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Competências Propostas no Currículo de Medicina: Percepção do Egresso

Competencies Proposed in the Medical Curriculum: the Graduate's Perception

RESUMO

Introdução:

As Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de Medicina trouxeram novos delineamentos de formação e desenvolvimento de habilidades e competências que instrumentalizam o médico para sua atuação.

Objetivo:

Identificar a percepção do egresso quanto à aquisição de competências e habilidades previstas no projeto pedagógico do curso de Medicina.

Métodos:

Estudo transversal com 229 egressos do curso de Medicina, entre 2005 e 2012, da Universidade Anhanguera-Uniderp de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, por meio de questionário autoaplicável, no período de abril a julho de 2013, contendo 34 competências e habilidades, avaliadas por meio da escala do tipo Likert.

Resultados:

Quanto à aquisição de competências gerais, observaram-se respostas ″bom″ ou ″muito bom″ para a maioria dos itens pesquisados. Para a competência referente à comunicação, os maiores índices de respostas “muito bom” foram nos domínios “ser capaz de interagir e se articular com outros profissionais de saúde” (60%) e “ser capaz de manter a confidencialidade das informações” (68%). Em relação às competências específicas, a maior parte dos egressos referiu como “bom” ou ″muito bom″ a aquisição da maioria dos domínios. Observou-se ainda que os domínios “utilizar procedimentos diagnósticos e terapêuticos validados cientificamente″ e ″dominar os conhecimentos de fisiopatologia, do tratamento e reabilitação das doenças de maior prevalência″ tiveram os maiores índices de respostas ″bom″, 62% e 59%, respectivamente. No que se refere à aquisição de competências complementares, os domínios referentes às práticas gerais e específicas, tais como “estabelecer relação médico-paciente”, “realizar exame físico correlacionando com as referências anatômicas” e “realizar exame físico geral e segmentar”, atingiram maior percentual de respostas positivas (bom ou muito bom). Já os domínios referentes à “realização de exame especial neurológico”, “realização do exame especial ortopédico” e “imobilização de fraturas” apresentaram respostas ruins e regulares, que, somadas, corresponderam a 49%, 69% e 83%, respectivamente.

Conclusões:

O estudo serviu de base para mudanças no curso, fornecendo subsídios para melhoria da qualidade de ensino e respondendo às necessidades do acadêmico na graduação.

PALAVRAS-CHAVE
Aprendizagem Baseada em Problemas; Educação Superior; Educação Médica; Currículo

ABSTRACT

Introduction:

The Brazilian Education Guidelines for medical courses brought new designs for the education and development of abilities and competencies that qualify physicians for their practice.

Objective:

To identify the perception of graduates on the acquisition of abilities and competencies considered in the pedagogical project of a medical course.

Methods:

A cross-sectional study was developed with 229 graduates from a medical program carried out between 2005 and 2012, at Universidade Anhanguera-Uniderp in Campo Grande, in the state of Mato Grosso do Sul. The study involved the application of a self-administered questionnaire including 34 competencies and abilities, assessed through a Likert scale, from April to July 2013.

Results:

Regarding the acquisition of general competences, “good” or “very good” answers were found for most of the studied items. For the competency regarding communication, most of the “very good” answers were found in the domains “being capable of interacting with other health professionals” (60%) and “being capable of maintaining information confidentiality” (68%). As for specific competencies, the majority of the graduates referred to the acquisition of most domains as “good” or “very good”. The domains “using scientifically validated therapeutic and diagnostic procedures” and “mastering knowledge in physiopathology, treatment and rehabilitation of prevalent diseases” had the highest indices of “good” answers, 62% and 59%, respectively. As regards the acquisition of complementary competencies, the domains concerning general and specific practices, such as “establishing a physician-patient relationship”, “performing a physical exam correlating it to anatomical references” and “performing a general and segmentary physical exam” achieved a greater percentage of positive answers (good or very good). The domains regarding “performing a special neurological exam”, “performing a special orthopedic exam” and “immobilizing fractures” presented negative and regular answers, which when combined corresponded to 49%, 69% and 83%, respectively.

Conclusions:

The present study served as a basis for changes in the course, providing resources for improving the quality of education and meeting the graduates’ needs.

