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Efeitos de diferentes intensidades de exercício sobre a concentração sérica de interleucinas

Effects of different exercise intensities on serum interleukins levels

Resumos

O presente estudo teve como objetivo analisar os efeitos agudos e de curta duração de duas intensidades de exercício aeróbio sobre a concentração circulante de IL-6 e IL-10. Quinze homens jovens fisicamente ativos (21,0 ± 1,9 anos) foram submetidos a duas sessões de exercício (“crossover”): alta intensidade de exercício (AIE)- (80% VO2pico), e baixa intensidade de exercício (BIE)- (40% VO2pico), com intervalo de sete dias (“Wash out”). Amostras de sangue foram coletadas em tubos com EDTA, antes do exercício (basal), imediatamente após o exercício (agudo) e após 2 h de recuperação passiva. As concentrações séricas de IL-6 e IL-10 foram determinadas com a utilização de kits comerciais de ELISA. Os resultados demonstraram elevação aguda da IL- 6, em resposta ao AIE em relação ao BIE (p < 0,05), enquanto que a IL-10 apresentou maior redução sistêmica aguda para BIE em comparação a AIE (p < 0,05). Não houve diferença na variação das citocinas após 2 h do término do exercício. Conclui-se que ambas as sessões agudas de exercício são capazes de modular a concentração circulante destas citocinas, e que a magnitude das alterações são dependentes da intensidade do esforço.

Exercício aeróbio; Inflamação; Citocinas; Homens jovens


The aim of this study was to analyze the acute and short-term effects of high and low exercise intensities on IL-6 and IL-10. Fifteen young healthy physically active males (21.0 ± 1.9 yrs) were submitted to 2 experimental trials (cross-over) with a 7-dais wash-out: high exercise intensity (80% VO2peak) and low exercise intensity (40% VO2peak) session. Blood samples were collected before exercise (baseline), immediately after exercise (acute), and two hours after the end of the exercise session (2 h). IL-6 and IL-10 circulating levels were determinate by ELISA. The results demonstrated an acute increase in IL-6 levels after high intensity compared to low intensity exercise (p < 0.05), however, IL-10 presented an acute decrease in response to low intensity exercise (p < 0.05). No effects were observed after 2 h of recovery from the session. Thus we conclude that acute exercise sessions are able to modulate the circulating levels of the studies cytokines, and the magnitudes of these changes are dependent of the exercise intensity.

Aerobic exercise; Inflammation; Cytokines; Young men


Introdução

Um estado de inflamação crônico, caracterizado pelo aumento na concentração sistêmica de algumas citocinas e proteína de fase aguda com concomitante redução da contagem de neutrófilos e células “natural killer” (NK)1Petersen AM, Pedersen BK. The anti-inflammatory effect of exercise. J Appl Physiol. 2005;98:1154-62.-2.Mathur N, Pedersen BK. Exercise as a mean to control low-grade systemic inflammation. Mediators Inflamm. 2008;2008:109502., é um fator chave para o desenvolvimento de algumas condições patológicas3De Rooij SR, Nijpelsg G, Nilsson PM, et al. Low-grade chronic inflammation in the relationship between insulin sensitivity and cardiovascular disease (RISC) population: associations with insulin resistance and cardiometabolic risk profile. Diabetes Care. 2009;32:1295-301., tais como a resistência à insulina4Dandona P, Aljada A, Bandyopadhyay A. Inflammation: the link between insulin resistance, obesity and diabetes. Trends Immunol. 2004;25:4-7.-5Herder C, Schneitler S, Rathmann W, et al. Low-grade inflammation, obesity, and insulin resistance in adolescents. J Clin Endocrinol Metab. 2007;92:4569-74. e aterosclerose6Libby P. Inflammation in atherosclerosis. Nature. 2002;420:868-74..

Por estarem envolvidas em diversas funções como angiogênese, lipólise, controle do metabolismo da glicose e regulação de processos inflamatórios, citocinas como a interleucina 10 (IL-10) e a interleucina 6 (IL-6) têm recebido especial atenção por parte de diversos grupos de pesquisa7Pedersen BK, Steensberg A, Keller P, et al. Muscle-derived interleukin-6: lipolytic, anti-inflammatory and immune regulatory effects. Pflugers Arch. 2003;446:9-16.-8Ilie IR, Pepene CE, Duncea I, Ilie R. Vascular abnormalities and low-grade inflammation in women with polycystic ovary syndrome: relationships with insulin resistance, obesity and hyperandrogenemia. Central Eur J Med. 2008;3:257-70.. O balanço entre a concentração circulante de citocinas pró e antiinflamatórias, é considerado, um importante meio de controle da inflamação crônica, estando condicionada a regulação por parte de fatores genéticos (polimorfismos) e ao estilo de vida9Libra M, Signorelli SS, Bevelacqua Y, et al. Analysis of G(-174)C IL-6 polymorphism and plasma concentrations of inflammatory markers in patients with type 2 diabetes and peripheral arterial disease. J Clin Pathol. 2006;59:211-5..

