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Análise do movimento de projéteis na presença de forças dissipativas para o regime de altas velocidades

Projectile motion analysis in the presence of dissipative forces for the high speed regime

Resumos

Neste trabalho desenvolvemos as equações referentes ao movimento de uma esfera lisa na presença de forças de arrasto, no regime de altas velocidades, onde a força resistiva é proporcional ao quadrado de sua velocidade. Esse regime é comumente encontrado em várias situações do cotidiano em que objetos de toda natureza são arremessadas no ar. As equações que são estudadas nos cursos básicos de graduação desconsideram o arrasto do ar e, portanto, são equações idealizadas, não condizentes com a real natureza do movimento observado. Aqui, pretendemos auxiliar o leitor a viajar um pouco mais próximo da realidade e contemplar a complexidade de algumas equações quando tentamos modelar o mundo como de fato ele é. Esse assunto é de extrema importância para estudantes de graduação na área de engenharia aeroespacial e mecânica, pois é fundamental entender como as forças de arrasto afetam o comportamento dos objetos em movimento.

Palavras-chave:
Movimento de projétil; Equações de movimento; Força de arrasto


In this work, we developed the equations regarding the movement of a smooth sphere in the presence of drag forces, in the high-speed regime, where the resistive force is proportional to the square of its velocity. This regime is commonly found in various everyday situations in which objects of all kinds are thrown into the air. The equations studied in basic undergraduate courses disregard the drag of the air and, therefore, are idealized equations, not consistent with the actual nature of the observed movement. Here, we intend to assist the reader in traveling a bit closer to reality and contemplating the complexity of some equations when we try to model the world as it truly is. This subject is of extreme importance for undergraduate students in the field of aeronautical engineering and mechanics, as it is essential to understand how drag forces affect the behavior of objects in motion.

Keywords
Projectile motion; Equations of motion; Drag force


1. Introdução

Ao realizarmos qualquer atividade ao ar livre a qual envolva o emprego de uma certa velocidade, sentimos os efeitos da força resistiva do ar, a qual aumenta conforme aumentamos a velocidade. Ainda no século XVII, o inglês Issac Newton (1642–1727), em sua obra Principia, toma o auxílio de propriedades geométricas para apresentar seu método, capaz de descrever a resistência dos corpos ao movimento em meios como esse, homogêneos e sob regimes lineares e quadráticos das velocidades [1[1] I. Newton, Principia: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017), 1 ed.].

Entretanto, não é difícil encontrar livros universitários com análises físicas de fenômenos em que forças resistivas sejam desconsideradas; nesses casos é tomada a situação ideal na qual teoricamente a força de resistência do ar pode ser desprezada [2[2] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física (LTC editora, Rio de Janeiro, 2012), v. 1, 9 ed.,3[3] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1 – Mecânica (Editora Edgard Blucher Ltda, São Paulo, 2013), 5 ed.,4[4] H.D Young e R.A. Freedman, Física I – Mecânica (Pearson, São Paulo, 2016), 14 ed.]. Para muitas situações tal simplificação é eficaz, uma vez que no regime de baixas velocidades a força de arrasto do ar não possui grande magnitude. Entretanto, para valores mais elevados de velocidade, a força de arrasto do ar pode ser bastante elevada, e tal simplificação resulta em desvios consideráveis na análise do fenômeno.

É natural que forças resistivas tenham dependência direta com o regime de velocidade considerado, pois esses regimes são bem caracterizados por um parâmetro conhecido como número de Reynolds [5[5] L.D. Landau e E.M. Lifshitz, Fluid Mechanics (Butterworth-Heiemann, Oxford, 1987)., 6[6] R.W. Fox e A.L. Macdonald, Introduction to Fluid Mechanics (John Wiley & Sons, Inc., New York, 1978), 2 ed.], o qual é definido para uma esfera lisa de raio r como

(1) R e = 2 r ρ v η ,

em que ρ=1,224kgm-3 e η=1,83×10-5kgm-1s-1 representam a densidade e a viscosidade do ar ao nível do mar, respectivamente. Esse parâmetro é uma medida da razão entre as forças inerciais e viscosas que atuam sobre o objeto em movimento no fluido e pode ser relacionado com o coeficiente de arrasto, CA, segundo a fórmula de Stokes para o regime de baixas velocidades [7[7] C.E. Aguiar e G. Rubini, Revista Brasileira de Ensino de Fisica 26, 297 (2004).]

