Acessibilidade / Reportar erro

A integralidade pelos alunos do internato em clínica médica da UFF

Comprehensive health skills for intern medical students from UFF

Resumos

Este artigo é parte de uma pesquisa realizada no mestrado que tem como um de seus objetivos específicos levantar e discutir as concepções sobre integralidade entre os internos de Clínica Médica da Universidade Federal Fluminense (UFF), conceito trabalhado transversalmente durante o curso de Medicina da UFF. A metodologia utilizada teve como corpo teórico o Interacionismo Simbólico, e usamos como procedimentos: revisão bibliográfica, diário de campo, entrevista individual projetiva e grupo focal. Percebemos que os alunos conseguem identificar situações nas quais o conceito esteja presente ou não, mas apresentam dificuldades em defini-lo. Por outro lado, observamos que a aplicação do conceito ficou bastante clara, o que foi considerado pelos alunos como um diferencial entre os estudantes da UFF e os de outras faculdades. Os alunos relatam, ainda, que sentem falta de maior discussão do tema, em momento considerado crítico para eles (o Programa de Internato). Identificamos a presença de diferenças na atitude de alguns alunos na entrevista individual e no grupo focal, revelando a influência que a pressão do grupo tem sobre esses alunos.

Educação Médica; Internato e Residência; Assistência Integral à Saúde


This article is part of the author's master's dissertation, one of the specific goals of which was to discuss ideas about comprehensive health care among medical interns from the Fluminense Federal University (UFF). This concept is incorporated across the curriculum of the UFF medicine course. The methodology employed was theoretically based on Symbolic Interactionism, using the procedures of literature review, field journal, projective individual interviews and focus groups. We realized that the students could identify situations where the concept was present or not, but had difficulties in defining it. Yet we also observed that its application was very clear; considered by students as an advantage to the UFF course in relation to other schools. The students also reported feeling a lack of deeper discussions on the subject, during a stage considered critical time for them (Internship Program). We also identified differences in the attitudes conveyed by some students in the individual interviews and in the focus groups, demonstrating peer pressure influence.

Medical Education; Internship and Residency; Comprehensive Health Care


PESQUISA

A integralidade pelos alunos do internato em clínica médica da UFF

Comprehensive health skills for intern medical students from UFF

Lina Nunes Gomes; Lilian Koifman

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lilian Koifman Universidade Federal Fluminense Rua Marquês de Paraná, 303/3º andar Prédio Anexo do HUAP Centro – Niterói CEP 24030-210 – RJ Email: liliankoifman@hotmail.com

RESUMO

Este artigo é parte de uma pesquisa realizada no mestrado que tem como um de seus objetivos específicos levantar e discutir as concepções sobre integralidade entre os internos de Clínica Médica da Universidade Federal Fluminense (UFF), conceito trabalhado transversalmente durante o curso de Medicina da UFF. A metodologia utilizada teve como corpo teórico o Interacionismo Simbólico, e usamos como procedimentos: revisão bibliográfica, diário de campo, entrevista individual projetiva e grupo focal. Percebemos que os alunos conseguem identificar situações nas quais o conceito esteja presente ou não, mas apresentam dificuldades em defini-lo. Por outro lado, observamos que a aplicação do conceito ficou bastante clara, o que foi considerado pelos alunos como um diferencial entre os estudantes da UFF e os de outras faculdades. Os alunos relatam, ainda, que sentem falta de maior discussão do tema, em momento considerado crítico para eles (o Programa de Internato). Identificamos a presença de diferenças na atitude de alguns alunos na entrevista individual e no grupo focal, revelando a influência que a pressão do grupo tem sobre esses alunos.

Palavras-chave: Educação Médica; Internato e Residência; Assistência Integral à Saúde

ABSTRACT

This article is part of the author's master's dissertation, one of the specific goals of which was to discuss ideas about comprehensive health care among medical interns from the Fluminense Federal University (UFF). This concept is incorporated across the curriculum of the UFF medicine course. The methodology employed was theoretically based on Symbolic Interactionism, using the procedures of literature review, field journal, projective individual interviews and focus groups. We realized that the students could identify situations where the concept was present or not, but had difficulties in defining it. Yet we also observed that its application was very clear; considered by students as an advantage to the UFF course in relation to other schools. The students also reported feeling a lack of deeper discussions on the subject, during a stage considered critical time for them (Internship Program). We also identified differences in the attitudes conveyed by some students in the individual interviews and in the focus groups, demonstrating peer pressure influence.

Keywords: Medical Education; Internship and Residency; Comprehensive Health Care

INTRODUÇÃO

Este artigo é parte da uma pesquisa realizada no mestrado que aborda as representações das práticas pelos internos de Clínica Médica da UFF, tendo como um dos objetivos específicos levantar e discutir as concepções sobre integralidade entre os estudantes. Esta dissertação é o ponto de partida de um projeto de pesquisa, na linha de Formação em Saúde, do Departamento de Planejamento em Saúde, do Instituto de Saúde da Comunidade. Com este trabalho, registramos o início de uma pesquisa na área de educação médica, com desdobramentos, aprofundando alguns aspectos agora apresentados.

Destacamos, ainda, a importância do tema inserido na linha de pesquisa "Planejamento, Formação e Avaliação em Saúde", do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFF, tendo em vista as interfaces entre os campos da educação e da saúde. Salientamos, também, a importância da discussão para a Saúde Coletiva, considerando a formação de profissionais de saúde com habilidades e competências para atuar no Sistema Único de Saúde, um importante desafio para a própria consolidação do sistema e de seus conceitos e diretrizes.

