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Expedição do Observatório Real de Greenwich para Sobral em 1919 - Anotações Tomadas pela Comissão Britânica

Expedition of the Royal Greenwich Observatory to Sobral in 1919 - Notes Taken by the British Commission

Resumo

Este artigo trata da expedição do Observatório Real de Greenwich, com ênfase nas anotações realizadas pela comissão britânica, composta por Andrew C. D. C. Crommelin e Charles R. Davidson, enviada a Sobral para obter placas fotográficas exibindo estrelas próximas ao Sol, durante o eclipse de 29 de maio de 1919. Estas imagens acabaram por se tornar fundamentais para a comprovação da Teoria da Relatividade Geral.

Palavras-chave:
Relatividade Geral; Eclipse Total do Sol; Deflexão da Luz

Abstract

This paper is concerned with the Expedition of the Royal Greenwich Observatory, with emphasis in the notes realized by the British commission, composed by Andrew C. D. C. Crommelin and Charles R. Davidson, sent to Sobral to obtain photographic plates exhibiting stars near the Sun, during the eclipse of May 29, 1919. These images ended up in being fundamental for the probing of the Theory of General Relativity.

Keywords:
General Relativity; Total Solar Eclipse; Light Deflection

1. Introdução

A primeira verificação experimental da Teoria da Relatividade Geral (TRG), proposta por Albert Einstein em 1915, foi realizada por meio da análise da posição aparente relativa de estrelas identificadas em placas fotográficas obtidas durante o eclipse total do Sol ocorrido em 29 de maio de 1919 [1[1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)., 2[2] L.C. Crispino e D.J. Kennefick, Nature Physics 15, 416 (2019).].

Para a observação deste eclipse foram organizadas, pelo Comitê Permanente Conjunto de Eclipses, 1 1 Tradução do inglês para “Joint Permanent Eclipse Committee”. duas expedições britânicas. Criado no final do século XIX, este comitê era chefiado por Frank Watson Dyson, que no período entre 1910 e 1933 foi o Astrônomo Real do Reino Unido. Uma das expedições britânicas para o eclipse de 1919, composta por Arthur Stanley Eddington e Edwin Turner Cottingham, foi enviada para a Ilha do Príncipe, à época uma possessão portuguesa no Golfo da Guiné, na Costa Oeste da África. A outra expedição britânica, composta por Andrew Claude de la Cherois Crommelin (Fig. 1) e Charles Rundle Davidson (Fig. 2), foi enviada para a cidade de Sobral, no Estado do Ceará, no Nordeste brasileiro [3][3] A.C.D. Crommelin, The Observatory 42, 368 (1919)..

Figura 1
Andrew Claude de la Cherois Crommelin, em imagem publicada na edição de 20 de abril de 1919 do jornal “Estado do Pará” [4][4] O Proximo Eclipse Total do Sol, Estado do Pará, 20 de abril de 1919.. Cortesia da Biblioteca Pública Arthur Vianna, Belém, Pará.
Figura 2
Charles Rundle Davidson, em imagem publicada na edição de 20 de abril de 1919 do jornal “Estado do Pará” [4][4] O Proximo Eclipse Total do Sol, Estado do Pará, 20 de abril de 1919.. Cortesia da Biblioteca Pública Arthur Vianna, Belém, Pará.

Crommelin e Davidson, juntamente com Eddington e Cottingham, partiram de Greenwich no dia 07 de março de 1919, deixando o porto de Liverpool no dia seguinte, a bordo do vapor Anselm (Fig. 3). O navio fez uma parada em Lisboa, e de lá seguiu para a Ilha da Madeira, onde desembarcaram Eddington e Cottingham, que ficaram aguardando um navio que os transportaria para a Ilha do Príncipe. Permanecendo no vapor Anselm, Crommelin e Davidson seguiram viagem até o Brasil.

Figura 3
Navio a vapor Anselm, em imagem publicada na edição de 24 de março de 1919 do jornal “Estado do Pará” [8][8] A frota da Booth. Estado do Pará, 24 de março de 1919, p. 1., dia seguinte à sua chegada ao porto de Belém do Pará. Cortesia da Biblioteca Pública Arthur Vianna, Belém, Pará.