(2) C A = 24 R e .

Neste caso a força de arrasto é proporcional à velocidade e concorda muito bem com os dados obtidos para valores do número de Reynolds até aproximadamente 1, como mostrado pela linha tracejada no gráfico da Figura 1. No entanto, esse regime de baixas velocidades tem interesse bastante reduzido para situações cotidianas. Podemos visualizar melhor esse fato analisando o caso simples de uma esfera lisa de aproximadamente 20 cm de diâmetro, onde a fórmula de Reynolds prevê, no regime da força de arrasto linear com a velocidade, valores até aproximadamente 0,1mm/s para a velocidade da esfera. Portanto, esse exemplo mostra que apesar de sua validade para baixas velocidades (0,01mm/s<v<0,1mm/s) e de ser amplamente estudado em muitos livros didáticos, nesse regime não há muitas situações práticas. Dessa forma, concluímos que a grande maioria dos fenômenos de interesse acontence no regime de velocidades onde o coeficiente de arrasto é proporcional ao quadrado da velocidade [7[7] C.E. Aguiar e G. Rubini, Revista Brasileira de Ensino de Fisica 26, 297 (2004)., 8[8] F. Pascoal, E.A. Castro e F.S.S. Rosa, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 2301 (2011).]. Nesse regime, um sólido movendo-se através de um fluido sofrerá, sobre a área de interação A perpendicular ao fluxo, uma força de arrasto imposta pelo fluido sobre ele e descrita pela equação

(3) F a r = - 1 2 C A ρ A v 2 v ^ .

Figura 1
Coeficiente de arrasto em funcão do número de Reynolds. A linha tracejada representa valores obtidos a partir da fórmula de Stokes para o limite de baixas velocidades, enquanto que a linha sólida é o resultado de medidas realizadas em túneis de vento [7[7] C.E. Aguiar e G. Rubini, Revista Brasileira de Ensino de Fisica 26, 297 (2004).].

O coeficiente de arrasto, CA, é uma grandeza adimensional que depende da viscosidade e densidade do fluido, assim como da forma e velocidade do corpo em movimento através do fluido [8[8] F. Pascoal, E.A. Castro e F.S.S. Rosa, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 2301 (2011).]. Portanto, faz-se necessário um tratamento mais detalhado de tal regime, levando em consideração as equações para a força resistiva total que atua sobre o objeto, proporcionais ao quadrado da velocidade. Essas forças atuam tanto na direção horizontal quanto vertical, sempre opostas ao movimento, porém, uma análise mais cuidadosa é necessária para a direção vertical, uma vez que é observado uma alternância no sentido da força resistiva no ponto máximo da trajetória do objeto. Nesse sentido, nossa abordagem é complementar ao realizado por Wilson et al. [9[9] W.H.C. Freire, M.L. Medeiros, D. Leite e R.M. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Fisica 38, 1306 (2016).] em que demonstram as equações e a forma da trajetória para o regime onde a força de arrasto é proporcional à velocidade.

Aqui faz-se necessário uma observação sobre o número de Reynolds. Ele é aproximadamente constante em uma grande faixa de valores entre 103-5, mantendo-se praticamente constante em torno de 0,5. Esse intervalo está, consequentemente, dentro do regime em que a força resistiva é proporcional ao quadrado da velocidade. A partir de aproximadamente 3×105 o número de Reynolds sofre uma queda abrupta, reduzindo seu valor por um fator de 5. Essa queda drástica evidencia o que é chamado de crise do arrasto [7[7] C.E. Aguiar e G. Rubini, Revista Brasileira de Ensino de Fisica 26, 297 (2004).].

Propomos, assim, mostrar o rigor descritivo atual para a obtenção e análise das equações horárias para o movimento de um corpo que se movimenta em um meio homogêneo (o ar) sob um regime de velocidade quadrática. Incluímos nisso a tarefa de apresentar como as posições e as velocidades se relacionam com as taxas de variação no tempo de realização do movimento e como devem estar decompostas essas grandezas nos eixos orientados, assim como representar a equação da trajetória do objeto que realiza um movimento oblíquo na presença de forças resistivas. Nossas contribuições seguem-se também nas discussões e conclusões principais do conteúdo que permeia a fundamentação teórica desta descrição.

