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Avaliação de acidentes de trabalho com materiais biológicos em médicos residentes, acadêmicos e estagiários de um hospital-escola de Porto Alegre

Evaluation of occupational accidents with biological materials in medical residents, academics and interns of school hospital of Porto Alegre

Resumos

Os acidentes ocupacionais são fenômenos socialmente determinados, indicativos da intensa rotina de trabalho à qual é submetida grande parte dos trabalhadores das áreas da saúde e culminam por constituir importante problema de saúde pública no Brasil, atingindo principalmente adultos jovens e causando elevado número de casos de invalidez e óbitos. No período do estudo, foram relatados no hospital escola 166 acidentes de trabalho, o que corresponde a 2,23% da população de estudo. Ao caracterizarmos os acidentes levando em consideração a categoria estudantil ou profissional, constatamos que os "Cursos Técnicos" são os que mais se envolvem em acidentes (31%), seguidos dos "Médicos Residentes" (28%) e dos "Acadêmicos de Medicina" (26%). A faixa etária mais relacionada a acidentes foi a de 20 a 29 anos, na qual está incluída a maioria dos estudantes, estagiários e médicos residentes, e o principal motivo relatado pelos acidentados foi o descuido próprio. As categorias profissionais, idade e causa do acidente evidenciam que medidas educativas devem ser tomadas para prevenção efetiva destes acidentes.

Acidentes de trabalho; Estudantes; Saúde pública


The occupational accidents are socially determined phenomenon, indicative of the intense work schedule in which it is submitted most of the areas of health workers, culminating be important for public health problem in Brazil, affects mainly young adults and causes a large number of cases of disability and even death. During the study period were reported in the teaching hospital 166 accidents, accounting for 2.23% of the study population. By characterizing the accident taking into account the student category, we saw that the most significant number of accidents happened with "Trainees Nursing Technicians" (31%), followed by "Medical Residents" (28%) and "Medical Students" (26%). The majority of the accidents happened in students with ages between 20 and 29 years old, in that group are included most health sciences students, trainees and residents, and the main reason for the accident was negligence of its own. The professional categories, age and cause of the accident show that educational measures should be taken for effective prevention of accidents.

Accidents, Occupational; Students; Public health


PESQUISA

Avaliação de acidentes de trabalho com materiais biológicos em médicos residentes, acadêmicos e estagiários de um hospital-escola de Porto Alegre

Evaluation of occupational accidents with biological materials in medical residents, academics and interns of school hospital of Porto Alegre

Rafael Teixeira de SouzaI; Claudia Giuliano BicaI; Carmen Susana MondadoriII; Alana Durayski RanziI

IUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

IISanta Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rafael Teixeira de Souza Rua Sarmento Leite, 245 Bairro - Porto Alegre CEP. 90050-170 RS E-mail: rafafeevale@gmail.com

RESUMO

Os acidentes ocupacionais são fenômenos socialmente determinados, indicativos da intensa rotina de trabalho à qual é submetida grande parte dos trabalhadores das áreas da saúde e culminam por constituir importante problema de saúde pública no Brasil, atingindo principalmente adultos jovens e causando elevado número de casos de invalidez e óbitos. No período do estudo, foram relatados no hospital escola 166 acidentes de trabalho, o que corresponde a 2,23% da população de estudo. Ao caracterizarmos os acidentes levando em consideração a categoria estudantil ou profissional, constatamos que os "Cursos Técnicos" são os que mais se envolvem em acidentes (31%), seguidos dos "Médicos Residentes" (28%) e dos "Acadêmicos de Medicina" (26%). A faixa etária mais relacionada a acidentes foi a de 20 a 29 anos, na qual está incluída a maioria dos estudantes, estagiários e médicos residentes, e o principal motivo relatado pelos acidentados foi o descuido próprio. As categorias profissionais, idade e causa do acidente evidenciam que medidas educativas devem ser tomadas para prevenção efetiva destes acidentes.

