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Cartografia das escolas médicas: a distribuição de cursos e vagas nos municípios brasileiros em 2020

Resumo:

Introdução:

O número de cursos de Medicina no Brasil e a quantidade de vagas ofertadas cresceram consideravelmente nos últimos anos. A partir de 2013, essa expansão tinha o objetivo de atingir sobretudo o interior do país.

Objetivo:

Considerando que existem diversos interesses em torno dessa expansão e que essa realidade influencia diretamente as políticas de educação e saúde do país, o objetivo deste estudo foi analisar a quantidade e a distribuição, em 2020, desses cursos e vagas nos municípios brasileiros.

Método:

Trata-se de estudo transversal com dados disponibilizados pelo Ministério da Educação e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As variáveis estudadas foram números de cursos, número de vagas e características dos municípios das escolas médicas, como tamanho da população, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e distância em relação à capital do respectivo estado.

Resultados:

Há 328 cursos em atividade que ofertam 35.480 vagas para ingressantes em Medicina. Ocorre diferença quando se analisam instituições públicas ou privadas e instituições gratuitas ou pagas. Há maior oferta de vagas em cursos pagos (74,1%) e em municípios de interior (69,8%). No interior, 27,8% das vagas são ofertadas por municípios distantes de um a 100 km da capital. A menor parte das vagas (7,9%) é ofertada em municípios de IDH médio, sendo o restante em municípios de IDH alto ou muito alto. O aumento do IDH está relacionado à maior proporção de cursos privados ofertando vagas de Medicina. Observou-se que não há correspondência entre o número absoluto de vagas e a população da Região Norte, o que ocorre nas demais regiões do país.

Conclusões:

A formação médica está sob várias influências, a exemplo das tendências econômicas e políticas. Essa discussão precisa levar em consideração a regionalização e a democratização do acesso. Observou-se tendência de as instituições públicas se destinarem a municípios mais distantes. Apesar de maior homogeneidade entre as regiões, a Região Sudeste ainda concentra quase metade das vagas. Além disso, o aumento do número de vagas em cursos privados evoca o questionamento sobre o perfil de estudantes que têm a oportunidade de acessar essa graduação.

Keywords:
Educação Médica; Escolas Médicas; Educação Superior; Políticas de Saúde; Estudantes de Medicina

Abstract:

Introduction:

The number of medical schools in Brazil, as well as the number of vacancies offered at these schools, has grown considerably in the last few years. Since 2013, this increasehas aimedat reaching especially the rural and underserved areas of the country.

Objective:

Considering that there are many different interests concerning this debate and that this reality directly influences the education and health policies of the country, the aim of this study was to evaluate the number and the distribution of the medical courses,as well as vacancies in these schools in 2020, presenting an updated overview of the Brazilian medical schools.

Methods:

This was a cross-sectional study, based on data gathered from the Brazilian Ministry ofEducation and Institute of Geography and Statistics (IBGE) website. The utilized variables were the number of courses, number of vacancies offered in each course, characteristics of the cities where the medical schools are located, such as population size, Human Development Index (HDI) and distance to the capital city of each state.

Results:

Among the institutions that have already initiated their activities, there are 328 active courses, offering 35.480 vacancies for Medical School applicants. There is a difference when analyzing public or private institutions and paid or tuition-free institutions. There is a greater offer of paid courses (74,1%) and of courses located in the countryside (69,8%). Among the courses in the countryside, 27,8% of the vacancies are offered within 100 km of the capital city. Only 7,9% of the annual vacancies are offered in cities with a medium HDI, and the remainder are offered in cities with high or very high HDI. The increase in HDI is related to the higher proportion of private courses offering medical vacancies. It was observed that there is no correspondence between the absolute number of vacancies and the population of the North region, differentfrom what occurs in the other regions of the country.

Conclusions:

Medical training is under many influences, such as economic and political trends. This discussion needs to consider the regionalization and democratization of access. It was observed that public institutions tend to be located in municipalities that are farther away from the capitals. Even though there is now greater homogeneity between the regions, the Southeast still concentrates almost half of the vacancies in medical courses. Also, the increase in the number of vacancies in private courses brings up the reflection about the socioeconomic profile of medical students who have the opportunity to gain access to this level of education.

Keywords:
Medical Education; Medical Schools; College Education; Health Policies; Medical Students

INTRODUÇÃO

A atual distribuição das escolas médicas no Brasil é reflexo de políticas públicas relativamente recentes que tinham como objetivo melhorar os indicadores nacionais de saúde11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015.. Especialmente na década de 2010, o déficit de profissionais aumentou devido à maior oferta de serviços públicos de saúde22. Matias MC, Verdi M, Finkler M, Ros MAD. O Programa Mais Médicos no contexto das estratégias de mudança da formação médica no país: reflexões e perspectivas. Saúde Soc. 2019;28:115-27 [acesso em 10 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2019.v28n3/115-127/pt/ .
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A expansão de cursos de Medicina é um processo que esteve presente em outros momentos da história do país33. Oliveira FPD, Pinto HA, Figueiredo AMD, Cyrino EG, Oliveira Neto AVD, Rocha VXMD. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Formação de 2013 a 2015. Interface (Botucatu). 2019;23:e170949 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832019000600203&lng=pt&nrm=iso .
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. A década de 1960 foi marcada pela criação de 35 escolas médicas. Essa ampliação progrediu a ponto de haver 113 escolas implantadas no fim do século passado44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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. Contudo, essa expansão se fez mais intensa nas primeiras décadas do novo século, pois, nos últimos 20 anos, o número de escolas quase triplicou55. Oliveira BLCAD, Lima SF, Pereira MUL, Pereira Júnior GA. Evolução, distribuição e expansão dos cursos de medicina no Brasil (1808-2018). Trab Educ Saúde. 2019;17(1):e0018317 [acesso em 07 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S198177462019000100509&lng=pt&nrm=iso .
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. No final de 2010, havia 179 cursos55. Oliveira BLCAD, Lima SF, Pereira MUL, Pereira Júnior GA. Evolução, distribuição e expansão dos cursos de medicina no Brasil (1808-2018). Trab Educ Saúde. 2019;17(1):e0018317 [acesso em 07 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S198177462019000100509&lng=pt&nrm=iso .
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, alcançando a marca de 351 cursos e 37.221 vagas autorizadas em 2020.