2. Equações do Movimento

Para enfatizarmos os efeitos da força de arrasto (oposta a velocidade do objeto), devemos ter o centro de massa do corpo alinhado com seu centro de pressão, pois de outro modo torques próximos ao centro de massa fariam com que o corpo rotacionasse, dando origem à forças advindas do efeito Magnus [10[10] L.W. Alaways, Aerodynamics of the Curve-Ball: An Investigation of the Effects of Angular Velocity on Baseball Trajectories. Doctoral Thesis, University of California Davis, California (1998).]. Além disso, o vetor velocidade do objeto poderia ser tal a fazer um ângulo em relação ao seu eixo de simetria. Para evitarmos essas dificuldades, consideraremos que o objeto analisado seja uma esfera, pois devido sua simetria em todas as direções, tais objetos não possuem pontos preferenciais para se mover, portanto suas propriedades de movimento, como a inércia e a distribuição de massa, são as mesmas em qualquer direção, simplificando assim a aplicação de leis físicas. Além disso, a ausência de arestas ou protuberâncias reduz as forças de resistência que atuam sobre ele durante o movimento, isso ocorre porque um objeto esférico apresenta uma área de superfície mínima em relação ao seu volume, resultando em uma menor interação com o meio ambiente.

2.1. Equações horárias para o eixo horizontal

Analisando as forças horizontais que atuam sobre o objeto, chegamos à conclusão que a força de arrasto, denominada Far,x, é a única que atua nessa direção, de modo que a força resultante nesse eixo é

(4) F R , x = - b v x 2 ,

onde b=ρACA/2. A lei fundamental da dinâmica, assim, implica que [2[2] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física (LTC editora, Rio de Janeiro, 2012), v. 1, 9 ed., 3[3] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1 – Mecânica (Editora Edgard Blucher Ltda, São Paulo, 2013), 5 ed.]

(5) - b v x 2 = m d v x d t .

Resolvendo essa equação diferencial de primeira ordem pelo método de separação de variáveis, encontra-se que a velocidade do objeto ao longo do eixo x é descrita em função da condição inicial vx(t=0)=v0x através da relação

(6) v x ( t ) = m v 0 x b v 0 x t + m .

Este resultado mostra a primeira diferença nas equações da cinemática para objetos movendo-se sob a ação de forças dissipativas: a dependência com a massa do objeto e com as propriedades intrínsecas do meio. Operacionalmente, a equação horária do movimento na coordenada x é obtida a partir da equação (6), que sob a condição inicial de referência x(0)=0, terá a forma

(7) 0 x d x = 0 t m v 0 x b v 0 x t + m d t ,

cuja solução é a função

(8) x ( t ) = m b ln | 1 + b v o x m t | .

O fator m/b e o logaritmo natural dessa expressão explicitam a influência do arrasto do ar sobre o objeto que experimenta o lançamento oblíquo. Em particular, a função logarítmica impõe o valor limite para a coordenada x da evolução do movimento do objeto à medida que o tempo transcorre. Note que ao expandir a Equação (8) em série de Taylor para checarmos o comportamento no regime de baixos valores do coeficiente de arrasto, em torno de t=0 obtém-se

(9) x ( t ) = m b ( b v o x m t - b 2 v o x 2 2 m 2 t 2 + b 3 v o x 3 3 m 3 t 3 + ) .

No limite em que as forças resistivas são muito pequenas (b<<1) os termos de segunda ordem ou superiores tornam-se insignificantes e podem ser desprezados, de modo que a equação (9) se reduz à

(10) x ( t ) m b ( b v o x m t ) = v o x t ,

que é a representação para este movimento na ausência de forças resistivas.

2.2. Equações horárias para o eixo vertical

Como mencionado anteriormente, o eixo vertical necessita de uma análise mais criteriosa em relação às forças resistivas atuantes sobre o objeto nessa direção. Apesar de existirem as atuações das forças gravitacional, P=mgj^, e de arrasto, Far,y, haverá uma inversão no sentido desta última na altura máxima da trajetória. Ao nos referenciarmos a essa altura, usaremos a representação tm. Isso se faz necessário uma vez que a força resultante será uma função sentença da forma

(11) F R , y = { - P - F a r , y , s e t < t m - P + F a r , y , s e t > t m .