Após uma viagem pela Amazônia, desembarcaram em Belém, capital do Estado do Pará, onde permaneceram por alguns dias [5[5] M.C. de Lima e L.C.B. Crispino, International Journal of Modern Physics D 25, 1641002 (2016). [6] L. C.B. Crispino e M.C. de Lima, Physics in Perspective 18, 379 (2016).7[7] L.C.B. Crispino e M.C. de Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e4203 (2016).]. Saíram de Belém no dia 24 de abril, a bordo do vapor Fortaleza, rumo à Camocim, onde chegaram no dia 29. No dia seguinte foram de trem para Sobral, chegando no seu destino naquele mesmo dia (Fig. 4).

Figura 4
Imagem exibindo a casa onde ficaram hospedados Crommelin e Davidson em Sobral. Cortesia da Cambridge University Library, Cambridge, Reino Unido.

Na Ilha do Príncipe, Eddington e Cottingham utilizaram um único telescópio, composto pela lente objetiva, de 13 polegadas de diâmetro, pertencente ao telescópio astrográfico de Oxford. Em Sobral, Crommelin e Davidson utilizaram dois telescópios, um deles composto pela lente, também de 13 polegadas, pertencente ao telescópio astrográfico de Greenwich, e o outro composto pela lente de 4 polegadas da Academia Real da Irlanda (Fig. 5).

Figura 5
Telescópios montados em Sobral. A lente de 4 polegadas, montada no tubo de seção quadrada, operado por Crommelin, figura à direita. A lente de 13 polegadas, montada no tubo cilíndrico, operado por Davidson, figura à esquerda. Cortesia do Science Museum/Science & Society Picture Library, Londres, Reino Unido.

Em ambos os locais de observação, o dia do eclipse amanheceu com um céu encoberto de nuvens e, portanto, nada promissor. Na Ilha do Príncipe as nuvens permaneceram em frente ao Sol durante grande parte da totalidade, impedindo a obtenção de boas fotografias. Em Sobral, durante a totalidade, a região do céu onde estava o Sol pôde ser vista em meio às nuvens, permitindo a obtenção de imagens bem melhores que as da Ilha do Príncipe, algumas das quais sendo fundamentais para a comprovação da TRG.

Na Biblioteca da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, há um caderno, em cuja capa está escrito [9][9] F. Dyson, Eclipse Expedition 1919 May 29 Sobral, disponível em https://janus.lib.cam.ac.uk/db/node.xsp?id=EAD\%2FGBR\%2F0180\%2FRGO\%208\%2F166.
https://janus.lib.cam.ac.uk/db/node.xsp?...
:

Eclipse Expedition

1919 May 29

Sobral

Neste caderno, que pode ser denominado Caderno de Sobral, encontram-se anotações variadas, incluindo o registro do conteúdo das caixas trazidas pelos britânicos para o Brasil, assim como diversos cálculos.

Dada a importância deste documento histórico, na Seção 2 deste artigo apresento as anotações, escritas na forma de diário, encontradas neste Caderno de Sobral, traduzidas para o português. Estas anotações são referentes ao período compreendido entre a chegada dos britânicos em Sobral, e a sua partida para Fortaleza, onde permaneceram cerca de um mês, antes de retornarem a Sobral para obter as fotografias comparativas do mesmo campo estelar do eclipse, sem a presença do Sol.

2. Notas da Comissão Britânica

Nesta seção apresentamos a tradução comentada das anotações realizadas pela comissão britânica em Sobral, no período entre 01 de maio e 07 de junho de 1919, contidas no Caderno de Sobral, depositado na Biblioteca da Universidade de Cambridge, no Reino Unido [9][9] F. Dyson, Eclipse Expedition 1919 May 29 Sobral, disponível em https://janus.lib.cam.ac.uk/db/node.xsp?id=EAD\%2FGBR\%2F0180\%2FRGO\%208\%2F166.
https://janus.lib.cam.ac.uk/db/node.xsp?...
. 2 2 No Apêndice é apresentada a versão original, em língua inglesa, destas anotações.