Esse processo está intimamente relacionado à promulgação da Lei nº 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos (PMM), como tentativa de melhorar a desigualdade de acesso aos serviços de saúde pela população6. Essa diferença decorre da concentração de médicos e escolas médicas nos centros urbanos mais desenvolvidos, gerando uma carência desses profissionais em regiões com piores indicadores de saúde, geralmente mais afastadas de grandes centros11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015..

Em 2012, conforme inscrições primárias do Conselho Federal de Medicina (CFM), o Ministério da Saúde (MS) divulgou média nacional de 1,8 médico por mil habitantes no Brasil. Esse valor é inferior à média de outros países como Portugal, Reino Unido, Uruguai e Argentina, que possuíam, no mesmo ano, as relações de 3,8, 2,7, 3,7 e 3,9; respectivamente11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015.. Apesar de se tratar de uma média nacional, é importante observar que a distribuição geográfica desses profissionais é desigual: apenas 8% dos médicos atuavam, em 2013, em municípios com menos de 50 mil habitantes, que representam 90% das cidades do país22. Matias MC, Verdi M, Finkler M, Ros MAD. O Programa Mais Médicos no contexto das estratégias de mudança da formação médica no país: reflexões e perspectivas. Saúde Soc. 2019;28:115-27 [acesso em 10 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2019.v28n3/115-127/pt/ .
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. A fim de amenizar essa disparidade, o PMM planejava uma ampliação direcionada de vagas na graduação e nas residências médicas. Tal ampliação deveria seguir critérios de necessidade social, descentralização e interiorização das faculdades11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015.)-(33. Oliveira FPD, Pinto HA, Figueiredo AMD, Cyrino EG, Oliveira Neto AVD, Rocha VXMD. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Formação de 2013 a 2015. Interface (Botucatu). 2019;23:e170949 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832019000600203&lng=pt&nrm=iso .
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.

Entretanto, a expansão de cursos de Medicina tem resultado em intenso debate, envolvendo parlamentares, gestores públicos federais, estaduais e municipais, gestores da área da saúde suplementar, entidades médicas, entidades e especialistas da área de educação médica, alunos e entidades do movimento estudantil, com opiniões divergentes. Todo esse debate se justifica na percepção de que o aumento do número de médicos deve estar necessariamente ligado ao aprimoramento da formação, da especialização e da educação permanente desses profissionais, visto que uma boa formação está diretamente relacionada à qualidade da atenção à saúde ofertada à população77. Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I. São Paulo: Programa de Apoio Institucional ao Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde; 2013 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf .
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.

Portanto, este estudo teve como objetivo analisar a quantidade, a distribuição geográfica e as características dos municípios que sediam cursos de Medicina. Dessa forma, apresenta-se um panorama em relação às escolas médicas brasileiras em 2020, a fim de se contribuir para a análise da oferta de graduação em Medicina no país.

MÉTODO

Trata-se de estudo de delineamento transversal que utilizou dados do portal eletrônico do Ministério da Educação (e-MEC)8 e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE cidades [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br
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. O trabalho foi cadastrado na Plataforma Brasil/ Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG).

A respeito das escolas, foram coletadas as seguintes variáveis: vínculo administrativo, gratuidade e número de novas vagas ofertadas anualmente. Em relação aos municípios, coletaram-se estas variáveis: região geográfica, localização na capital ou no interior, distância até a capital do estado, porte e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Quanto ao vínculo administrativo, classificaram-se as escolas em públicas - municipais, estaduais ou federais - e privadas com e sem fins lucrativos. Os municípios foram classificados, conforme a região geográfica, em: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Também se obtiveram os dados populacionais de cada uma das regiões1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da população residente no Brasil e unidades da Federação com data de referência em 1º de julho de 2019. Brasília: IBGE; 2019 [acesso em 7 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2019/estimativa_dou_2019.pdf
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, a fim de apresentar a razão entre as vagas e o número de habitantes. Assim, foi possível atualizar a relação histórica apresentada pelo MS sobre a relação de vagas por habitantes nas regiões brasileiras11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015..

