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A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA E SOCIAL DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÊDICAS DA UNICAMP - ANÁLISE HISTÓRICA: 1965 - 1982

Resumo:

Este artigo analisa a organização curricular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, de 1965 a 1982. Através da recuperação de documentos - programas de ensino, relatórios, catálogos de cursos, o estudo situa as práticas e os conteúdos ministrados, assim como suas vinculações com as propostas educacionais preventivistas. Mostra a crescente incorporação de áreas de conhecimento e sua compartimentalização, a dicotomia entre a prática teórica do social e a prática médica: discute as atividades extra-murais e enfatiza o caráter básico das disciplinas que constituem o campo da medicina preventiva e social.

Abstract:

This article analyses the curriculum organization developed by the Department of Preventive and Social Medicine of the UNICAMP Medical Science School from 1965 until 1982. Gathering documents teaching programs, reports and catalogues or courses, the study points out the contents and practices as well as the links with the preventive educational aims. The study shows the progressive incorporation of several areas of knowledge without any linkage; the dicotomy between the social theoretical practice and the medical practice; discusses the extra-hospital activities and stresses the basic character of the preventive and social disciplines.

“Se suspendi as referências ao sujeito-que-fala, não foi para descobrir leis de construção ou formas que seriam aplicadas da mesma maneira por todos os sujeitos-que-falam, não foi para fazer o grande discurso universal que seria comum a todos os homens de uma época. Trata-se, pelo contrário, de mostrar em que consistiam as diferenças, como era possível que homens, no interior de uma mesma prática discursiva, falassem de objetos diferentes, tivessem opiniões opostas, fizessem escolhas contraditórias; trata-se, também, de mostrar em que as diferentes práticas discursivas se distinguiam uma das outras; em suma não quis excluir o problema do sujeito, quis definir posições e as funções que o sujeito podia ocupar na diversidade dos discursos”.
Michel Foucault (Arqueologia do Saber)

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende proceder a uma análise do programa de ensino desenvolvido pelo Departamento de Medicina Preventiva e Social/FCM/UNICAMP, durante o longo período de 1965-1982. Basicamente, o seu objetivo é recuperar a documentação sobre essa experiência docente, analisando a sua vinculação à ideologia, às propostas educacionais preventivistas e às situações específicas presentes em sua realização. Estudos importantes já realizados sobre o ensino de medicina preventiva11. GARCIA, J. C. La educación en la América Latina. Washington, D. C., OPS, 1972. Publicación Científica n.o 255.),(22. PROGRAMA DE ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS EM SAUDE. Investigação nacional sobre o ensino da medicina preventiva. Rio de Janeiro, PESES/ FINEP/FIOCRUZ, s.d. ideologia preventivista33. AROUCA, A. S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. Tese de doutoramento apresentada ao Depto. de Medicina Preventiva e Social da Fac. de Ciências Médicas da UNICAMP., marcos teóricos desse campo44. PAIM, J. S. Desenvolvimento teórico conceitual do ensino em saúde coletiva. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública medicina preventiva e social no Brasil. Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982. p. 5-17., serão aqui retomados na medida em que oferecem subsídios para a compreensão da situação.

