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MEDICINA PREVENTIVA E SOCIAL NA GRADUAÇÃO: EXPERIÊNCIA DE ENSINO EM CENTROS DE SAÚDE

Resumo:

Com o objetivo de analisar a experiência de implantação de uma proposta de ensino teórico-prática de Medicina Preventiva em Centros de Saúde de Salvador, elaborada conjuntamente pela Universidade e pela Secretaria de Saúde do Estado, procede-se à descrição das atividades desenvolvidas no período de 3 anos destacando-se as dificuldades superadas e os pontos problemáticos.

Não obstante a melhoria na coordenação docente, no material didático, na receptividade dos alunos e na relação professor-aluno, permanece a falta de oportunidades reais para o exercício da prática em saúde coletiva, face às características atuais de administração e funcionamento dos Centros de Saúde. Nesse particular, os autores recomendam aprofundar a discussão sobre as práticas de saúde coletiva, iniciada pelos professores de Residência em Medicina Preventiva e Social e experimentar novas formas de treinamento nos serviços de saúde, oficiais ou não, e junto às organizações próprias da população, tendo em conta as mudanças favorecidas pela conjuntura em saúde.

Abstract

With the aim of presenting the experience of implementation of a proposal of theoretical-applied teaching of Preventive Medicine in Health Centers of Salvador (Bahia-Brazil), carried out joinlly by the University and the Health State Office, a description of activities performed in a period of 3 years is provided, emphasizing difficulties and problems met and solved.

In spite of progresses in the course coordination, in teaching materials, in the student's receptiveness and in the teacher / student relationship, there still is a lack of real opportunities for the exercise of pratical tasks in “collective health”, given the current conditions of functioning and administration of the Health Centers. Particularly the authors reccommend a deeper discussion on the praxis of “collective health”, as starded by the teachers of the Residence Course in Social and Preventive Medicine, and trials of new forms of trainneeship into the health services (public or not) and with the proper community organizations, taking in account the changes fostered by the contemporary health conjuncture.

1. INTRODUÇÃO

O campo problemático em que se move o ensino da Medicina Preventiva e Social no âmbito da graduação já analisado em diferentes investigações11. AROUCA, A.S. - O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. Tese de Doutoramento - Fac. Ciências Médicas da UNICAMP.),(44. GARCIA, J. C. - La educación medica en la America Latina. Washington, OPS/OMS, 1972. (Publicación Cientifica, 255).),(33. CAMPOS, F.E. & MAGRO FILHO, J.B. - Internato Rural. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 3(1): 31-46, jan./ abr. 1979. vem ensejando distintas propostas de redefinição das disciplinas88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981.),(1010. SILVA, G. R. - Origem de medicina preventiva como disciplina do ensino médico. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. São Paulo, São Paulo, 28 :91-96, 1973.. Após as experiências das clínicas de família ligadas ao ensino da Medicina Integral, dos programas acadêmicos de Medicina Comunitária e, mais recentemente, dos projetos de integração docente-assistencial, novas tentativas vêm sendo desenvolvidas no intuito de tornar mais eficiente a docência nessa área33. CAMPOS, F.E. & MAGRO FILHO, J.B. - Internato Rural. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 3(1): 31-46, jan./ abr. 1979.),(55. PAIM, J. S. - Um enfoque pedagógico em medicina preventiva. In: CONFERÊNCIA PANAMERICANA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 6 & CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 14. Rio de Janeiro, 17-19 nov. 1976. Anais. Rio de Janeiro, FEPAFEM/ABEM, 1976. p. 311-326.),(88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981..

No caso do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, tem-se prestado uma atenção especial ao ensino da disciplina MED 196 - Saúde Pública e Medidas de Profilaxia, que tem sido objeto de avaliações55. PAIM, J. S. - Um enfoque pedagógico em medicina preventiva. In: CONFERÊNCIA PANAMERICANA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 6 & CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 14. Rio de Janeiro, 17-19 nov. 1976. Anais. Rio de Janeiro, FEPAFEM/ABEM, 1976. p. 311-326.),(88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981. desde 1975. Com base na análise crítica dessas experiências, foi implantado um novo Programa em 1980, resultante de uma proposta elaborada por um Grupo de Trabalho composto por docentes do Departamento de Medicina Preventiva e de membros do Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.

