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Reflexão discente sobre a futura prática médica através da integração com a equipe de saúde da família na graduação

Students' views on future medical practice by means of undergraduate integration in a family healthcare team

Resumos

Metodologias ativas de ensino-aprendizagem apontam a necessidade de colocar o aluno em contato com o paciente e suas necessidades desde o início do curso médico. A reflexão sobre a realidade por meio da problematização assume papel fundamental, juntamente com uma visão humanística do paciente, conhecendo, entendendo e respeitando a complexidade deste. Assim, este trabalho teve por objetivo investigar como a inserção longitudinal de estudantes de Medicina em cenários comunitários de Atenção Básica à saúde poderia influenciar sua formação. Mediante entrevistas, observou-se que o contato com a comunidade - particularmente em visitas domiciliárias, acompanhando agentes comunitários de saúde - resultou em profundas reflexões sobre a inserção social dos sujeitos como alunos e futuros profissionais.

Atenção Básica; Currículo; Humanização da Assistência; Aprendizagem


Active methodology in medical education points to the necessity of placing medical students in touch with patients and their needs right from the beginning of their course. Reflecting on reality through problematization and a humanistic view of the patient play an important role in understanding and respecting patients in their complexity. This study's main objective was to investigate how the longitudinal insertion of medical students into the reality of community primary healthcare may influence their humanistic views of their patients. By analyzing answers given in interviews, we were able to observe that contact with the community - particularly via home visits with "Community Health Agents" - has led to the development of profound reflection on the social insertion of students and future doctors.

Primary Health Care; Curriculum; Humanization of Assistance; Learning


RESUMO DE TESE

Reflexão discente sobre a futura prática médica através da integração com a equipe de saúde da família na graduação

Students' views on future medical practice by means of undergraduate integration in a family healthcare team

Maria Luisa Faria MakabeI; José Antonio MaiaII

IUniversidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIUniversidade Cidade de São Paulo; Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Maria Luisa Faria Makabe Rua Amaral Gama, 333 Cj.21 Bairro: Santana — São Paulo CEP 02018-001 — SP

RESUMO

Metodologias ativas de ensino-aprendizagem apontam a necessidade de colocar o aluno em contato com o paciente e suas necessidades desde o início do curso médico. A reflexão sobre a realidade por meio da problematização assume papel fundamental, juntamente com uma visão humanística do paciente, conhecendo, entendendo e respeitando a complexidade deste. Assim, este trabalho teve por objetivo investigar como a inserção longitudinal de estudantes de Medicina em cenários comunitários de Atenção Básica à saúde poderia influenciar sua formação. Mediante entrevistas, observou-se que o contato com a comunidade — particularmente em visitas domiciliárias, acompanhando agentes comunitários de saúde — resultou em profundas reflexões sobre a inserção social dos sujeitos como alunos e futuros profissionais.

Palavras-chaves: Atenção Básica; Currículo; Humanização da Assistência; Aprendizagem.

ABSTRACT

Active methodology in medical education points to the necessity of placing medical students in touch with patients and their needs right from the beginning of their course. Reflecting on reality through problematization and a humanistic view of the patient play an important role in understanding and respecting patients in their complexity. This study's main objective was to investigate how the longitudinal insertion of medical students into the reality of community primary healthcare may influence their humanistic views of their patients. By analyzing answers given in interviews, we were able to observe that contact with the community — particularly via home visits with "Community Health Agents" — has led to the development of profound reflection on the social insertion of students and future doctors.

Keywords: Primary Health Care; Curriculum; Humanization of Assistance; Learning.

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina1 propõem que o egresso seja um médico crítico, reflexivo, cidadão e autônomo, capaz de atuar nos diversos níveis de atenção à saúde.

Do ponto de vista metodológico, considerando tudo o que há de acumulado a respeito do processo de aprendizagem de adultos, as diretrizes enfatizam a utilização de estratégias ativas de ensino-aprendizagem, que possibilitam a construção dos conhecimentos a partir dos problemas da realidade, a integração de conteúdos básicos e profissionalizantes, a integração entre teoria e prática, bem como a produção de conhecimento integrada à docência e às práticas cuidadoras.