Em sua origem, que data de março de 1965, o Departamento de Medicina Preventiva e Social encaminhou sua organização dentro do modelo que havia sido proposto pelos seminários internacionais para o ensino da medicina preventiva realizados em Vinã del Mar (1955)55. SEMINÁRIOS DE VINÃ DEL MAR, Chile 1955 , Tehuacán México 1956. REUNIONES DEL COMITÉ DE LIBROS DE TEXTO DE LA OPS/OMS, Washington, 1968, 1974. Enseñanza de la medicina preventiva y social: 20 años de experiencia latinoamericana. Washington, OPAS/OMS, 1976. Publicación Científica n.o 324. e Tehuacán (1956)66. Ibid.. Mais do que reproduzir em nível nacional e no interior de uma escola médica a proposta de um plano de estudo, a preocupação dos preventistas era mais ampla e pretensiosa. Fazia parte da ideologia do movimento preventivista não somente reformular o saber médico e a prática médica, como também ser a estratégia pela qual se poderia conduzir a transformação da educação médica. Esta mudança deveria incidir, especialmente, no modelo de ensino - hospitalar, curativo, centrado na doença e de orientação biológica. Assinalava-se que esta ênfase marginalizava os aspectos psíquicos e sociais e cumpria, portanto, colocar em destaque uma abordagem bio-psico-social que se fundamentaria na história natural da doença. O ensino da medicina preventiva, por sua vez, era visto como o grande possibilitador do fornecimento de “uma compreensão sobre os alcances e possibilidades da prevenção ao futuro médico, “motivando uma mudança de atitude frente a um conceito mais integral da medicina55. SEMINÁRIOS DE VINÃ DEL MAR, Chile 1955 , Tehuacán México 1956. REUNIONES DEL COMITÉ DE LIBROS DE TEXTO DE LA OPS/OMS, Washington, 1968, 1974. Enseñanza de la medicina preventiva y social: 20 años de experiencia latinoamericana. Washington, OPAS/OMS, 1976. Publicación Científica n.o 324.. E a sua preocupação era “entender o homem como unidade biológica que está integrada em uma família, e esta, por sua vez, em uma sociedade”55. SEMINÁRIOS DE VINÃ DEL MAR, Chile 1955 , Tehuacán México 1956. REUNIONES DEL COMITÉ DE LIBROS DE TEXTO DE LA OPS/OMS, Washington, 1968, 1974. Enseñanza de la medicina preventiva y social: 20 años de experiencia latinoamericana. Washington, OPAS/OMS, 1976. Publicación Científica n.o 324.. O documento de 1955 assinalava ainda que os médicos “devem conhecer as condições e as necessidades da comunidade onde atuam e os recursos coletivos disponíveis”. O Seminário de 1956 daria alguns refinamentos à proposta anterior.

Como é muito bem analisado por Arouca na década de 50 “a medicina preventiva representa uma leitura liberal e civil dos problemas crescentes da atenção médica nos Estados Unidos e uma proposta alternativa à intervenção estatal, mantendo a organização liberal da prática médica e do poder médico”. Em realidade, a tentativa de incorporação preventivista no plano maior da prática médica não teria sucesso pois havia a contradição entre “a introdução de atitudes sociais, epidemiológicas e educativas e o caráter privado da organização do cuidado médico”22. PROGRAMA DE ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS EM SAUDE. Investigação nacional sobre o ensino da medicina preventiva. Rio de Janeiro, PESES/ FINEP/FIOCRUZ, s.d..

Do ponto de vista da organização curricular propriamente dita, o Seminário de 1955 enumera como temas mais convenientes para o curso de medicina preventiva: bioestatística, epidemiologia, saneamento, problemas médico-sociais da família, da comunidade e do país, antropologia social e ecologia, técnicas de educação sanitária, medicina ocupacional, conhecimentos das organizações de medicina sanitária e assistencial. O Seminário de 1956 irá incluir: higiene materno-infantil e escolar, problemas da alimentação e da nutrição, higiene mental, organização da comunidade e administração sanitária.

