não é intuitivo e é aceito como um fato experimental [3[3] H.M. Nussenzveig, Curso de física básica (Blucher, São Paulo, 2014), v. 4.].

Para que ambos os postulados sejam satisfeitos, Einstein precisou atribuir ao espaço e ao tempo um papel ativo sobre os eventos, em vez de considerá-los apenas como um palco para os mesmos, como Newton pensava [3[3] H.M. Nussenzveig, Curso de física básica (Blucher, São Paulo, 2014), v. 4.]. Além disso, a Teoria de Einstein não apenas atribui papéis ativos ao espaço e ao tempo, mas também os concebe não mais como entidades distintas, e sim como dois aspectos diferentes de uma única entidade denominada espaço-tempo [6[6] V. Faraoni, Special Relativity (Springer, New York, 2013).].

Na Teoria da Relatividade Restrita, uma ideia crucial é a métrica do espaço-tempo, conhecida como Métrica de Minkowski. Essa métrica é representada por uma matriz quadrada, η = diag(−1, +1, +1, +1), no caso de três dimensões espaciais e uma dimensão temporal [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998).]. Mesmo que espaço e tempo sejam tratados de forma equivalente, há uma diferença na estrutura deles, evidenciada pela assinatura da métrica que não é uniforme como no caso da métrica euclidiana.

Surpreendentemente, este ponto é frequentemente aceito sem muita discussão teórica ou demonstração matemática em sala de aula. Mesmo em livros-texto padrão [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998)., 7[7] R. Resnick, Introduction to Special Relativity (Wiley, New York, 1968)., 8[8] W. Rindler, Relativity: Special, General, and Cosmological (Oxford University Press, New York, 2006).], a explicação sobre o assunto costuma ser omitida, criando uma lacuna no entendimento que precisa ser preenchida.

Neste artigo, buscaremos esclarecer este assunto de forma a contribuir com o cenário educacional no contexto do ensino de Física, para que estudantes de graduação nas disciplinas de Física Moderna ou Relatividade e ingressantes na pós-graduação possam adquirir uma formação mais abrangente e aprofundada sobre os fundamentos da Teoria da Relatividade Restrita.