Dentre os fatores modificáveis, o exercício físico ocupa um lugar de destaque, pois oferece proteção contra algumas das principais causas de morte na vida adulta, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer de cólon e de mama2.Mathur N, Pedersen BK. Exercise as a mean to control low-grade systemic inflammation. Mediators Inflamm. 2008;2008:109502.,1010 Bruungaard H. Physical activity and modulation of systemic low-level inflammation. J Leuk Biol. 2005;78:819-35..

O efeito crônico do exercício físico sobre os processos inflamatórios é reflexo do somatório de diversas ações antiinflamatórias promovidas pelas sessões de exercícios (efeito agudo)1Petersen AM, Pedersen BK. The anti-inflammatory effect of exercise. J Appl Physiol. 2005;98:1154-62.. Classicamente, acredita-se que em resposta ao esforço físico, ocorram incrementos na produção da IL-6, com consequente disparo de uma cascata antiinflamatória, efetivada pela elevação nos níveis circulantes de IL-10, do receptor antagonista da interleucina - 1 (IL-1ra) e do receptor solúvel do fator de necrose tumoral (sTNFr), com concomitante redução de fatores pró-inflamatórios1111 Goebel MU, Mills PJ, Irwin MR, Ziegler MG. Interleukin-6 and tumor necrosis factor-alpha production after acute psychological stress, exercise, and infused isoproterenol: differential effects and pathways. Psychosom Med. 2000;62:591-8.

12 Nemet D, Oh Y, Kim HS, Hill M, Cooper DM. Effect of intense exercise on inflammatory cytokines and growth mediators in adolescent boys. Pediatrics. 2002;110:681-9.
-1313 Keller C, Steensberg A, Hansen AK, Fischer CP, Plomgaard P, Pedersen BK. Effect of exercise, training, and glycogen availability on IL-6 receptor expression in human skeletal muscle. J Appl Physiol. 2005;99:2075-9..

Diversos estudos ressaltam que fatores individuais podem interferir na magnitude da variação das citocinas em resposta ao esforço físico, entre eles podemos citar, a aptidão física1414 Nieman DC, Henson DA, McAnulty SR, et al. Influence of vitamin C supplementation on oxidative and immune changes after an ultramarathon. J Appl Physiol. 2002;92:1970-7.-1515 Cox AJ, Pyne DB, Cox GR, Callister R, Gleeson M. Pre-exercise carbohydrate status influences carbohydrate-mediated attenuation of post-exercise cytokine responses. Int J Sports Med. 2008;29:1003-9., o método de exercício1616 Nieman D, Henson D, Gojanovich G, et al. Immune changes: 2 h of continuous vs. intermittent cycling. Int J Sports Med. 2007;28:625-30., a duração da atividade1717 Moldoveanu AI, Shephard RJ, Shek PN. Exercise elevates plasma levels but not gene expression of IL-1beta, IL-6, and TNF-alpha in blood mononuclear cells. J Appl Physiol. 2000;89:1499-504., a idade1818 Timmons BW, Tarnopolsky MA, Snider DP, Bar-Or O. Immunological changes in response to exercise: influence of age, puberty, and gender. Med Sci Sports Exerc. 2006;38:293-304. e gênero1919 Edwards KM, Burns VE, Ring C, Caroll D. Individual differences in the interleukin-6 response to maximal and submaximal exercise tasks. J Sports Sci. 2006;24:855-62. dos indivíduos.