Palavras-chave: Acidentes de trabalho. Estudantes. Saúde pública.

ABSTRACT

The occupational accidents are socially determined phenomenon, indicative of the intense work schedule in which it is submitted most of the areas of health workers, culminating be important for public health problem in Brazil, affects mainly young adults and causes a large number of cases of disability and even death. During the study period were reported in the teaching hospital 166 accidents, accounting for 2.23% of the study population. By characterizing the accident taking into account the student category, we saw that the most significant number of accidents happened with "Trainees Nursing Technicians" (31%), followed by "Medical Residents" (28%) and "Medical Students" (26%). The majority of the accidents happened in students with ages between 20 and 29 years old, in that group are included most health sciences students, trainees and residents, and the main reason for the accident was negligence of its own. The professional categories, age and cause of the accident show that educational measures should be taken for effective prevention of accidents.

Keywords: Accidents, Occupational. Students. Public health.

INTRODUÇÃO

Historicamente, os profissionais de saúde não eram considerados como categoria profissional de alto risco para acidentes ocupacionais. A preocupação com riscos biológicos surgiu a partir da constatação dos agravos à saúde dos profissionais que exerciam atividades em laboratórios nos quais ocorria a manipulação com microrganismos e material clínico desde o início da década de 40. Para profissionais que atuam na área clínica, entretanto, somente a partir da epidemia da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) nos anos 80 é que as normas para as questões de segurança no ambiente de trabalho passaram a ser amplamente adotadas1.

Acidentes ocupacionais são fenômenos socialmente determinados, indicativos da intensa rotina de trabalho à qual é submetida grande parte dos trabalhadores de saúde. Constituem importante problema de saúde pública no Brasil, atingindo principalmente adultos jovens e causando elevado número de casos de invalidez permanente e, inclusive, óbitos2, 3, 4.

A exposição ocupacional por material biológico é entendida como a possibilidade de contato com sangue e fluidos orgânicos no ambiente de trabalho, e as formas de exposição incluem inoculação percutânea, por intermédio de agulhas ou objetos cortantes, e o contato direto com pele e/ou mucosas5.

A grande preocupação com os riscos ocupacionais a que estão sujeitos os trabalhadores de saúde está relacionada ao desempenho de suas funções, uma vez que eles manipulam materiais biológicos e sofrem acidentes, o que pode provocar sérios agravos à saúde. São várias as circunstâncias que geram condições para a ocorrência de acidentes com materiais biológicos na área da saúde, principalmente o ambiente físico de trabalho, o que pode repercutir tanto na saúde do trabalhador quanto em prejuízos para a empresa ou instituição.

O ambiente de trabalho hospitalar é considerado insalubre, por agrupar indivíduos portadores de diversas enfermidades infecto-contagiosas, que se destacam como as principais fontes de transmissão de microrganismos patogênicos6. Os hospitais, além disso, viabilizam muitos procedimentos que oferecem riscos de acidentes para os trabalhadores da saúde com contato direto com fluidos corpóreos durante a realização de procedimentos invasivos ou através da manipulação de artigos, roupas, lixo e até mesmo as superfícies contaminadas6, 7.

Existem dois componentes básicos envolvidos em acidentes ocupacionais: o fator humano e o ambiental. O fator humano pode atuar mediante a predisposição individual para a ocorrência de problemas físicos, psíquicos, familiares, profissionais e socioculturais. O fator ambiental é evidenciado quando o trabalhador é exposto a determinados agentes externos que, ao se manifestarem, causam o evento mórbido, culminando por incrementar os dados epidemiológicos de acidentes ocupacionais com materiais biológicos6.