Este artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2 2. As Transformações de Lorentz Uma vez que as Transformações de Galileu necessitam de uma correção, procurou-se um conjunto de transformações que conectassem as coordenadas de dois referenciais inerciais. Essas transformações são conhecidas como Transformações de Lorentz, em homenagem a Hendrik Lorentz, que as derivou muito antes de Einstein, embora com um propósito diferente [6]. Lorentz inicialmente procurou um conjunto de transformações que tornassem as equações de Maxwell covariantes. No entanto, ele não considerou que tʹ representasse o tempo físico medido pelo outro observador, mas sim um tempo auxiliar, uma ferramenta matemática. Somente com a mudança de paradigma, Einstein redescobriu essas transformações e reconheceu seu significado físico fundamental. Nesta seção faremos uma simples demonstração das Transformações de Lorentz e realizaremos uma interpretação geométrica das mesmas em diagramas de espaço-tempo. 2.1. Derivação Pelo primeiro postulado não existem referenciais inerciais privilegiados e, portanto, o espaço-tempo deve ser homogêneo e isotrópico. Matematicamente isso indica que a relação entre os referenciais deve ser linear e global,(8)t′=At+Bx, (9)x′=Cx+Dt,consideraremos que os eixos y e z são ortogonais à direção de movimento. Seja um evento P = (t, 0, 0, 0), assim tʹ = At e xʹ = Dt, como dxʹ/dtʹ = −v, obtém-se que D = −vA. Analogamente, para um evento Pʹ = (tʹ, 0, 0, 0), obtém-se D = −vC, portanto A = C,(10)t′=A(t+BA−1x), (11)x′=A(x−vt). Para a fixação de A e B consideremos que os referenciais S e Sʹ iniciem da mesma origem e no mesmo tempo, isto é, x = xʹ e t = tʹ = 0, a partir do qual um pulso luminoso esférico é emitido. A esfera de luz é tal que se move com velocidade c e em um intervalo t sua equação em S é dada por [9](12)x2+y2+z2=c2t2,embora S e Sʹ não concordem com as posições e tempos, a esfera de luz é a mesma, pois possui realidade objetiva, nesse sentido, obtemos [5, 10](13)x2−c2t2=x′2−c2t′2,como as coordenadas x e t são independentes, através de manipulações algébricas obtemos A = γ(v) e BA−1 = −v/c2. Assim,(14)x′=γ(v) x−vt, (15)t′=γ(v) t−vc2x,a esse conjunto de transformações e yʹ = y, zʹ = z dá-se o nome Transformações de Lorentz [11, 12]. Note que tais transformações levam às Transformações de Galileu no caso em que v ≪ c, ou seja, para baixas velocidades, a Mecânica Newtoniana é suficientemente precisa, sendo este o seu regime de validade [8]. 2.2. Consequências físicas das Transformações de Lorentz Das transformações de Lorentz derivam-se três consequências imediatas: i) a contração dos comprimentos, ii) a relatividade da simultaneidade e iii) a dilatação do tempo. Embora a discussão dessas consequências não se configure como parte essencial no objetivo do trabalho, por um aspecto didático e para tornar o texto completo para estudantes, sobretudo de graduação, faremos esta discussão. Em todas as consequências convenciona-se definir S como sendo um referencial inercial e Sʹ um outro que se mova com velocidade v em relação ao primeiro. 2.2.1. A contração dos comprimentos Seja uma barra, cujo comprimento em repouso seja igual à l0, que se mova com velocidade v para a direita em relação à S. Nesse caso, Sʹ será um referencial que se move junto à barra. Sejam x1′ e x2′ as medidas das extremidades da barra em Sʹ. Analogamente, S mede as extremidades com x1 e x2, que são relacionáveis via Transformações de Lorentz,(16)x1′=γ(v)(x1−vt), (17)x2′=γ(v)(x2−vt),sendo a diferença x1′−x2′=l0 pelo enunciado e l = x1 − x2 o comprimento medido em S,(18)l0=γ(v)(x1−x2)=γ(v)l,fazendo com que l < l0, isto é, o comprimento medido em S seja menor do que o comprimento medido em S′ [5]. A tal fenômenos dá-se o nome ‘contração dos comprimentos’. 2.2.2. A relatividade da simultaneidade Sejam dois eventos simultâneos em S, isto é, t1 = t2. Devido às Transformações de Lorentz,(19)t1′=γ(v)t1−vc2x1, (20)t2′=γ(v)t2−vc2x2,assim, em S′ os eventos estão separados por t1′−t2′,(21)t1′−t2′=−γ(v)vc2(x1−x2),fazendo com que t1′≠t2′ e, portanto, eventos simultâneos em S não são simultâneos em S′ [8]. 2.2.3. A dilatação temporal Por fim, consideremos dois eventos que ocorram no mesmo ponto espacial em S (x1 = x2) mas separados por um tempo Δτ=t2−t1, por exemplo, duas batidas sucessivas do coração de uma pessoa. Assim(22)t1′=γ(v) t1−vc2x1, (23)t2′=γ(v) t2−vc2x1,assim, é imediato que [13](24)Δt′=γ(v)Δτ,e, portanto Δt′>Δτ, fazendo com que o tempo passe mais devagar para um referencial em movimento [5]. A este fenômeno dá-se o nome de dilatação temporal. 