Dessa forma, para Heckert e Neves2, o viés de formação adotado reside menos em seu caráter de mera transmissão de conhecimento. Nos processos de formação, busca-se potencializar movimentos afirmadores de vida, que produzam contágio, e a desestabilização dos processos instituídos. Nesse sentido, só é possível conceber uma formação que implique ações que constituam um processo de construção coletiva com os sujeitos envolvidos. Entende-se que o movimento de mudança das práticas e da organização do trabalho só se tornará efetivo por meio da problematização dos modos de cuidar e se este movimento estiver conectado com as práticas de trabalho nos serviços de saúde, com seus trabalhadores e usuários.

O curso médico da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) estrutura seu projeto político pedagógico em metodologias ativas de ensino-aprendizagem, em particular na Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL — Problem Based Learning) e na problematização junto à comunidade. No curso, a integração dos alunos na comunidade recebe o nome de Programa de Integração em Saúde na Comunidade (Pisco) e ocupa os quatro primeiros anos do currículo (aos quais se seguem os dois de internato). Contando com um corpo docente multiprofissional, o Pisco insere os estudantes, distribuídos em pequenos grupos, nos diversos espaços onde ocorrem cuidados à saúde da comunidade, provocando reflexões sobre as práticas em saúde envolvidas na construção de novos rumos na atenção à saúde. Além de acompanhar e participar de atendimentos em UBS e espaços comunitários, o aluno estabelece contato com a realidade também por meio de visitas domiciliárias (VD), acompanhando agentes comunitários de saúde (ACS) em suas atividades do Programa de Saúde da Família (PSF).

A perspectiva de integralidade deste contato com a comunidade é de extrema importância para aproximar o estudante da realidade das necessidades da população (particularmente na Atenção Básica à saúde), que necessita de um serviço público. Dessa forma, o aluno tem a oportunidade de trabalhar com cada integrante da família à medida que o curso vai se desenvolvendo. São realizadas várias ações com a população, sempre com integração ao trabalho do PSF, com graus de complexidade e responsabilidade crescentes na evolução curricular.

OBJETIVO

Estudar, sob o ponto de vista dos discentes de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo, a influência do contato com a comunidade numa Unidade Básica de Saúde do Programa da Saúde da Família sobre a humanização da futura prática profissional desses alunos.

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi apresentada ao Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde (Cedess) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para defesa no Programa de Mestrado Acadêmico "Ensino em Ciências da Saúde". Trata-se de um estudo descritivo, transversal, que utiliza um enfoque quantitativo na análise de dados.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp em 7 de dezembro de 2007 (CEP 1.896/07) e autorizado em 15 de outubro desse mesmo ano pelo diretor do curso médico da Faculdade de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), onde a pesquisa foi realizada ao longo de 2008. Antes da entrevista, os alunos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A pesquisa foi desenvolvida com alunos de graduação da primeira à quinta etapa (semestres letivos), voluntários. Como o Pisco envolve os alunos da primeira à oitava etapa, cumpre esclarecer que, na estrutura curricular, cada duas etapas correspondem a um ano do curso. Assim, foram excluídos os alunos da sexta à oitava etapa, que incluem as práticas em ambulatórios, bem como os estudantes do internato. Um segundo critério excluiu do estudo estudantes que tivessem realizado atividades no Pisco sob a supervisão direta da pesquisadora. O Pisco insere os alunos nas atividades de Atenção Básica à comunidade, integrando-os numa Unidade Básica de Saúde, proporcionando a experiência de um trabalho numa equipe multidisciplinar e aproximando os discentes da comunidade e de seus problemas.

Para a realização da entrevista, foi elaborado um roteiro composto por cinco perguntas sobre a futura prática médica e a formação humanística do estudante. Foi feita uma amostra aleatoriamente, integrada por 59 alunos.