Em um estudo, Guimarães (2004) mostra que a relação entre incidência geral de acidentes ocupacionais e morbidade não é tão baixa, evidenciando um pequeno potencial de mortalidade e um grande potencial de morbidez, condição que demanda estratégias para minimizar esses agravos no ambiente de trabalho. Contudo, a despeito dos esforços despendidos para minimizar os acidentes ocupacionais, ainda são preocupantes os registros de acidentes de trabalho e doenças profissionais no Brasil8.

O presente estudo objetiva realizar um levantamento de dados sobre acidentes ocupacionais com materiais biológicos, através da revisão das "Comunicações de Acidentes de Trabalho" e planilhas de atendimento no "Serviço de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida - SASQV", responsável pelo atendimento dos acidentados na instituição, no período de janeiro de 2007 a julho de 2009. O estudo envolve médicos residentes, acadêmicos e estagiários das áreas da saúde, os quais frequentaram um hospital-escola da cidade de Porto Alegre.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, histórico, descritivo, de vigilância epidemiológica de acidentes ocupacionais.

A população estudada foi constituída por médicos residentes, acadêmicos e estagiários de um hospital-escola, os quais realizaram notificação de acidente com material biológico no período de janeiro de 2007 a julho de 2009, no serviço médico do hospital.

O instrumento de coleta de dados foi a "Ficha de Comunicação de Acidente de Trabalho", idêntica ao modelo disponibilizado pelo Ministério da Saúde para notificação dos acidentes com materiais biológicos, e ela se encontra arquivada no órgão responsável pela notificação dos acidentes na instituição.

Foi feita uma análise descritiva dos dados obtidos; as va­riá­veis quantitativas foram apresentadas como médias, e as variáveis qualitativas como percentual. Nas análises bivariadas foi utilizado o teste de Pearson (Qui-Quadrado), considerando como significativo um p < 0,05.

Este estudo de pesquisa foi aprovado sob nº de parecer 09/473, pelo CEP - UFCSPA, estando de acordo com a Resolução 196/96.

RESULTADOS

De janeiro de 2007 a julho de 2009 foram notificados no "Serviço de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida - SASQV" 166 acidentes de trabalho - envolvendo médicos residentes, acadêmicos e estagiários - ocorridos no hospital-escola. A totalidade dos acidentes ocupacionais foi registrada como acidentes típicos, não havendo nenhum acidente relatado como de trajeto.

Do total de sujeitos que frequentaram o hospital no período de 2007 a 2009 (7445 sujeitos), constatamos que 2,23% destes se acidentaram. Ao investigarmos a frequência absoluta de acidentados por categoria profissional realizando uma correlação com o total de sujeitos que trabalharam no hospital-escola, constatamos que havia, no período do estudo,26 "Acadêmicos de Biomedicina", com 7,69% de acidentados; 705 "Médicos Residentes", com 6,81% acidentados; 1070 "Acadêmicos de Medicina", com 4,11% de acidentados; 2875 "Estagiários Técnicos de Enfermagem", com 1,84% de acidentados; 1399 "Acadêmicos de Enfermagem", com 0,71% de acidentados; e 1370 "Acadêmicos de Fisioterapia", com 0,66% de acidentados.

Ao observarmos o contingente de acadêmicos acidentados levando em consideração a categoria profissional em relação com o número total de acidentes, percebemos que os "Estagiá­rios Técnicos de Enfermagem" são os que mais relataram acidentes (31,93%), seguidos dos "Médicos Residentes" (28,92%), "Acadêmicos de Medicina" (26,51%), "Acadêmicos de Enfermagem" (6,02%), "Acadêmicos de Fisioterapia" (5,42%), e dos "Acadêmicos de Biomedicina" (1,20%) (Tabela 1).

As variáveis investigadas no estudo foram as seguintes: 1) porcentagem de acidentes por categoria; 2) sexo; 3) faixa etária; 4) trimestre em que ocorreu o acidente; 5) sítio anatômico envolvido; e 6) tipo de lesão. Todas essas variáveis são apresentadas na Tabela 1.