Semelhante ao que foi feito para o eixo horizontal, podemos analisar cada uma dessas situações separadamente. A primeira parte da trajetória refere-se a todos os instantes em que t<tm, desde o lançamento até a altura máxima. Com base na dinâmica newtoniana, a primeira parte do movimento no eixo y fica

(12) - m g - b v y 2 = m d v y d t .

A resolução desta equação diferencial não-linear em vy pode ser efetuada reescrevendo os termos contendo velocidade e tempo separadamente e integrando em ambos os lados. Tomando as condições iniciais com vy(0)=v0y, segue-se que

(13) - b m 0 t d t = v o y v y d v y v y 2 + c 2 ,

em que a constante c2=mg/b é útil para compactar a representação. Uma substituição trigonométrica adequada leva a solução dessa integral como sendo da forma

(14) v y ( t ) = v o y - c tg ( ω t ) 1 + v o y c tg ( ω t ) ,

onde mais uma vez utilizamos uma substituição, tal que ω=bc/m.

A determinação da equação horária da posição y(t) no intervalo t<tm segue o mesmo raciocínio utilizado acima. Com alguns ajustes e a condição inicial y(0)=0, chega-se a

(15) 0 y d y = 0 t ( v o y - c tg ( ω t ) 1 + v o y c tg ( ω t ) ) d t .

A partir deste ponto as integrações necessárias para a determinação das equações horárias da posição tornam-se complexas de serem resolvidas por técnicas simples, portanto, utilizamos uma ferramenta computacional para este fim; o software Wolfram Mathematica, especializado em construção de gráficos e realização de cálculos complexos, foi útil nesse momento [11[11] C. Stover e Weisstein E. W., Integral, available in: https://mathworld.wolfram.com/Integral.html, accessed in: 29/05/2023.
https://mathworld.wolfram.com/Integral.h...
]. O resultado da integral em (15) é portanto

(16) y ( t ) = m b { ln [ c c o s ( ω t ) + v 0 y s e n ( ω t ) ] - ln ( c ) } .

Agora, segue-se a segunda parte da anállise da trajetória, ou seja, a determinação de y(t) no intervalo t>tm. Para isso, usaremos como condição inicial v0y=vm=0 para t0=tm. Dessa forma, a equação (11) fica

(17) b m t m t d t = 0 v y d v y v y 2 - c 2 ,

cuja solução, obtida a partir de uma substituição trigométrica adequada, tem a forma

(18) v y ( t ) = c t g h [ - ω ( t - t m ) ] .

As equações (14) e (18) juntas descrevem a velocidade no eixo y em função do tempo e a forma hiperbólica deste resultado é assintótica no limite t.

A equação (18) pode agora ser integrada em relação ao tempo para determinarmos a equação horária y(t) na segunda parte do movimento. Para isso, usamos a condição inicial y(tm)=ym, ou seja, o ínicio desta análise refere-se ao ponto de máximo da coordenada y, resultando em

(19) y m y d y = t m t c t g h [ - ω ( t - t m ) ] d t .

Como mostra a equação (20), a solução desta integral é expressa em termos de uma função logarítmica de argumento hiperbólico. Essa complicada relação de dependência para a coordenada y resultará em um comportamento suave da curva y(t) para t>tm, descrito pela expressão

(20) y ( t ) = y m + m b ln { cosh [ - ω ( t - t m ) ] } .

2.3. Equação da trajetória

A trajetória y(x) do objeto com a contribuição das forças de arrasto é encontrada a partir da substituição do tempo nas equações (16) e (20). Com o auxílio da equação (8), chegamos ao tempo

(21) t = ( m b v o x ) ( e b x m - 1 ) .