A distância até a capital foi estratificada nos intervalos de 1-100 km, 101-200 km, 201-300 km, 301-400 km, 401-500 km e 501-900 km. O porte do município foi classificado a partir do número de habitantes, subdividido em pequeno (menor que 20 mil habitantes), médio-pequeno (20-50 mil habitantes), médio (50-100 mil habitantes), médio-grande (100-500 mil habitantes) e grande (mais de 500 mil habitantes), conforme proposto pelo livro População e cidades: subsídios para o planejamento e para as políticas sociais1111. Peres RG, Zimmermann G. Gestão e planejamento de cidades e políticas sociais: gestão metropolitana - possibilidades e desafios. In: Baeninger R, organizadora. População e cidades: subsídios para o planejamento e para as políticas sociais. Campinas: Núcleo de Estudos de População (Nepo)/Unicamp; 2013. p. 210-12 [acesso em 14 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/pop_e_cidades/pop_e_cidades.pdf .
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. Para a classificação do IDH, utilizou-se a proposta da Organização das Nações Unidas (ONU) (1212. Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento [Internet]. Brasília: PNUD ONU; 2013 [acesso em 4 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idhm-municipios-2010.html .
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que divide os valores entre baixo (abaixo de 0,550), médio (0,550-0,699), alto (0,700-0,799) e muito alto (acima de 0,800).

O critério de inclusão neste trabalho foi a existência do curso de Medicina no portal e-MEC, independentemente do sistema de ensino da escola médica, sendo as variáveis atualizadas em fevereiro de 2020. Excluíram-se os cursos extintos ou que ainda não iniciaram as atividades.

Realizou-se a análise descritiva dos dados por meio do software R versão 3.4.0, em que se utilizaram frequências absolutas e relativas para variáveis categóricas, e média e desvio padrão ou mediana e percentil 25 e 75 para variáveis contínuas.

RESULTADOS

Em fevereiro de 2020, havia 351 cursos de Medicina no Brasil, totalizando 37.221 vagas autorizadas. Desses, 21 ainda não haviam iniciado as atividades, representando 1.511 vagas. Um curso estava extinto e um em extinção, totalizando 230 vagas que deixaram de existir. Portanto, este estudo incluiu 328 cursos iniciados e em atividade, totalizando 35.480 vagas para ingressantes em cursos de Medicina no Brasil.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos cursos e vagas em Medicina a partir do vínculo administrativo da instituição, sendo públicas (municipais, estaduais ou federais) ou privadas (com ou sem fins lucrativos); região geográfica; e características dos municípios (distância em relação à capital do estado, porte e IDH).

Tabela 1
Distribuição dos cursos e das vagas em Medicina disponibilizadas por vínculo administrativo, região geográfica e características dos municípios, Brasil, 2020

Há predomínio de cursos e de vagas em instituições privadas. A diferença é maior quando se compara pagamento com gratuidade: quase três quartos das novas vagas de Medicina são ofertadas em cursos pagos.

Dentre as instituições públicas, há maior quantidade de cursos e vagas em instituições federais, seguidas por estaduais e municipais. Ademais, todas as instituições públicas municipais são pagas. Em relação às instituições privadas, há discreto predomínio de cursos e vagas de Medicina em instituições sem fins lucrativos.

Há maior concentração de cursos e de vagas na Região Sudeste, seguida pelas Regiões Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte, respectivamente. Há predomínio de cursos e vagas em Medicina nos municípios mais próximos à capital, e o intervalo de até 100 km de distância tem o maior número. Existe menor quantidade de cursos e vagas em municípios com distâncias acima de 500 km da capital, e a distância máxima encontrada foi de 900 km.

Os municípios de grande porte concentram o maior número de vagas, seguidos pelos médio-grandes. Como há apenas um curso de Medicina em município de pequeno porte que oferta 120 vagas, ele foi apresentado com os cursos em municípios médio-pequenos.

Não existe oferta de curso de Medicina em município com IDH baixo. Há maior número de cursos e vagas em municípios de IDH alto, seguido pelos municípios de IDH muito alto e então os de IDH médio.

A Figura 1 apresenta a distribuição das escolas médicas no território brasileiro, destacando-as conforme sua localização na capital ou no interior. A representação é proporcional ao número de cursos de uma determinada cidade.

Figura 1
Distribuição de escolas médicas por cidades, em quantidade e em capitais e interior, Brasil, 2020

Percebe-se que as escolas médicas brasileiras não estão bem distribuídas pelo território nacional. Pode-se observar que as Regiões Sudeste e Sul têm grande concentração de escolas, ainda que a última aparente distribuição mais homogênea em seu território. A capital de São Paulo, por exemplo, tem o maior número de escolas em uma mesma cidade: 12. Já em Minas Gerais, há notável contraste em relação à concentração de cursos: o sul do estado, com muitas escolas, assemelha-se a São Paulo; e o norte do estado, com menor número de escolas, ao interior da Bahia. Na Região Nordeste, destaca-se a concentração de escolas nas capitais e em regiões litorâneas, no entanto há exceções que apresentam maior número de escolas no interior, como o estado da Bahia, e, em menor quantidade, como Paraíba e Piauí. Nas Regiões Norte e Centro-Oeste, é possível observar concentração nas capitais, com pontos isolados de escolas no interior. Dos estados dessas regiões, Goiás se destaca com maior número de escolas no interior.

A Tabela 2 apresenta a comparação entre escolas médicas públicas ou privadas e escolas médicas gratuitas ou pagas, demonstrando a distribuição tanto de cursos como de vagas nessas instituições.

Tabela 2
Comparação da distribuição de cursos e vagas em instituições públicas e privadas, e gratuitas e pagas, Brasil, 2020, porcentagens por linhas

A maioria das instituições que oferta curso de Medicina na Região Norte é privada. Um curso de Medicina público com administração municipal tem cobrança de mensalidade nessa região brasileira.