O ENSINO MÉDICO E O CURRÍCULO DO CURSO DE MEDICINA DA UFF

O currículo de Medicina da UFF foi pensado como alternativa ao modelo flexneriano, que decorre do impacto do Relatório Flexner (Medical Education in the United States and Canada — a report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching). Este foi publicado nos EUA em 1910 e é um dos marcos teóricos da escola médica moderna.

Desse período em diante, é usual denominar como flexneriano o modelo de ensino médico que privilegia o estudo do corpo humano segundo órgãos e sistemas, com ênfase nas ciências básicas, com aprendizagem prática somente nos últimos anos de formação, com quase exclusividade do ambiente hospitalar. Os saberes e as práticas são baseados nas especialidades médicas, e o modelo pedagógico é centrado no docente1,2,3. Embora esse modelo seja atribuído ao "Relatório Flexner", podemos conferir em Almeida Filho4 que muitas de suas sugestões não foram incorporadas e simplificadas, tornando-se um modelo reducionista e exclusivamente biológico por interesses da classe médica e econômicos da época.

A UFF, com perspectivas questionadoras ao modelo, no contexto do Projeto Niterói, descrito por Silva Jr.5, iniciou o debate sobre o seu currículo. Nesse debate temos como principais atores o Instituto de Saúde da Comunidade, a Direção da Faculdade de Medicina da UFF da época, a Fundação Municipal de Saúde e o Diretório Acadêmico Barros Terra.

A construção da proposta de currículo terminou no mesmo ano de implantação do Programa de Médico de Família em Niterói (1992), embora o novo currículo só tenha sido implantado em 1994. A principal marca dessa reforma curricular é inserir o aluno, desde o primeiro período, na rede hierarquizada de serviços e, assim, promover um aumento progressivo das atividades práticas. A proposta curricular teve aprovação do Conselho Municipal de Saúde de Niterói devido à importância de uma parceria interinstitucional5 entre a UFF e a Secretaria Municipal de Saúde de Niterói.

A formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Saúde, em 2001, é um importante marco nacional, por meio da resolução CNE/CES nº 4. Esta resolução focaliza habilidades e competências, rompendo com uma tradicional estrutura de conteúdos mínimos e apontando uma mudança na formação médica, na medida em que estabelece como perfil do egresso um médico generalista, que saiba integrar ações de prevenção e promoção à saúde com ações de recuperação e reabilitação. Preconiza um enfoque integral do indivíduo e uma visão ampla do processo saúde-doença1,6,7.

O curso de Medicina da UFF, assim como outros cursos que reformularam os currículos seguindo o seu exemplo ou seguindo as novas diretrizes vivenciaram muitas dificuldades, relacionadas principalmente à dupla professor-aluno nos cenários diversificados de aprendizagem, como observado por Azevedo e Vilar8.

Algumas políticas públicas, em âmbito federal, buscaram estimular a incorporação dos fundamentos das Diretrizes Curriculares Nacionais aos currículos. Dentre elas, podemos destacar o Promed, o Pró-Saúde e o PET-Saúde, como descrito por Saippa-Oliveira em sua tese de doutorado9-12.

Tendo em vista os pontos descritos do contexto atual, consideramos necessário avaliar se as reformas curriculares baseadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e nas diretrizes do SUS, priorizando um atendimento integral ao paciente, apresentam o resultado esperado, ou seja, formar profissionais mais adequados a tais demandas. Será que os profissionais vêm sendo formados adequadamente para trabalhar no Sistema Único de Saúde brasileiro a partir dessas mudanças? Em que medida seus conhecimentos e práticas têm sido influenciados pela noção e prática de integralidade?

Mesmo levando em conta que a elaboração do currículo de Medicina da UFF é anterior à formulação das Diretrizes Curriculares, sabemos que tal proposta fez parte do rol de influências para as DCN. Sendo assim, descreveremos tal currículo e, neste artigo, faremos o relato da pesquisa que discute a integralidade no internato de Clínica Médica.

O currículo médico da UFF é constituído por quatro programas: Programa Teórico-Demonstrativo (PTD), Programa Prático-Conceitual (PPC), Programa de Iniciação Científica (PIC) e Programa de Internato (PI). No PTD estão concentradas todas as disciplinas teóricas. É ministrado nos quatro primeiros anos da graduação, começando com uma carga horária expressiva nos primeiros anos e diminuindo progressivamente até o quarto ano. O PPC também é ministrado nos primeiros quatro anos, e sua carga horária é aumentada progressivamente até o quarto ano. A ideia do PPC é a exposição dos alunos, desde o primeiro ano, aos cenários diversificados de aprendizagem. O PIC é um programa transversal durante todo o currículo e estimula a produção científica de docentes e discentes durante a graduação. O PI ocupa os dois últimos anos da graduação e é subdividido em internato obrigatório e internato eletivo. No internato obrigatório os alunos passam pelas grandes áreas da medicina (Clínica Médica, Cirurgia, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, e Psiquiatria). No internato eletivo os alunos escolhem especialidades segundo seus interesses13.

AS VÁRIAS FACES DA INTEGRALIDADE

Na Constituição nacional14 e posteriormente na legislação do SUS15, que vem de um desdobramento de parte do Capítulo II daquela, é determinado que as ações e os serviços de saúde integrem uma rede que deve ser organizada segundo três diretrizes, sendo destacada aqui o atendimento integral. A integralidade, então, surge como um princípio norteador da formulação das políticas de saúde16.

