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Vigilância à Saúde para Alunos de 4° Ano de Medicina - Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP

Health Surveillance for 4 th Year Medical Students - Department of Pediatrics, Medical School, University of Campinas

Resumo:

A Pediatria Social tem como objeto de trabalho a saúde e a doença da criança, no âmbito individual e coletivo. A abordagem da atenção individual e da vigilância à saúde da criança deve ser extrapolada, buscando uma visão global do indivíduo através da compreensão do coletivo. Este artigo relata uma experiência de ensino para alunos de 4 ano de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), onde foram desenvolvidas atividades teórico-práticas de vigilância à saúde, cujos objetivos eram a compreensão da relação entre condições de vida e de saúde, e da importância do meio ambiente e da família para o crescimento e desenvolvimento da criança e da vigilância à saúde como instrumento de trabalho. São descritas as atividades desenvolvidas e os resultados obtidos por meio das avaliações de alunos, supervisores e equipe de saúde. Conclui-se que os objetivos propostos foram atingidos, podendo ser esta uma Forma de capacitar recursos humanos que atendam às reais neces­sidades de saúde da sociedade

Descritores:
Vigilância sanitária; Educação médica

Abstract:

Social Pediatrics is concerned with children's health and illness at the individual and collective level. The individual and health surveillance approaches to children's health care should be transcended, to attain an overall view of the individual through an understanding of the colletivity. This article reports on a teaching experiment for fourth­year medical students at Campinas State University Medical School (FCM-Unicamp), where theoretical and practical activities in health surveillance were conducted with a view to understanding the relationship between standard of living and health, and the importance of environment and family for children's growth and development, and of health surveillance as a working tool. It describes the activities pursued and the results obtained by evaluations of students, supervisors and health workers. It concludes that the proposed aims were achieved, and that this can be a way to build human resource to meet the public's real health needs.

Keywords:
Health surveillance; Medical education

INTRODUÇÃO

No Brasil, os projetos de reforma da escola médica foram influenciados pelos diversos movimentos sociais surgidos no setor saúde nas últimas décadas - Medicina Preventiva, Medicina Comunitária, Medicina Social e Medicina Integral, nas décadas de 60 e 70; Reforma Sanitária e Integração Docente-Assistencial, na década de 80; e Saúde Coletiva e Rede UNI, nos anos 90-, trazendo como um de seus resultados mais significativos as propostas de integração ensino-serviço11. ANDRADE, M.G. G. O ensino médico e os serviços de saúde: o estudo de caso do projeto Paulínia. Campinas. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 1995, 268 p. Tese (Doutorado)..

Tais propostas surgiram a partir da necessidade de reformulação do modelo pedagógico adotado pelas escolas médicas, predominantemente centrado na visão biologicista, no modelo hospitalocêntrico e privilegiando a medicina curativa e individual, levando à formação de profissionais cujo perfil não é considerado adequado para a tender às necessidades de saúde de nossa sociedade22. MENDES, E. V. A vigilância à saúde no Distrito Sanitário. Série Desenvolvimento de Serviços de Saúde, n. 10: 7-19, OPS, Brasília,1993.)-(44. MARCONDES, E. O paradigma do ensino médico. Médicos, HC­FMUSP, n. 03, 1998..

Desde a década de 50, organismos internacionais, como a Orga­nização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-Arnericana de Saúde (OPS), vêm promovendo conferências, seminários e encontros, e produzindo documentos contendo recomendações e diretrizes para nortear o desenvolvimento de ações, o planejamento e a avaliação nos diferentes níveis de atuação do sistema de atenção à saúde, com ênfase especial para os países em desenvolvimento55. OPAS/OMS. Problemas conceptuales y metodologicos de la programacion de la salud. Publicación Científica de la OPAS, n. 111: Washington, 1965.),(88. OMS. Atención primaria de salud. Genebra: OMS, 1978.. No Brasil, merece destaque o papel que a Fundação W. K. Kellogg vem desempenhando através de seu apoio econtribuição para a implementação de projetos de Medicina Comunitária e integração ensino-serviço11. ANDRADE, M.G. G. O ensino médico e os serviços de saúde: o estudo de caso do projeto Paulínia. Campinas. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 1995, 268 p. Tese (Doutorado)..