Na Região Nordeste, há maior número de cursos em instituições públicas do que em instituições privadas, contudo o número de vagas nas públicas é menor que nas privadas. Nessa região, não há cursos públicos com cobrança de mensalidade.

Há predomínio de cursos e vagas em instituições públicas na Região Centro-Oeste. Isso não se repete quando se utiliza a classificação gratuitas ou pagas, uma vez que há cursos públicos municipais que cobram mensalidades. Os cursos gratuitos concentram menos de um terço das vagas de Medicina nessa região.

Na Região Sudeste, há predomínio de cursos em instituições privadas, com predomínio também de número de vagas nessas escolas. A diferença é maior quando se analisam as instituições gratuitas ou pagas, já que essa região possui a maior concentração de vagas em cursos de Medicina pagos.

Na Região Sul, também ocorre predomínio de instituições privadas. A diferença é ligeiramente maior quando se comparam os cursos gratuitos ou pagos, uma vez que uma instituição pública municipal cobra mensalidade nessa região.

Há maior concentração de vagas no interior em relação às capitais, independentemente da faixa de distância na qual se encontram. No intervalo de distância de 1 a 100 km da capital, a concentração de cursos e vagas em escolas pagas é muito maior do que em qualquer outro intervalo.

No intervalo de 201 a 300 km de distância, há maior concentração de cursos em instituições públicas. Isso não ocorre em relação às vagas, uma vez que a maioria delas está em cursos de Medicina privados. Como existem três instituições públicas municipais que cobram mensalidade nesse intervalo, há predomínio tanto de cursos quanto de vagas em instituições pagas.

Percebe-se maior concentração de cursos privados e pagos, independentemente do porte do município. Entre os cursos localizados em municípios pequenos ou médio-pequenos, a discrepância entre públicos/privados e gratuitos/pagos é maior.

Em municípios de médio porte, ocorre maior diferença quando se comparam cursos públicos/privados e gratuitos/pagos. Quando se analisa a distribuição de acordo com o IDH dos municípios, percebe-se que o aumento do IDH está relacionado a uma maior proporção de cursos privados ou pagos.

O Gráfico 1 apresenta a evolução histórica da relação de vagas em cursos de Medicina por dez mil habitantes, em cada uma das cinco regiões brasileiras. As informações até o ano de 2015 foram obtidas de dados do MS11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015., e atualizou-se a coluna de 2020 conforme as informações levantadas por esta pesquisa.

Gráfico 1
Evolução histórica da relação entre vagas em cursos de Medicina e a população brasileira, em dez mil habitantes

Verificou-se correspondência entre o número absoluto de vagas e o número de habitantes da maioria das regiões. Quando se ordenam as regiões pelo tamanho de suas populações, obtém-se ordem similar às regiões com maior número de vagas. A Região Norte é a exceção, pois é a quarta região do país em número de habitantes, mas a quinta em número absoluto de vagas de Medicina.

Percebe-se uma aproximação entre as proporções das regiões após o PMM, retornando a diferenças um pouco maiores em 2020. Todas as regiões superaram a relação de uma vaga para cada dez mil habitantes, proporção que era realidade apenas para o Sudeste até 201211. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015..

A Figura 2 apresenta a densidade relativa de vagas em cursos de Medicina por dez mil habitantes nos estados brasileiros.

Figura 2
Densidade relativa de vagas em cursos de Medicina por dez mil habitantes, por estados, Brasil, 2020

É possível perceber que a densidade relativa de vagas por dez mil habitantes é desigual entre as regiões brasileiras e principalmente entre alguns estados, assim como ocorre com a localização dos cursos no território nacional. As menores densidades relativas estão localizadas na Região Norte. O estado de Rondônia, que possui a maior densidade relativa dentro dessa região, tem uma pequena população, menos de dois milhões de pessoas, justificando tal densidade. A Região Centro-Oeste possui 1,8 médico por mil habitantes, segunda maior relação entre as regiões. Contribui para esse dado o fato de o estado de Tocantins possuir a maior densidade relativa de vagas no país. A Região Nordeste tem estados com realidades distintas, uma vez que Maranhão e Ceará têm densidades relativas menores, que se assemelham a estados do Norte. Já a Paraíba tem densidade similar a Minas Gerais, sendo esses os estados com as maiores densidades relativas de suas respectivas regiões. Os demais estados do Sudeste e Sul têm densidades intermediárias que se justificam pela maior população.

DISCUSSÃO

Este trabalho apresenta dados de cursos e vagas em Medicina, subdivididos tanto em escolas públicas ou privadas quanto em escolas gratuitas ou pagas. Isso ocorre porque a discussão apenas sobre o número de escolas médicas é insuficiente para entender a real distribuição no país. A existência de cursos de administração pública municipal que cobram mensalidades faz com que a categorização em escolas públicas ou privadas, utilizada em boa parte dos estudos da área44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmb...
),(66. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 out 2013 [acesso em 6 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
),(77. Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I. São Paulo: Programa de Apoio Institucional ao Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde; 2013 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf .
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, necessite ser mais bem detalhada, justificando-se assim a importância da categoria “gratuitas ou pagas”.