KEYWORDS
Problem-Based Learning; Higher Education; Medical Education; Curriculum

INTRODUÇÃO

O projeto pedagógico do curso de Medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp foi construído em concordância com as necessidades pedagógicas contemporâneas, instituídas por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina, e em adequação às demandas do sistema de saúde vigente no Brasil11. Universidade Anhaguera-Uniderp. Projeto Pedagógico do Curso de Medicina. Campo Grande: Uniderp, 2000.,22. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Resolução n°.4, de 07 de novembro de 2001. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Diário Oficial da União 09 nov 2001; Seção 1.. Neste sentido, contempla um currículo inovador, que utiliza o método Aprendizado Baseado em Problemas (ABP), ensino orientado para a comunidade que se propõe formar profissionais médicos humanizados, críticos, comprometidos com a promoção da saúde e a prevenção de doenças.

As referências teóricas desse projeto fundamentam-se nos pressupostos da educação médica ao considerar as mudanças sociopolíticas, a necessidade de consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), a inclusão de métodos pedagógicos que visam a um maior envolvimento dos alunos na busca do conhecimento e o exercício da medicina no século XXI. Tais pressupostos baseiam-se nas principais recomendações da educação médica mundial publicada nas últimas décadas: Declaração de Alma Ata (1978) e Projeto Educação Médica na América33. Organização Mundial de Saúde. Declaração de Alma Declaração de Alma-Ata; 6-12 de setembro de 1978; URSS.,44. Chaves M, Rosa AR. Organização de Educação médica nas Américas - “O Desafio dos anos 90”. São Paulo: Cortez; 1990..

Neste contexto, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Cursos de Medicina trouxeram novos delineamentos de formação e desenvolvimento de habilidades e competências que instrumentalizam o médico para sua atuação.

É oportuno destacar que, nas últimas décadas, inúmeras iniciativas de fortalecimento dos processos educacionais dos cursos de Medicina e redefinição do papel das escolas médicas têm sido implementadas55. Almeida MJ, Campos JJB, Turini B, Nicoletto SCS, Pereira LA, Rezende LR, et al. Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais na graduação em medicina no Paraná. Rev bras educ med 2007; 31: 156-165.. Por outro lado, ainda são reduzidos os processos de avaliação dessas instituições e do impacto dessas mudanças sobre o perfil dos egressos. Nota-se que os estudos se propõem estabelecer o perfil sociodemográfico, econômico e técnico-científico dos egressos sem, no entanto, investigar as competências e habilidades previstas no projeto pedagógico66. Caovilla F, Leitzke L, Menezes HS, Martinez PF. Perfil do médico egresso do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Rev da AMRIGS 2008; 53: 103–109..

Diante da necessidade de reflexão sobre o tema, o presente estudo teve por objetivo identificar a percepção do egresso quanto à aquisição de competências e habilidades previstas no projeto pedagógico do curso de Medicina da universidade pesquisada.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal e descritivo com egressos do curso de Medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp, do município de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul.

O estudo considerou a totalidade de egressos formados entre dezembro de 2005 (primeira turma) e dezembro de 2012 como possíveis participantes, representada por 514. Destes, 229 participaram da pesquisa, 22 recusaram-se a participar do estudo e 265 não responderam aos contatos via endereço eletrônico e/ou telefônico. Os critérios de exclusão foram: recusa em participar do estudo e os egressos que não foram contatados.

O questionário autoaplicável foi realizado entre abril e julho de 2013, elaborado com base nas competências e habilidades previstas no projeto pedagógico do referido curso, com perguntas objetivas, cujas variáveis abordadas foram: 34 competências e habilidades (6 delas são gerais, 11 específicas e 17 complementares), avaliadas por meio da escala do tipo Likert, variando entre “ruim”, “regular”, “bom” e “muito bom”. A classificação das habilidades em gerais, específicas e complementares foi baseada no projeto pedagógico do curso e nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina22. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Resolução n°.4, de 07 de novembro de 2001. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Diário Oficial da União 09 nov 2001; Seção 1..

Uma carta de apresentação foi enviada, por meio do endereço eletrônico exclusivo da pesquisa, contendo o objetivo geral e o convite para participar. Após sete dias, o questionário foi encaminhado para preenchimento on-line, utilizando-se o programa Google Docs. A assinatura eletrônica do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi o pré-requisito para visualização e preenchimento do questionário pelo egresso, que em nenhum momento teve que se identificar, garantindo o anonimato da sua resposta. Após dez dias do primeiro envio, realizou-se nova postagem do questionário no endereço eletrônico dos egressos que não responderam. Após a ausência de resposta do segundo envio do questionário, os egressos foram contatados por telefone.