“Após a seleção do local para o acampamento na pista de corridas perto da casa, 3 3 Crommelin e Davison ficaram hospedados na casa do Coronel Vicente Saboya (Fig. 4), em frente à pista de corrida de cavalos (Jockey Club) da cidade de Sobral. foi decidido construir pilares de tijolos para apoiar os dois celóstatos. 4 4 Crommelin e Davison levaram para Sobral os seguintes equipamentos: (i) A lente de 13 polegadas do telescópio astrográfico de Greenwhich, utilizada com um redutor para 8 polegadas, que foi montada em um tubo cilíndrico de aço, acoplada a um celóstato de 16 polegadas; (ii) A lente fotográfica de 4 polegadas da Academia Real Irlandesa, que foi montada em um tubo de madeira de seção reta quadrada, acoplada a um celóstato de 8 polegadas, também pertencente à Academia Real Irlandesa (ver Fig. 5).

Isso foi feito nos primeiros dias e após a conclusão também foi decidido apoiar o telescópio astrográfico de 13 polegadas em pilares de tijolos. Estes foram concluídos em 9 de maio e o tubo do telescópio astrográfico foi colocado em posição no dia seguinte.

A lente de 20 pés 5 5 A distância focal da lente fotográfica de 4 polegadas, da Academia Real Irlandesa, é referida nas anotações do Caderno de Sobral como sendo 20 pés. Já na Ref. [1] a esta lente de 4 polegadas é atibuída uma distância focal de 19 pés. Esta mesma lente de 4 polegadas, levada para a observação do eclipse total do Sol de 28 de abril de 1911, em Vavau, Ilhas Tonga, no Pacífico Sul, é descrita na Ref. [10] como tendo uma distância focal de 20 pés. Esta lente de 4 polegadas foi fabricada para a Academia Real Irlandesa por Howard Grubb para o eclipse de 1900 e foi utilizada por Aloysius Laurence Cortie nas observações dos eclipses do Sol de 1905, 1911 e 1914 [11]. Esta lente de 4 polegadas, assim como o celóstato de 8 polegadas (identificado com o o número 4821), a ela associado, ambos da marca Grubb, fabricados em Dublin, na Irlanda, foram trazidos para exposição em Sobral, na ocasião do centenário do eclipse de 29 de maio de 1919. foi focada em 7 de maio utilizando-se novos anteparos feitos para o astrográfico, já que os anteparos de papel foram inúteis.

Em 20 de maio a objetiva de vidro do astrográfico foi montada. 6 6 Esta sentença refere-se à lente de 13 polegadas. A palavra “Astrographic” é utilizada nas anotações do Caderno de Sobral (por vezes escrita simplesmente como “Astro.”) essencialmente como referência ao telescópio montado com a lente de 13 polegadas, de Greenwhich.

Em 23 de maio tiraram-se fotos para o foco de 13 polegadas que revelaram um astigmatismo acentuado decorrente do espelho.

Houve ensaios em 26 e 27 de maio pela manhã, e em 27 de maio no início da noite com luz artificial. O seguinte programa foi decidido para [os instumentos]

Lente de 4 polegadas. Crommelin 7 7 Crommelin ficou encarregado de operar o telescópio de 4 polegadas, da Real Academia Irlandesa, para obter 8 placas fotográficas de 10 × 8 polegadas. 8 8 Os textos inseridos aqui em cor cinza clara correspondem a anotações feitas com lápis no Caderno de Sobral. 9 9 Nota-se nestas anotações o registro de um programa de exposições de 30 segundos para cada uma das 8 placas fotográficas com a lente de 4 polegadas. No entanto, na Ref. [1] está registrado que estas placas fotográficas foram todas realizadas com exposições de 28 segundos.