O presente trabalho tem como objetivo analisar a experiência de implantação e implementação dessa proposta, no período compreendido entre março de 1980 a junho de 1983.

2. DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES

A partir da elaboração do novo Programa, já descrito em trabalho anterior, a disciplina Saúde Pública e Medidas de Profilaxia passou a ser desenvolvida conforme a metodologia proposta, da qual constavam: 1) Programa Teórico; 2) Estágio em Centros de Saúde; 3) Discussões sobre Práticas de Serviços. De 1980 a 1983 o curso vem sofrendo alguns ajustes, que serão descritos a seguir:

  1. - Programa Teórico: a proposta implicava na realização de Seminários, uma vez por semana, com duração de 2 horas, coordenados por 4 professores. Desde que matriculam-se, em média, 80 alunos por semestre, cada turma teria cerca de 20 alunos, aos quais caberia ler com antecedência os capítulos do livro “Saúde e Medicina no Brasil”, organizado por Reinaldo Guimarães, e proceder à discussão dirigida com a colaboração do respectivo professor.

No 1.o semestre de 80, o Programa Teórico desenvolveu-se sob a forma de aulas expositivas, conseguindo-se, já no 2. 0 semestre, implantar a proposta de realização dos Seminários, utilizando-se para tanto um Guia do Instrutor8. Em 1981, os docentes elaboraram, progressivamente, um conjunto de questões, distribuídas aos alunos por ocasião dos respectivos Seminários. Com isso, buscava-se evitar o risco de uma diferenciação ao nível das discussões, assegurando-se assim que cada turma tivesse oportunidade de abordar as questões consideradas mais relevantes em cada tema. O trabalho de elaboração e discussão interna do conjunto dessas questões, entre os professores, significava uma oportunidade para a reciclagem de conhecimentos entre os docentes, tendo o Guia do Instrutor como subsídio.

Durante o processo de implementação dessa proposta, começou a ser constatada certa separação entre os conteúdos teóricos discutidos em seminários e a prática da disciplina. Isto, aparentemente, decorria de uma divisão de trabalho entre os professores envolvidos no curso, com tendência a promover uma “especialização” interna, que separava, de um lado, os que coordenavam os seminários, e, do outro, os que supervisionavam os estágios em Centros de Saúde.

A avaliação e a crítica a essa tendência conduziram a uma modificação na estratégia de desenvolvimento do Programa Teórico, em 1982. No 1º semestre, uma das turmas de estágio, composta por 10 alunos, experimentou a realização dos Seminários no próprio Centro de Saúde, tendo resultados tidos como positivos, tanto pelos alunos quanto pelo docente responsável. Com isso, decidiu-se transferir para os Centros esta atividade, o que veio a concretizar-se no 2o semestre de 1982. Desse modo, cada turma de 10 alunos passou a realizar os Seminários sob a coordenação de um professor responsável por todo o desenvolvimento do curso, tanto teórico quanto prático. Do ponto de vista dos alunos, isto vem significando uma racionalização de tempo, desde que concentram em duas tardes todas as atividades da disciplina. Para o Departamento, acarretou um aumento de carga horária docente, porém isto foi considerado secundário face à possibilidade de um acompanhamento mais global de cada turma e da melhoria na qualidade do ensino.

  1. -Estágio em Centro de Saúde: a prática da disciplina SPMP foi inicialmente planejada para se desenvolver em 4 Centros de Saúde da rede oficial em Salvador, ocupando duas tardes por semana, para cada turma. Dessa maneira, conforme a flutuação existente no número de alunos, poderiam ser colocadas 2 turmas em cada Centro, em dias alternados (2as e 4as, 3as e 5as feiras).