Os dados foram armazenados e processados eletronicamente com o programa Microsoft Office Excel 2007. Por tratar-se de estudo descritivo, os dados foram apresentados como médias e frequências absolutas e percentuais.

O estudo respeitou os critérios éticos conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466/2012, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, conforme o Parecer n°100/2012.

RESULTADOS

O índice de resposta foi de 229 (44,5%). Dos questionários respondidos, o menor número por turma de egressos foi de 19 (8,2%) para os anos 2007 e 2008, e o maior foi 43 (18,7%) em 2012. Da primeira à quarta turma (2005 a 2008), foram preenchidos 84 (36,7%); da quinta à oitava turma (2009 a 2014), foram 142 (62%); em 3 (1,3%) questionários não houve resposta para este item.

Da amostra dos egressos, verificou-se maior percentual do sexo feminino, 146 (64%), e a maioria era de solteiros, 151 (66%) (Tabela 1). A média de idade foi de 28 anos, variando entre 23 e 37 anos.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica dos egressos do curso de Medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp, formados entre 2005 e 2012, campo Grande (MS) 2013 (n=229)

A análise da percepção dos egressos quanto às competências e habilidades gerais demonstrou respostas “bom” ou “muito bom” para a maioria dos itens pesquisados. No que diz respeito à atenção à saúde, observa-se que para os três domínios houve predominância de respostas “bom” e “muito bom”. Quanto à competência referente à tomada de decisões, a maioria respondeu “bom” (49%). Para a terceira competência (comunicação), os maiores índices de respostas “muito bom” foram nos domínios “ser capaz de interagir e se articular com outros profissionais de saúde” (60%) e “ser capaz de manter a confidencialidade das informações” (68%). Para a competência relacionada à liderança, destaca-se que a maior ocorrência de respostas foi “bom” (49%). Em relação à competência “administração e gerenciamento”, 43% responderam “bom”. Para a educação permanente, predominaram as respostas “muito bom” (52%) para a “capacidade de aprender continuamente tanto em relação à formação acadêmica, quanto à prática profissional” (Tabela 2).

Tabela 2
Percepção dos egressos quanto à aquisição de competências e habilidades gerais do curso de Medicina da Universidade Anhanguera-uniderp, formados entre 2005 e 2012, campo Grande (MS) 2013 (n=229)

Quanto às competências e habilidades específicas, a maior parte dos egressos referiu como “bom” ou “muito bom” a aquisição da maioria dos domínios. No entanto, três habilidades mostraram-se com maior porcentagem de respostas regulares com relação às demais. São elas: “domínios de técnicas de leitura crítica” (14%) e “visão do papel social do médico e engajamento político” (19%) (Tabela 3).

Tabela 3
Percepção dos egressos quanto à aquisição de competências e habilidades específicas do curso de Medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp, formados entre 2005 e 2012, Campo Grande (Ms), 2013 (n=229)

No que se refere à aquisição de competências e habilidades complementares, houve divergência de respostas. Os resultados referentes às práticas gerais e específicas, tais como “estabelecer relação médico-paciente”, “realizar exame físico correlacionando com as referências anatômicas” e “realizar exame físico geral e segmentar”, atingiram maior percentual de respostas positivas (bom ou muito bom). No entanto, as respostas referentes ao “conhecimento das características do mercado de trabalho local e regional”, “realização de exame especial neurológico”, “realização do exame especial ortopédico” e “imobilização de fraturas” apresentaram respostas ruins e regulares, que, somadas, corresponderam a 26%, 49%, 69% e 83%, respectivamente (Tabela 4).

Tabela 4
Percepção dos egressos quanto à aquisição de competências e habilidades complementares do curso de medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp, entre 2005 a 2012, Campo Grande (Ms), 2013 (n=229)

DISCUSSÃO

Este é o primeiro inquérito que procurou identificar a situação profissional e a percepção dos egressos quanto às competências gerais e específicas previstas no projeto pedagógico do curso de Medicina da universidade pesquisada, sendo, então, pioneiro em abrangência, visto que a população-alvo foi o universo de egressos desde a primeira até a oitava turma (2005 a 2012).