Um trabalho de 2015 que avaliou a implementação do PMM, um dos principais fatores que influenciaram nas mais recentes mudanças no número de cursos e vagas em Medicina, apontou que o processo de interiorização teve volume suficiente para inverter o número absoluto de vagas nas capitais e no interior44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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. Porém, em 2018, Oliveira et al. mostraram que as capitais concentravam 30,3% das vagas em escolas médicas, as regiões metropolitanas (excluindo-se a capital) concentravam 20,7% das vagas, e as outras 49% estavam no interior, demonstrando assim que essa inversão dependia da inclusão dos municípios de regiões metropolitanas enquanto municípios de interior33. Oliveira FPD, Pinto HA, Figueiredo AMD, Cyrino EG, Oliveira Neto AVD, Rocha VXMD. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Formação de 2013 a 2015. Interface (Botucatu). 2019;23:e170949 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832019000600203&lng=pt&nrm=iso .
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Além da classificação capital/interior, esta pesquisa avaliou também a distância dos municípios com sede de escolas médicas até a capital do respectivo estado. Os primeiros chamamentos do PMM foram dirigidos exclusivamente a cidades que não eram capitais, não tinham curso de Medicina e distavam pelo menos 70 km de um município com escola médica44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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. Mesmo assim, percebe-se tendência de interiorização em municípios mais próximos da capital, uma vez que os cursos de Medicina entre um e 100 km das capitais, muitos deles localizados nas próprias regiões metropolitanas, têm a maior concentração das vagas no interior, chegando atualmente a 27,8% delas. É nesse intervalo de distância que se encontra a maior concentração de cursos de medicina pagos, chegando à proporção de 92,8% do total das vagas localizadas entre um e 100 km da capital.

Já o intervalo com a maior proporção de escolas médicas públicas, é de 201-300 km de distância da capital, no qual estas concentram 48,9% das vagas. Assim, demonstra-se uma tendência de as escolas médicas públicas apresentarem uma interiorização que chega a municípios mais distantes, o que contribui para amenizar a desigualdade na distribuição das escolas médicas11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015..

O PMM planejou que a expansão da oferta de graduação em Medicina ocorresse preferencialmente a partir do aumento de vagas e cursos em universidades públicas44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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),(66. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 out 2013 [acesso em 6 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
),(1313. Oliveira FPD. As mudanças na formação médica introduzidas pelo Programa Mais Médicos [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/34447 .
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
, restando à iniciativa privada a responsabilidade pela abertura de vagas que as instituições públicas não fossem capazes de criar11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015.. Além disso, a abertura de cursos deveria ser feita em regiões com menor relação médico por habitante, tendo como meta a proporção de 2,7 médicos para cada mil habitantes em 20261313. Oliveira FPD. As mudanças na formação médica introduzidas pelo Programa Mais Médicos [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/34447 .
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
.

No entanto, as vagas em escolas médicas têm sido predominantemente ofertadas por instituições privadas desde 1963 e vêm aumentando progressivamente66. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 out 2013 [acesso em 6 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm .
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, atingindo atualmente 69,2% do total7. Entre 2013 e 2015, houve considerável expansão pública quando ocorreu maior componente de interiorização. Mesmo assim, a maior parte das vagas criadas nesse período foi em instituições privadas1313. Oliveira FPD. As mudanças na formação médica introduzidas pelo Programa Mais Médicos [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/34447 .
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
.

Isso pode ter ocorrido diante das várias emendas à medida provisória (MP), convertida posteriormente na Lei nº 12.871/2013, que modificaram alguns critérios para abertura de cursos. Quando se analisam essas emendas, percebe-se que as expressivas alterações ocorridas nos atos normativos evidenciam a existência de diversos interesses envolvidos no processo de abertura de escolas médicas no Brasil, causando tanto o aprimoramento como o desvio dos objetivos iniciais do programa1414. Oliveira FPD, Costa AM, Cardoso AJC, Trindade JDS, Dias IMAV. Análise das emendas parlamentares ao Programa Mais Médicos: o modelo de formação médica em disputa. Saúde Debate 2017;41:60-73 [acesso em 3 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sdeb/2017.v41nspe3/60-73/ .
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A privatização da graduação em Medicina se insere também no cenário da expansão do mercado privado de ensino, beneficiado por incentivos governamentais, como o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni), e pela atuação do capital estrangeiro e de conglomerados de educação66. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 out 2013 [acesso em 6 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm .
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),(1515. Scheffer MC, Dal Poz MR. The privatization of medical education in Brazil: trends and challenges. Hum Resour Health. 2015;13(1):96 [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-015-0095-2 .
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. Porém, somando-se os estudantes que conquistam uma vaga por meio desses programas, o total não supera 20% dos ingressantes em cursos privados77. Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I. São Paulo: Programa de Apoio Institucional ao Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde; 2013 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf .
http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publ...
.