Giovanella et al.17 afirmam que, no Brasil, a Atenção Primária tem como um de seus pilares de construção a integralidade da atenção, baseada na promoção em saúde, garantia de acesso aos três níveis de complexidade, articulação das ações de prevenção, promoção e reabilitação, além da abordagem integral dos indivíduos e de suas famílias. A integralidade, nesse contexto, acaba sendo tomada como bandeira política, e não pode ser considerada única, estando atrelada à universalidade e à equidade. Ela se materializa no cotidiano em práticas de gestão, de cuidado e de controle social18. O conceito de integralidade estudado e analisado por nós não está ligado somente ao descrito como diretriz do SUS. As diretrizes do SUS estão de acordo com o que foi pensado durante todo o processo de formulação dessa política pública de saúde no âmbito do movimento sanitário. Aqui pretendemos trabalhar com o conceito de forma mais ampla, como proposto por Mattos19, que destaca três grandes grupos de sentidos: um primeiro estaria relacionado com a visão do profissional de saúde; um segundo sentido estaria ligado aos processos de trabalho na organização de serviços de saúde (micropolítica); e o terceiro estaria vinculado à macropolítica em saúde.

Por se tratar de um estudo sobre a formação do médico, o primeiro grupo de sentido será o eixo principal, pois traz o traço de uma boa medicina, respondendo ao sofrimento do paciente que procura assistência sem reducionismos, promovendo o diálogo que mudará a postura do profissional de saúde diante do usuário, que não será mais visto somente como um ser doente, mas também como um ser que precisa ser cuidado, promovendo, assim, sua saúde20.

Hartz e Contandriopolos21 trabalham com o segundo sentido instituído por Mattos19, por relacionarem a integralidade com a integração entre os diversos níveis da assistência, reconhecendo que nenhum ator ou nível está preparado com a totalidade de recursos e competências para resolver todos os problemas de saúde.

O conceito, porém, tem várias formas de ser pensado. O acima citado é o mais frequentemente usado, como, por exemplo, no artigo publicado por Aguiar e Ribeiro22, onde articularam "o debate sobre competência com aquele relativo à construção da integralidade na formação e na prática em saúde"22 (p. 376).

No Dicionário da Educação Profissional em Saúde23, Pinheiro, no início da descrição deste conceito, traz uma definição legal e institucional da integralidade como "um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema". Relata, ainda, que sua aplicação prática supera os modelos idealizados anteriormente, pois pode ter um sentido mais ampliado, como uma ação social na oferta de cuidado, sendo uma estratégia concreta em defesa da vida23.

Pinheiro ainda salienta que a integralidade existe em ato e pode ser demandada na organização dos serviços e das práticas de saúde, considerando o usuário como sujeito, um ser real que produz sua história, respeitando seus saberes, que por tanto tempo foram silenciados e desqualificados23.

Ceccim e Feuerwerker24, citando Camargo Jr., descrevem a proposta de que a integralidade seja tomada como um ideal regulador. Dizem ainda que em lugar da integralidade da atenção estaria atualmente a medicalização e que, para mudar essa realidade, seriam necessárias no mínimo mudanças na organização dos serviços e na própria formação profissional. A integralidade poderia, nesse caso, estar para as práticas de saúde e de ensino de saúde como a objetividade está para a investigação científica, impossível de ser plenamente atingida, mas almejada, sempre.

Um debate presente nas mudanças de formação é o de integralidade como totalidade, com a intenção de formar um generalista plenamente capacitado para a clínica geral, sendo esta a pretensão das diretrizes curriculares da Medicina. Porém, deve-se levar em consideração que o médico ou qualquer profissional de saúde não dá nem deve dar conta de toda a complexidade do atuar em saúde e da necessária multidisciplinaridade desse agir, havendo um grande risco de uma medicalização também integral. A atenção integral implica mudanças nas relações de poder entre os profissionais de saúde, para uma verdadeira possibilidade de existência de equipe multidisciplinar, e entre os profissionais de saúde e usuários, para que se tenha uma verdadeira possibilidade de autonomia deste usuário16.

Na prática, a integralidade está na atuação do profissional de saúde para além de organizar protocolos e rotinas para casos preestabelecidos. É preciso que ele desenvolva pelo menos duas habilidades: uma que possibilite a escuta no encontro com o paciente de maneira ampliada, e outra que contextualize adequadamente as ofertas a serem feitas, identificando os momentos propícios para isso. Para que esse encontro se dê, as práticas de saúde devem ser sempre intersubjetivas, e nelas os profissionais de saúde devem se relacionar com sujeitos e não com objetos, fazendo emergir o diálogo. Podemos assim construir projetos terapêuticos individualizados, que levem também em conta ações voltadas para a promoção e prevenção16,19,23.

Gonzáles e Almeida25 ainda comentam que a ideia de integralidade ficou atrelada ao fato de o usuário ser bem tratado, com dignidade, mas na verdade é um termo que abrange muitos outros. "Não podemos nos contentar apenas em sermos bem tratados, termos acesso aos serviços de saúde; é preciso que esse acesso tenha qualidade, além de ser eficaz, efetivo e eficiente" (p. 759).

Lampert26 alerta que os avanços científicos e tecnológicos devem caminhar junto com a integralidade, porque serão insuficientes se forem descolados dela. Comenta que dessa forma a abordagem da saúde fica desumana, não atendendo às necessidades básicas de saúde do ser humano, e ele não é acolhido e tratado em suas especificidades. Além disso, "a articulação de diversos saberes e múltiplos profissionais se faz necessária quando se concebe o sistema de saúde proporcionando atendimento integral"26 (p. 6).

Neste artigo, então, procuramos perceber como os alunos de Medicina entendem o conceito de integralidade, levando em consideração que esse tema é visto transversalmente durante as quatro primeiras fases (anos) do currículo.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS E ÉTICAS

Esta pesquisa foi orientada pelos preceitos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde27 e submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro da UFF em novembro de 2009 e aprovada sob o número 288/09 no mesmo período. A pesquisa de campo ocorreu logo depois da aprovação no CEP, durante todo o ano de 2010, e os dados foram analisados no início de 2011.