O índice de resposta registrado no estudo foi superior ao esperado em questionários postais, que varia de 30% a 40%, e ao percentual do estudo realizado na Universidade Estadual de Londrina, na qual se obtiveram 29,9% de respostas77. Prince M, Stewart R, Ford T, Hotopf M. Practical Psychiatric Epidemiology. Oxford: Oxford Universty Press; 2003.,88. Sakai MH, Cordoni-Junior L. Os egressos da medicina da Universidade Estadual de Londrina: sua formação e prática médica. Espaç Saúde. 2004; 6:34-47..

Destaca-se que o procedimento de coleta de dados do presente estudo pode ter contribuído para o maior índice de resposta, já que o correio eletrônico é uma importante ferramenta de comunicação, rápida e ampla. A estratégia de contato telefônico pode ter ampliado o número de participantes, o que permitiu a atualização de endereços eletrônicos e a sensibilização para o objetivo da pesquisa. Observou-se também uma tendência de maior número de respostas entre os egressos que concluíram a graduação entre os anos de 2010, 2011 e 2012.

Por se tratar de percepção do egresso quanto às competências previstas na sua formação, não se pode descartar a possibilidade de que os egressos que avaliam de maneira mais positiva sua formação tenham se interessado em responder ao questionário, enquanto aqueles com uma avaliação menos favorável optaram por não participar do estudo.

Quanto aos egressos que participaram, houve predomínio do sexo feminino, diferentemente dos resultados do estudo realizado entre os egressos formados pela Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp99. Torres CA. Democracia, Educação e multiculturalismo: dilemas da cidadania em um mundo globalizado. São Paulo: Vozes; 2001.. Tal aspecto pode ser uma decorrência do aumento do número de mulheres formadas em Medicina a partir do ano de 20001010. Scheffer M, Biancarelli A, Cassenote AJ. Demografia Médica no Brasil: dados gerais e descrições de desigualdades. Relatório de pesquisa: 2011. São Paulo: Cremesp, 2011..

Constatou-se que a maioria dos médicos formados era de adultos jovens e solteiros. É importante salientar que a primeira turma se formou em 2005, logo, o resultado obtido representa profissionais recém-formados. Há uma tendência de juvenização da população médica, decorrente da elevação do número de formandos a partir dos anos 1996. É esperado que essa tendência se amplie, tendo em vista a implantação de novos cursos de Medicina nas últimas décadas1010. Scheffer M, Biancarelli A, Cassenote AJ. Demografia Médica no Brasil: dados gerais e descrições de desigualdades. Relatório de pesquisa: 2011. São Paulo: Cremesp, 2011..

Quanto à análise das competências gerais, a maioria foi avaliada como “muito bom” (atenção à saúde, comunicação e educação permanente) e “bom” (tomada de decisões, liderança, administração e gerenciamento), o que parece evidenciar a relevância da inserção dessas competências no currículo do curso, bem como sua importância para uma boa prática médica.

É importante destacar que a avaliação positiva dessas competências pode estar relacionada com a organização curricular do curso, que contempla o método pedagógico Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) e o ensino orientado para a comunidade, sendo a Estratégia Saúde da Família (ESF) um relevante cenário de aprendizagem.

Além disso, a percepção do egresso quanto às competências gerais sinaliza, de modo indireto, que a organização do curso, alicerçada na educação por competências, sugere a superação da visão tecnicista e o estímulo à capacidade de identificar as necessidades de resolver os problemas de saúde da sociedade contemporânea.

Do mesmo modo, vale a pena ressaltar que tais competências, previstas nas Diretrizes Nacionais Curriculares (DNC)11. Universidade Anhaguera-Uniderp. Projeto Pedagógico do Curso de Medicina. Campo Grande: Uniderp, 2000., reafirmam a importância da formação generalista e a capacidade de mobilizar conhecimentos para qualificar a prática profissional1111. Almeida M. Diretrizes curriculares para os cursos universitários na área de saúde. Londrina: Rede Unida; 2003.,1212. Siqueira-Batista R, Gomes AP, Albuquerque VS, Cavalcanti FOL, Cotta RMM. Educação e competências para o SUS: é possívelpensar alternativas à(s) lógica(s) do capitalismo tardio?. Ciên & Saúd Col, 2013; 18:159-170..

Franco et al.1313. Franco CAGS, Cubas MR, Franco RS. Currículo de Medicina e as competências propostas pelas diretrizes curriculares. RevBrasEducMed 2014; 38: 221-230., ao analisarem a inserção das competências propostas pelas DNC nas disciplinas do currículo do curso de Medicina de uma instituição filantrópica do Sul do País, observaram que competências gerais, em especial aquelas relacionadas à integralidade e à confidencialidade das informações, fazem parte de um número menor de disciplinas. Já aquelas ligadas às habilidades específicas, como anamnese e exame físico, aparecem com maior frequência nas disciplinas, tendo como justificativa a sua relevância para a prática médica.

