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Importância da Pesquisa na Formação do Professor e no Exercício da Docência na Área das Ciências da Saúde

Não há dúvidas de que a vivência em investigação científica é imprescindível à formação do Professor e ao exercício de docência cm qualquer área do conhecimento e, portanto, também na área das Ciências da Saúde. De fato, somente a vivência com a busca do conhecimento poderá conferir ao Professor o espírito crítico imprescindível ao seu papel; sem essa vivência, sem esse espírito crítico, fica o Professor reduzido a um simples repetidor de conceitos e idéias, que poderá, inclusive, deturpar.

Todos, creio, concordam comigo, isto é, consideram se r a vivência em investigação científica um dos pré-requisitos importantes na fom1ação de um professor universitário. Aliás, foi essa a política adotada pelos criadores da USP: trazer de fora cientistas para que formassem jovens investigadores; estes seriam os futuros docentes da nova Universidade. A proposta era de que todos os docentes fossem, também, pesquisadores e... deu certo.

Na verdade, existe um grande número de atividades que podem ser classificadas como pesquisa na área da saúde; elas podem ser divididas em três grupos de limites mais ou menos claros: a investigação experimental ou de laboratório, que se baseia em modelos delineados para entender um fenômeno ou testar uma hipótese; a investigação clínica, que descreve fenômenos ou testa hipóteses baseada no doente e a investigação de campo que trabalha com o nicho ecológico em que o fenômeno a ser investigado ocorre.

Em nosso meio, existe uma tendência a valoriza r a investigação experimental e m detrimento da pesquisa clínica ou da pesquisa de campo. Embora não tenha dúvidas quanto à importância da investigação experimental, desejo enfatizar que ela não é o único caminho a ser utilizado no treinamento de docentes. A investigação não se caracteriza pelo objeto, mas sim pelo método e o que é fundamental na formação do Professor Universitário é a exposição, a vivência com o método científico. O objeto que se utiliza para que ele adquira essa vivência me parece irrelevante.

Portanto, ao falar de pesquisa clínica, ou de campo, é necessário enfatizar que nos referimos sempre à aplicação de método científico, ou seja, a existência de uma hipótese, a proposição de uma metodologia para testá-la que leve em conta os critérios de amostragem, e a apresentação e discussão dos resultados. A simples descrição de casos não pode ser considerada como pesquisa.

Uma vez aceita essas premissas, o próximo problema será definir quais as características importantes para que alguém possa ser um bom professor. Não podemos nos esquecer que não lidaremos, apenas, com indivíduos criativos e excepcionalmente dotados, mas sim, com uma população talvez especial, porém representativa do nosso universo.

A genialidade e a criatividade são características pouco comuns e aqueles que as possuem são raros. Se bem que sejam imprescindíveis à universidade e possam até estar nela concentrados, serão sempre excepcionais e por mais que nos esforcemos, na Universidade como em qualquer outra amostra da população, a maioria será de normais e é do trabalho destes que dependeremos para progredir. Será necessário, no entanto, saber selecioná-los.

Devemos estar preparados para reconhecer e eliminar os maus e os tolos: com eles perderíamos nosso tempo, pois como dizia o saudoso Leal Prado, " não adianta lapidar paralelepípedo "; na mesma linha, recentemente, James Watson propôs regras para o sucesso em ciência; a primeira delas é "afaste-se dos tolos. Devemos, também, estar preparados para reconhecer os excepcionais e dar-lhes todas as oportunidades, facilitar o seu desenvolvimento. Mais ainda, devemos tolerar as suas peculiaridades, e as suas idiossincrasias, aceitar suas intolerâncias, sua irreverência, pois, todos estes aparentes defeitos fazem parte de sua excepcionalidade.

Uma vez caracterizados os extremos, devemos trabalhar com a maioria, com os normais. Estes poderão assumir, com eficiência, todas as funções do professor do ensino superior. Para que isso seja possível não é necessário que sejam excepcionalmente dotados mas é imprescindível que sejam bem treinados, porém, treinados em que?

Treinados em metodologia científica.