2.3. Interpretação geométrica Uma característica notável ao realizar uma rotação de eixos no plano é que os eixos rotacionam na mesma taxa e na mesma direção, garantindo que os eixos ortogonais sejam mapeados em outros eixos ortogonais [11]. Em um diagrama de espaço-tempo sujeito às transformações de Lorentz, é de interesse entender o que acontece com os eixos em S′. A forma mais simples de visualizar isso é a partir das próprias transformações. Observe que o eixo ct é tal que x = 0, analogamente, o eixo ct′ deve ser tal que x′ = 0. Assim,(25)Eixoct′:ct=β−1x,em que β = v/c. Entrementes, o eixo x′ é tal que ct′ = 0, portanto,(26)Eixox′:ct=βx,como o coeficiente angular indica a inclinação da reta, podemos representar os eixos de S′ no diagrama de S. O resultado, ilustrado na Fig. 1, indica que os eixos transformados não são mais ortogonais entre si, mas se aproximam pelo mesmo fator do cone de luz, que é a bissetriz entre os eixos [8]. Figura 1 Interpretação geométrica das Transformações de Lorentz. , realizamos uma breve revisão das Transformações de Lorentz, com destaque para a discussão da interpretação geométrica dessas transformações em um diagrama de espaço-tempo. Na seção 3 3. A assinatura da métrica Embora a representação gráfica dos eixos coordenados (Figura 1) pareça indicar que os eixos do referencial S′ não sejam ortogonais entre si, é importante destacar que esse efeito viola o princípio da equivalência entre referenciais inerciais. Isso se deve à possibilidade de determinar, através desse ângulo, uma velocidade absoluta para o referencial. Uma maneira adequada de representar as Transformações de Lorentz é via matrizes [1], sendo β ≡ v/c,(27)ct′x′=γ 1−β−β1 ctx=Λ ctx,nessa representação, Λ(v) é invertível para todo valor de v. Embora a discussão a seguir seja feita considerando apenas as coordenadas ct e x, a mesma pode ser estendida para espaços-tempo de dimensão arbitrária. Seja o espaço formado por t^ e x^, vetores unitários nas direções temporal e espacial, respectivamente. Então dois eventos podem ser representados por um vetor Δr→, como ilustra a Fig. 2. Figura 2 Vetor Δr→ no diagrama de espaço-tempo. O vetor Δr→ pode ser representado matematicamente em termos de suas coordenadas,(28)Δr→=cΔt t^+Δx x^=t^x^ cΔtΔx,contudo, esse vetor possui realidade objetiva e, portanto, deve ser o mesmo independentemente do observador, ou seja, Δr→′=Δr→. Portanto,(29)t^′x^′ cΔt′Δx′=t^x^ cΔtΔx,fazendo com que as componentes do vetor se transformem com a matriz de Lorentz Λ(v), equação 27, assim(30)t^′x^′ Λ(v) cΔtΔx=t^x^ cΔtΔx.Diante disso, podemos obter uma expressão para a transformação dos vetores unitários,(31)t^′x^′=Λ−1(v) t^x^,sendo Λ−1(v) = Λ(−v) a inversa das Transformações de Lorentz, como esperado, afinal o vetor não pode se transformar sob mudança de referencial. Matematicamente os vetores unitários são tais que,(32)t^′=γ(v) t^+βx^, (33)x^′=γ(v) x^+βt^,assim, o produto escalar t^′·x^′=0 fornecerá a implicação para que os eixos em S′ sejam ortogonais. Calculando diretamente obtemos t^′⋅x^′=0=γ2(v) t^+βx^⋅x^+βt^=γ2(v) t^⋅x^+βt^⋅t^+βx^⋅x^+βx^⋅t^=γ2(v) (1+β)t^⋅x^+βt^⋅t^+x^⋅x^,como t^⋅x^=0 e γ(v) ≠ 0, temos que(34)t^⋅t^=−x^⋅x^,demonstrando que a geometria do espaço-tempo difere essencialmente da geometria puramente espacial, isto é, Riemmaniana. Consideremos eventos infinitesimalmente próximos, o elemento de linha ds2 pode então ser construído como(35)ds2=dr→⋅dr→=t^x^ cdtdxTt^x^ cdtdx=cdtdx t^x^ t^x^ cdtdx,o produto das duas matrizes centrais necessariamente deve ser uma matriz quadrada de ordem 2,(36)η=˙t^⋅t^t^⋅x^x^⋅t^x^⋅x^=(x^⋅x^)−1001,assim, a matriz não é unicamente determinada, ela depende do sinal que se convencione para o produto x^·x^ [14]. Em geral, toma-se este produto como sendo igual à +1 e, portanto,(37)η=˙−1001,assim, a assinatura da métrica na Teoria da Relatividade mostra que, embora espaço e tempo sejam colocados em pé de igualdade, suas estruturas geométricas são distintas, para que o primeiro postulado não seja violado. A matriz η é denominada métrica de Minkowski e, com ela, o elemento de linha torna-se [6](38)ds2=−c2dt2+dx2,de modo que o espaço de Minkowski é um espaço pseudoeuclidiano, sendo este um resultado consagrado da Teoria da Relatividade Restrita. O termo “pseudo” é empregado devido à métrica não ser positivamente definida [11], como no caso euclidiano, dado pela equação 6. , detalhamos as razões pelas quais a métrica na Relatividade não pode ser Riemanniana, ou seja, deve possuir uma assinatura distinta quando comparadas as coordenadas espaciais com as coordenadas temporais, a fim de assegurar o primeiro postulado. Por fim, apresentamos as conclusões na última seção.