Percebeu-se que a atenção à saúde foi uma competência de destaque na formação dos egressos. Ao abordar coordenadamente as ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação em saúde, facilita sobremaneira a formação de médicos com o perfil proposto pelas DNC – generalista e preparado para prestar cuidados de saúde contínuos e resolutivos à pessoa e à comunidade.

Em geral, as transformações vivenciadas nas sociedades contemporâneas colocam em pauta o desafio de fomento de discussões acerca da bioética e humanização na prática médica. Uma das estratégias que implica a redefinição dessa prática envolve processos de reformulação curricular, de modo a permitir a formação de médicos que sejam capazes de incorporar os referenciais da bioética e humanização às suas reflexões e ações1414. Rego S, Gomes AP, Siqueira-Batista R. Bioética e humanização como temas transversais na formação médica. Rev bras educ med 2008; 32: 482-491..

O fato de a maioria dos egressos ter referido maior capacidade de liderança, tomada de decisões e atuação em equipe multiprofissional ressalta a importância da diversidade de cenários de aprendizagem no decorrer da formação acadêmica que os exponha a lidar com os desafios do cotidiano dos serviços de saúde.

A superação desses desafios da prática médica, já definidos nas DNC, pressupõe que os currículos dos cursos de Medicina desenvolvam projetos inovadores que incorporem a importância do trabalho em equipe multiprofissional, da educação permanente, do exercício da liderança e da responsabilidade social1515. Sarreta FO. Educação permanente em saúde para os trabalhadores do SUS. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2009..

A educação permanente é outra competência de destaque na formação, visto que incentiva o estudante a desenvolver elevado grau de crítica, capacidade de compreender as necessidades da sociedade e de si, e o desenvolvimento de autonomia e de incremento coletivo1616. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad. Saúde Pública 2004; 20: 190-198..

Deve-se ainda mencionar que a competência relacionada à administração e gerenciamento apresentou resultados menos satisfatórios quando comparada às outras competências gerais, o que pode estar relacionado a uma fragilidade no desenvolvimento desta competência nos módulos e cenários de aprendizagem. Por outro lado, pode ocorrer o reduzido interesse de médicos em assumir a função de gestor ou de empregador. Mesmo assim, deve-se atentar para a necessidade de valorização desta competência nos cenários de aprendizagem, para que o estudante compreenda a sua importância durante a graduação e se comprometa com as ações de gerenciamento e administração de serviços de saúde.

Em relação às habilidades específicas, houve predomínio de avaliação “bom” ou “muito bom” na maioria das competências a elas relacionadas. As competências referentes ao ato médico per se, as chamadas competências técnicas e cognitivas, como procedimentos médicos, conhecimentos fisiopatológicos e realização de referência e contrarreferência, foram mais bem avaliadas. Este fato pode ser justificado pelo desenvolvimento da matriz pedagógica de procedimentos médicos, instituída pelo curso de Medicina da universidade pesquisada a partir do ano de 2008, a qual estabelece os procedimentos requeridos pelos estudantes de Medicina, seus referidos níveis de complexidade e sua distribuição no currículo1717. Domingos ALA, Salles ACC, Lima AA, Almeida GC, Silva MM, Santos SC. Procedimentos diagnósticos e terapêuticos: processo de inserção de habilidades e competências médicas no currículo do curso de medicina da Anhanguera-Uniderp. Rev bras educ med2014; 38: 542-547..

Em contrapartida, nas competências integrativas e relacionais, embora o predomínio de respostas tenha sido “bom”, houve expressivo percentual de respostas “regular” nas competências técnicas de “leitura crítica”, “visão do papel social do médico e engajamento político” e “conhecimento das características do mercado de trabalho locorregional. A literatura suporta os dados obtidos na pesquisa quanto ao papel social do médico e engajamento político, pois somente é considerado importante aquilo que se oferece com representação ao estudante. Deste modo, algumas competências/habilidades devem ser estimuladas desde o início do curso, por mais que não sejam completamente desenvolvidas. Se não houver, desde os primeiros semestres da graduação, o indicativo da importância do trabalho em um sistema hierarquizado, preocupando-se com educação permanente, sendo ativo, líder, responsável socialmente, há grandes possibilidades de o estudante não conseguir realizar essas ações após a graduação, pois seu olhar poderá estar limitado à medicina estritamente curativa1313. Franco CAGS, Cubas MR, Franco RS. Currículo de Medicina e as competências propostas pelas diretrizes curriculares. RevBrasEducMed 2014; 38: 221-230.,1818. Almeida LPG, Ferraz CA. Políticas de formação de recursos humanos em saúde e enfermagem. Rev bras enferm 2008; 61: 31-35..