Trata-se de uma pesquisa social em saúde, em cujo desenvolvimento utilizamos métodos qualitativos.

A postura teórica adotada nesta pesquisa foi fundamentada nas teorias compreensivas, mais especificamente no interacionismo simbólico. Essa visão de mundo tem tido profunda influência na construção do conhecimento da realidade. Ela privilegia compreender e não quantificar e explicar28.

Trabalhamos, portanto, com três procedimentos: revisão bibliográfica, entrevista projetiva e grupo focal.

A revisão bibliográfica inclui artigos selecionados sobre os temas: educação médica, educação permanente, formação em saúde, diretrizes curriculares, internato e integralidade, sendo utilizados sítios de busca como Scielo e Bireme. Além disso, foram selecionadas as produções do Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis), pois se trata de um laboratório de pesquisas sobre a integralidade e suas implicações, reconhecido nacional e internacionalmente.

No segundo procedimento da pesquisa, a entrevista projetiva, foram utilizados dispositivos visuais. No caso desta pesquisa, utilizamos partes de uma série de TV, sendo que o entrevistado foi convidado a discorrer sobre o que viu. Nessa classificação de entrevista, utilizamos um meio, no caso a série de TV ER, para falarmos de assuntos que poderiam causar constrangimento ao serem tocados diretamente e aplicamos um roteiro de entrevista semiestruturado baseado no que foi visto28.

Procuramos escolher cenas que tivessem relação direta com a vivência no dia a dia do internato de Clínica Médica e no seu percurso até então, tentando captar principalmente as percepções do entrevistado sobre seu processo de aprendizagem, supervisão e relação com o paciente.

Por meio desta modalidade de entrevista pretendemos obter maior aprofundamento nas informações. A opção mais comum, de perguntas diretas, pode significar uma indução às respostas, como se houvesse respostas corretas e incorretas. Por esse motivo selecionamos a modalidade de entrevista projetiva.

O grupo de alunos estudado foi selecionado entre os inscritos na graduação de Medicina da UFF, no internato obrigatório de Clínica Médica, onde normalmente ficam alocados, em média, 12 alunos para realizarem atividades durante três meses. O internato obrigatório de Clínica Médica foi escolhido por se tratar do local onde encontraríamos o perfil mais aproximado do egresso desejado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, o médico generalista. Normalmente, esses alunos se encontram na faixa etária entre 22 e 25 anos e de sexo e cor variáveis, que não são relevantes para a pesquisa.

O critério de exclusão dos alunos foi o de não terem cursado todos os períodos da graduação na UFF, como no caso de alunos transferidos e alunos de intercâmbio.

Inicialmente, o grupo estudado seria o de alunos selecionados de uma única enfermaria para a realização das entrevistas. A escolha da enfermaria teve relação direta com a procura dos alunos pela supervisão com o professor responsável por essa enfermaria especificamente, por este ser considerado por todos os alunos o melhor professor de Clínica Médica. Sendo assim, na escolha do internato, essa enfermaria é foco de disputa entre os alunos que estão entre os melhores da turma.

Porém, em função da dificuldade de conseguirmos um número significativo de alunos desse grupo, optamos por incluir outras enfermarias de acordo com o interesse dos alunos. A partir dessa inclusão conseguimos dois grupos de alunos com características distintas, principalmente por se tratar de alunos que realizavam o internado em diferentes enfermarias (o que está conectado com o Coeficiente de Rendimento (CR) e escolhas específicas). Conseguimos, ao final, a adesão de 13 alunos entrevistados, contando com uma entrevista-teste.

Com a realização de todas as entrevistas individuais, a etapa seguinte da metodologia de pesquisa utilizada foi o grupo focal, em que pudemos observar os perfis e as relações formadas entre os internos. Neste artigo, analisaremos especificamente o material das entrevistas individuais, onde há o questionamento sobre a concepção de integralidade.

Após a realização das entrevistas individuais e do grupo focal e feita a primeira análise do material, concordamos em que seria interessante entrevistar, também, o professor responsável pela enfermaria masculina, onde a maioria dos alunos foi alocada no internato.

Ainda como fonte de dados, utilizamos o diário de campo, onde foram escritas impressões pessoais que foram se modificando com o tempo, resultados de conversas informais, observações de comportamentos contraditórios com as falas, além dos sentimentos do observador diante deste contexto. Consideramos que seja um material de grande importância, que foi usado como aporte para a análise qualitativa de todo o material coletado28,29.

Após a coleta de todos os dados no trabalho de campo e da revisão bibliográfica, foi realizada a análise. A metodologia escolhida para trabalhar o material foi a análise temática, que é um tipo de análise de conteúdo proposto por Bardin em 197929.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No presente artigo, analisaremos somente as questões referentes à concepção da integralidade pelos internos de Clínica Médica do curso de Medicina da UFF. Os demais achados da pesquisa serão analisados futuramente, em novos artigos.

Consideramos que esta pesquisa tem relevância para a área de Saúde Coletiva e para a educação médica, visto que as escolas médicas vêm empreendendo reformas curriculares com modelos semelhantes ao do currículo da UFF. Como dito anteriormente, é pertinente o questionamento do médico que está sendo formado a partir das reformas.

Em uma análise geral do material, percebemos uma diferença nítida entre os dois grupos de entrevistados. Os seis primeiros alunos entrevistados frequentaram a enfermaria masculina durante o internato de Clínica Médica, e o segundo grupo frequentou os serviços da DIP e do CTI, com exceção de apenas um aluno, que já tinha passado pela enfermaria masculina.