Nos três anos e meio de desenvolvimento da proposta, o número de Centros de Saúde ampliou-se, perfazendo hoje um total de 7 (3o, 4 o, 5 o, 8 o, 9 o, 12 o e 14o). Assim, em cada semestre, cada Centro recebe uma turma ou duas, no caso do número de alunos exceder aos 70. Cada turma de 10 é subdividida em grupos de dois alunos, que percorrem, em sistema de rodízio, os vários serviços existentes no Centro, permanecendo, em média, 4 ou 5 dias em cada um deles, ou sejam: Imunização, Pré-Natal, Puericultura, Clínica Médica, Pediatria e Nutrição. Eventualmente, um desses serviços pode ser substituído pelo de Tuberculose (3o C.S.), Dermatologia Sanitária (14o C.S.) ou Imunização anti-rábica (5º C.S.). Como se percebe, a depender das possibilidades de cada Centro de Saúde, a duração do estágio em cada serviço é reduzida ou ampliada, procedimento este a cargo do professor responsável.

A atividade dos alunos em cada serviço tem sido, via de regra, a observação do trabalho executado pelos funcionários e técnicos do C.S., passando à execução, ao atendimento de pacientes, geralmente nos serviços de Clínica Médica e/ou Pediatria, onde se inserem residentes do Programa de Residência em Medicina Social. A partir do 2o semestre de 1980, ano de implantação da proposta, a observação passou a se realizar segundo o Roteiro elaborado pelos docentes, que é distribuído aos alunos no início do estágio. O atendimento é realizado sob supervisão direta do residente e indireta do docente, que permanece no Centro durante todo o tempo em que os estudantes se encontram presentes.

Ao longo dos semestres em que o curso vem sendo desenvolvido desta maneira, uma das principais preocupações dos docentes tem sido, exatamente, a busca de inserção real dos alunos nos serviços, seguindo o princípio de aprender pela prática, “aprender-fazendo”. Apesar dos esforços nesse sentido, várias dificuldades ainda se interpõem a esse objetivo, algumas das quais serão discutidas no item 3.

  1. - Discussões sobre Práticas de Serviços: essa atividade foi concebida como o espaço de síntese do aprendizado teórico e a experiência prática dos alunos nos Centros que executam Programas de Saúde. Ocupa a carga horária de uma hora por semana e se desenvolve no final de uma das tardes do estágio. A proposta inicial implicava na criação de um momento de reflexão acerca das práticas observadas e/ou realizadas pelos alunos, buscando-se estimular “uma abordagem crítica dos serviços e das técnicas, através de discussões que referem o problema concreto à realidade social global”88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981.. Com esse objetivo, os docentes reuniram-se semanalmente com o Coordenador da disciplina durante o ano de 1980, para decidir sobre o encaminhamento de cada discussão, identificando textos atualizados que deveriam ser lidos pelos professores. Dessas reuniões, resultou um conjunto de Roteiros de Discussão sobre Práticas de Serviços e uma Coletânea de textos compilados no ano seguinte, ou seja, 1981. Em 1982, essa coletânea foi reproduzida e colocada à disposição dos alunos na Biblioteca da Faculdade de Medicina.

Na medida em que se dispunham dos Roteiros e da Coletânea, a coordenação das discussões passou a ser progressivamente feita pelos residentes de Medicina Social, sob orientação do docente responsável pela turma, que também supervisionava as práticas de saúde coletiva dos residentes, nos mesmos Centros de Saúde, em outros horários.

  1. - Avaliação: a disciplina SPMP comporta dois tipos de avaliação: a avaliação do rendimento dos alunos e a avaliação do processo de ensino-aprendizagem, feita pelos próprios alunos e pelos docentes.
    1. - Avaliação dos alunos: vem sendo sistematicamente feita conforme a proposta inicial, de duas maneiras:
      1. duas provas durante o curso, compreendendo os assuntos tratados em Seminários;

      2. conceito da atuação nos Centros de Saúde, fornecido pelo professor de cada turma, levando em consideração um Relatório individual da experiência no Centro, a freqüência no estágio e a participação nas discussões de Práticas de Serviços.

Acompanhando as modificações introduzidas no curso, as provas passaram a incluir tanto os assuntos ministrados nos Seminários “teóricos” quanto nas Discussões de Práticas de Serviço. Ou seja, na medida em que os alunos dispuseram da Coletânea de Textos Didáticos, as provas passaram a conter questões especificamente derivadas dos debates dos textos e sobre a prática dos serviços.