No entanto, os efeitos da intensidade do exercício em sessões de curta duração, próximas das realizadas por grande parte das pessoas, ainda não estão totalmente elucidados, existindo apenas poucas evidências em modelos animais2020 Prestes J, de Ferreira CK, Dias R, et al. Lymphocyte and cytokines after short periods of exercise. Int J Sports Med. 2008;29:1010-4.; em seres humanos os resultados são contraditórios e de difícil comparação, visto terem sido desenvolvidos com mulheres sedentárias2121 Giraldo E, Garcia JJ, Hinchado MD, Ortega E. Exercise intensity-dependent changes in the inflammatory response in sedentary women: role of neuroendocrine parameters in the neutrophil phagocytic process and the pro-/anti-inflammatory cytokine balance. Neuroimmunomodulation. 2009;16:237-44., homens com sobrepeso2222 Mendhan AE, Donges CE, Liberts EA, Duffield R. Effects of mode and intensity on the acute exercise-induced IL-6 and CRP responses in a sedentary, overweight population. Eur J Appl Physiol. 2011;111:1035-45., homens ativos2323 Scott JP, Sale C, Greeves JP, Casey A, Dutton J, Froser WD. Cytokine response to acute running in recreationally-active and endurance-trained men. Eur J Appl Physiol. 2013;113:1871-82. e em triatletas2424 Sim M, Dawson B, Londers G, et al. Effect of exercise modality and intensity on post-exercise interleukin-6 and hepcidin levels. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2013;23:178-86.. Além disso, tais estudos prévios, não equipararam o gasto energético entre as sessões de exercício, o que pode interferir no desfecho da concentração circulante de citocinas. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi analisar os efeitos agudos de diferentes intensidades de exercício aeróbio sobre a concentração circulante de interleucina 6 e 10 em jovens fisicamente ativos.

Método

Sujeitos

Participaram do estudo, 20 homens adultos jovens, saudáveis, eutróficos (18,5 <IMC < 24,9 kg/m2), fisicamente ativos e com idade entre 18 e 25 anos, que se voluntariaram após leitura de cartazes/convite distribuídos pelo campus universitário. Os critérios de exclusão foram consumo crônico de álcool e fumo, uso de suplementos alimentares, presença de doença metabólica ou endócrina, e uso de medicamentos com ação antiinflamatória. O estudo foi previamente aprovado pelo comitê de ética em pesquisa em seres humanos da Universidade de Pernambuco (#154/08). Todos os voluntários assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Desenho experimental

Este estudo caracteriza-se como quase experimental do tipo “crossover” (cruzado). Após realizarem teste para determinação do consumo pico de oxigênio (VO2pico), os sujeitos foram submetidos a duas sessões experimentais separadas por sete dias (“wash out”). Sessão 1 - Baixa intensidade de exercício (BIE), os sujeitos exercitaram-se em esteira rolante em intensidade correspondente a 40%VO2pico; Sessão 2 - Alta intensidade de exercício (AIE), os sujeitos exercitaram-se em esteira rolante em intensidade correspondente a 80% VO2pico. Em todas as sessões o dispêndio energético foi fixado em 350 kcal, estimado por calorimetria indireta por meio de análise direta de gases.

Durante a primeira visita ao laboratório, foram realizadas as medidas antropométricas, de composição corporal e determinação do VO2pico. Nas demais visitas, após jejum noturno (12 horas), os participantes chegaram ao laboratório por volta das 7:00 h da manhã, foram imediatamente pesados e se alimentaram com um lanche padrão (350 kcal - de 61,7% carboidratos, 13,44% proteínas e 24,86% lipídios). Por volta das 7:30 h da manhã, iniciaram as sessões experimentais. Após as sessões, os participantes permaneceram sentados em repouso por 2 h (FIGURA 1). Todas as sessões foram conduzidas em uma sala com temperatura controlada (21-23 ºC) em ordem aleatorizada e contrabalanceada, no mesmo horário do dia, a fim de evitar variações circadianas. Os sujeitos foram orientados a absterem-se de exercícios 48 h antes da realização dos procedimentos e foram questionados quanto as suas condições de saúde na chegada ao laboratório.

FIGURA 1
Desenho experimental.

Medidas antropométricas e de composição corporal

Os sujeitos foram pesados descalços, trajando roupas leves em uma balança mecânica Filizola (Modelo 160/300, Brazil) com precisão de 0,1 kg e a estatura foi mensurada com um estadiômetro Filizola (Modelo 160/300, Brazil) com precisão de 0,5 cm. A composição corporal foi estimada com uso de aparelho de impedância bioelétrica (Byodinamics A-310 body composition analyzing), seguindo-se todas as recomendações do fabricante.