Além disso, são necessários estudos para compreender melhor como o acesso ao ensino médico e a fixação de médicos estão correlacionados, pois observou-se que os alunos de faculdades particulares têm maiores taxas de evasão do estado no qual se formaram que os das universidades públicas66. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 out 2013 [acesso em 6 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
. É importante entender, portanto, que não basta apenas aumentar o número de egressos em cursos de Medicina nas regiões tidas como estratégicas. Também são necessárias políticas públicas que favoreçam a fixação desses profissionais nessas regiões, bem como incentivem a atuação dos médicos no Sistema Único de Saúde (SUS)22. Matias MC, Verdi M, Finkler M, Ros MAD. O Programa Mais Médicos no contexto das estratégias de mudança da formação médica no país: reflexões e perspectivas. Saúde Soc. 2019;28:115-27 [acesso em 10 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2019.v28n3/115-127/pt/ .
https://www.scielosp.org/article/sausoc/...
),(77. Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I. São Paulo: Programa de Apoio Institucional ao Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde; 2013 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf .
http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publ...
),(1616. Figueiredo AM, McKinley DW, Lima KC, Azevedo GD. Medical school expansion policies: educational access and physician distribution. Med Educ. 2019;53(11):1121-31 [acesso em 24 maio 2020]. Disponível em: Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/medu.13941 .
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
. O estudo Demografia médica no Brasil 2018 chama a atenção para o fato de que quatro em cada dez recém-formados em Medicina pretendem exercer a profissão na cidade em que nasceram, sendo esse o principal fator de fixação encontrado em tal pesquisa1717. Scheffer M, Cassenote A, Guilloux AGA, Biancarelli A, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia médica no Brasil 2018. São Paulo: FMUSP, CFM, Cremesp; 2018 [acesso em 28 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index10/?numero=15&edicao=4278 .
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. Portanto, reserva de vagas ou bônus em processos seletivos a alunos que concluíram o ensino médio em zonas próximas aos câmpus podem influenciar em sua posterior fixação no local onde realizaram a graduação1818. Germano, JCV. Perfil dos estudantes do Curso de Medicina da Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte/UFRN [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2017 [acesso em 16 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/25036 .
https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle...
.

O PMM acreditava que a formação desses novos profissionais seria o principal meio para ampliar a oferta de médicos no Brasil44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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. Entretanto, cabe ressaltar que não há na literatura parâmetro validado que indique um valor ideal de médicos por mil habitantes. Essa relação depende principalmente do modelo assistencial de saúde adotado por cada país, no caso do Brasil, um sistema de saúde público e universal, com coordenação do cuidado a partir da atenção primária22. Matias MC, Verdi M, Finkler M, Ros MAD. O Programa Mais Médicos no contexto das estratégias de mudança da formação médica no país: reflexões e perspectivas. Saúde Soc. 2019;28:115-27 [acesso em 10 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2019.v28n3/115-127/pt/ .
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.

Ao analisar experiências internacionais, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) observou que, desde o ano de 2000, a maioria dos países-membros vivenciou um aumento na relação de médicos por habitantes por meio de iniciativas governamentais1919. Organization for Economic Cooperation and Development. Health at a Glance 2015: OECD Indicators. Paris: OECD; 2016 [acesso em 16 set 2020]. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1787/health_glance-2015-en .
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. O número de vagas de graduação foi elevado porque havia certo temor em relação a uma provável escassez desses profissionais no futuro. Há países que também possuem dificuldade em oferecer uma distribuição igualitária dos serviços de saúde entre áreas urbanizadas e centrais e áreas do interior2020. Strasser RP, Lanphear JH, McCready WG, Topps MH, Hunt DD, Matte MC. The Northern Ontario School of Medicine: Social Accountability Through Distributed Community Engaged Learning. Canada: Academic Medicine; 2009 [acesso em 16 set 2020]. Disponível em: https://journals.lww.com/academicmedicine/fulltext/2009/10000/canada_s_new_medical_school__the_northern_ontario.39.aspx?casa_token=bT82UlP3_hwAAAAA:gfhYMu5SPx9q7so4jSJvbfVvrnSy12MJve28qhG7Pqw8eivtxU_ynhCl5cITFrX7bd1xzikHfpyfY3nlrbBsWBiF.
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Nesses países, percebeu-se que apenas aumentar o número de médicos não foi efetivo para resolver tal disparidade, havendo necessidade de medidas como a relatada por Strasser et al.2020. Strasser RP, Lanphear JH, McCready WG, Topps MH, Hunt DD, Matte MC. The Northern Ontario School of Medicine: Social Accountability Through Distributed Community Engaged Learning. Canada: Academic Medicine; 2009 [acesso em 16 set 2020]. Disponível em: https://journals.lww.com/academicmedicine/fulltext/2009/10000/canada_s_new_medical_school__the_northern_ontario.39.aspx?casa_token=bT82UlP3_hwAAAAA:gfhYMu5SPx9q7so4jSJvbfVvrnSy12MJve28qhG7Pqw8eivtxU_ynhCl5cITFrX7bd1xzikHfpyfY3nlrbBsWBiF.
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no Canadá, que optou pela abertura de escolas de Medicina em regiões do interior. Já estudos sul-africanos2121. Wilson NW, Couper ID, Vries ED, Reid S, Fish T, Marais B. A critical review of interventions to redress the inequitable distribution of healthcare professionals to rural and remote areas. Rural Remote Health. 2009;9:1060 [acesso em 16 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.rrh.org.au/journal/article/1060 .
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sugerem que os países souberam distribuir com sucesso seus profissionais lançaram mão de cinco estratégias principais: pré-seleção de alunos que tenham o interesse em seguir carreira no interior; readequação curricular que fomente o interesse de atividades em áreas rurais; imposição estatal que desloque profissionais de saúde para zonas rurais; incentivos financeiros a profissionais que atuem no interior; e criação de estruturas de suporte que auxiliem os profissionais das regiões não centrais2121. Wilson NW, Couper ID, Vries ED, Reid S, Fish T, Marais B. A critical review of interventions to redress the inequitable distribution of healthcare professionals to rural and remote areas. Rural Remote Health. 2009;9:1060 [acesso em 16 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.rrh.org.au/journal/article/1060 .
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Outro indicador utilizado pelo PMM para avaliar a distribuição dos cursos pelo Brasil foi o número de vagas por dez mil habitantes88. Ministério da Educação. Instituições de educação superior e cursos cadastrados. Brasília: e-MEC; 2020 [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: http://emec.mec.gov.br/ .
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. Quando se observam os dados de 2012, ano anterior ao programa, é possível identificar que as Regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte possuíam as menores relações de vaga por habitante11. Brasil. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; 2015.),(44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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. Havia má distribuição das vagas entre as diferentes regiões, a exemplo do Nordeste que, mesmo abrigando a segunda maior população do país2222. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. População residente enviada ao Tribunal de Contas da União: Brasil, grandes regiões e unidades da Federação - 2001-2014. Brasília: IBGE ; 2013 [acesso em 7 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: tp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/serie_2001_2014_TCU.Pdf .
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, era a segunda região com menor relação vagas por dez mil habitantes44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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Durante o período de 2013 a 2015, as Regiões Centro-Oeste e Nordeste foram as que apresentaram maior expansão de vagas de 58% e 48% respectivamente, seguidas pelas Regiões Sul com 28%, Norte com 24% e Sudeste com 17%4, o que justifica o melhor equilíbrio na distribuição de vagas por região encontrada após a implementação do programa44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
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Também cabe discutir a contradição existente no PMM que, embora apoie um modelo focado na atenção primária à saúde, concentra seus esforços na abertura de novas vagas e criação de novos cursos apenas em torno de um profissional da saúde, o médico2. Ao tomar ações baseadas apenas em indicadores sobre a disponibilidade desses profissionais, o PMM compromete as diversas faces da integralidade na saúde e corre assim o risco de, mesmo após tanto investimento, apresentar-se insuficiente para parte das necessidades em saúde da população. Isso pode ocorrer porque o artigo 1º da Lei nº 12.871/2013 deixa evidente a finalidade de formação de recursos humanos na área médica, não tendo como objetivo a abertura de cursos de graduação das demais profissões da área da saúde33. Oliveira FPD, Pinto HA, Figueiredo AMD, Cyrino EG, Oliveira Neto AVD, Rocha VXMD. Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Formação de 2013 a 2015. Interface (Botucatu). 2019;23:e170949 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832019000600203&lng=pt&nrm=iso .
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. Cabe ressaltar que esta pesquisa não buscou informações sobre a abertura desses outros cursos, que pode ter sido influenciada pela abertura de escolas médicas, ainda que não fosse objetivo direto do PMM.