2. As Transformações de Lorentz

Uma vez que as Transformações de Galileu necessitam de uma correção, procurou-se um conjunto de transformações que conectassem as coordenadas de dois referenciais inerciais. Essas transformações são conhecidas como Transformações de Lorentz, em homenagem a Hendrik Lorentz, que as derivou muito antes de Einstein, embora com um propósito diferente [6[6] V. Faraoni, Special Relativity (Springer, New York, 2013).]. Lorentz inicialmente procurou um conjunto de transformações que tornassem as equações de Maxwell covariantes. No entanto, ele não considerou que tʹ representasse o tempo físico medido pelo outro observador, mas sim um tempo auxiliar, uma ferramenta matemática. Somente com a mudança de paradigma, Einstein redescobriu essas transformações e reconheceu seu significado físico fundamental.

Nesta seção faremos uma simples demonstração das Transformações de Lorentz e realizaremos uma interpretação geométrica das mesmas em diagramas de espaço-tempo.

2.1. Derivação

Pelo primeiro postulado não existem referenciais inerciais privilegiados e, portanto, o espaço-tempo deve ser homogêneo e isotrópico. Matematicamente isso indica que a relação entre os referenciais deve ser linear e global,

(8)t=At+Bx,
(9)x=Cx+Dt,
consideraremos que os eixos y e z são ortogonais à direção de movimento. Seja um evento P = (t, 0, 0, 0), assim tʹ = At e xʹ = Dt, como dxʹ/dtʹ = −v, obtém-se que D = −vA. Analogamente, para um evento Pʹ = (tʹ, 0, 0, 0), obtém-se D = −vC, portanto A = C,
(10)t=A(t+BA1x),
(11)x=A(xvt).

Para a fixação de A e B consideremos que os referenciais S e Sʹ iniciem da mesma origem e no mesmo tempo, isto é, x = xʹ e t = tʹ = 0, a partir do qual um pulso luminoso esférico é emitido. A esfera de luz é tal que se move com velocidade c e em um intervalo t sua equação em S é dada por [9[9] D.F. Lawden, Elements of relativity theory (Wiley,New York, ).]

(12)x2+y2+z2=c2t2,
embora S e Sʹ não concordem com as posições e tempos, a esfera de luz é a mesma, pois possui realidade objetiva, nesse sentido, obtemos [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998)., 10[10] V.A. Ugarov, Special Theory of Relativity (MIR Publishers, Moscou, 1979), v. 1.]
(13)x2c2t2=x2c2t2,
como as coordenadas x e t são independentes, através de manipulações algébricas obtemos A = γ(v) e BA−1 = −v/c2. Assim,
(14)x=γ(v) xvt,
(15)t=γ(v) tvc2x,
a esse conjunto de transformações e yʹ = y, zʹ = z dá-se o nome Transformações de Lorentz [11[11] J. Barcelos Neto, Matemática para físicos com aplicações (Livraria da Física, São Paulo, 2010), v. 1., 12[12] R. Wald, General Relativity (University of Chicago Press, London, 1984), v. 1.].

Note que tais transformações levam às Transformações de Galileu no caso em que vc, ou seja, para baixas velocidades, a Mecânica Newtoniana é suficientemente precisa, sendo este o seu regime de validade [8[8] W. Rindler, Relativity: Special, General, and Cosmological (Oxford University Press, New York, 2006).].

2.2. Consequências físicas das Transformações de Lorentz

Das transformações de Lorentz derivam-se três consequências imediatas: i) a contração dos comprimentos, ii) a relatividade da simultaneidade e iii) a dilatação do tempo. Embora a discussão dessas consequências não se configure como parte essencial no objetivo do trabalho, por um aspecto didático e para tornar o texto completo para estudantes, sobretudo de graduação, faremos esta discussão.

Em todas as consequências convenciona-se definir S como sendo um referencial inercial e Sʹ um outro que se mova com velocidade v em relação ao primeiro.