A universidade brasileira iniciou, no final da década de 60, ampla reforma no sentido de, principalmente, normatizar a expansão, organização e funcionamento do ensino superior. Em 1969, atendendo aos dispositivos legais dessa reforma, o Conselho Federal de Educação fixou os mínimos de conteúdo e duração do curso de Medicina, sua divisão em ciclos básico e profissional, estabelecendo, como obrigatório, o regime de internato para o período de estágio final. Apontou ainda para a revisão dos currículos tradicionais, a revalorização da Saúde Pública, inserindo disciplinas do campo da Saúde Coletiva e estágios práticos em Centros de Saúde. A partir de 1971, o MEC (Ministério da Educação e Cultura), através da Comissão de Ensino Médico, instituiu portarias, normas e propostas, recomendando a integração das Faculdades e Universidades com os Serviços e com a comunidade, inclusive decidindo pela obrigatoriedade de atividades docente-assistenciais de capacitação extra mural, com o objetivo de formar recursos humanos que contribuam para a reforma sanitária dentro dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)11. ANDRADE, M.G. G. O ensino médico e os serviços de saúde: o estudo de caso do projeto Paulínia. Campinas. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 1995, 268 p. Tese (Doutorado)..

No entanto, o que se verificou, na maioria das instituições de ensino, foram pequenas modificações curriculares, complementares ao modelo pedagógico hegemônico, concentradas nos Departamentos de Medicina Preventiva e excepcionalmente nos Departamentos de Pediatria, Psiquiatria/Psicologia e Tocoginecologia11. ANDRADE, M.G. G. O ensino médico e os serviços de saúde: o estudo de caso do projeto Paulínia. Campinas. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 1995, 268 p. Tese (Doutorado).),(99. FEUERWERKER, L. C. M. & MARSIGLIA, R. Estratégias para mudanças na formação de rhs com base nas experiências IDA/ UNI. Divulgação em Saúde para Debate, n.12: 24- 28, jul. 1996..

O setor de Pediatria Social do Departamento de Pediatria da FCM /Unicamp, visando a esta inserção do ensino de graduação em Medicina no serviço de saúde, nas suas diversas práticas e de forma integrada com os seus profissionais, vem atuando na rede pública de saúde há mais de 20 anos, com alunos de graduação em Medicina e médicos residentes. Entende que a Pediatria Social tem como objeto de trabalho a saúde e a doença, no âmbito individual e coletivo, e que a abordagem da atenção individual e da Vigilância à Saúde da criança e do adolescente deve ser extrapolada, buscando uma visão global do indivíduo, através da compreensão do coletivo. Nesta perspectiva, faz-se necessária a fundamentação de uma prática médica que compreenda a saúde da criança como decorrente das condições de vida e que permita ao aluno perceber as limitações e as potencialidades do atendimento médico1010. MARCONDES, E. A pediatria e o pediatra. In: MARCONDES, E. Doutrina e Ação. São Paulo: Sarvier, 1973.)-(1818. MENDES, R. T. Trabalho e doutrina: os caminhos da prática pediátrica nos Centros de Saúde. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. 1996. 308p. Tese (Doutorado)..

Atualmente, o setor de Pediatria Social participa em atividades teóricas e práticas em disciplinas e cursos do Departamento de Pediatria da FCM/Unicamp, que tem sob sua responsabilidade disciplinas nos 8°, 10° e 11° semestres da graduação e um estágio do 1° ano de residência em Pediatria.

Em 1995, com o intuito de ampliar a abrangência da disciplina do 8° semestre, foram incorporadas ao estágio do setor de Pediatria Social atividades de Vigilância à Saúde da criança na comunidade.