1 Tempo Eclipse 18 3s–33s Exp 30s 2 ” 43–73 42 30 3 83–113 80 30 4 123–153 119 30 5 163–193 158 30 6 203–233 196 30 7 243–273 235 30 8 283–313 274 30

Astrográfico 13 polegadas. Davidson 10 10 Davidson ficou encarregado de operar o telescópio astrográfico com a lente de Greenwich de 13 polegadas, com redução para 8 polegadas, para obter 19 placas fotográficas de 16 × 16 cm. 11 11 De acordo com o que está registrado na Ref. [1], os intervalos de exposição das placas fotográficas, alternados entre 5 e 10 segundos de duração, foram realizados conforme o programado. 12 12 As placas fotográficas utilizadas foram adquiridas dos fabricantes Ilford e Imperial. As placas levadas da marca Ilford foram Special Rapid e Empress, enquanto que as placas levadas da marca Imperial foram Special Sensitive, Sovereign e Ordinary[1].

Tempo Exposição 1 5s–10s 5s Imperial Ordinary 2 20–30 10s Empress 3 40–45 5s Empress 4 55–65 10 Sovereign 5 75–80 5 Ilford Special Rapid 6 90–100 10 ”Special Rapid 7 110–115 5 ”Special Rapid 8 125–135 10 Empress 9 145–150 5 Empress 10 160–170 10 Ilford Special Rapid 11 175–180 5 ” ” ” 12 190–200 10 182 Empress 13 205–210 5 198 Empress 14 220–230 10 213 Ilford Special Rapid 15 240–245 5 232 ” ” ” 16 255–265 10 247 ” ” ” 17 275–280 5 266 Empress 18 290–300 10 280 ” 19 310–315 5 300 Ordinary

Fotografias tiradas com o astrográfico mostraram que o melhor foco era a 11,0 mm e que a redução para 8 polegadas era absolutamente necessária.13 1 Tradução do inglês para “Joint Permanent Eclipse Committee”. Também devido à variabilidade do relógio, a exposição mais curta possível era desejável. Isso nos fez decidir que as exposições deveriam ser 5s e 10s, e não mais longas.

As placas Imperial mostraram-se muito insatisfatórias e o filme era muito macio para ser revelado sob condições tropicais, e consequentemente placas Ilford foram usadas com 3 exceções.14 14 As exceções foram as fotografias de número 1, 4 e 19, obtidas com o astrográfico 13 polegadas.

Os suportes de placas foram preenchidos na noite anterior ao Eclipse.

O dia do Eclipse amanheceu com algumas nuvens. A nebulosidade aumentou à medida que o dia progrediu e às 7:46, o momento do primeiro contato, o céu estava 9/10 nublado. O momento do primeiro contato sendo [portanto] nublado.

Nuvens pesadas cobriram o Sol durante boa parte do tempo antes da totalidade, mas uma abertura ocorreu pouco antes do início [da totalidade], que foi limpo. Cerca de 80s perto do meio da totalidade estava nublado, o restante limpo.

A nebulosidade antes da totalidade nos deu pouca chance de corrigir as taxas dos relógios dos celóstatos, com uma ligeira correção; o [relógio] do [celóstato] de 8 polegadas correu bem, mas o [relógio] do [celóstato] de 16 polegadas estava funcionando de forma variável e após a totalidade parecia ter perdido um pouco.15 15 De acordo com a Ref. [1], o celóstato de 16 polegadas tinha ajuste para quaisquer latitudes. Já o celóstato de 8 polegadas, que havia sido construído para ser operado no Hemisfério Norte, teve que ser montado sobre uma base de madeira, inclinada de um ângulo de cerca de 40 graus, que havia sido construída antes da saída de Greewnwich. Para o funcionamento correto em Sobral (Hemisfério Sul) o relógio teve que ser separado do celóstato, montado em uma base de madeira e então invertido. Esta operação foi realizada com bastante êxito, resultando em placas fotográficas com imagens bastante nítidas das estrelas ao redor do Sol eclipsado, apesar do tempo de exposição ter sido relativamente longo.

Acerca das exposições mais longas, fomos afortunados que o relógio do [celóstato] de 8 polegadas tenha tido um bom desempenho.

Em 30 de maio, às 3 da manhã, 4 das fotografias do [telescópio] astrográfico foram reveladas e examinadas quando secas. Verificou-se que houve uma séria mudança de foco, de modo que, embora estrelas fossem mostradas, a nitidez foi comprometida.

