O ENSINO DA ÉTICA MÉDICA, EM NÍVEL DE GRADUAÇÃO NAS FACULDADES DE MEDICINA DO BRASIL

Resumo:

Os autores procuraram conhecer a realidade do ensino da Ética 1Hédica nas Faculdades de Medicina no Brasil a nível de graduação. Assim, entraram em contato com o responsável pela matéria, obtendo uma série de informações que apresentam, lamentando o assunto.

Palavras-chave (key-words):
Ensino Médico; Ética Médica; Ensino de Graduação

Summary:

The authors keeping in mind to know the teaching of Medical Ethics asked the teachers of the subjet about various aspects of the matter. They present the results and make comments.

Introdução

De uma maneira sucinta a Ética pode ser entendida como o conjunto de regras de conduta, ou hábitos, julgados válidos em uma sociedade.¹

Ela retrata o acordo entre a consciência e os preceitos consagrados; é uma avaliação acerca dos costumes para reprová-los, ou aceitá-los, de acordo com os valores da cultura que na sociedade estabelecem os padrões de comportamento³. Assim entendida a Ética traz em seu bojo a ideia que seu aprendizado se faz justamente com o processo de enculturação, vindo ao lado dos valores que determinam a formação da conduta humana. Este enfoque pode ser considerado verdadeiro, todavia quando se trata da Ética de grupos selecionados dentro da sociedade, os valores éticos são revelados e aprendidos quase que exclusivamente pelos participantes desses grupos.

A Ética Médica, ou uma visão mais ampliada, a Bioética, se coloca entre os valores de conhecimento mais aprofundados e oferecidos, prioritamente a grupo selecionados da sociedade urbano-industrializada moderna¹.

Para se conhecer a realidade atual do ensino da Ética Médica, nas Faculdades de Medicina do País, objetivo já procurado anteriormente^2),(4 é que este trabalho foi idealizado, planejado e realizado. A sua validade se decalca no fato de ser, como sempre, atual e palpitante, e despertar grande interesse, não só nos envolvidos na área, como nas pessoas da comunidade não pertencentes aos grupos selecionados que o recebem como matéria do ensino curricular. Mais ainda pelo fato de que este levantamento foi feito abarcando todas as Faculdades existentes, no País, em 1992.

Material e métodos

Foi estabelecido um questionário a ser respondido pelos docentes responsáveis pelo ensino da Ética Médica nas 79 Faculdades de Medicina do Brasil, em 1992.

O questionário destinava-se a saber:

1. da existência da matéria;

2. da sua ministração como disciplina autônoma ou como matéria de outra disciplina;

3. da distribuição dos responsáveis pelo seu ensino de acordo com a sua titulação e quanto a sua formação básica;

4. o número de docentes encarregados de ministrar as aulas de Ética Médica;

5. o nome da Disciplina autônoma ou não em que era ensinada;

6. a série da graduação em que a matéria era ministrada;

7. o número de alunos, por turma, em aulas Formais e em discussões de assuntos práticos;

8. a carga horária/aluno/ano e a série em que a matéria era ministrada nas diversas Faculdades;

9. a denominação do Departamento onde a Disciplina encarregada do ensino da Ética, se inseria;

10. os seis temas de Ética Médica, relacionados pelos professores, como os mais importantes entre os lecionados no currículo de graduação.

O levantamento foi feito, quando possível, por entrevistas pessoais, o que limitou a um grupo reduzido e constituído, basicamente, pelos responsáveis pelo ensino da Ética Médica nas Escolas de Medicina da Capital do Estado de São Paulo e de duas escolas do interior do Estado. Os demais contatos foram realizados telefonicamente, mantendo-se, como foi feito com as entrevistas pessoais, uma conduta única nas indagações das questões apresentadas.

Foram contactadas as 79 escolas existentes no Brasil em 1992. Dessas. 75 responderam ao levantamento através dos responsáveis pelo ensino da Ética Médica: 2 não responderam em razão de não haver o ensino da disciplina em seus currículos; 1 informou que o ensino da Ética Médica estava diluído na ministração de todas as disciplinas do currículo e, finalmente, 1, devido a sua recente implantação, não possuía turma alguma que tivesse alcançado a série para a qual está previsto o ensino dessa maté1ia.

Resultados

Os resultados obtidos podem ser verificados nas tabelas de número 1 a 13.

TABELA I
Distribuição do número de Faculdades de Medicina no Brasil. em 1992, de acordo com a presença da matéria Ética Médica em seu currículo.

Existência da Matéria	No Faculdades	%
SIM	75	94.9
NÃO	04	5,1
TOTAL	79	100,0

TABELA II
Distribuição do número de Faculdades de Medicina no Brasil, em 1992,de acordo como ensino da Ética Médica como disciplina autônoma.

Disciplina Autônoma	No Faculdades	%
SIM	25	33,7
NÃO	50	66,7
TOTAL	75	100 ,0

TABELA III
Distribuição do número de Faculdades de Medicina, no Brasil, em 1992, onde o ensino da Ética Médica não é disciplina autônoma. sendo lecionada como matéria de outra disciplina.