A opção metodológica pela entrevista tomou por base o conceito de alguns autores, como Lakatos3, para quem a entrevista representa:

Um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional que proporciona ao entrevistador, verbalmente, a informação necessária. (p.195-196)

RESULTADOS

O entendimento do que seja uma prática humanizada para os alunos entrevistados do curso médico da Universidade Cidade de São Paulo nas atividades do Pisco pode ser sumariado nas falas transcritas a seguir:

1. O que você entende por uma prática humanizada no cuidado de pessoas pelos médicos?

[...] Eu acho que uma prática humanizada no cuidado de pessoas pelos médicos é olhar ele não só como um órgão, sabe, tem muita especialidade hoje em dia que, acho que é olhar como pessoa, ver o problema dele, às vezes não é só uma doença, pode ser um contato pessoal maior do médico.

[...] Então eu acho que a humanização entre o médico e o paciente é o tipo da interação em que todo mundo tenha o mesmo nível, e que seja aquela parte assim não só profissional, mas o médico interaja com o paciente de forma integral, como análise de aspectos psicológicos, e não só assim da doença; é não ver o paciente como uma doença, assim como ser humano que tem carências, é isso que eu vejo da prática da humanização do médico, é ver o paciente não como um serviço, e sim como uma pessoa.

[...] A humanização dentro da prática médica consiste num tratamento médico-paciente em que o médico tem a possibilidade de ter uma empatia com o paciente, se colocando no lugar dele, tratando mais próximo do paciente.

[...] É importante, claro. Se fala muito em humanização hoje, porque pelo fato dos médicos tratarem os pacientes como uma doença, como ter uma relação fria, muita gente reclama, eu mesma, por experiência própria, já ouvi muita gente reclamar: puxa, aquele médico, ele é grosso; então, eu acho que o Pisco foi pensado nisso, no ser humano, nessa parte de passar para o estudante a humanização para ele ter um contato direto com o paciente, ver a realidade dele, saber como é a vida dele, e ver o paciente de uma forma diferente, para melhorar a relação dele com o paciente levando toda a vida do paciente, as condições do paciente, levando tudo isso em consideração.

2. Baseado(a) na sua experiência no Pisco, em que atividade(s) a prática humanizada ocorreu?

[...] No Pisco, a atividade prática humanizada ocorreu quando teve a visita domiciliária.

[...] Nós visitamos as famílias nas suas casas, vimos como eles vivem, seu ambiente natural, não é uma coisa tipo falada, e sim vista. Eu acho que é importante isso, a gente vivenciar.

[...] Não é só ir lá, dar um remédio para o cara e pronto. Tem que conversar com ele, tem que conhecer melhor ele, conhecer a história dele, conhecer a vida dele. Acho que no Pisco a atividade prática humanizada ocorreu quando teve a visita domiciliária, a gente conheceu bastante tipo diferente de gente, tipo diferente de condição social, e acho que qualifica cada uma para ser atendida de um jeito diferente.

[...] Então eu acho que a prática humanizada está ocorrendo quando a gente conversa com o paciente a fim de explicar para ele a prevenção de doenças; então a gente chega no paciente e fala de forma que ele entenda, como um amigo mesmo, entendeu? Acho que isso está acontecendo no Pisco, a gente está conversando bastante com as famílias. Essa parte do PSF, a gente vai nas casas, conversa com eles, eu acho que a humanização está ocorrendo nesse nível.

[...] Desde o acolhimento das pessoas que chegam na UBS, eu acho bastante humanizado o programa que eles fazem, o sistema que eles utilizam de tratar cada pessoa individualmente, chegando lá na UBS, falando o que tem e sendo encaminhado de acordo com a necessidade dela naquele momento. Os programas também que a UBS oferece, como os de hipertensão e diabetes, eles procuram estar bem ligados à comunidade do local, eu acho que isso é humanização.

3. Defina em poucas palavras o que é o Pisco para você e como contribuiu na sua formação como futuro(a) médico(a) e como ser humano.

[...] É um programa que te põe na realidade, na verdade, põe o que é, começa de baixo, sabe, acho que você melhora como profissional, você entende melhor os problemas e as dificuldades que as pessoas têm, você vê melhor com os olhos.

[...] Como ser humano, na minha vida, passei a ver as coisas de modo diferente, uma realidade que eu ainda não conhecia; a gente fazendo as VDs, presencia uma realidade muito distante e passa a olhar para a vida com outros olhos.