Essa mudança de foco só pode ser atribuída à expansão desigual do espelho [do celóstato] devido ao calor do Sol. As medidas de foco foram verificadas no dia seguinte, mas apresentaram-se inalteradas em 11,0 [mm]. 16 16 Uma reprodução muito próxima à versão em inglês deste trecho, encontra-se em uma nota de rodapé na página 309 da Ref. [1]. 17 17 Outra reprodução muito próxima à versão em inglês deste trecho, atribuída a Davidson, encontra-se na Ref. [12]. Esta atribuição é um forte indício de que estas anotações no Caderno de Sobral tenham sido realizadas por Davidson. É provável que tanto Davidson quanto Crommelin tenham escrito no Caderno de Sobral.

Embora os resultados tenham ficado muito aquém da expectativa, será necessário ficar até julho para reproduzir o campo. 18 18 Ver Seção 3.

Em 5 de junho, todas as fotografias tiradas durante o eclipse haviam sido reveladas. Com o [telescópio] astrográfico, 12 estrelas são mostradas em várias placas e 7 estrelas em todas, exceto 2 ou 3. O foco é ruim e parece duvidoso se muito pode ser obtido destas placas.19 19 Uma reprodução muito próxima à versão em inglês de parte desta frase, encontra-se ao final da já referida nota de rodapé na página 309 da Ref. [1]. 20 20 De acordo com o que Dyson registrou em 1921 [13], se fosse assumida uma mudança de escala, então a deflexão calculada com as placas obtidas com o telescópio astrográfico seria de 0,90 segundos de arco (um resultado próximo daquele previsto pela Teoria Newtoniana); no entanto, se fosse assumido que não ocorreu uma mudança de foco, mas apenas um borrão nas imagens, o resultado seria de 1,56 segundos de arco (um resultado próximo daquele previsto com a TRG). A TRG prevê para a deflexão da luz o valor de 1,75 em segundos de arco. Já a Teoria Newtoniana (gravitação de Newton aliada à teoria corpuscular da luz) prevê uma deflexão da luz igual a metade deste valor, isto é, aproximadamente 0,87 segundos de arco. De qualquer forma, à época foi dada pouca importância às imagens obtidas com o telescópio astrográfico em Sobral, devido à baixa qualidade destas imagens. Uma reanálise das placas fotográficas obtidas com o telescópio astrográfico utilizado em Sobral, publicada em 1979 [14], descartou o valor compatível com a Teoria Newtoniana e validou o resultado compatível com a TRG. Por outro lado, das 8 placas tiradas com a lente de 4 polegadas, 7 mostram 7 estrelas e a definição é muito boa. Elas são muito mais esperançosas para um possível resultado.” 21 21 Com as fotografias tiradas com o auxílio da lente de 4 polegadas foi obtido para a deflexão da luz o valor de 1,98 ± 0,18 segundos de arco (para um raio de luz passando na borda do Sol), validando a TRG.

3. Comentários Finais

Após revelarem as placas fotográficas obtidas durante o eclipse, Crommelin e Davidson seguiram no dia 07 de junho para Fortaleza, onde permaneceram até 09 de julho, quando retornaram para Sobral para realizar novas fotografias do mesmo campo de estrelas, sem a presença do Sol, na mesma angulação da ocasião do eclipse.

Os espelhos e os mecanismos de relojoaria foram desmontados dos celóstatos e guardados na casa onde haviam se hospedado, para evitar a exposição à poeira no período que estivessem ausentes de Sobral [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920).. O corpo dos celóstatos, assim como os telescópios foram deixados no mesmo local onde foram utilizados durante o eclipse [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920). (Fig. 6).

Figura 6
Tenda de Greenwich em Sobral, em foto registrada por Daniel Maynard Wise [15[15] L.C.B. Crispino e M.C. de Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 40, e1601(2018)., 16[16] L.C.B. Crispino, International Journal of Modern Physics D 27, 1843004(2018).] no dia 11 de junho de 1919, quando Crommelin e Davidson estavam em Fortaleza. Cortesia do Department of Terrestrial Magnetism, Carnegie Institution, Washington, Estados Unidos.