Nesta mesma análise, quando discriminamos o tipo de material ou o meio causador do acidente com material biológico, verificamos que 59,64% ocorreram com agulhas, seguidos de 12,65% com secreções e 9,04% com sangue (Figura 1).

A frequência de acidentes ocupacionais correlacionados ao status sorológico dos pacientes fontes envolvidos demonstra que 7,23% e 18,67 % dos acidentes envolveram paciente fonte reagente para HIV e HCV respectivamente.

Considerando a causa do acidente, 60,24% relataram que o motivo foi o descuido do próprio sujeito de pesquisa; 7,83% relataram reencape de agulhas; 7,23%, realização do HGT (hemoglicoteste); 6,63%, descuido de terceiros; 5,42% relataram não haver disponibilidade de equipamento de proteção individual adequado; 3,61% relataram que o motivo do acidente foi a agitação do paciente; e 1,56% destacou haver descarte de material em local inadequado (Figura 2).

Não foi evidenciada diferença estatística em nenhum dos testes utilizados para comparação, tanto das variáveis qualitativas, como das quantitativas.

DISCUSSÃO

Neste estudo, avaliamos os tipos e causas mais frequentes de acidentes envolvendo material biológico nas categorias acadêmicas envolvidas, determinando a frequência com que estes ocorreram e suas características peculiares.

Das categorias profissionais analisadas, a dos "Estagiários Técnicos de Enfermagem", "Médicos Residentes" e "Acadêmicos de Medicina" foram as mais envolvidas em acidentes com materiais biológicos, totalizando 87,36% dos 166 acidentes de trabalho no período do estudo.

Diversos autores [(Pinho et al. (2007), Nishide et al. (2004) e Marcus et al. (1999)] investigaram a frequência de acidentes com materiais biológicos e evidenciaram que a equipe de enfermagem é responsável por 30 a 50% em média dos relatos de acidentes em hospitais9,10, 11.

Podemos evidenciar, em nosso estudo, que, dentro da equipe de enfermagem, os "Estagiários Técnicos de Enfermagem" tiveram a maior frequência de relatos de acidentes, pois eles estão mais expostos a fatores de risco devido à sua permanência na maior parte do tempo em assistência direta aos pacientes e à execução de vários procedimentos invasivos, sendo os materiais pérfuro-cortantes um dos seus principais instrumentos de trabalho na prática diária. Desta forma, os dados de acidentes evidenciados durante o período de formação desses profissionais se traduzem posteriormente na prática profissional.

Os "Médicos Residentes", conforme nosso estudo, foram responsáveis pelo segundo lugar em relatos de acidentes, corroborando, assim, os estudos realizados por Ciorlia et al. (2004) e Caixeta et al. (2005)12, 6. Eles evidenciaram que a equipe médica possui grande envolvimento nos acidentes ocupacionais, principalmente os que envolvem materiais pérfuro-cortantes. Isso acontece porque os "Médicos Residentes" estão na linha de frente do atendimento ao paciente e realizam, frequentemente, a coleta de sangue para exames de urgência e procedimentos de maior complexidade, ou seja, aqueles que não são delegáveis aos alunos do curso de medicina, como, por exemplo, dissecções venosas, passagem de cateteres venosos e arteriais e passagem de dreno de tórax. Segundo Shimizu et al. (2002), pode-se destacar que nas unidades de internação são realizados alguns procedimentos de maior complexidade quando os pacientes correm risco de vida, o que aumenta a chance de a categoria médica se acidentar13. Além disso, se levarmos em consideração que esses jovens profissionais estão em processo de capacitação e adquirindo experiência dia a dia, espera-se que, com o decorrer de sua trajetória profissional, se exponham menos a acidentes.