Quanto ao conceito relativo às atividades práticas, procurou-se estabelecer um padrão mínimo de exigência que reduzisse a subjetividade docente envolvida nesse tipo de avaliação. Assim, os professores elaboraram, em 1981/82, um Roteiro para a redação do Relatório Individual do estágio que permitisse uma visão abrangente do desenvolvimento do curso em cada Centro de Saúde.

  1. - Avaliação do processo ensino-aprendizagem: a avaliação do curso é um dos itens que constam do Relatório Individual do aluno. O significado disso está na necessidade, identificada pelos docentes, de um “feed-back” contínuo, a cada semestre, do impacto do curso na formação dos alunos, das dificuldades existentes, bem como das sugestões para o aperfeiçoamento da metodologia da disciplina.

As questões levantadas pelos alunos vêm alimentando o processo da avaliação realizado pelos docentes, através de reuniões periódicas (semanais durante o período de implantação da proposta e, atualmente, quinzenais). Ao final de cada semestre, vem-se também procedendo a avaliações mais gerais, a partir da leitura dos Relatórios finais dos alunos.

Desse modo, têm sido identificados os seguintes pontos problemáticos:

  1. os alunos ressentem-se da falta de oportunidades reais para a atividade prática, isto é, queixam-se de que “na maioria dos serviços fica­mos somente observando”;

  2. os alunos apontam as deficiências de infra-estrutura dos serviços, como falta de material, reduzida carga horária efetiva dos profissionais, etc.;

  3. os alunos ainda criticam alguns dos textos indicados, pois os consideram de “leitura difícil”;

  4. de um modo geral, porém, os alunos consideram que o curso é “válido” por lhes dar oportunidade de vivenciar uma realidade a que não estavam habituados, na medida em que seus estágios são quase que exclusivamente realizados no Hospital-Escola. Sugerem, entretanto, que o estágio em Centros de Saúde seja mais precoce no Plano de Curso de Medicina como um todo, considerando que no momento em que eles se encontram (5o e até mesmo 6o anos), é difícil reverter as expectativas já cristalizadas em relação a uma prática especializada. Percebe-se mesmo, em alguns, a consciência de que tal fato ocorre por uma determinação mais geral, que incidindo sobre o mercado de trabalho, influi na própria organização curricular do Curso de Medicina.

  5. da parte dos docentes, além destas questões levantadas, permanece a preocupação com o não envolvimento dos profissionais e funcionários dos serviços com a proposta, sugerindo-se até que o docente possa vir a conjugar sua prática de supervisão com uma prática no serviço, como via para que ocorra uma real articulação ensino-serviço. Tais problemas não têm sido superados através de mecanismos formais de convênio existentes ou do reconhecimento da prática assistencial enquanto prática docente, como por exemplo, a concessão de certificados aos profissionais dos serviços.

  6. finalmente, a preocupação que permeia todas as discussões sobre os rumos da disciplina, ou seja, a possibilidade da expansão de sua experiência a outras disciplinas do Departamento de Medicina Preventiva, que assim seriam remonta· das a partir da prática. Esta possibilidade contribuiria para o redimensionamento do conjunto do ensino da Medicina Preventiva e Social no curso de graduação, com o intuito, inclusive, de ampliar o seu espaço de interferência no todo do curso médico, para o que se insere essa discussão no projeto de reorganização curricular da Faculdade.

3. DISCUSSÃO

Diversas dificuldades observadas na evolução dessa disciplina no Departamento de Medicina Preventiva, já apontadas em outras oportunidades55. PAIM, J. S. - Um enfoque pedagógico em medicina preventiva. In: CONFERÊNCIA PANAMERICANA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 6 & CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 14. Rio de Janeiro, 17-19 nov. 1976. Anais. Rio de Janeiro, FEPAFEM/ABEM, 1976. p. 311-326.),(88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981. foram superadas com o desenvolvimento dessa proposta.