Após o retorno a Sobral e a remontagem dos celóstatos, os britânicos realizaram as fotos comparativas entre 11 e 18 de julho. Deixaram Sobral no dia 22 de julho, rumo a Camocim. De lá seguiram para Belém [7][7] L.C.B. Crispino e M.C. de Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e4203 (2016)., indo posteriormente à cidade de São Luís, no Maranhão, onde embarcaram no vapor Polycarp, rumo a Inglaterra. Chegaram de volta em Greenwich no dia 25 de agosto.

A análise das placas fotográficas obtidas em Sobral foi realizada em Greenwich, por Davidson, com o auxílio de Furner [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)., sob a supervisão do Astrônomo Real Frank Watson Dyson.

O resultado geral das expedições britânicas, confirmando a Teoria da Relatividade Geral, foi anunciado no dia 6 de novembro de 1919, durante uma reunião conjunta da Royal Society e da Royal Astronomical Society. O trabalho, contendo este resultado, foi assinado por Dyson, Eddington e Davidson, e publicado no periódico britânico intitulado Philosophical Transactions of the Royal Society of London[1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920).. 22 22 Uma possível explicação para Crommelin e Cottingham não figurarem entre os autores da Ref. [1] é o fato de eles não terem participado das medidas (das posições relativas das estrelas) realizadas nas placas fotográficas obtidas em Sobral e Príncipe, assim como da análise dos resultados.

Agradecimentos

Sou grato a Luiz Carlos dos Santos Leite, que visitou a Biblioteca da Universidade de Cambridge, obtendo as imagens do Caderno de Sobral, bem como outras imagens, que permitiram a realização deste artigo. Sou também grato a Daniel John Kennefick, da Universidade do Arkansas, nos Estados Unidos, por várias conversas sobre o conteúdo deste trabalho; e a Emma Saunders, da Biblioteca da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, pela troca de emails elucidativos sobre o Caderno de Sobral.

Registro também meus agradecimentos a (i) Adam Perkins e Domniki Papadimitriou, da Biblioteca da Universidade de Cambridge, no Reino Unido; (ii) Shaun J. Hardy, da Biblioteca do Laboratório de Geofísica da Instituição Carnegie, Washington, Estados Unidos da América; (iii) Thomas Ray, do Instituto de Estudos Avançados de Dublin, na Irlanda; (iv) Simone Maria Matos Moreira e Ranulfo Figueiredo Campos, da Biblioteca Pública do Pará, em Belém; (v) Emerson Ferreira de Almeida, do Museu do Eclipse de Sobral; (vi) Ângela Burlamaqui Klautau, Jorge Castiñeiras Rodríguez e Marcelo Costa de Lima, da Universidade Federal do Pará; e (vii) Gabriel Nunes Crispino e Mateus Klautau Felipe, estudantes da Universidade de São Paulo. Sou também grato à Universitat de València, Espanha, pela hospitalidade, durante a conclusão deste artigo. Agradeço o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Apêndice