Em relação ao mercado de trabalho, o acadêmico vivencia o Sistema Único de Saúde em todos os seus níveis de atenção desde o seu ingresso no curso e de forma mais intensa no estágio supervisionado. No entanto, sabe-se que o projeto pedagógico não prevê inserção acadêmica no mercado de trabalho da saúde suplementar, colaborando para o resultado da per- cepção mencionada. O resultado obtido na competência “técnicas de leitura crítica” surpreendeu os pesquisadores, haja vista que os alunos são submetidos muito precocemente a este aprendizado e em níveis crescentes de complexidade em módulos teórico-práticos longitudinais do primeiro ao oitavo semestre do curso. Quanto à aquisição das habilidades complementares, os egressos avaliaram como “bom’ ou ‘muito bom” quanto a conhecimentos científicos básicos, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, conhecimento dos princípios básicos do exame físico geral, exame pediátrico, manobras de suporte básico, indicar e interpretar exames complementares e realizar procedimentos básicos.

Embora se possam desenvolver as habilidades supracitadas em laboratórios e em treinamentos simulados, a inserção dos acadêmicos em atividades práticas desde seu ingresso no curso de Medicina nos diversos níveis de atenção à saúde pode ter contribuído para o resultado da pesquisa.

No entanto, parcela significativa considera regular sua habilidade em realizar exame especial neurológico, atendimento ao paciente politraumatizado e manobras de suporte avançado, e grande parcela considera entre ruim e regular a realização de exame ortopédico e imobilização de fraturas. Habilidades complexas, como atendimento ao politraumatizado e suporte avançado de vida, necessitam não somente de cenários simulados. Embora o curso de Medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp ofereça internato em dois anos, os egressos ainda não consideraram satisfatório o nível adquirido nestas habilidades. É oportuno ressaltar que apenas a partir de 2011 se iniciou internato específico no cenário de urgência e emergência, o que pode ter suprido esta deficiência. No entanto, não é possível afirmar tal fato, visto que a comparação entre as turmas de egressos não foi objetivo desta pesquisa.

O exame neurológico é uma habilidade desafiadora para o estudante de Medicina1919. Safdieh JE, Lin A, Aizer J, Marzuk PM, Grafstein B, Storey-Jhonson C, et al. Standardized patient outcomes trial (SPOT) in neurology. Med Educ Online 2011; 16.. Apesar de sua importância, com o declínio do ensino à beira do leito, esta habilidade vem sendo reduzida nas escolas médicas2020. Charles PD, Scherokman B, Jozefowicz RF Charles PD, Scherokman B, Jozefowicz RF. American Academy of Neurology Undergraduate Education Subcomitee. How much neurology should a medical student learn? A position Statement of the AAN Undergraduate Education Subcommittee. Academy of Medicine 1999; 74: 23-26.. Apesar de prevista na matriz curricular e haver espaço destinado especificamente ao desenvolvimento desta habilidade, sua aquisição foi considerada regular. A utilização de pacientes simulados como estratégia de aprendizado pode ser uma alternativa para suprir tal necessidade, já que há resultados positivos com esta experiência na literatura1919. Safdieh JE, Lin A, Aizer J, Marzuk PM, Grafstein B, Storey-Jhonson C, et al. Standardized patient outcomes trial (SPOT) in neurology. Med Educ Online 2011; 16..

Com base na análise do processo de formação médica oferecido pelo projeto pedagógico do curso de Medicina da Universidade Anhanguera-Uniderp, na percepção dos egressos, é possível inferir que há reconhecimento da aquisição de competências, habilidades e conhecimentos de forma integrada, favorecida pelo método pedagógico Aprendizado Baseado em Problemas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação do perfil dos egressos da Universidade Anhanguera-Uniderp serviu de base para mudanças no curso, fornecendo subsídios para melhoria da qualidade de ensino e respondendo às necessidades do acadêmico durante a graduação.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2017
  • Aceito
    28 Mar 2017
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