Consumo de oxigênio

O consumo de oxigênio (VO2) foi mensurado diretamente em teste contínuo e incremental com inclinação constante de 1% e velocidade inicial de 5 km/h (durante quatro minutos) com incrementos de 1km/h a cada minuto, em esteira ergométrica (Inbrasport Super ATL). Os critérios estabelecidos para interrupção do teste foram: fadiga voluntária, percepção subjetiva de esforço superior a 18 (Escala de Borg) e razão de troca respiratória superior a 1,15. O maior consumo de oxigênio (VO2) obtido antes da interrupção do teste foi considerado como VO2pico. O VO2 e a produção de dióxido de carbono (VCO2) foram analisados a cada 15 segundos usando um circuito aberto, “respiratory metabolic system” (Cortex Biophysik Metalyzer IIB, Germany). O sistema foi calibrado para volume (seringa de calibração de volume- 3L Cardioequipo, Brasil), pressão atmosférica (Barômetro- Barigo, Alemanha) e concentração de gases (cilindro de gás - Withe Martins, Brasil) em cada teste realizado, seguindo todas as recomendações do fabricante.

Gasto energético

O gasto energético foi continuamente monitorado durante todas as sessões utilizando-se a técnica de calorimetria indireta. Para tal, foi utilizado o analisador de gases modelo Metalyzer IIB (Córtex Biophysik, Alemanha), com leitura a cada 15 segundos. O dispêndio energético total foi estimado utilizando-se o valor calorífico de 4,825 kcal de energia multiplicado por cada litro de O2 consumido.

Análises bioquímicas

Amostras de sangue foram obtidas a partir de punção na veia antecubital com os sujeitos em posição sentada. As amostras foram centrifugadas a 1500 rotações por minuto por 10 minutos a 4 °C, após a separação, amostras de soro foram estocadas a -80 °C (ilShin® Deep freezer). As concentrações circulantes de IL-6 e IL-10 foram determinadas com uso de kits quantitativos enzimáticos de ELISA (Bender Systems, Vienna, Austria). Todas as amostras, incluindo a curva padrão foram analisadas em duplicata e todas as análises seguiram recomendação do fabricante, com coeficientes de variação intra e interensaios para IL-6 e IL-10 inferiores a 5%. A leitura foi realizada em uma leitora de ELISA (Thermo-plate) a 450 nm.

Análise estatística

A homogeneidade e normalidade foram testadas previamente. As variáveis que apresentaram distribuição normal são apresentadas através de média ± desvio padrão. Os valores de IL-6 e IL-10 são apresentados através de mediana e intervalo interquartil e como do delta de variação percentual (∆%). Para comparações entre os tempos e as sessões experimentais foi utilizado o teste de Friedman para medidas repetidas de amostras dependentes. O teste de Wilcoxon foi utilizado para a comparação entre as sessões no momento basal. Diferenças entre os ∆% entre sessões foram analisadas por meio do teste T de Student para amostras independentes. O nível de significância adotado foi p < 0,05. A análise foi realizada com uso do “software” Statistica 8.0. Para todas as análises o poder estatístico foi calculado “a posteriori”, e em todos os casos é superior a 0,94 (G*Power 3.1).

Resultados

Dos 20 indivíduos que se voluntariam a participar da pesquisa, seis sujeitos não completaram todos os procedimentos e foram excluídos da amostra (três apresentaram problemas de saúde e três não conseguiram completar a sessão de alta intensidade), desta forma, a TABELA 1 apresenta as características antropométricas, de composição corporal e aptidão cardiorrespiratória dos 14 sujeitos que completaram todo o protocolo experimental. Durante a sessão BIE, a velocidade foi significativamente menor (5,52 ± 0,22 km/h) do que AIE (11,04 ± 0,43 km/h), porém a sessão de BIE teve maior duração (61,62 ± 4,64 min) que a AIE (30,10 ± 2,32 min), não havendo diferenças em relação ao dispêndio energético (≈350 kcal).

TABELA 1
Características antropométricas, de composição corporal e aptidão cardiorrespiratória.

As análises demonstraram não haver diferenças na concentração sérica absoluta de IL-6 entre as condições (AIE e BIE) em nenhum dos momentos avaliados (basal, agudo e 2 h) (TABELA 2), entretanto, a sessão AIE promoveu aumento de 68% na concentração de IL-6 imediatamente após a sessão, enquanto que no BIE houve redução de 16% nos níveis circulantes desta citocina (p < 0,05). Após duas horas de recuperação passiva verifica-se elevação da IL-6 no grupo BIE e manutenção no AIE, sem diferença entre os grupos (FIGURA 2).