Assim, conseguiu-se a relação de um professor para cada 10 alunos em atividades teórico­práticas, intensificou-se a coordenação das atividades docentes através de reuniões periódicas para o acompanhamento do curso, procedeu-se a atualização bibliográfica para docentes e alunos facilitando-se material de leitura através de livro de textos e da coletânea elaborada, e obtendo-se inclusive certa receptividade dos estudantes em relação à discussão de temas aos quais, nas primeiras avaliações55. PAIM, J. S. - Um enfoque pedagógico em medicina preventiva. In: CONFERÊNCIA PANAMERICANA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 6 & CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 14. Rio de Janeiro, 17-19 nov. 1976. Anais. Rio de Janeiro, FEPAFEM/ABEM, 1976. p. 311-326.),(88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981. se mostravam resistentes. Do ponto de vista docente, ocorreu uma certa satisfação no trabalho desenvolvido, particularmente em função da experiência de participação coletiva na programação didática da disciplina e na avaliação continuada do processo. Superava­se, desse modo, a situação anterior, em que os docentes manifestavam insatisfação com o trabalho então desenvolvido, “não somente em função do desinteresse dos alunos, mas também contra o aspecto aparentemente improvisado, desorganizado e pouco prático da disciplina”88. _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981..

Persistiram, todavia, problemas na prática da disciplina. E o caso de ausência ou de permanência limitada dos profissionais da Secretaria de Saúde no serviço e da falta ou descontinuidade na colaboração para com as atividades de ensino55. PAIM, J. S. - Um enfoque pedagógico em medicina preventiva. In: CONFERÊNCIA PANAMERICANA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 6 & CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 14. Rio de Janeiro, 17-19 nov. 1976. Anais. Rio de Janeiro, FEPAFEM/ABEM, 1976. p. 311-326.. Assim, no que dependeu de supervisão efetuada pelos residentes e pelo docente, os alunos chegaram a realizar atividades. O mesmo não ocorria quando a execução de atividades dependia de profissionais ou funcionários dos serviços. Acrescem-se a isso os problemas relativos à administração e funcionamento dos Centros de Saúde de Salvador, tais como: baixa demanda, falta de apoio para exames complementares, inexistência de sistema formal de referência, insuficiente trabalho comunitário, interrupção de atividades de certos serviços, falta de medicamentos e de vacinas, etc. Assim, por exemplo, nos períodos que antecediam e sucediam as campanhas contra a poliomielite, os Centros de Saúde praticamente desativavam a maioria dos serviços, repercutindo negativamente no treinamento dos estudantes. Somente em um dos Centros foi possível articular os alunos em trabalhos comunitários de busca ativa de crianças para a cobertura vacinai e em atividades de educação para a saúde de escolares.

Daí a observação de que “não obstante os resultados obtidos na modernização pedagógica, na produção teórica e nas investigações empíricas, a Medicina Preventiva e Social ainda se enfrenta com o desafio de prática - os limites impostos ao seu campo de prática pela atual organização dos serviços de saúde no país77. _________. - Desenvolvimento teórico-conceitual do ensino em saúde coletiva. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública, medicina preventiva e social no Brasil. Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982, p. 3-19.. Este quadro se torna mais evidente nos serviços públicos de saúde destinados a grupos da população residente nas periferias, insuficientemente organizados. Daí a contradição da ideologia IDA (Integração Docente-Assistencial) de “ensinar”, nos serviços, práticas ausentes nesses serviços.”

O reconhecimento dessa contradição e constatação do viés ideológico de representar o ensino como “agente de mudança” das práticas dos serviços, instituindo uma “nova prática”, não implicam, todavia, em negar a pertinência de aproximação do “mundo do estudo” ao “mundo do trabalho”99. RODRIGUES NETO, E. M. - Integração docente­assistencial em saúde. São Paulo, 1979. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da USP.. Faz transparecer, no entanto, as relações de poder que operam no interior dos serviços de saúde e algumas das suas mediações com a estrutura de poder da sociedade. Daí que as competências - técnica, criativa e crítica eventualmente adquiridas no âmbito desse processo de aprendizagem, facultadas pela inserção de alunos e docentes em instituições de saúde, só podem permitir aprender/apreender/empreender uma prática de mudança interinstitucional, se associadas a outras práticas sociais que incidam sobre a disposição do poder no setor saúde e na sociedade.