Uma informação interessante em relação à escolha do internato de Clínica Médica é que a enfermaria masculina é a mais procurada pelos alunos, e só os melhores alunos normalmente conseguem ficar nessa enfermaria, pois é preciso apresentar um coeficiente de rendimento (CR) alto para poder escolhê-la. A escolha dessa enfermaria — isto ficou claro durante o grupo focal com os alunos — se dá em função do professor que a coordena. Esse professor é considerado um exemplo por muitos alunos, pela postura diante do paciente e pela metodologia de ensino-aprendizagem.

Os alunos do primeiro grupo, então, seriam aqueles com melhor desempenho, sendo que essa situação, por si só, cria uma marca nos alunos. Especificamente no caso da turma pesquisada, eles formavam um grupo fechado, coeso com relação às suas preferências.

Os demais alunos costumam ter outras opções de internato, como a enfermaria de Clínica Médica feminina, CTI e DIP, como os que fizeram parte do segundo grupo de alunos entrevistados.

O vídeo, passado para os alunos antes das perguntas, era um episódio piloto de uma série de TV americana chamada ER (Plantão Médico — versão em português)30. Neste episódio, dois dos personagens principais estão iniciando seu estágio na emergência como internos. São três circunstâncias em que os internos são colocados em situações de atendimento, onde questões importantes aparecem.

Apesar de terem sido feitas seis perguntas aos internos na entrevista individual e mais seis no grupo focal, o foco de análise neste artigo são as falas, que nos deram pistas sobre como eles veem o conceito de integralidade.

O primeiro bloco de internos parece mais preocupado com a prática, com os procedimentos, salvo dois alunos que perceberam que se tratava de algo a mais que apenas o treinamento de procedimentos. O segundo grupo tinha um olhar mais atento ao paciente, inclusive respondendo às questões da entrevista com mais firmeza. Nesse segundo grupo, tivemos pessoas mais envolvidas com a faculdade e com a militância no diretório acadêmico. Então, além de parecer que seu envolvimento e olhar sobre a prática poderiam ter sido alimentados pela formação universitária, algo aparece como próprio de sua personalidade ou educação familiar. No primeiro grupo, os dois alunos que se diferenciaram foram monitores de disciplinas que trabalhavam o conceito da integralidade.

A possibilidade de entrevistar dois grupos com características tão diferentes foi muito interessante, porque enriqueceu o material levantado e tornou possível uma comparação e não uma visão única. Ou seja, como o primeiro grupo selecionado se apresentou como um grupo fechado e homogêneo, a oportunidade de comparação com outro grupo nos permitiu perceber que, no conteúdo absorvido pelos alunos, interfere de grande maneira aquilo que eles estejam dispostos a aprender e a ouvir, sua predisposição. Essa formação de grupos fechados para o internato é um fenômeno que não acontece somente na UFF. Existem estudos sobre a forma de escolha do internato, como o de Gavioli et al.31, que observaram que os critérios de escolha do internato estão diretamente relacionados com as redes sociais das turmas.

Os alunos, de maneira geral, relacionaram muitos temas com a integralidade e, mesmo que tivessem uma resposta pronta para o conceito, todos tinham uma noção sobre o conceito e sabiam identificá-lo positiva ou negativamente nas cenas vistas.

Para a análise temática das entrevistas, classificamos o material por meio de categorias selecionadas, apresentadas aqui por ordem decrescente de frequência nas entrevistas: escuta, responsabilidade perante o paciente e sua família, ver o paciente como um todo (cuidado integral), orientação/conversar, linha do cuidado, vínculo, equipe multiprofissional afinada, sinceridade, atenção à dinâmica familiar e ao contexto social do paciente, humanização, ética profissional, segurança e experiência, rede de assistência à saúde estruturada (referência e contrarreferência, políticas públicas, gestão em saúde), respeito, comprometimento, acesso, tranquilidade, autonomia do paciente, adesão e projeto terapêutico, acolhimento, suporte, olhar, assumir os próprios limites e conhecer bem a história clínica prévia do paciente.

Mesmo os alunos do primeiro grupo, que estavam mais preocupados com os procedimentos, estavam atentos a sua responsabilidade perante o paciente:

"Se eu me sentisse insegura diante de alguma coisa, diante de algum procedimento ou de alguma pergunta do paciente, eu iria atrás do responsável por mim." (aluno 3)

Já os alunos do segundo grupo focaram muito a escuta ao paciente, em vez de só se preocupar com o procedimento em questão:

"Na primeira cena, não tem muita continuidade, como se a paciente não tivesse muito valor, mas como se fosse só um objeto. [...] No terceiro, acho que ele tinha que ter ouvido o paciente, ele estava preocupado com o procedimento e não estava prestando atenção no que o paciente estava falando. Nem estava ouvindo, ouvir o paciente." (aluno 10)

Embora a discussão sobre esse assunto durante o curso tenha sido considerada repetitiva pelos alunos, acaba gerando uma marca neles. Talvez isso não ocorra exatamente segundo as expectativas dos professores, mas algo do conceito é incorporado e muda a prática desses alunos, como podemos observar nos vários exemplos citados. Percebemos que, de maneira geral, quando devem conceituar, se restringem à definição de ver o doente como um todo. Como podemos observar em algumas falas:

"[...] porque para mim o conceito de integralidade que eu tento me lembrar... É questão de... várias partes se unirem e formarem o todo. [...] Aqui a gente vê que realmente o paciente é um pulmão [...] Então, é muito difícil sair daqui e ver o paciente como um todo." (aluno 2)

A conduta deles com relação ao paciente parece estar ligada a outro conceito, de cuidado integral. Esse conceito traz a ideia de ver o paciente como um todo, como um complexo biopsicossocial32.

Não nos admira ver que a maioria usa o conceito dessa forma, pois, do mesmo modo, encontramos tal uso na entrevista do professor da enfermaria masculina. Esse achado nos faz pensar na possibilidade de transmissão do conceito por meio da prática do cuidado integral a partir dos professores da clínica.