2.2.1. A contração dos comprimentos

Seja uma barra, cujo comprimento em repouso seja igual à l0, que se mova com velocidade v para a direita em relação à S. Nesse caso, Sʹ será um referencial que se move junto à barra. Sejam x1 e x2 as medidas das extremidades da barra em Sʹ. Analogamente, S mede as extremidades com x1 e x2, que são relacionáveis via Transformações de Lorentz,

(16)x1=γ(v)(x1vt),
(17)x2=γ(v)(x2vt),
sendo a diferença x1x2=l0 pelo enunciado e l = x1x2 o comprimento medido em S,
(18)l0=γ(v)(x1x2)=γ(v)l,
fazendo com que l < l0, isto é, o comprimento medido em S seja menor do que o comprimento medido em S′ [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998).]. A tal fenômenos dá-se o nome ‘contração dos comprimentos’.

2.2.2. A relatividade da simultaneidade

Sejam dois eventos simultâneos em S, isto é, t1 = t2. Devido às Transformações de Lorentz,

(19)t1=γ(v)t1vc2x1,
(20)t2=γ(v)t2vc2x2,
assim, em S′ os eventos estão separados por t1t2,
(21)t1t2=γ(v)vc2(x1x2),
fazendo com que t1t2 e, portanto, eventos simultâneos em S não são simultâneos em S′ [8[8] W. Rindler, Relativity: Special, General, and Cosmological (Oxford University Press, New York, 2006).].

2.2.3. A dilatação temporal

Por fim, consideremos dois eventos que ocorram no mesmo ponto espacial em S (x1 = x2) mas separados por um tempo Δτ=t2t1, por exemplo, duas batidas sucessivas do coração de uma pessoa. Assim

(22)t1=γ(v) t1vc2x1,
(23)t2=γ(v) t2vc2x1,
assim, é imediato que [13[13] S. Weinberg, Gravitation and Cosmology (Wiley,New Jersey, ), v. 1.]
(24)Δt=γ(v)Δτ,
e, portanto Δt>Δτ, fazendo com que o tempo passe mais devagar para um referencial em movimento [5[5] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, New York, 1998).]. A este fenômeno dá-se o nome de dilatação temporal.

2.3. Interpretação geométrica

Uma característica notável ao realizar uma rotação de eixos no plano é que os eixos rotacionam na mesma taxa e na mesma direção, garantindo que os eixos ortogonais sejam mapeados em outros eixos ortogonais [11[11] J. Barcelos Neto, Matemática para físicos com aplicações (Livraria da Física, São Paulo, 2010), v. 1.].

Em um diagrama de espaço-tempo sujeito às transformações de Lorentz, é de interesse entender o que acontece com os eixos em S′. A forma mais simples de visualizar isso é a partir das próprias transformações. Observe que o eixo ct é tal que x = 0, analogamente, o eixo ct′ deve ser tal que x′ = 0. Assim,

(25)Eixoct:ct=β1x,
em que β = v/c. Entrementes, o eixo x′ é tal que ct′ = 0, portanto,
(26)Eixox:ct=βx,
como o coeficiente angular indica a inclinação da reta, podemos representar os eixos de S′ no diagrama de S. O resultado, ilustrado na Fig. 1, indica que os eixos transformados não são mais ortogonais entre si, mas se aproximam pelo mesmo fator do cone de luz, que é a bissetriz entre os eixos [8[8] W. Rindler, Relativity: Special, General, and Cosmological (Oxford University Press, New York, 2006).].

Figura 1
Interpretação geométrica das Transformações de Lorentz.

3. A assinatura da métrica

Embora a representação gráfica dos eixos coordenados (Figura 1) pareça indicar que os eixos do referencial S′ não sejam ortogonais entre si, é importante destacar que esse efeito viola o princípio da equivalência entre referenciais inerciais. Isso se deve à possibilidade de determinar, através desse ângulo, uma velocidade absoluta para o referencial.

Uma maneira adequada de representar as Transformações de Lorentz é via matrizes [1[1] T.P. Cheng, Relativity, Gravitation and Cosmology (Oxford University Press, New York, 2010).], sendo βv/c,

(27)ctx=γ 1ββ1 ctx=Λ ctx,
nessa representação, Λ(v) é invertível para todo valor de v. Embora a discussão a seguir seja feita considerando apenas as coordenadas ct e x, a mesma pode ser estendida para espaços-tempo de dimensão arbitrária.

Seja o espaço formado por t^ e x^, vetores unitários nas direções temporal e espacial, respectivamente. Então dois eventos podem ser representados por um vetor Δr, como ilustra a Fig. 2.

Figura 2
Vetor Δr no diagrama de espaço-tempo.