Disciplina Autônoma	N° Faculdades	%
Medicina Legal e Deontologia Médica	45	90
Medicina Legal e Curso de Deontologia	01	02
Medicina Legal e Ética Médica	02	04
Deontologia e Patologia	01	02
Medicina Legal, Psicopatologia Forense e Ética Médica	01	02
TOTAL	50	100,0

TABELA IV
Distribuição do número de Faculdades de Medicina, no Brasil, em 1992, onde o ensino da Ética Médica é oferecido em disciplinas autônomas de acordo com as denominações:

Disciplina Autônoma	N° Faculdades	%
Deontologia Médica	15	60
Ética Médica	07	28
Diceologia e Deontologia Médica	0 1	04
Diceologia Médica	01	04
Deontologia Médica e lnst.Judiciária	01	04
TOTAL	25	100,0

TABELA V
Distribuição das Faculdades de Medicina no Brasil, em 1992. de acordo com o número de docentes encarregados de lecionar a Disciplina de Ética Médica .

No Docentes	Nº Faculdades	%
01	31	41.3
02	33	44,0
03	05	6,6
04	02	2,6
05	01	1,3
06	01	1,4
07	00	0,0
08	01	1,4
09	01	1,4
TOTAL	75	100,0

TABELA VI
Distribuição nas Faculdades de Medicina no Brasil, em 1992, dos responsáveis pelo ensino da Ética Médica, de acordo com a sua titulação:

Titulação	Nº Faculdades	%
Titulares	20	26.3
Adjuntos	18	23,6
Associados	04	5,4
Livre-Docentes	04	5,4
Assistentes	19	25,,0
Doutores	06	7,8
Auxiliar de Ensino	05	6,5
TOTAL	76	100,0

TABELA VII
Distribuição dos responsáveis pela ministração da matéria de Ética Médica, nas Faculdades de Medicina do Brasil, em 1992, segundo sua formação básica

Formação Básica	N° Faculdades	%
Médiços	68	89,6
Médicos - Advogados	05	6.5
Advogados	01	1,3
Filósofo	01	1.3
Psicólogo	01	1.3
TOTAL	76	10 0.0

TABELA VIII
Distribuição do número de Faculdades de Medicina. no Brasil, em 1992, de acordo com a série curricular de graduação, em que a matéria de Ética Médica é ministrada

Série de Graduação	N° Faculdades	%
1aSérie	06	7,6
2a Série	03	3,8
3a Série	10	12,6
4a Série	32	40,5
5a Série	26	32,9
6a Série	02	2,6
TOTAL	79	10, 0 0

TABELA IX
Distribuição do número de Faculdades de Medicina, no Brasil, em1992, onde o ensino da Ética Médica foi ministrado em aulas formais (teóricas), dividindo-se, os alunos, em turmas.

N° Alunos por Turma	Nº Faculdades	%
00 - 10	00	0,0
11 - 20	03	3,5
21 - 30	04	5,2
31 - 40	10	13,3
41 - 50	07	9,2
51 - 60	15	20,0
61 - 70	10	13,3
71 - 80	13	17,0
81- 90	04	5,2
91-100	09	12 ,0
101 - 110	00	0,0
111 - 120	01	1,3
TOTAL	76	100,0

TABELA X
Distribuição do número de Faculdades de Medicina, no Brasil, em 1992, onde o ensino de Ética Médica é também ministrado em aulas práticas dividindo-se a turma em grupos.

No Alunos Por Turma	No Faculdades	%
00 - 05	00	0,0
06 - 10	01	3,7
11 - 15	01	3,7
16 - 20	03	11,1
21 - 25	03	11,l
26 - 30	06	22,2
31 - 35	05	18,5
36 - 40	04	14,7
41 - 45	02	7,5
46 - 50	02	7,5
TOTAL	27	100,0

TABELA XI
Distribuição da carga horária/aluno/ano, para a matéria de Ética Médica, em caráter autônomo ou não, nas diversas Faculdades de Medicina no Brasil , em 1992.

Carga/Horária/aluno/ano		Nº Faculdades	%
00 - 05		01	1,3
06 - 10		03	4,0
11 - 15		14	18,7
16 - 20		07	9,3
21 - 25		01	1,3
26 - 30		21	28,0
31 - 35		02	2,7
36 - 40		05	6,7
41 - 45		05	6,7
46 - 50		03	2,7
	51 - 55	00	0,0
56 - 60		11	14,6
61 - 65		00	0,0
66 - 70		00	0,0
71 - 75		01	1,3
76 - 80		02	2,7
TOTAL		76	100,0

TABELA XII
Distribuição do número de Faculdades de Medicina, no Brasil, em 1992, de acordo com o Departamento em que a matéria é lecionada

Departamentos	No Faculdades	%
Medicina Social	13	17,1
Patologia	12	15,8
Clínica Médica	06	7.9
Cirúrgica	04	5,3
Psiquiatria e Medicina Legal	04	5,3
Medicina Interna	03	3,9
Medicina Legal e Deontologia Médica	03	3,9
Saúde Coletiva	02	2,6
Saúde Comunitária	02	2,6
Com uma denominação	27	35,5
TOTAL	76	99,9

TABELA XIII
Distribuição dos temas mais importantes para o ensino de Ética Médica por indicação dos responsáveis pela matéria em Faculdades de Medicina, do Brasil em 1992.