Outros, porém, conseguem discutir o conceito mais amplamente, falando do atendimento individual e coletivo, citando políticas públicas, educação permanente e responsabilidade profissional, entre outros temas que podem ser englobados pela integralidade.

De maneira geral, muitos se queixam da abordagem dada ao conceito durante a graduação. Acham que fica descolado da prática, "solto". Se sentem abandonados durante o internato, onde acreditam que a discussão sobre o tema seria mais rica, com exemplos na prática:

"Os professores (do internato) não foram formados para trabalhar nesse conceito (da integralidade). A gente vê muita coisa pronta, filosófica, bonitinha e, na hora da prática, não acontece assim [...]. A integralidade é muito do bom senso, eu acho que muita gente consegue chegar a ela pelo bom senso." (aluno 11)

Nessa última fala percebemos que alguns alunos consideram que esse conceito já vem com as pessoas, não tem como ser ensinado. Acham que as pessoas, de maneira geral, devem agir com bom senso e assim estarão sendo melhores profissionais. Mas se contradizem, em sua maioria, ao dizerem que tiveram uma formação diferenciada dos alunos que conhecem de outras faculdades onde esse tema não foi tão abordado:

"Sim, eu acho que a gente vê diferença com os outros alunos [...] Eu acho que o aluno da UFF, por ter contato com isso desde o começo, pensa um pouquinho diferente, sim. Eu vejo a relação médico-paciente, vejo muito. Por exemplo, eu e a maioria das pessoas da minha turma não dão plantão como médicos. Em muitos lugares oferecem e tal, a gente vê acadêmicos de outros lugares fazendo e se arriscando, fazendo procedimentos que não sabem. Acho que a gente é mais cauteloso. Exatamente porque é essa a preocupação do paciente [...] Todos esses conceitos que a gente vê desde o comecinho, que a gente às vezes nem entende por que é que falam tanto, depois fazem diferença." (aluna 7)

Alguns alunos salientaram que os estudantes da UFF têm consciência do conceito e têm a escolha de trazê-lo para a sua prática diária ou não:

"Como é muito batido, acho que entrou, nem que seja um pouquinho, ele pode fazer errado, mas ele sabe que está errado. É uma escolha, não faz porque não quer." (aluno 9)

Voltando à fala anterior, algo que ficou muito presente também na fala dos alunos, tanto na entrevista individual, como no grupo focal, foram as queixas com relação ao funcionamento do internato, principalmente quanto à ausência do professor na rotina do serviço.

Segundo o Ministério da Educação e Cultura:

A formação do Médico incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados, e sob supervisão direta dos docentes da própria Escola/Faculdade.33 (grifo nosso) (p. 12)

Assim, é pertinente a queixa dos alunos com relação à ausência de supervisão. Eles se sentem "mão de obra" para a enfermaria sem o retorno do aprendizado. Mesmo na enfermaria mais disputada, os alunos se queixam de terem os residentes como professores. Esse evento é apenas uma repetição de vários que marcam a vida desses alunos em quase todos os estágios que realizam:

"No estágio supervisionado na rede, sem supervisão de um profissional, a gente aprende com outros alunos mais antigos no serviço". (aluno 1)

"Hoje, por exemplo, eu dou plantão no CTI do Hospital A, que não é remunerado, para não sofrer tanto isso, para ter sempre uma pessoa ao meu lado, porque eu não quero mais dar plantão onde eu sou uma quase-médica quando na verdade eu não sou, entendeu?" (aluno 2)

"A gente não está aqui para evoluir e fazer a prescrição, não é mão de obra. A gente está aqui para aprender, o que não acontece muito. [...] o residente até sabe muito mais do que a gente, mas ele também está em formação. E ele tem mil tarefas na cabeça, nem sempre tem tempo para ficar te explicando, ensinando a fazer um exame físico". (aluno 7)

"O residente acaba sendo o professor do interno". (aluno 11)

Durante o grupo focal, nos parece importante salientar, um dos alunos chamou atenção para a fragmentação do funcionamento do internato, o que dificulta que tenham uma percepção maior do todo, de todo o cuidado dispensado aos usuários. O aluno 13 nos disse que na enfermaria trabalham como uma linha de produção, onde o interno faz a evolução do paciente, o residente faz os procedimentos relativos, e o professor traça a conduta. Nenhum dos atores acompanha o paciente como um todo, que seria exatamente como eles concebem a integralidade.

Mesmo assim, aparece certa cumplicidade com relação ao professor, os alunos desculpam a ausência dele por motivos diversos, como baixos salários, a falta de outros professores que ajudem na enfermaria, assim como a não aptidão para ser professor, como fica marcado na seguinte fala do aluno 2: "tem uns que nasceram para ser médicos, mas não professores".

O professor entrevistado relatou a dificuldade de reproduzir um cuidado integral ao paciente nas enfermarias em virtude da própria dinâmica do serviço e da estrutura departamental. Ele acredita que somente o professor clínico geral poderia trabalhar esse conceito com os alunos, pois os especialistas teriam um olhar diferenciado.

Com relação ainda à queixa dos alunos quanto ao excesso de discussão deste conceito durante os primeiros anos e à quase ausência deste nos últimos anos, foi interessante observar que isto só apareceu nas entrevistas individuais. Quando perguntados coletivamente, no grupo focal, se sentiam falta de algo no internato, esse assunto não retornou. Mas foi relatada outra questão, a da ausência dos professores e da falta de treinamento para procedimentos.

Essa diferença de posição perante o grupo, além de outras observadas pela pesquisadora no campo, durante toda a coleta de dados, trouxe a reflexão sobre a importância da formação de grupo para esses internos e da exposição causada em momentos em que alguns alunos assumem posições contra-hegemônicas diante do grupo. Aparentemente, essas posturas não são bem recebidas pelo grupo. Isto pode ocorrer devido a uma característica pessoal, mas pode estar relacionado a um comportamento de grupo, que analisamos por meio da psicologia de grupo de Freud34.