As frequências de acidentes encontradas em "Acadêmicos de Medicina" são preocupantes. Esses dados corroboram o estudo de Reis et al. (2004), que relataram este fato e ainda acrescentaram que há um aumento no relato de acidentes à medida que eles avançam no curso de medicina, tendo como pico de notificação o décimo semestre de sua faculdade14. De acordo com um estudo internacional realizado na Universidade da Califórnia por Osborn et al. (1999), mais da metade dos estudantes de medicina, durante sua faculdade, envolveram-se em algum tipo de acidente com material biológico15. Em outro estudo, que incluiu 61 relatos de acidentes de trabalho no Hospital Universitário São Francisco de Paula, em Pelotas - RS, realizado por Monteiro et al. (2001), verificaram que 22,9% dos acidentes com pérfuro-cortantes envolveram estudantes de medicina16.

Estes dados são muito importantes, pois denotam que, ao avançar no curso de medicina, os estudantes - que deveriam estar consolidando seu conhecimento em biossegurança e aplicando-os na prática do dia a dia para evitar exposições a materiais biológicos -, estão acidentando-se mais à medida que os procedimentos que realizam vão ficando mais complexos, situação esta que é alarmante e evidencia ser necessário rever as estratégias de educação em biossegurança desses profissionais em formação.

As categorias de acadêmicos, estagiários e profissionais em treinamento devem receber treinamentos adequados nestes cursos de formação técnica ou profissional. Esses treinamentos devem incluir, no mínimo, formas básicas de prevenção de acidentes e aplicação prática da Biossegurança, senão esses profissionais estarão sujeitos, certamente, a uma maior probabilidade de exposição a fatores nocivos, podendo culminar em graves acidentes17.

Podemos ressaltar em nosso estudo que a faixa etária mais acometida por acidentes com materiais biológicos foi a de 20-29 anos, sendo esta unanimidade entre as categorias profissionais investigadas. Oliveira et al. (2003) citam que a iniciação aos estágios e à pesquisa na vida acadêmica é um passo importante na busca de novas descobertas e, para isso acontecer, o acadêmico deve dispor de tempo hábil para poder se dedicar às suas responsabilidades de estagiário e/ou pesquisador. Com isso, os acadêmicos acabam tornando-se as pessoas que mais tempo permanecem expostas aos riscos de acidentes gerados em laboratórios de pesquisa. Caso tais instituições não disponham de treinamentos, palestras ou cursos em biossegurança, o aluno poderá colocar em risco sua saúde e a de seus colegas de trabalho18.

Segundo Carvalho et al. (1999), as pessoas mais suscetíveis a sofrerem acidentes ou malefícios à saúde são acadêmicos e estagiários jovens que não estão recebendo treinamento adequado ou atenção devida no que diz respeito às práticas de biossegurança executadas19.

Cosiglieri et al. (2002) evidenciaram que os acadêmicos geralmente não estão conscientizados nem familiarizados a respeito das medidas de segurança no ambiente de trabalho, quando deveriam receber treinamento continuado em disciplinas específicas para estes fins como, por exemplo, a biossegurança20.

Em nosso estudo não foi analisado o fator tempo de residência e período que os acadêmicos estariam cursando. Todavia, Costa et al.(1996) descreveram brilhantemente a relação tempo de trabalho e acidentes, ou seja, o número de acidentes é maior nos indivíduos que: 1) trabalham há pouco tempo em um ambiente de trabalho específico, devido à falta de expe­riência; 2) e nos indivíduos que trabalham nesse ambiente há muitos anos, devido ao excesso de confiança21. Oliveira et al. (2003) também mencionam que indivíduos com experiência, muitas vezes, se desconcentram e, por descuido próprio, cometem acidentes. Esta característica reforça a importância do desenvolvimento contínuo de treinamento, mesmo daqueles com mais experiência. Somente a partir de registros dos relatos de acidentes é que poderão ser formuladas e implementadas providências concretas, como treinamentos periódicos antes de iniciarem suas funções extracurriculares ou curriculares, e durante a permanência deste acadêmico no local de trabalho para que estes executem suas atividades com segurança18.