O objetivo deste trabalho é relatar esta expe1iência de ensino.

OBJETIVOS DO ESTÁGIO

Objetivo geral

Possibilitar ao aluno conhecer as condições de vida de crianças e adolescentes e sua determinação no processo saúde-doença.

Objetivo específico

Sensibilizar o aluno para compreender:

  • a importância da família e do meio ambiente para a saúde da criança;

  • a Vigilância à Saúde como uma prática de trabalho;

  • a dinâmica da vigilância epidemiológica aplicada às situações ligadas à saúde da criança.

ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS

As ações foram desenvolvidas em um Centro de Saúde (CS) pertencente à rede municipal de uma cidade de grande porte, por grupos de três a quatro alunos, num período de quatro horas cada, acompanhados por supervisores do setor de Pediatria Social.

Inicialmente, realizou-se uma visita ao CS e urna discussão teó­rica sobre Vigilância à Saúde, sua importância nas ações de saúde, fluxo de informação e possibilidades de intervenção. A seguir, efetuaram-se as visitas domiciliares, previamente preparadas por um supervisor e pelos alunos, a grupos de risco da população da área de cobertura do CS.

A população-alvo das ações foi escolhida considerando-se o objetivo da disciplina do 8° semestre, que pretende "fundamentar a noção de que a criança é um ser humano em desenvolvimento, cujas potencialidades são mediadas pelas condições de vida" e o conceito de Vigilância previsto pela Lei 8.080/90, que instituiu o Sistema Único de Saúde, como sendo "um conjunto de ações que proporcionem o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual e coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar medidas de prevenção e controle de doenças e agravos"1919. MINISTÉRIO DA SAÚDE/CENEPI. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde, 1994.. Foram priorizados os recém-nascidos e puérperas pelo fato de o período puerperal ser importante tanto em relação à ocorrência de complicações, quanto pela necessidade de orientações em relação às possíveis dificuldades no entrosamento mãe-filho, à amamentação e à anticoncepção2020. PMC/UNICAMP/PUCCAMP /SENAC/IBFAN. V Semana Mundial de Amamentação. Campinas, 1996.),(2121. SECRETAR1A DO ESTADO DA SAÚDE. Subprograma de saúde da mulher: Pré-Natal Normal Vol. 2. São Paulo, 1986.. Neste período, é imprescindível que o serviço de saúde ofereça à mãe e à criança condições adequadas de atendimento às necessidades de ambas, incentivando o aleitamento materno, podendo, assim, contribuir para uma melhora das condições de vida2121. SECRETAR1A DO ESTADO DA SAÚDE. Subprograma de saúde da mulher: Pré-Natal Normal Vol. 2. São Paulo, 1986..

Nas visitas objetivou-se identificar as necessidades da criança e da mãe, através de possíveis queixas e dúvidas, da observação individual, da família, do ambiente e das condições de vida. Foram fornecidas as orientações pertinentes no domicílio, e a mãe e a criança foram encaminhadas ao CS para seguin1ento e cuidados necessários. Estas atividades foram registradas em um impresso padronizado (anexo ANEXO ), constituindo material de discussão realizada com os alunos, sendo posteriormente anexadas aos prontuários dos pacientes.

A atividade finalizou-se com uma reflexão do grupo sobre o desenvolvimento da ação, sua importância e suas possibilidades como instrumento para ampliar a atuação da equipe de saúde e aproximar o serviço da comunidade.

O desempenho do aluno foi apreciado pela equipe supervisora, e a avaliação destas atividades foi feita pelos alunos, como parte da avaliação global da disciplina junto ao docente responsável.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As atividades desenvolveram-se de junho a outubro de 1996, 1997 e 1998, abrangendo cerca de 270 alunos. Realizaram-se aproximadamente 45 discussões teóricas (uma por grupo) e cerca de 200 visitas domiciliares para puérperas e recém-nascidos (duas a três por grupo).