Esta, na minha opinião, deveria ser a preocupação primordial na formação de docentes e, portanto, da Pós-Graduação: treinar nossos jovens cm metodologia científica, metodologia esta que pode ser aplicada a vários tipos de objeto, desde o mais simples até o mais sofisticado O que não pode ser esquecido é que este treinamento não pode ser obtido ouvindo falar do assunto. A palavra que tenho empregado é vivência, e como vivência quero dizer contato íntimo, diário, prolongado, de forma tal que as idéias penetrem, impregnem o jovem a ponto de se tornar parte integrante e importante de seu comportamento. Para adquirir vivência com o método científico é necessário realiza r trabalhos, por simples que sejam, porém, de tal forma que o jovem seja obrigado a aplicar, sozinho, os princípios básicos do método científico. Isso valerá mais do que todos os créditos que possa acumular nos mais sofisticados dos cursos acadêmicos.

É por essa razão que penso que os cursos de Pós-Graduação deveriam enfatizar as disciplinas fundamentais para o conhecimento e desenvolvimento do método científico, utilizando grande parte dos créditos em atividades de investigação. Concomitantemente, deveríamos reduzir os créditos a serem obtidos em cursos acadêmicos.

Um dos principais objetivos da Pós-Graduação é acelerar a formação de um número grande de pesquisadores. Desejamos, portanto, facilitar o amadurecimento de nossos jovens. Na maioria das vezes ao invés de dar-lhes a oportunidade de viver problemas, estamos insistindo em enchê-los de idéias teóricas obrigando-os a voltar aos bancos escolares, submetendo-os a atividades idênticas àquelas que desenvolveram no secundário e na Faculdade. Tangidos daqui para acolá a obter créditos em disciplinas, freqüentemente irrelevantes para a sua formação, sentem-se cada vez mais como estudantes, levemente irresponsáveis; ao invés de amadurecer, regridem.

Um de meus orientados chegou a dizer que a pós-graduação, que obriga a assistir a um sem número de aulas freqüentemente desinteressantes, foi uma forma de “prolongar a adolescência”. Vejam, montamos toda uma estrutura, cara e trabalhosa, para formar docentes universitários e um deles, aliás brilhante, afirma que todo esse esforço, em alguns casos pelo menos, está favorecendo o prolongamento da adolescência!

Não podemos, no entanto, nos esquecer de que o docente da área da saúde, seja ele dentista, enfermeiro, médico ou veterinário, não poderá deixar de lado sua formação profissional e este aspecto tem causado muita polêmica quando se estabelece a dicotomia: capacitação profissional - atividade em pesquisa.

Na verdade, a discrepância é aparente. Não há nada que impeça que a atividade profissional, na Universidade, seja intimamente ligada à pesquisa clínica. De fato, a atividade em um hospital universitário pode ser orientada de forma a ser exercida, pelo menos em parte, como um projeto de pesquisa. É só abrirmos uma revista médica de bom nível e nos depararemos com excelentes trabalhos baseados exclusivamente no todo dia de uma enfermaria, ambulatório, ou até visitação domiciliar. O mesmo pode ser dito de outras áreas de saúde. Isto é, o dia a dia da atividade profissional poderá, facilmente, ser ordenado de forma a obedecer a um protocolo desenhado para testar uma hipótese sobre, por exemplo, a eficácia de uma terapêutica, o valor de uma conduta, a importância diagnóstica de uma imagem. A existência de protocolo, s como o proposto, não só permite obter resultados válidos da atividade profissional como, também, tomará esta atividade mais ordenada, menos dispersiva: os próprios estudantes, residentes, estagiários ou pós-graduandos, se beneficiarão aprendendo a aderir a um protocolo e a “viver” a importância do trabalho ordenado, que permitirá transformar o seu todo dia na criação de conhecimento novo.

Esta talvez seja uma das principais diferenças entre um de nossos hospitais universitários e hospitais universitários estrangeiro s; lá muitas das atividades médicas obedecem a regras de ação e registro que são seguidos à risca, pois fazem parte de protocolos de pesquisa clínica; por isso que eles produzem mais do que nós. Sua produção é a conseqüência de trabalho ordenado que obedece a métodos para obtenção de informação confiáveis e comparáveis, baseadas em amostragem correta.

A atividade profissional exercida por pessoas com vivência no método científico pode, deve e tem sido uma fonte inesgotável de produção científica de excelente qualidade.

Mais uma vez insistimos que a diferença entre um bom profissional liberal da área da saúde e um docente universitário é a vivência e a aderência ao método científico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1994
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