[...] Em poucas palavras, acho que é uma atividade que abre um pouco o olho do estudante de Medicina, não fica só aquela coisa de só estudar no livro, acho que ali ele já tem uma prática mesmo grande. E como contribuiu? Pela prática mesmo, acho que, praticando, eu não tive muito tempo ainda, mas com certeza vou ter mais tempo para praticar o que eu aprendi.

[...] O Pisco ajuda você a refletir sobre a situação do País, sobre a situação da saúde, como a gente tem uma classe social, digamos, alta em relação ao Brasil inteiro. É importante você ter uma convivência com as áreas mais pobres e perceber que o mundo que você vive não é, é bem diferente do mundo real, onde as pessoas passam necessidade, que as pessoas têm carências, que as pessoas são bem ignorantes assim, mas assim a ponto de eles não terem acesso a muita coisa, a informação, ajuda a refletir sobre isso, porque tem que mudar. O que falta é perceber que o nosso país é um país que tem muito o que fazer ainda, e perceber que a gente pode fazer alguma coisa e que a gente deve fazer alguma coisa para mudar a situação da saúde no País.

4. De que forma a situação social das famílias visitadas provocou mudanças na sua visão da relação do paciente?

[...] Eu vi lá que tem gente que tem alguns problemas, que é complicado assim, não só de saúde, mas com a família, onde mora, o tipo da casa, e que o médico tem que entender isso, às vezes, como que o paciente age, a maneira que ele age, que às vezes ele não faz por querer.

[...] Eu acho que as pessoas, por elas terem uma classe social diferente, elas se sentem menos, e então acho que falta uma, como eles se acham menos, acho que eles são muito submissos, então dá para a gente perceber que o paciente é muito carente assim, e pela falta de conhecimento, tudo, eles acabam não sabendo seus direitos, e eu fico com dó, eu acho que a gente tem que ter uma relação, assim a ponto de que eles saibam dos diretos deles, e que não sejam mais tão submissos assim.

[...] Acho que a dar mais valor às coisas que eu não dava, agora eu dou, porque eu tenho tudo fácil por causa dos meus pais, mas as pessoas mais carentes não têm, só têm mais dificuldades por coisas mínimas, então eu acho que para a saúde é muito importante dar mais valor a isso.

[...] Primeiro que a realidade que a gente vê é muito diferente do que a gente vive, então eu acho que a gente passa a treinar mais esse lado da empatia, de contribuir também para a medicina humanitária, e você muda a sua visão porque você vive ali num mundo fechado seu, você escuta falar, mas você não acredita que é daquele jeito, e quando você vê é um choque, realmente é um choque, mas aí você acaba acostumando e acaba acostumando a lidar com as dificuldades.

[...] Eu fiquei muito sensibilizado. Você começa a pensar de um jeito diferente no que está fazendo, para quê está estudando. Acho que a maioria do povo da faculdade deve estar pensando, vou ter minha clínica e etc. e você vê que você tem vontade de ajudar. Não vou deixar para alguém, você tem que fazer alguma coisa, principalmente porque agora eu penso em trabalhar com medicina da família, trabalhar no PSF.

5. Você acha que haveria alguma diferença em sua formação se não existisse o Pisco no currículo da faculdade? Em que sentido?

[...] A gente não seria tão humano quanto se não tivesse o Pisco.

[...] Eu acho que a minha formação seria menos completa, acho que eu vou praticar mais ainda no Pisco e vou ter uma noção maior do que é a vida, assim tipo que não é só ir lá dar um remédio para o cara e pronto, tem que conversar com ele, tem que conhecer melhor ele, conhecer a história dele, conhecer a vida dele assim.

[...] Eu acho que é a humanização, o contato direto, de conhecer a fundo como que é realmente essa realidade da população, da comunidade.

[...] Eu acho que sim porque seria um choque muito grande na hora que eu me formasse e visse pessoas carentes ou menos do que eu tenho, e eu não conseguisse compreender elas, agora eu sei que vou conseguir compreender, não vou ter um choque tão grande em ver as pessoas, assim, ou relacionar com elas.