Em particular, encontraremos uma função particionada em dois intervalos bem definidos do tempo em que essas forças atuam. A substituição da expressão (21) na equação (16) descreve a trajetória no intervalo t<tm e tem a forma

(22) y ( x ) = m b { ln [ c · c o s ( c v 0 x ( e b x m 1 ) ) + v o y · s e n ( c v 0 x ( e b x m 1 ) ) ] ln ( c ) },

e a descrição da segunda parte da trajetória (t>tm) é obtida com a substituição do tempo (21) na equação (20), para assim encontrar

(23) y ( x ) = y m - m b ln { cosh [ c v 0 x ( e b x m - 1 ) - ω t m ] } .

Essas são as equações que descrevem por completo o movimento do objeto na presença de forças dissipativas. Com elas chegamos aos resultados que discutiremos a seguir.

3. Resultados

As equações encontradas possibilitam simular diversas situações envolvendo o lançamento de objetos na presença de forças de arrasto. Nesta seção discutimos os resultados obtidos para o movimento de três esferas de mesma massa m=350g, porém, com dimensão radial r diferindo-as entre si. Nesse sentido, propomos discutir o movimento realizado por corpos com r=2,0cm, r=6,3cm e r=20,0cm, o que resulta em uma proporção de suas áreas transversais de 1:10:100, respectivamente. Uma seleção de esferas como essa nos possibilita discutir o comportamento do movimento em três diferentes regimes de intensidade de arrasto (baixo, médio e alto) através da comparação com o caso teórico em que a presença de forças dissipativas é negligenciada. Os valores das constantes que aparecem nas equações foram determinados a partir das definições apresentadas nas seções precedentes, o que resulta nossos cálculos levarem em consideração os valores da Tabela 1.

Tabela 1
Valores dos coeficientes b, c e ω para três esferas de tamanhos diferentes resultando em diferentes regimes de intensidade de arrasto: baixo, médio e alto.

Uma força de arrasto atuando sobre uma esfera em movimento através do ar tende a reduzir sua velocidade, pois ela atua antiparalelamente à velocidade da esfera e se deve a resistência interna dos constituintes moleculares do ar ao movimento relativo deste com a esfera. Para enfatizar os efeitos de forças resistivas sobre o objeto, supomos um lançamento com velocidade inicial de 42,4m/s, dentro do regime de resistência proporcional à v2 (ver [12[12] Marion J.B. e Thornton S.T., Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2003), 5 ed.], p. 59). Em um lançamento à 45, isso equivale a considerarmos v0x=v0y=30m/s. O movimento oblíquo das esferas visto a partir da trajetória y(x) mostra que a forma do gráfico dessa função é sensível à presença de forças dissipativas, como ilustrado na Figura 2.

Figura 2
Trajetórias realizadas por três esferas lisas, de mesma massa e diferentes tamanhos na presença de forças resistivas. A linha sólida representa o caso ideal (parabólico).

Em particular, as esferas média e grande utilizadas nesta análise apresentam valores da velocidade de lançamento da ordem da velocidade terminal (valores do coeficiente c na nossa notação). Nesses casos, as curvas tendem a diferir do padrão parabólico (especialmente a partir da segunda parte do movimento) encontrado nos estudos do movimento de projéteis em que essas forças são negligenciadas (linha sólida) e o tratamento da trajetória y(x) como uma função de duas sentenças descrito aqui é fundamental para compreendermos como isso acontece. Para mostrarmos isso, tomemos o auxílio das equações (22) e (23) através da curva dessas funções particionadas da trajetória mostrada na Figura 2.

Pela representação da trajetória das esferas é possível observar a forma das curvas descritas, bem como seus respectivos alcances. A diferença nas trajetórias seguidas pelas esferas é notável, ainda mais quando se observa o achatamento sofrido pela trajetória da esfera maior, chegando somente a cerca de 20% do alcance obtido pela esfera menor, de modo que objetos grandes (e pouco massivos) ao serem arremessados tendem a sofrer mais intensamente a ação das forças resistivas.

A variação na velocidade da esfera a partir do ponto mais alto da trajetória, Δvdesc, é menor que Δvsub na primeira parte do movimento e, portanto, a esfera apresenta uma aceleração menor durante sua queda (Figura 3).

Figura 3
Comportamento do componente horizontal da velocidade de esferas na presença de forças resistivas.