As avaliações realizadas pelos alunos mostraram, que a maioria deles considerou a atividade importante para sua formação profissional, sendo uma oportunidade de conhecer a realidade social desta população, despertar para uma visão mais crítica da sociedade, entender os determinantes do processo saúde-doença, facilitar as orientações e condutas no atendimento individual e estabelecer melhor relação com a comunidade. Alguns sugeriram aumento no tempo de estágio com acréscimo de outras atividades, para que os alunos possam participar de forma mais efetiva.

A avaliação dos supervisores se fundamentou no empenho dos alunos nas discussões teóricas, nas atividades práticas e nas apreciações deles sobre o estágio. Em sua maioria, os grupos se mostraram interessados e participantes, tendo considerado positivamente o trabalho, o que sugere que a atividade atingiu os objetivos propostos.

Além disso, a equipe do CS considerou que o estágio contribuiu para o enriquecimento e a reflexão sobre a importância das atividades de Vigilância à Saúde, como uma estratégia de intervenção fundamental dentro do conjunto de ações desenvolvidas no CS para atender às demandas da população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A viabilização de um Sistema Único de Saúde (SUS) universal, hierarquizado, igualitário e de boa qualidade se dará, também, através da formação de recursos humanos adequados para atender às reais necessidades de saúde de nossa sociedade, tanto no sistema público como no privado.

Acredita-se que, através de iniciativas de ensino em serviço como a aqui descrita, pode-se contribuir para a capacitação de profissionais qualificados para atuar na implantação da reforma sanitária, dentro dos princípios do SUS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 2
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  • 8
    OMS. Atención primaria de salud. Genebra: OMS, 1978.
  • 9
    FEUERWERKER, L. C. M. & MARSIGLIA, R. Estratégias para mudanças na formação de rhs com base nas experiências IDA/ UNI. Divulgação em Saúde para Debate, n.12: 24- 28, jul. 1996.
  • 10
    MARCONDES, E. A pediatria e o pediatra. In: MARCONDES, E. Doutrina e Ação. São Paulo: Sarvier, 1973.
  • 11
    ORLANDI, ORLANDO V. Teoria e prática do amor à criança: introdução à pediatria social no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
  • 12
    MARQUES, N. A. Conceitos e objetivos da pediatria social. In: MARQUES, N.A. Pediatria social: teoria e prática. Rio de Janeiro: Cultura Médica Ltda, 1986a.
  • 13
    MARQUES, N. A. Os métodos de trabalho utilizados em pediatria social. In: MARQUES, N. A. Pediatria social: teoria e prática. Cultura Médica Ltda, Rio de Janeiro: 1986b.
  • 14
    KASSEACTA, E. Perspectivas de la pediatria social. Rev. Cuba. Pediatr., 60(6):813-825, 1988.
  • 15
    BELLIZZI, D. Pediatria social. Clin. Pediatr. (Rio de J.), 13 (6):3- 6, Rio de Janeiro: 1989.
  • 16
    MENDONZA, H. La ensefianza de la pediatria social y preven­tiva. Arch. Dom. Pediatr., 27(3): 99-100, 1991.
  • 17
    LINDSTRÖN, B. & SPENCER, N. (ed). Preface In: Social Paediatrics. p.v-viii, New York: Oxford University Press, 1995.
  • 18
    MENDES, R. T. Trabalho e doutrina: os caminhos da prática pediátrica nos Centros de Saúde. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. 1996. 308p. Tese (Doutorado).
  • 19
    MINISTÉRIO DA SAÚDE/CENEPI. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde, 1994.
  • 20
    PMC/UNICAMP/PUCCAMP /SENAC/IBFAN. V Semana Mundial de Amamentação. Campinas, 1996.
  • 21
    SECRETAR1A DO ESTADO DA SAÚDE. Subprograma de saúde da mulher: Pré-Natal Normal Vol. 2. São Paulo, 1986.

ANEXO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Dec 1999
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