[...] Com certeza, porque antes do Pisco eu não tinha tanta noção assim das dificuldades dessas pessoas com a saúde pública, do quanto elas sofrem para ter um atendimento.

DISCUSSÃO

De acordo com Marins4, o modo de atenção à saúde desenvolvido no Brasil, baseado na assistência médica e centrado no hospital, tem-se mostrado pouco eficaz no que se refere ao diagnóstico das condições de vida e da saúde da população. Soma-se a isso a desigualdade na distribuição dos serviços para as camadas sociais menos favorecidas. As habilidades e atitudes que o estudante pode desenvolver diante de problemas concretos da realidade exercem influência sobre a postura do futuro profissional, desenvolvendo uma visão mais ampliada da realidade social, dos problemas e também dos indivíduos, o que contribui para evitar o enfoque da busca da especialização precoce pelos estudantes.

Os resultados também foram ao encontro de observações de Lown5, que afirma que, quando um paciente procura atendimento médico, invariavelmente está buscando cuidados que não se limitam simplesmente a livrá-lo de um mal-estar circunstancial. A relação médico-paciente nunca deixará de ser uma interação intersubjetiva experimentada por duas pessoas e, por mais assimétrica que, em alguns momentos possa ser, somente será eficaz se for conduzida com acolhimento, escuta-resposta e esperança de cura para o que sofre.

É importante destacar que a formação tradicional nos acompanhou durante décadas como única e perfeita, hospitalocêntrica, com aprendizagem baseada numa educação bancária, centralizando no professor o poder do conhecimento, impossibilitando que os estudantes retornem para transmitir seus pontos críticos e reflexivos, possivelmente relevantes para um diálogo aberto entre os sujeitos e para o crescimento dos envolvidos. Este raciocínio é demonstrado quando Freire6 ressalva que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção".

De acordo com Feuerwerker7, a diversificação dos cenários de formação é compreendida como uma das estratégias para transformações curriculares, uma vez que aproxima os estudantes da vida cotidiana da população e desenvolve olhares críticos ao envolvê-los com os reais problemas da população desde o início de sua formação.

Os alunos pesquisados deram grande destaque às visitas domiciliárias (VD), realizadas em conjunto com agentes comunitários de saúde (AC), indicados pelos alunos como importantes membros das equipes do Programa de Saúde da Família, como um momento de aproximação privilegiado da realidade social, econômica e cultural dos indivíduos cujo atendimento acompanhavam nas UBS.

Sendo parte integrante do conjunto de trabalhadores que constroem e reconstroem cotidianamente os pressupostos do SUS, evidencia-se desta forma a importância dos agentes comunitários de saúde no processo de atenção à saúde, uma vez que estes conhecem características, hábitos culturais, esperanças e desejos da comunidade. A inserção da comunidade é fundamental para um processo de mudanças com características participativas, uma vez que "Os serviços destinados a ajudar as pessoas serão mais eficazes se elas mesmas participarem de sua planificação e estabelecimento" 8 (p.10).

Segundo Pitz9, a consideração da Atenção Primária como nível adequado de formação profissional pelos próprios alunos de Medicina aponta que, na comunidade, distanciando-se do ensino "tradicional", o estudante está em posição privilegiada para aprender as atividades preventivas, compreender a realidade do processo saúde-doença em toda a sua complexidade, assim como a importância da relação médico-paciente e da longitudinalidade da atenção, além de desenvolver interesse pelas doenças mais prevalentes da população.

Moretto10 e Saeki11 ressaltam outro aspecto paralelo a considerar ao afirmarem que a humanização do processo ensino-aprendizagem deve ser vista como um fator importante do nosso tempo, pois o que se observa é a ênfase na dimensão intelectual e cognitiva em detrimento quase total das dimensões emocionais e sociais que integram a totalidade da pessoa humana.

Santos Filho12 pontua que a humanização tem como proposta formar profissionais de saúde que possam desenvolver a capacidade de análise, fomento e consolidação de mudanças na gestão e nos modos de atenção à saúde.