Costa et al. (1996) relataram ainda que a estatística dos acidentes de trabalho em saúde, assim como a grande maioria dos acidentes em geral, mostra maior frequência de casos em trabalhadores que apresentam excesso de confiança, e menor frequência de casos em trabalhadores que apresentam equilíbrio emocional e profissional21. Portanto, torna-se necessária a reciclagem sobre precauções universais e trabalho contínuo de educação, visando à prevenção de acidentes.

Quando observamos a frequência de notificações de acordo com o trimestre anual em que ocorreram os acidentes, constatamos que houve uma homogeneidade nas notificações nas três categorias, mantendo-se, em sua maioria, estáveis nos três primeiros trimestres e decaindo no último trimestre de cada ano. Sugere-se que este decréscimo deva estar relacionado ao ganho de experiência pelo acadêmico, que, a partir do desenvolvimento de suas habilidades nas atividades práticas durante o ano, tende a reduzir sua exposição a situações de risco.

Entretanto cabe ressaltar que um viés deste estudo são os casos de subnotificação. Este tipo de erro ocorre por diversos fatores. Uma investigação, com enfermeiros, sobre o tema demonstrou que 40% de eventos não foram relatados devido ao estigma da atitude negativa em relação ao incidente e os complexos relatórios que os profissionais devem realizar22. Outros autores identificaram o medo de represálias e exposição a julgamentos como os principais fatores para a não notificação e referem que apenas 25% dos erros são formalizados em relatórios ou notificações de ocorrências23. A subnotificação também está vinculada ao desconhecimento do que seja efetivamente um erro de medicação, além do desconhecimento frente às intercorrências que possam ocorrer com o paciente e do temor quanto a seu futuro profissional24, 25.

Ao analisarmos o sítio anatômico mais acometido por acidentes, verificamos uma grande exposição dos membros superiores, geralmente por contusão relacionada a objetos pérfuro-cortantes, mais especificamente agulhas, sendo esta situação descrita com grande atenção por diversos autores26, 27, 28, e pelo Center of Disease Control - CDC USA29, evidenciando uma grande preocupação já há mais de vinte anos e preconizando recomendações universais para prevenção dos acidentes causados por agulhas e também no que se refere à notificação dos acidentes e monitorização dos infectados, bem como à adoção de medidas de precauções-padrão pelos trabalhadores da saúde, visando à prevenção tanto da transmissão do vírus HIV quanto das Hepatites B e C.

Uma das principais causas dos acidentes de trabalho apontada por Sarquis et al. (1999) em acadêmicos e profissionais da saúde é a manipulação indevida de material pérfuro-cortante30, dados estes que fortalecem os achados de nosso estudo.

É evidente, em nosso estudo, que a exposição percutânea predominou sobre todos os outros tipos de exposição e que, apesar da presença de equipamentos de proteção individual nos locais de trabalho, ainda há acidentes envolvendo a pele e mucosas, o que está evidenciado já em dados obtidos por outros autores13, 31, 32.

Os dados mostrados em nosso estudo trazem grandes preocupações com a categoria dos "Médicos Residentes" uma vez que estes são responsáveis pela maior porcentagem de acidentes envolvendo materiais biológicos provenientes de pacientes fonte com sorologia positiva para HIV ou HCV. A sorologia dos pacientes fonte envolvidos nos acidentes ocupacionais nos sujeitos de nosso estudo evidenciou um alto risco de contaminação, uma vez que, além dos "Médicos Residentes", os "Estudantes de Medicina" e os "Estagiários Técnicos de Enfermagem" foram fortemente afetados, merecendo um enfoque especial em seus currículos abordando temas relacionados à "Biossegurança", como a prevenção de acidentes, uso de equipamentos de proteção individual e a importância do relato imediato dos acidentes com materiais biológicos.