  • 1
    Tradução do inglês para “Joint Permanent Eclipse Committee”.
  • 2
    No Apêndice é apresentada a versão original, em língua inglesa, destas anotações.
  • 3
    Crommelin e Davison ficaram hospedados na casa do Coronel Vicente Saboya (Fig. 4), em frente à pista de corrida de cavalos (Jockey Club) da cidade de Sobral.
  • 4
    Crommelin e Davison levaram para Sobral os seguintes equipamentos: (i) A lente de 13 polegadas do telescópio astrográfico de Greenwhich, utilizada com um redutor para 8 polegadas, que foi montada em um tubo cilíndrico de aço, acoplada a um celóstato de 16 polegadas; (ii) A lente fotográfica de 4 polegadas da Academia Real Irlandesa, que foi montada em um tubo de madeira de seção reta quadrada, acoplada a um celóstato de 8 polegadas, também pertencente à Academia Real Irlandesa (ver Fig. 5).
  • 5
    A distância focal da lente fotográfica de 4 polegadas, da Academia Real Irlandesa, é referida nas anotações do Caderno de Sobral como sendo 20 pés. Já na Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920). a esta lente de 4 polegadas é atibuída uma distância focal de 19 pés. Esta mesma lente de 4 polegadas, levada para a observação do eclipse total do Sol de 28 de abril de 1911, em Vavau, Ilhas Tonga, no Pacífico Sul, é descrita na Ref. [10][10] A.L. Cortie, Proceedings of the Royal Society of London A 87, 293(1912). como tendo uma distância focal de 20 pés. Esta lente de 4 polegadas foi fabricada para a Academia Real Irlandesa por Howard Grubb para o eclipse de 1900 e foi utilizada por Aloysius Laurence Cortie nas observações dos eclipses do Sol de 1905, 1911 e 1914 [11][11] A.L. Cortie, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 75, 105 (1915).. Esta lente de 4 polegadas, assim como o celóstato de 8 polegadas (identificado com o o número 4821), a ela associado, ambos da marca Grubb, fabricados em Dublin, na Irlanda, foram trazidos para exposição em Sobral, na ocasião do centenário do eclipse de 29 de maio de 1919.
  • 6
    Esta sentença refere-se à lente de 13 polegadas. A palavra “Astrographic” é utilizada nas anotações do Caderno de Sobral (por vezes escrita simplesmente como “Astro.”) essencialmente como referência ao telescópio montado com a lente de 13 polegadas, de Greenwhich.
  • 7
    Crommelin ficou encarregado de operar o telescópio de 4 polegadas, da Real Academia Irlandesa, para obter 8 placas fotográficas de 10 × 8 polegadas.
  • 8
    Os textos inseridos aqui em cor cinza clara correspondem a anotações feitas com lápis no Caderno de Sobral.
  • 9
    Nota-se nestas anotações o registro de um programa de exposições de 30 segundos para cada uma das 8 placas fotográficas com a lente de 4 polegadas. No entanto, na Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920). está registrado que estas placas fotográficas foram todas realizadas com exposições de 28 segundos.
  • 10
    Davidson ficou encarregado de operar o telescópio astrográfico com a lente de Greenwich de 13 polegadas, com redução para 8 polegadas, para obter 19 placas fotográficas de 16 × 16 cm.
  • 11
    De acordo com o que está registrado na Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)., os intervalos de exposição das placas fotográficas, alternados entre 5 e 10 segundos de duração, foram realizados conforme o programado.
  • 12
    As placas fotográficas utilizadas foram adquiridas dos fabricantes Ilford e Imperial. As placas levadas da marca Ilford foram Special Rapid e Empress, enquanto que as placas levadas da marca Imperial foram Special Sensitive, Sovereign e Ordinary[1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)..
  • 13
    Os “11,0 mm” referem-se à distância à origem de uma escala utilizada para determinar a posição do foco da lente.
  • 14
    As exceções foram as fotografias de número 1, 4 e 19, obtidas com o astrográfico 13 polegadas.
  • 15
    De acordo com a Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)., o celóstato de 16 polegadas tinha ajuste para quaisquer latitudes. Já o celóstato de 8 polegadas, que havia sido construído para ser operado no Hemisfério Norte, teve que ser montado sobre uma base de madeira, inclinada de um ângulo de cerca de 40 graus, que havia sido construída antes da saída de Greewnwich. Para o funcionamento correto em Sobral (Hemisfério Sul) o relógio teve que ser separado do celóstato, montado em uma base de madeira e então invertido. Esta operação foi realizada com bastante êxito, resultando em placas fotográficas com imagens bastante nítidas das estrelas ao redor do Sol eclipsado, apesar do tempo de exposição ter sido relativamente longo.
  • 16
    Uma reprodução muito próxima à versão em inglês deste trecho, encontra-se em uma nota de rodapé na página 309 da Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)..
  • 17
    Outra reprodução muito próxima à versão em inglês deste trecho, atribuída a Davidson, encontra-se na Ref. [12][12] F. Dyson e R.v.d.R. Wooley, Eclipses of the Sun and the Moon (The Clarendon Press, Oxford, 1937).. Esta atribuição é um forte indício de que estas anotações no Caderno de Sobral tenham sido realizadas por Davidson. É provável que tanto Davidson quanto Crommelin tenham escrito no Caderno de Sobral.
  • 18
    Ver Seção 3.
  • 19
    Uma reprodução muito próxima à versão em inglês de parte desta frase, encontra-se ao final da já referida nota de rodapé na página 309 da Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920)..
  • 20
    De acordo com o que Dyson registrou em 1921 [13][13] F. Dyson, Nature 106, 786 (1921)., se fosse assumida uma mudança de escala, então a deflexão calculada com as placas obtidas com o telescópio astrográfico seria de 0,90 segundos de arco (um resultado próximo daquele previsto pela Teoria Newtoniana); no entanto, se fosse assumido que não ocorreu uma mudança de foco, mas apenas um borrão nas imagens, o resultado seria de 1,56 segundos de arco (um resultado próximo daquele previsto com a TRG). A TRG prevê para a deflexão da luz o valor de 1,75 em segundos de arco. Já a Teoria Newtoniana (gravitação de Newton aliada à teoria corpuscular da luz) prevê uma deflexão da luz igual a metade deste valor, isto é, aproximadamente 0,87 segundos de arco. De qualquer forma, à época foi dada pouca importância às imagens obtidas com o telescópio astrográfico em Sobral, devido à baixa qualidade destas imagens. Uma reanálise das placas fotográficas obtidas com o telescópio astrográfico utilizado em Sobral, publicada em 1979 [14][14] G.M. Harvey, The Observatory 99, 195 (1979)., descartou o valor compatível com a Teoria Newtoniana e validou o resultado compatível com a TRG.
  • 21
    Com as fotografias tiradas com o auxílio da lente de 4 polegadas foi obtido para a deflexão da luz o valor de 1,98 ± 0,18 segundos de arco (para um raio de luz passando na borda do Sol), validando a TRG.
  • 22
    Uma possível explicação para Crommelin e Cottingham não figurarem entre os autores da Ref. [1][1] F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920). é o fato de eles não terem participado das medidas (das posições relativas das estrelas) realizadas nas placas fotográficas obtidas em Sobral e Príncipe, assim como da análise dos resultados.