Citando Le Bon, Freud diz que o indivíduo, quando está em grupo, age de maneira diferente do que agiria se estivesse sozinho, pois o grupo é como se fosse um novo ser que age de modo diferente do que agiriam seus componentes separadamente. Diz, ainda, que existe o fenômeno do contágio: no grupo, todo sentimento é contagioso a ponto de o indivíduo sacrificar seu interesse pessoal. Diz ainda que "um grupo é um rebanho obediente, nunca poderia viver sem um senhor". Porém, esse senhor não precisa necessariamente ser uma pessoa, também pode ser um trabalho ou uma ideia34.

Os alunos que se expõem diante do grupo são facilmente estigmatizados e se colocam à margem. Passam a ser malvistos, pessoas de difícil convivência, que só sabem falar sobre "aqueles assuntos chatos da Saúde Coletiva". Os alunos acham que, se esses assuntos são valorizados pelo profissional, é porque ele escolheu ser médico do SUS, que para muitos é sinônimo de precarização do trabalho e baixa remuneração, em comparação com a assistência privada, que pode gerar certo status e alto retorno financeiro.

Isso nos faz refletir sobre as escolhas individuais e a influência gerada pelo grupo nas mesmas. Percebemos que o fato dos grupos formados durante a graduação dos médicos — tanto casuais quanto intencionais — gerarem inibição ou estímulo aos posicionamentos e identificações. O campo da Saúde Coletiva e o modo de ação dos médicos nessa área, também gera estereótipos. De acordo com o nível de identificação do grupo (ou mesmo turma) com os docentes da Saúde Coletiva (no caso da UFF, com os docentes do Instituto de Saúde da Comunidade), o aluno que estiver inserido no debate (monitores, bolsistas de Iniciação Científica ou Extensão) pode ter muito prestígio ou ser desprezado pela turma. Muitas vezes a integralidade, como idéia e conceito ou prática, é um símbolo da identificação com a Saúde Coletiva e vem carregada de todas características que explanamos aqui. Mas participar desse grupo é uma escolha individual e consciente, e tem relação com toda a sua história de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse artigo, que é parte dos resultados de uma pesquisa realizada no mestrado, levantamos e discutimos as concepções que os alunos do internato de Medicina Clínica têm de integralidade e todas as interferências que a formação deste conceito pode ter.

Esta discussão tem muita relevância nos dias de hoje, visto que tal avaliação pode estar diretamente relacionada à pergunta "que médico estamos formando?", principalmente após a promulgação das Diretrizes Curriculares e de várias iniciativas tomadas para implementá-las.

Nosso levantamento de dados apresentou originalidade pelo fato de usarmos como instrumento a entrevista projetiva, que pode gerar a discussão sobre o tema sem perguntas diretas, evitando respostas ensaiadas. Assim, pudemos avaliar de maneira indireta como os alunos veem o conceito da integralidade. Além disso, a comparação entre as entrevistas individuais, o grupo focal e algumas atitudes dos alunos durante a coleta de dados aumentou a riqueza do material, principalmente quanto à interação entre os alunos.

Ficou claro que todos os alunos da amostra tinham conhecimento sobre integralidade, mas a maioria não soube "recitar" o conceito de forma bem definida, embora soubesse diferenciar situações onde as ideias ligadas a ele estavam presentes ou não. A maioria define integralidade aproximando-a do conceito de cuidado integral, que se assemelha ao primeiro sentido apresentado por Mattos19.

Das interferências surgidas com relação ao agir dos estudantes, a mais interessante e a que chamou mais atenção foi a diferença entre as concepções individuais e em grupo, em que pudemos observar a variação de falas e comportamentos de alguns alunos. Levando isso em consideração, fica a pergunta: o aluno vai levar esses ensinamentos para a sua prática ou vai seguir o grupo do local de seu futuro trabalho? Como um dos alunos entrevistados se perguntou durante a entrevista individual:

"será que quando eu for médico e tiver pacientes para atender em dez minutos, vou ter tempo, estarei como? Irritado?" (aluno 12).

Este trabalho não pretende esgotar a discussão sobre o tema. Consideramos que este merece outros estudos, inclusive aprofundando o assunto sobre o comportamento em grupo com o estudo de autores como Pichon Riviere e Kurt Lewin. Mas deixamos alguns dados e questionamentos, na perspectiva de contribuir para o debate de questões tão importantes que são levadas a cabo durante a formação em saúde, principalmente na formação de médicos.

Neste artigo, portanto, apresentamos como o debate foi desenvolvido em nossa pesquisa, com o intuito de contribuir para outras pesquisas e trabalhos na área de educação médica.

Recebido em: 31/07/2011

Reencaminhado em: 01/07/2012

Aprovado em: 01/10/2012

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Lilian Koifman contribuiu na concepção, desenho deste estudo e da análise e interpretação do dados assim como da redação deste texto.