Temas	No de Indicações
Responsabilidade Profissional do Médico	55
Segredo Profissional	48
Relação Médico-Cliente	38
Código de Ética Médica vigente	32
Ética do início da vida	29
Ética do fim da vida	25
Erro Médico	21
Ética dos Transplantes	20
Remuneração Profissional do médico	20
Exercício lícito e ilícito da Medicina	18

OBS. Cada responsável pela matéria indicou seis temas que, segundo seu conceito, foram os mais importantes. Entre esses estão relacionados nesta tabela os dez mais indicados

Discussão e conclusões

O levantamento realizado mostrou, como era esperado, que o ensino da Ética Médica se dá nas Faculdades de Medicina do País, menos, apesar de ser matéria obrigatória, em duas, fato já verificado em levantamento anterior².

Entre as Faculdades que ministravam a matéria, quer como disciplina autônoma (33,3%), quer como incluída em outra disciplina (66,7%), a tendência sentida foi de uma inclinação para os aspectos deontológicos da Medicina.

A denominação de Deontologia Médica é adotada em 60%, das disciplinas existentes nas Faculdades corno autônomas, o que reafirma essa tendência.

Por outro lado, a falta de atenção dada a essa matéria nos currículos pode ser comprovada, não só pelo número reduzido de docentes (85,3% das Faculdades, têm no máximo dois docentes para ministrar esse ensino), como pela carga horária aluno/ano (81,4'% das Faculdades oferecem no máximo a carga horária de 50 horas aluno/ano). O ano acadêmico é constituído de 180 dias tendo uma carga horária de 1.440 horas, donde se conclui que o Curso Médico, de seis anos tem um currículo de 8.640 horas, das quais 50 horas, no máximo, são oferecidas para o ensino da Ética, em mais de 80% das Faculdades, correspondendo a 0,6% da carga de ensino que um médico recebe na sua formação. Tal fato, verificado, também, em trabalho antcrior², mostra que nos últimos anos não houve qualquer evolução pelo menos quantitativa, no que se relaciona ao ensino dessa matéria.

No que concerne à qualidade do ensino, em que pese o esforço e a capacidade dos responsáveis por ele, a titulação e a formação básica dos mesmos mostra, também, não ter havido nos últimos tempos alguma modificação tangível. Assim. praticamente só uma entre quatro Faculdades tem como responsável, pela ministração dessa Disciplina, um Professor Titular. Outro aspecto que se mantém coerentemente, com a tendência deontológica, é o fato de que 96.1%, desses responsáveis tem sua formação básica como médico.

Apesar desses fatos, a análise de casos práticos, como deveria ser esperado, frente uma tendência deontológica, não acontece em quarenta e nove das Faculdades de Medicina do país. A concentração de mais de 70% do ensino, na 4^as e 5^as séries corrobora para que, realmente, se verifique o peso dos aspectos referentes aos deveres do médico nessa matéria, enquanto a distribuição dos alunos por turma. ratifica o caráter teórico.

Outro aspecto bastante interessante, diz respeito aos tópicos relacionados como mais importantes, entre os quais desponta a Responsabilidade Médica, em 55 Faculdades. Dos dez temas levantados como mais citados, somente dois, indicam uma possível discussão filosófica, eventualmente, afastada do que está codificado na legislação. Trata-se de “Ética no início da vida” e a “Ética do fim da vida”. Todavia. essas matérias estão atualmente enfocadas, principalmente, em razão dos aspectos médicos, que as envolvem. voltando-se, portanto, a uma Ética essencialmente profissional.

Uma última, palavra a respeito do Departamento em que a matéria é lecionada para mostrar quão variáveis são essas denominações, traduzindo a falta de, urna unidade na compreensão e na localização do ensino de Ética no Brasil.

Referências bibliográficas

• ¹
  - MEIRA, A.R. Projeto Ética. Ponto e vírgula, Bol. FMUSP - grupo de assessoria pedagógica. nº 12. 1990.
• ²
  - MELO, N.S. et al li: O ensino da Ética Médica nas Faculdades de Medicina Brasileiras - São Paulo. 1986, Mimeo.
• ³
  - PAIM, A. Modelos éticos: introdução ao estudo da moral. São Paulo. IBRASA, Editora Universitária Champagnot. 1992.
• ⁴
  - SEGRE, M. Relatório da Comissão de Ensino de Ética Médica, nas Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo, 1985, Mimeo.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Jan 2021
• Data do Fascículo
  Jan-Apr 1994