Referências

  • [1]
    F. Dyson, A. Eddington e C. Davidson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 220, 291 (1920).
  • [2]
    L.C. Crispino e D.J. Kennefick, Nature Physics 15, 416 (2019).
  • [3]
    A.C.D. Crommelin, The Observatory 42, 368 (1919).
  • [4]
    O Proximo Eclipse Total do Sol, Estado do Pará, 20 de abril de 1919.
  • [5]
    M.C. de Lima e L.C.B. Crispino, International Journal of Modern Physics D 25, 1641002 (2016).
  • [6]
    L. C.B. Crispino e M.C. de Lima, Physics in Perspective 18, 379 (2016).
  • [7]
    L.C.B. Crispino e M.C. de Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e4203 (2016).
  • [8]
    A frota da Booth. Estado do Pará, 24 de março de 1919, p. 1.
  • [9]
    F. Dyson, Eclipse Expedition 1919 May 29 Sobral, disponível em https://janus.lib.cam.ac.uk/db/node.xsp?id=EAD\%2FGBR\%2F0180\%2FRGO\%208\%2F166
    » https://janus.lib.cam.ac.uk/db/node.xsp?id=EAD\%2FGBR\%2F0180\%2FRGO\%208\%2F166
  • [10]
    A.L. Cortie, Proceedings of the Royal Society of London A 87, 293(1912).
  • [11]
    A.L. Cortie, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 75, 105 (1915).
  • [12]
    F. Dyson e R.v.d.R. Wooley, Eclipses of the Sun and the Moon (The Clarendon Press, Oxford, 1937).
  • [13]
    F. Dyson, Nature 106, 786 (1921).
  • [14]
    G.M. Harvey, The Observatory 99, 195 (1979).
  • [15]
    L.C.B. Crispino e M.C. de Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 40, e1601(2018).
  • [16]
    L.C.B. Crispino, International Journal of Modern Physics D 27, 1843004(2018).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2019
  • Aceito
    11 Ago 2019
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