  • 1. Pagliosa FL, Da Ros MA. O Relatório Flexner: para o bem e para o mal. Rev Bras Educ Méd. 2008; 32(4):492-499.
  • 2. Koifman L. O modelo biomédico e a reformulação do currículo médico da Universidade Federal Fluminense. História, Ciências, Saúde. 2001; 8(1):48-70.
  • 3. Arouca S. O Dilema Preventivista: Contribuição para a Compreensão e Crítica da Medicina Preventiva. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003.
  • 4. Almeida Filho N. Reconhecer Flexner: Inquérito sobre Produção de Mitos na Educação Médica no Brasil Contemporâneo. Cad. Saúde Pública. 2010; 26(12):2234-2249.
  • 5. Silva Júnior AG, Pires CA, Marins JJN, Tomassini, HCB. As experiências de articulação universidade-serviço-sociedade em Niterói, RJ. Divulgação em saúde para debate. 1996; (12): p. 49-53.
  • 6. Pontes A. Saber e prática docente na transformação do ensino médico: reflexões a partir da fala de preceptores do curso de medicina da UFF. Rio de Janeiro; 2005. Mestrado [Dissertação] Escola Nacional de Saúde Pública ENSP.
  • 7
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 04/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001.
  • 8. Azevedo GD, Vilar MIP. Educação médica e integralidade: o real desafio para a profissão médica. Rev Bras Reumatologia.2006; 46(6):407-409.
  • 9
    Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Organização Panamericana de Saúde. PROMED — Programa de incentivo a mudanças curriculares nos cursos de Medicina. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2002. (Edital de Convocação).
  • 10
    Brasil. Ministério de Saúde. Ministério de Educação. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde). Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2005 (Edital de convocação).
  • 11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SGTES. Portaria n. 4, de 29 de Março de 2010. Diário Oficial da União. Brasília, 20 abr. 2010; Seção 1.
  • 12. Saippa-Oliveira G. Saberes e esquemas de ação docente em saúde coletiva. Rio de Janeiro, RJ; 2010. Doutorado [Tese] Escola Nacional de Saúde Pública ENSP.
  • 13
    Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Medicina. A Proposta do Currículo Pleno do Curso de Medicina [mimeo]. Niterói, outubro de 1992.
  • 14
    Brasil. Constituição Federal de 1988. Diário Oficial da União; 5 de outubro de 1988.
  • 15
    Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde 080. Diário Oficial da União; 19 set. 1990.
  • 16. Machado MFAS et al. Integralidade, Formação de Saúde, Educação em Saúde e as Propostas do SUS Uma Revisão Conceitual. Ciência & saúde coletiva. 2007;12(2):335-342.
  • 17. Giovanella L et al. Sistemas Municipais de Saúde e a Diretriz da Integralidade da Atenção: Critérios para Avaliação. Saúde em Debate. 2002; 26: [capturado em 27 jun. 2012] 31-61. Disponível em: http://docvirt.com/asp/acervo_cebes.asp?Bib=SAUDEDEBATE&PASTA=V.26%2C+N.60+-+jan.%2Fabr.+2002&pesq=Giovanella&x=125&y=15
  • 18. Silva Junior AG, Carvalho LC, Nascimento-Silva VM, Alves MGM, Mascarenhas MTM. Avaliação de redes de atenção à saúde: contribuições da integralidade. In: Pinheiro R, Mattos RA, orgs. Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde. Rio de Janeiro: CEPESC; 2006. p. 61-89.
  • 19. Mattos RA. A Integralidade na Prática (ou sobre a prática da integralidade). Caderno de Saúde Pública. 2004;20(5): 1411-1416.
  • 20. Gomes MCPA, Pinheiro R. Acolhimento e Vínculo: práticas da Integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface Comunic Saúde Educ. 2005; 9(17):287-301.
  • 21. Hartz ZMA, Contandriopolos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um sistema "sem muros". Cad. Saúde Pública. 2004; 20 (supl 2):S331-S336.
  • 22. Aguiar AC, Ribeiro ECO. Conceito e Avaliação de Habilidades e Competências na Educação Médica: Percepções Atuais dos Especialistas. Rev Bras Educ Méd. 2010; 34(3):371378.
  • 23. Pinheiro R. Integralidade em Saúde. In: Pereira IB, Lima JCF, org. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: EPSJV; 2008. p.255-262.
  • 24. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. Mudança na Graduação das Profissões de Saúde sob o Eixo da Integralidade. Caderno de Saúde Pública. 2004; 20(5):1400-1410.
  • 25. Gonzáles AD, Almeida MJ. Integralidade da Saúde Norteando Mudanças na Graduação dos Novos Profissionais. Ciência & saúde coletiva. 2010; 15(3): 757-762.
  • 26. Lampert JB et al. Projeto de Avaliação de Tendências de Mudanças no Curso de Graduação nas Escolas Médicas Brasileiras. Rev Bras Educ Méd. 2009; 33(1 supl. 1):5-18.
  • 27
    Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes e normas Reguladoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Resolução 196/96. Brasília; 1996.
  • 28. Minayo MCS et al., org. Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 28 ed.Petrópolis, RJ: Editora Vozes; 2009.
  • 29. Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 10 ed. São Paulo: Hucitec; 2007.
  • 30. ER (Plantão Médico). Episódio piloto da 1ª Temporada. Seriado Americano da Warner Bros Television; 1994.
  • 31. Gavioli MA et al. Formando Grupos no Internato: Critérios de Escolha, Satisfação e Sofrimento Psíquico. Rev Bras Educ Méd. 2009; 33(1):4-9.
  • 32. Nunes ED. Análise de Alguns Modelos Utilizados no Ensino das Ciências Sociais nas Escolas Médica. Bases Teóricas. Rev Saúde Pública. 1978; 12:506-515.
  • 33
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CES nº 1133/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Diário Oficial da União. Brasília, 3 out. 2001.
  • 34. Freud S. Psicologia de Grupo e a Análise do EGO. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1976. v.18. [Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud]
  • Endereço para correspondência:
    Lilian Koifman
    Universidade Federal Fluminense
    Rua Marquês de Paraná, 303/3º andar
    Prédio Anexo do HUAP
    Centro – Niterói
    CEP 24030-210 – RJ
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      31 Jul 2011
    • Aceito
      01 Out 2012
    • Revisado
      01 Jul 2012
    Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
    E-mail: rbem.abem@gmail.com