De acordo com Boelen13,as necessidades de saúde são tomadas como o ponto de chegada e não como ponto de partida da educação médica.

O objetivo último desse processo educacional é que o futuro médico desenvolva um olhar amplo, profundo e complexo de seus pacientes e da comunidade que atende.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentemente de currículos que planejam estágios breves e pontuais, principalmente em centros de saúde escola, este tipo de educação requer envolvimento dos estudantes com e na comunidade, suscitando reflexões acerca das práticas em saúde envolvidas na construção de novos rumos para a atenção à saúde da população.

O contato com realidades diferentes e diversificadas foi identificado como um fator positivo para a formação para um atendimento peculiar a cada paciente. Este aspecto da individualidade do paciente e de suas necessidades naquele momento permeia muitas das experiências de aprendizagem relatadas nos cuidados básicos à saúde, no âmbito do SUS.

Além disso, o Pisco revelou-se um cenário de práticas e reflexões que resultaram em mudanças muito mais profundas na formação para uma prática discente atual e profissional médica mais humanizada. Os alunos declararam entender a visão do paciente na sua complexidade e mais ainda: puderam enriquecer sua visão sobre o "ser médico", visando ao entendimento integrado do paciente e ao compromisso social que nem os laboratórios, as enfermarias e os ambulatórios dos hospitais-escola permitem vivenciar, o que só acontece no contexto real da vida das pessoas, onde os futuros profissionais irão atuar.

Recebido em: 15/08/2010

Reencaminhado em: 04/09/2013

Aprovado em: 09/12/2013

CONFLITO DE INTERESSES: Não há conflito de interesses na pesquisa realizada

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Ambos os autores tiveram participação ativa no planejamento, realização da pesquisa e na elaboração deste artigo científico.

  • 1
    Brasil. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Superior. Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação. Brasília; 2001 [capturado 12 dez 2008]. Disponível em: www.mec.gov/Sesu/diretriz.shtm
  • 2. Heckert ALC, Neves CABN. Modos de formar e modos de intervir: quando a formação se faz potência de produção de coletivo. In: Pinheiro R, Mattos RA, Barros MEB, orgs. Trabalho em equipe sob o eixo da integralidade: valores, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Cepesc; 2007. p.145-160.
  • 3. Lakatos EM, Marconi M.A. Fundamentos da metodologia do trabalho científico. São Paulo: Atlas; 1993.
  • 4. Marins JJN. Os cenários de aprendizagem e o processo de cuidado em saúde: In: Marins JJN, Lampert JB, Araújo JCG, orgs. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. São Paulo: Hucitec; 2004. p.97-108.
  • 5. Lown B. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN editora,1997.
  • 6. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2005.
  • 7. Feuerwerker LCM. Além do discurso de mudança na educação médica: processos e resultados. São Paulo: Hucitec; 2002.
  • 8. Organización Panamericana de la Salud. Pautas para capacitar em nutrición a trabajadores comunitarios de salud. Washington; 1983.
  • 9. Pitz PB, Vicente VC. La medicina de família como disciplina acadêmica y la atención primaria como entorno de aprendizaje. Aten Primaria. 2004; 34(8):433-436.
  • 10. Moretto RA, Mansur OFC, Araújo JJR. Humanismo e Tecnicismo na formação médica. Rev. Bras.Educ. Médica. 1998; 22 (4):19-25.
  • 11. Saeki T, Munari DB, Alencastre MB, Souza MCB. Reflexão sobre o ensino de dinâmica de grupo para alunos de graduação em enfermagem. Rev. Esc. Enfermagem USP. 1999; 33(4):7-342.
  • 12. Santos Filho S. Avaliação e humanização em saúde: aproximações metodológicas. Ijuí: EdUnijuí; 2009.
  • 13. Boelen CA. A new paradigm for medical schools a century after Flexner's report. Bull World Health Organ. 2002; 80(7):592-3.
  • ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
    Maria Luisa Faria Makabe
    Rua Amaral Gama, 333 Cj.21
    Bairro: Santana — São Paulo
    CEP 02018-001 — SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2010
    • Aceito
      09 Dez 2013
    • Revisado
      04 Set 2013
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