Em particular, note que ao descer, após a altura máxima, a esfera maior experimenta um arrasto de tal forma que vyvt=cte, como destacado pelo comportamento assintótico próximo a velocidade limite vy=13,1m/s (linha ponto-tracejada). Esse comportamento ocorre quando a força de resistência do ar (que agora é oposta à força gravitacional) se iguala à força peso do objeto, ocasionando assim uma força resultante nula. A inclinação das curvas nas Figuras3 e 4 nos possibilita observar que, imediatamente após o lançamento, a aceleração na direção y é maior que a aceleração na direção x para todas as esferas, isso ocorre devido à ação da força gravitacional no mesmo sentido que a força de arrasto, o que resulta em um efeito retardativo mais intenso na vertical. Note que, quanto maior o raio, menor é o tempo em que a velocidade vy da esfera se anula.

Figura 4
Comportamento do componente vertical da velocidade de esferas na presença de forças resistivas.

Isso implica o fato de que as esferas que estão sujeitas ao arrasto chegam à altura máxima em um intervalo de tempo menor do que aquele para retornar a mesma altura do lançamento, como mostrado na Figura 5. Consequentemente, o alcance dessas esferas ocorre em um intervalo de tempo também menor (Figura 6).

Figura 5
Posição y em função do tempo do movimento de esferas na presença do arrasto. Para comparação, o caso ideal (parábola) é representado pela linha sólida.
Figura 6
Posição x em função do tempo do movimento de esferas na presença do arrasto. Para comparação, o caso ideal é representado pela linha sólida.

A posição x(t), disposta com a auxílio da equação (8), é outra função temporal que consegue mostrar que a esfera menor se correlaciona muito bem às situações não resistivas nos primeiros instantes do movimento. O movimento das esferas nessa coordenada mostra que enquanto a velocidade tem uma queda abrupta para os regimes severos de arrasto, o deslocamento horizontal se afasta do caso ideal de modo mais suave, o que se deve ao fato de que ao sofrerem arrasto, os corpos perdem velocidade gradativamente e suas posições avançam cada vez mais lentamente até que, finalmente, atingem o alcance máximo.

Como o componente horizontal da velocidade decresce continuamente (Figura4), ao descer, essas esferas percorrem uma distância nessa direção menor do que aquela do momento de subida, ou seja, a trajetória y(x) será mais inclinada na descida (Figura 2), porém, são mais lentas nesse lado do movimento (Figuras3 e 4).

4. Conclusões

Neste trabalho realizamos uma discussão sobre o lançamento de objetos na presença de forças de arrasto. Detalhamos como essas forças afetam a trajetória e exercem influência sobre a velocidade do objeto lançado. Nossa descrição mostra como essas forças podem ser calculadas, interpretadas e analisadas a partir de funções particionadas em relação ao tempo. Ao analisarmos o movimento oblíquo de esferas, mostramos que a forma da trajetória é sensívEquações do movimentoel a presença da resistência do ar. Isso significa que a força de arrasto, nesse caso, reduz o tempo e a magnitude dos componentes da velocidade e, consequentemente, o alcance e a altura máxima das esferas. Esse estudo é importante pois é a partir das principais características da atuação do arrasto sobre os objetos que conhecemos e buscamos minimizar o efeito de forças resistivas no lançamento, daí utilizarmos, por exemplo, objetos com maior massa e pequena área transversal. Buscamos apresentar uma descrição didática que proporcionasse a compreensão da física envolvida no lançamento de objetos que experimentam a força de arrasto em regimes de movimento proporcionais a v2, de maneira a ser útil como referência para estudantes e pesquisadores interessados na área de aerodinâmica, pois este material fornece uma base sólida do tema abordado. Esperamos que nossas análises possam trazer discussões frutíferas e incentivar o leitor cada vez mais a entender o mundo físico em sua forma mais extraordinária.

Referências

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    I. Newton, Principia: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017), 1 ed.
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    C. Stover e Weisstein E. W., Integral, available in: https://mathworld.wolfram.com/Integral.html, accessed in: 29/05/2023.
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  • [12]
    Marion J.B. e Thornton S.T., Classical Dynamics of Particles and Systems (Cengage Learning, Boston, 2003), 5 ed.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2023
  • Revisado
    29 Maio 2023
  • Aceito
    31 Maio 2023
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