Para analisar a distribuição de cursos e vagas com relação ao IDH dos municípios, é necessário compreender que o IDH é calculado a partir de três indicadores de uma determinada região: vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e direito a um padrão de vida digno. Contudo, mais do que educação, longevidade e renda, o IDH indica condições em que será mais ou menos provável a prosperidade do grupo de indivíduos que moram no local analisado99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE cidades [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br
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),(2323. Bitoun J. O que revelam os índices de desenvolvimento humano. Prefeitura et al. Recife, PE, 2005 [acesso em 24 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2006/doc/analiticos/O%20que%20revelam%20os%20%C3%8Dndices%20de%20Desenvolvimento%20Humano%20(IDH).pdf .
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Um IDH baixo indica que os indivíduos sobrevivem em meio a diversas condições de opressão e miséria. Tal conjuntura gera obstáculos para “o desenvolvimento do ser humano em direção a ele mesmo”, e, além disso, “escolhas simplesmente não estão disponíveis e muitas oportunidades de vida se mantêm inacessíveis” (2323. Bitoun J. O que revelam os índices de desenvolvimento humano. Prefeitura et al. Recife, PE, 2005 [acesso em 24 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2006/doc/analiticos/O%20que%20revelam%20os%20%C3%8Dndices%20de%20Desenvolvimento%20Humano%20(IDH).pdf .
www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/...
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Atualmente, não existe no Brasil nenhuma escola médica em atividade em cidades com IDH baixo. O IDH brasileiro à época do último cálculo, em 2010, era médio (0,699) (99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE cidades [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br
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. Porém, a maioria das escolas médicas se localiza em locais de IDH alto ou muito alto. Isso pode se dar por inúmeros fatores, como pelo fato de a maior parte das vagas para graduação em Medicina no Brasil ser paga. Duas instituições cobram menos de cinco mil reais mensais, e, entre as 218 que têm cursos pagos2424. Nassif ACN. Escolas Médicas do Brasil [Internet] Brasil: Antônio Celso Nunes Nassif [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: www.escolasmedicas.com.br .
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, tal valor de mensalidades é muito distante da renda mensal média, per capita, do brasileiro de R$ 1.439. Mesmo quando se consideram os 10% mais ricos do Brasil que têm renda média de R$ 5.214, o comprometimento da renda seria de quase 100%99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE cidades [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br
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Ademais, cidades em que se circula mais renda tendem a apresentar mais dos pré-requisitos necessários, segundo os editais do MEC, para a abertura de escolas médicas, como a existência de equipes multiprofissionais de atenção domiciliar, de leitos de urgência e emergência ou pronto-socorro e de programas de residência médica nas especialidades prioritárias2525. Ministério da Educação. Edital nº 6, de 22 de dezembro de 2014. Primeiro edital de chamada pública de mantenedoras de instituições de educação superior. Diário Oficial da União ; 23 dez 2014.. Como consequência disso, há um forte impacto no acesso a cursos de Medicina por estudantes oriundos de estratos sociais menos favorecidos economicamente77. Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I. São Paulo: Programa de Apoio Institucional ao Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde; 2013 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf .
http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publ...
),(1717. Scheffer M, Cassenote A, Guilloux AGA, Biancarelli A, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia médica no Brasil 2018. São Paulo: FMUSP, CFM, Cremesp; 2018 [acesso em 28 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index10/?numero=15&edicao=4278 .
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Um processo de expansão predominantemente privado e em regiões que concentram boa parte da renda do país levanta questionamentos a respeito de uma formação médica que não atende às necessidades sociais de democratização do acesso ao ensino superior1515. Scheffer MC, Dal Poz MR. The privatization of medical education in Brazil: trends and challenges. Hum Resour Health. 2015;13(1):96 [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-015-0095-2 .
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. Dessa maneira, reforça-se a relevância de se ter uma regulação estatal na criação de novas escolas, em razão dos impactos desse processo de mercantilização do ensino1313. Oliveira FPD. As mudanças na formação médica introduzidas pelo Programa Mais Médicos [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/34447 .
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Por tratar-se de estudo de delineamento transversal, esta pesquisa não consegue analisar o momento em que cada uma das vagas foi criada. Também se deve destacar que as análises apresentadas referem-se ao número de vagas de ingressantes, uma vez que o número total de estudantes de Medicina pode ser influenciado por mudanças a cada ano, além de outros aspectos como evasão no curso. Ademais, o sistema e-MEC é apenas uma das fontes de dados que possuem tais informações, sendo importante comparar o número de vagas encontrado com o número ofertado no vestibular de cada instituição ou mesmo em processos nacionais de seleção, como o ProUni.