Dentre as causas mais relatadas pelos acadêmicos nos acidentes, a principal descrita foi o descuido próprio, que já foi citado em outros trabalhos na literatura como um dos principais fatores de predisposição a acidentes com materiais biológicos33, 34. Este fato deve ser cuidadosamente analisado para se traçar estratégias de ação de prevenção destes acidentes.

Baseando-se nessas evidências, propõe-se uma atenção especial à formação desses profissionais ao longo do curso desenvolvido. É necessário ressaltar que há problemas relacionados ao ensino da temática "Biossegurança", tanto em cursos superiores como nos técnicos e nas instituições de saúde. Verifica-se, ainda, que o ensino dessa temática nos cursos de nível técnico e graduação ocorrem de forma não sistematizada e descontínua, o que resulta na não aplicação desses conhecimentos quando os alunos se inserem no campo profissional35.

Tais resultados apontam para a necessidade de uma discussão aprofundada entre as instituições formadoras de profissionais da saúde, para que possa se encontrar estratégias de ensino mais eficientes para o desenvolvimento da temática da "Biossegurança", a fim de minimizar o número de acidentes com pérfuro-cortantes e materiais biológicos.

CONCLUSÃO

Acreditamos que é essencial implementar programas sistematizados para discutir biossegurança em todos os setores em que estão inseridos os médicos residentes, acadêmicos e estagiários das áreas da saúde, compreendendo estratégias eficazes para a prevenção e redução de risco de acidentes de trabalho, principalmente nos casos de exposição a material biológico. Além da permanente vigilância, faz-se necessário o incentivo da notificação de todo e qualquer acidente, pois assim será possível guiar a elaboração das medidas prevenção e, consequentemente, reduzir os riscos de acidentes.

A biossegurança é indiscutivelmente importante na formação tanto de profissionais da saúde quanto dos alunos graduação. Portanto, deve ser abordada no início dos cursos de graduação ou mesmo em cursos técnicos, pois o ingresso de profissionais mais conscientizados quanto à prevenção de acidentes e comportamentos seguros interfere diretamente no cenário atual de acidentes de trabalho, visto que eles protegem não só sua própria saúde e a de seus colegas, mas também a dos pacientes sob sua responsabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo forneceu dados de relevante pesquisa empírica, importantes para a revisão das estratégias de prevenção dos acidentes ocupacionais, mostrando a necessidade da intervenção nessa realidade.

Médicos residentes, acadêmicos e estagiários da área da saúde são inseridos diariamente em atividades relacionadas ao seu futuro profissional, muitas vezes sem experiência prévia, acabando por se exporem, desnecessariamente, a risco de acidentes de trabalho com materiais biológicos.

A prevenção através da educação continuada deve ser implementada ao longo dos cursos de graduação nas áreas da saúde, para garantir uma melhor postura dos profissionais que ingressam no mercado de trabalho, uma vez que o descuido próprio como a principal causa dos acidentes deve ser abolido.

Devem ser feitos futuros estudos que considerem as práticas educativas, mostrando aos alunos as condições concretas de vida e trabalho para que eles possam avançar na intervenção sobre a realidade social na qual agravos à saúde são produzidos.

Recebido em: 16/09/2011

Reencaminhado em: 02/01/2012

Aprovado em: 06/02/2012

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Rafael Teixeira de Souza responsável pela coleta de dados, análise estatística, interpretação dos resultados e dissertação do artigo. Alana Durayski Ranzi contribuiu na coleta de dados e interpretação dos resultados. Carmem Susana Mondadori contribuiu na coleta de dados. Claudia Giuliano Bica orientou o projeto de pesquisa, contribuiu na interpretação dos resultados e dissertação do artigo

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

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  • Endereço para correspondência
    Rafael Teixeira de Souza
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Set 2011
    • Aceito
      06 Fev 2012
    • Revisado
      02 Jan 2012
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