É o que parece ocorrer quando a população organizada mobiliza-se em função da questão saúde e pressiona as instituições do setor no sentido de elevar o padrão de atendimento. Iniciativas nesse sentido, com um grau efetivo de participação comunitária, já se desenvolvem em alguns bairros de Salvador e têm contado com o apoio dos docentes do Departamento de Medicina Preventiva, mediante atividades de extensão universitária. Contudo, tais experiências no momento, encontram-se limitadas ao treinamento de residentes em Medicina Social e ao programa de internato.

Considerando-se o aspecto estratégico de possibilitar a atuação dos estudantes ao nível dos serviços, há que se aprofundar a discussão sobre as práticas de saúde coletiva, já iniciada pelos programas de residência em Medicina Social22. BUSS, P.M. - A experiência do Programa de Apoio às Residências em Medicina Social, Medicina Preventiva e Saúde Pública: PAR-MS/MP/SP. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública, medicina preventiva e social no Brasil. Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982. p, 53-67. e ampliar o aproveitamento de experiências favorecidas pela conjuntura em saúde,66. _________. - Medicina preventiva e social no Brasil : modelos, crises e perspectivas. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, 11:57-59, 1981. como forma de intervenção e treinamento e enquanto espaço de problematização e redefinição dos horizontes teóricos. Cumpre esgotar o campo possível de práticas, no âmbito dos serviços de saúde, oficiais ou não, e experimentar novas formas de estudo, de treinamento e intervenção junto aos movimentos sociais no âmbito de saúde e às organizações próprias da população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    AROUCA, A.S. - O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva Campinas, 1975. Tese de Doutoramento - Fac. Ciências Médicas da UNICAMP.
  • 2
    BUSS, P.M. - A experiência do Programa de Apoio às Residências em Medicina Social, Medicina Preventiva e Saúde Pública: PAR-MS/MP/SP. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública, medicina preventiva e social no Brasil Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982. p, 53-67.
  • 3
    CAMPOS, F.E. & MAGRO FILHO, J.B. - Internato Rural. R. Bras. Educ. Méd, Rio de Janeiro, 3(1): 31-46, jan./ abr. 1979.
  • 4
    GARCIA, J. C. - La educación medica en la America Latina Washington, OPS/OMS, 1972. (Publicación Cientifica, 255).
  • 5
    PAIM, J. S. - Um enfoque pedagógico em medicina preventiva. In: CONFERÊNCIA PANAMERICANA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 6 & CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 14. Rio de Janeiro, 17-19 nov. 1976. Anais Rio de Janeiro, FEPAFEM/ABEM, 1976. p. 311-326.
  • 6
    _________. - Medicina preventiva e social no Brasil : modelos, crises e perspectivas. Saúde em Debate Rio de Janeiro, 11:57-59, 1981.
  • 7
    _________. - Desenvolvimento teórico-conceitual do ensino em saúde coletiva. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública, medicina preventiva e social no Brasil Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982, p. 3-19.
  • 8
    _________. & FORMIGLI, V. L. A. - Redefinições do ensino de medicina preventiva e social. R. Bras. Educ. Méd, Rio de Janeiro, 5(1): 7-18, jan./abr. 1981.
  • 9
    RODRIGUES NETO, E. M. - Integração docente­assistencial em saúde São Paulo, 1979. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da USP.
  • 10
    SILVA, G. R. - Origem de medicina preventiva como disciplina do ensino médico. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. São Paulo, São Paulo, 28 :91-96, 1973.

NOTA DA REDAÇÃO

  • 1
    Este trabalho é acompanhado por quatro Anexos contendo: Questões para Discussão, Roteiro para o rodízio nos Serviços dos Centros de Saúde, Discussão de práticas de Serviço e Elaboração do Relatório de Estágio em Centros de Saúde. A redação, por problema de espaço, deixa de incluir estes anexos na Revista. A redação, entretanto, poderá enviar xerox dos anexos acima mencionados por solicitação dos leitores interessados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1984
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