CONCLUSÕES

A formação médica está sob várias influências: as macroestruturas, as tendências econômicas e políticas, a definição do que é saúde e do que são necessidades de saúde, os modos como se organizam a prática médica, os serviços, as políticas de saúde e a sociedade como um todo22. Matias MC, Verdi M, Finkler M, Ros MAD. O Programa Mais Médicos no contexto das estratégias de mudança da formação médica no país: reflexões e perspectivas. Saúde Soc. 2019;28:115-27 [acesso em 10 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2019.v28n3/115-127/pt/ .
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. A discussão a respeito da oferta de cursos de Medicina precisa levar isso em consideração, além de abordar também os aspectos que foram elencados ao longo deste estudo, como a regionalização, a democratização do acesso, a qualificação da rede assistencial e a responsabilidade de construção do sistema de saúde.

É possível concluir que ocorreu maior interiorização dos cursos de Medicina, já que há mais cursos no interior, apesar de grande parte deles se localizar em municípios que são mais próximos de suas respectivas capitais. Além disso, notou-se que há uma tendência de as escolas médicas públicas se instalarem em municípios mais distantes da capital, diferentemente dos cursos privados.

Houve melhor distribuição das vagas pelo país, aumentando-as nas regiões mais carentes de cursos médicos como Norte e Nordeste. Porém, ainda predomina a concentração de vagas na Região Sudeste, que possui aproximadamente metade do total de vagas. Todas as regiões brasileiras já superaram a marca de uma vaga em Medicina a cada dez mil habitantes.

Pode-se dizer que municípios com maiores faixas de IDH têm maior proporção de cursos de Medicina pagos. A manutenção do forte processo de privatização com o aumento do número de vagas nos cursos privados levanta o questionamento acerca de qual o perfil de estudante terá acesso à educação médica. Logo, a preocupação em relação à maior “flexibilidade” na expansão privada em cursos já existentes44. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gazeta Médica da Bahia. 2008;78(1):31-7 [acesso em 7 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/255/246 .
http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmb...
é legítima.

Em 2018, as 323 escolas médicas ativas ofertavam um total de 32.626 vagas de graduação para ingressantes66. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 23 out 2013 [acesso em 6 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
. Agora em 2020, os 328 cursos iniciados ofertam 35.480 vagas. Sabendo que a maior oferta de um único curso é de 342 vagas para iniciantes88. Ministério da Educação. Instituições de educação superior e cursos cadastrados. Brasília: e-MEC; 2020 [acesso em 27 fev 2020]. Disponível em: Disponível em: http://emec.mec.gov.br/ .
http://emec.mec.gov.br/...
, é possível concluir que os cinco cursos iniciados nesse período não são os únicos responsáveis pelas 2.854 novas vagas.

Sendo assim, é necessário que entidades historicamente envolvidas com esse debate, como a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) e a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem), além das escolas médicas, dos gestores, docentes e estudantes, permaneçam atentas em relação às decisões das instâncias governamentais. Também devem manter-se propositivas no sentido de serem construtoras de iniciativas que qualifiquem a educação médica e estejam comprometidas com a consolidação do SUS conforme as necessidades em saúde da população brasileira.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à diretoria da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) pelo apoio desde a concepção da ideia até fase de escrita do artigo. Agradecemos também à equipe estatística da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG) pela disponibilidade e revisão do trabalho.

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  • Editora-chefe: Daniela Chiesa

    Editor associado: Pedro Tadao Hamamoto Filho
  • 7
    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos que não houve financiamento para a realização desta pesquisa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2020
  • Aceito
    06 Nov 2020
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