O vetor Δr pode ser representado matematicamente em termos de suas coordenadas,

(28)Δr=cΔt t^+Δx x^=t^x^ cΔtΔx,
contudo, esse vetor possui realidade objetiva e, portanto, deve ser o mesmo independentemente do observador, ou seja, Δr=Δr. Portanto,
(29)t^x^ cΔtΔx=t^x^ cΔtΔx,
fazendo com que as componentes do vetor se transformem com a matriz de Lorentz Λ(v), equação 27, assim
(30)t^x^ Λ(v) cΔtΔx=t^x^ cΔtΔx.
Diante disso, podemos obter uma expressão para a transformação dos vetores unitários,
(31)t^x^=Λ1(v) t^x^,
sendo Λ−1(v) = Λ(−v) a inversa das Transformações de Lorentz, como esperado, afinal o vetor não pode se transformar sob mudança de referencial. Matematicamente os vetores unitários são tais que,
(32)t^=γ(v) t^+βx^,
(33)x^=γ(v) x^+βt^,
assim, o produto escalar t^·x^=0 fornecerá a implicação para que os eixos em S′ sejam ortogonais. Calculando diretamente obtemos
t^x^=0=γ2(v) t^+βx^x^+βt^=γ2(v) t^x^+βt^t^+βx^x^+βx^t^=γ2(v) (1+β)t^x^+βt^t^+x^x^,
como t^x^=0 e γ(v) ≠ 0, temos que
(34)t^t^=x^x^,
demonstrando que a geometria do espaço-tempo difere essencialmente da geometria puramente espacial, isto é, Riemmaniana.

Consideremos eventos infinitesimalmente próximos, o elemento de linha ds2 pode então ser construído como

(35)ds2=drdr=t^x^ cdtdxTt^x^ cdtdx=cdtdx t^x^ t^x^ cdtdx,
o produto das duas matrizes centrais necessariamente deve ser uma matriz quadrada de ordem 2,
(36)η=˙t^t^t^x^x^t^x^x^=(x^x^)1001,
assim, a matriz não é unicamente determinada, ela depende do sinal que se convencione para o produto x^·x^ [14[14] A. Gersten, Foundations of Physics 33, 8 (2003).]. Em geral, toma-se este produto como sendo igual à +1 e, portanto,
(37)η=˙1001,
assim, a assinatura da métrica na Teoria da Relatividade mostra que, embora espaço e tempo sejam colocados em pé de igualdade, suas estruturas geométricas são distintas, para que o primeiro postulado não seja violado. A matriz η é denominada métrica de Minkowski e, com ela, o elemento de linha torna-se [6[6] V. Faraoni, Special Relativity (Springer, New York, 2013).]
(38)ds2=c2dt2+dx2,
de modo que o espaço de Minkowski é um espaço pseudoeuclidiano, sendo este um resultado consagrado da Teoria da Relatividade Restrita. O termo “pseudo” é empregado devido à métrica não ser positivamente definida [11[11] J. Barcelos Neto, Matemática para físicos com aplicações (Livraria da Física, São Paulo, 2010), v. 1.], como no caso euclidiano, dado pela equação 6.

4. Considerações

Neste artigo, exploramos alguns dos conceitos fundamentais da Teoria da Relatividade Restrita, com foco nas Transformações de Lorentz e na assinatura da métrica do espaço-tempo.

Através de uma análise detalhada e matematicamente simples, destacamos que a aparente não ortogonalidade dos eixos transformados no referencial S′ desafia o princípio da equivalência entre referenciais inerciais, indicando que espaço e tempo não são totalmente equivalentes e que essa diferenciação se manifesta na assinatura da métrica, η = diag(−1, +1, +1, +1).

Em última análise, nosso objetivo foi preencher uma lacuna didática, proporcionando uma compreensão mais profunda dos fundamentos da Teoria da Relatividade Restrita. Esperamos que estudantes de graduação e pós-graduação em Física possam se beneficiar deste estudo, adquirindo uma base sólida para explorar as complexidades da Relatividade e suas implicações na Física Moderna.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.

Referências

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    S. Weinberg, Gravitation and Cosmology (Wiley,New Jersey, ), v. 1.
  • [14]
    A. Gersten, Foundations of Physics 33, 8 (2003).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2023
  • Revisado
    12 Dez 2023
  • Aceito
    16 Jan 2024
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