TABELA 2
Efeitos de diferentes intensidades de exercício aeróbio sobre os níveis séricos de IL-6 e IL-10.

FIGURA 2
Variação percentual da concentração sérica de IL-6 em resposta a diferentes intensidades de exercício.

Semelhante ao observado para IL-6, não foram verificadas diferenças na concentração absoluta de IL-10 entre as condições (AIE e BIE) em nenhum dos momentos analisados (TABELA 2), contudo, agudamente, a magnitude de alteração na IL-10 foi mais pronunciada no BIE (72%) quando comparado ao AIE (28%) (p < 0,05), retornando aos valores basais após 2 h para ambas as condições (FIGURA 3).

FIGURA 3
Variação percentual da concentração sérica de IL-10 em resposta a diferentes intensidades de exercício.

Discussão

O principal achado do presente estudo é que uma única sessão de exercício de alta intensidade é capaz de promover elevação aguda na concentração circulante de IL-6 sem alterações na IL-10, enquanto que o exercício de baixa intensidade reduz os níveis de IL-10 imediatamente após o esforço e eleva a concentração de IL-6 apenas após 2 h, demonstrando desta forma que os efeitos do exercício aeróbio sobre a concentração sérica destas interleucinas são dependentes da intensidade do esforço e do tempo de avaliação.

Postula-se que o exercício físico seja capaz de modular o sistema imunológico por duas vias distintas, através de uma resposta local, caracterizada por aumento na expressão da IL-6 no músculo ativo que, posteriormente, estimula a elevação dos níveis sistêmicos de IL-10 e diminuição do IL-1β e TNF-α1Petersen AM, Pedersen BK. The anti-inflammatory effect of exercise. J Appl Physiol. 2005;98:1154-62.,2.Mathur N, Pedersen BK. Exercise as a mean to control low-grade systemic inflammation. Mediators Inflamm. 2008;2008:109502.,7Pedersen BK, Steensberg A, Keller P, et al. Muscle-derived interleukin-6: lipolytic, anti-inflammatory and immune regulatory effects. Pflugers Arch. 2003;446:9-16.. O segundo possível mecanismo é sistêmico, via redistribuição celular através da ação de mediadores neuroendócrinos2525 Krüger K, Lechtermann A, Fobker M, Völker K, Mooren FC. Exercise-induced redistribution of T lymphocytes is regulated by adrenergic mechanisms. Brain Behav Immun. 2008;22:324-38..

Estudos examinando o efeito de breves sessões de exercícios máximos (< 10 min) não encontraram alterações agudas nas concentrações séricas de IL-62626 Meksawan K, Venkatraman JT, Awed AB, Pendergast DR. Effect of dietary fat intake and exercise on inflammatory mediators of the immune system in sedentary men and women. J Am Coll Nutr. 2004;23:331-40., entretanto, aumentos nos níveis circulantes desta citocina foram identificados após 15 minutos2727 Meyer T, Gabriel HH, Rätz M, Müller HJ, Kindermann W. Anaerobic exercise induces moderate acute phase response. Med Sci Sports Exerc. 2001;33:549-55., 60 minutos2828 Yamada M, Suzuki K, Kudo S, Totsuka M, Nakaji S, Sugawara K. Raised plasma G-CSF and IL-6 after exercise may play a role in neutrophil mobilization into the circulation. J Appl Physiol. 2002;92:1789-94., e seis horas2929 Sacheck JM, Cannon JG, Hamada K, Vannier E, Blumberg JB, Roubenoff R. Age-related loss of associations between acute exercise-induced IL-6 and oxidative stress. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2006;291:E340-9. de recuperação.

Especula-se que a síntese e secreção de IL-6 em resposta a contração muscular possa estar relacionada a alteração da homeostase de cálcio, prejuízo na disponibilidade de glicose e o aumento da formação de espécies reativas de oxigênio (ROS), que são fatores de transcrição conhecidos, capazes de regular a síntese de IL-63030 Fischer CP. Interleukin-6 in acute exercise and training: what is the biological relevance? Exerc Immunol Rev. 2006;12:6-33.-3131 Pedersen BK. Muscular interleukin-6 and its role as an energy sensor. Med Sci Sports Exerc. 2012;44:392-6..

No presente estudo, assim como em outros2020 Prestes J, de Ferreira CK, Dias R, et al. Lymphocyte and cytokines after short periods of exercise. Int J Sports Med. 2008;29:1010-4.,3232 Gray SR, Robinson M, Nimmo MA. Response of plasma IL-6 and its soluble receptors during submaximal exercise to fatigue in sedentary middle-aged men. Cell Stress Chaperones. 2008;13:247-51., foram observadas alterações pronunciadas nos níveis de IL-6 imediatamente após o esforço de alta intensidade, o que demonstra que diferentes protocolos, bem como, diferenças nas características individuais dos sujeitos, podem influenciar na resposta desta citocina.

Com relação ao exercício de baixa intensidade houve uma pequena redução na concentração circulante da IL-6 imediatamente após o exercício, resposta esta, que contradiz prévios achados, que em geral apresentam pequenos incrementos ou nenhum efeito1212 Nemet D, Oh Y, Kim HS, Hill M, Cooper DM. Effect of intense exercise on inflammatory cytokines and growth mediators in adolescent boys. Pediatrics. 2002;110:681-9.,3333 Markovitch D, Tyrrell RM, Thompson D. Acute moderate-intensity exercise in middle-aged men has neither an anti- nor proinflammatory effect. J Appl Physiol. 2008;105:260-5. do exercício sobre a IL-6.

Outro fator associado a possíveis diferenças nos resultados encontrados entre os estudos, diz respeito ao fato de que a ingestão de carboidratos previamente ao exercício pode influenciar reduzindo a magnitude da resposta promovida pelo esforço físico3434 Nieman DC, Davis JM, Brow VA, et al. Influence of carbohydrate ingestion on immune changes after 2 h of intensive resistance training. J Appl Physiol. 2004;96:1292-8..

Vale ressaltar que, um dos pontos fortes do presente estudo é que, mesmo com intensidades e durações diferentes, todas as sessões foram isocalóricas (350 kcal), e houve uma padronização da ingestão alimentar previa as sessões experimentais, o que certamente minimizou possíveis efeitos do gasto energético e da ingestão energética sobre as variáveis analisadas.

Assim como a ingestão alimentar prévia, as reservas de glicogênio muscular também podem influenciar nas respostas ao exercício, visto que níveis baixos de glicogênio muscular pré-exercício promovem exacerbação da expressão da IL-63535 Keller C, Steensberg A, Pilegaard H, et al. Transcriptional activation of the IL-6 gene in human contracting skeletal muscle: influence of muscle glycogen content. FASEB J. 2001;15:2748-50., uma vez que esta citocina funciona como um sensor energético muscular1Petersen AM, Pedersen BK. The anti-inflammatory effect of exercise. J Appl Physiol. 2005;98:1154-62., entretanto, os estoques de glicogênio não foram avaliados no presente estudo, fato este que deve ser levado em consideração na interpretação dos resultados, e que pode ser visto como uma limitação.

Ao tratarmos da associação entre estas duas citocinas em resposta ao BIE, verifica-se redução das citocinas analisadas, o que sugere uma possível modulação nos valores de IL-10, em decorrência das alterações ocorridas na IL-6. Após duas horas de interrupção do esforço, em resposta ao aumento da IL-6, ocasionando uma diminuição do efeito redutor observado na IL-10 agudamente1Petersen AM, Pedersen BK. The anti-inflammatory effect of exercise. J Appl Physiol. 2005;98:1154-62..

Para a AIE o comportamento das citocinas apresentou um padrão diferente do identificado no BIE, com aumento na IL-6 e redução da IL-10, em oposição a evidências anteriores3636 Steensberg A, Fischer CP, Keller C, Møller K, Pedersen BK. IL-6 enhances plasma IL-1ra, IL-10, and cortisol in humans. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2003;285:E433-7.. No entanto, ambas reduziram após 2 h, havendo um menor efeito redutor da Il-6 sobre a IL-10, que o demonstrado agudamente.

Podemos concluir que alterações na concentração circulante de IL-6 e IL-10 em resposta a uma sessão de exercício aeróbio são dependentes da intensidade em que o esforço é realizado. Entretanto mais estudos são necessários para melhor elucidar o real impacto destas alterações no sistema imunológico e na instalação de processos inflamatórios nesta população.

Agradecimentos

A FACEPE, ao CNPq e a Escola Superior de Educação Física (ESEF/UPE) pelo suporte financeiro.

Referências

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  • CDD. 20.ed. 796.071

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2013
  • Revisado
    20 Dez 2013
  • Aceito
    10 Jun 2014
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