Este encaminhamento curricular, não somente em relação à denominação das áreas, mas aos seus conteúdos e às atividades práticas, sofreria modificações no decorrer do tempo, como conseqüência tanto das exigências postas pela prática médica, como pela política educacional e pelas profundas análises críticas que os estudiosos fizeram da medicina preventiva. Poderíamos citar como análises as realizadas, tanto em nível internacional, como por exemplo o Seminário da OPS, em 197477. Ibid.; os Seminários sobre o ensino das ciências da conduta em 1970 (Ribeirão Preto), 1970 (Campinas), 1971 (Buenos Aires), 1972 (Cuenca), como também em nível dos Departamentos88. REUNIÃO DE DOCENTES DE MEDICINA PREVENTI VA E SOCIAL DAS ESCOLAS MÉDICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 7. São Paulo, 24-25 out. 1970. Documento básico. Campinas, UNICAMP, 1970, mimeo. e da publicação de alguns trabalhos que fundamentaram a análise crítica do discurso preventivista33. AROUCA, A. S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. Tese de doutoramento apresentada ao Depto. de Medicina Preventiva e Social da Fac. de Ciências Médicas da UNICAMP.),(99. SILVA, G. R. da. Origens da medicina preventiva como disciplina do ensino médico. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. S. Paulo, 28:91-96, 1973.. Do ponto de vista da política educacional, os Documentos do Ensino Médico do Ministério de Educação e Cultura de 1972, e, anterior a estes, a Reforma Universitária de 1968 e a elaboração do Currículo Mínimo dos Cursos de Graduação em Medicina, de 1969. Entre as idéias mais recentes sobre a questão posta pela prática médica destaca-se a atenção primária da saúde, que determinaria, a partir de 1978, uma revisão do atendimento médico com amplas repercussões sobre o modelo de atuação preventivista.

1 - O PRIMEIRO PERÍODO: 1965-1970

Em sua organização curricular, o Departamento de Medicina Preventiva e Social desta Faculdade iria reproduzir as propostas dos citados Seminários. E, durante o período que vai de 1965 a 1970, procuraria incorporar disciplinas, temas, atividades práticas e uma crescente diversidade de cursos. De um modo geral, além da especificidade que o Departamento procurava trazer para a escola médica, cobriam-se áreas do conhecimento que até então não figuravam no currículo. Os conteúdos matemáticos e estatísticos, a história da medicina e medicina legal, as ciências sociais, a epidemiologia, o saneamento ambiental e as estatísticas vitais são áreas presentes em 1965 e 1966. Já em 1967, Matemática e Metodologia Estatística e História da Medicina e Noções de Direito passaram para outros Departamentos; o primeiro para o Instituto de Matemática e o segundo para Medicina Legal. Introduziram-se a Administração Sanitária e Hospitalar e Saúde Materno-Infantil. A partir dessa data estabeleceram-se integrações com outras áreas da Faculdade e a extensão de cursos para o 5o ano - Epidemiologia Especial; acrescenta-se ainda, para o 2o ano, curso de Educação Sexual e Medicina Construtiva e para o 4o e 5º anos Saúde Oral e Enfermagem. As atividades extramurais, tônica importante nas propostas de ensino de medicina preventiva e social veiculadas pelos Seminários de 1955 e 1956, serão desde o início a preocupação deste Departamento. Essas atividades extra-murais abrangem desde o estudo sócio-médico das famílias, feito pelos alunos dos primeiros anos, e que também exercem trabalhos como Assessores de Saúde, através de práticas educativas, até a atividade clínica, exercida pelos alunos mais avançados do curso médico na denominada Clínica de Família, como também trabalhos de Organização da Comunidade junto às associações de bairro e instituições existentes na comunidade-laboratório.

Nos anos de 68 e 69 percebe-se que os programas se vão completando em busca de melhor sistematização. Definem-se mais claramente as áreas de Ciências Sociais e Epidemiologia e inicia-se uma primeira abordagem da realidade médica brasileira, que seria o embrião do futuro curso de Medicina Social. A revisão dos programas desse período evidencia que os principais marcos teóricos que orientavam os cursos assentavam-se na “história natural da doença” e na “medicina integral”. No caso das Ciências Sociais, o modelo da história natural da doença foi reforçado pelos seminários patrocinados pela OPS realizados em Campinas (1970) e Ribeirão Preto (1970). Deve-se lembrar que no Seminário de Campinas já se anunciavam algumas críticas fundamentais a esse modelo, que viriam a ser mais desenvolvidas no Seminário de Buenos Aires (1971) e no de Cuenca (1972) e de forma cabal na análise realizada por Arouca33. AROUCA, A. S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. Tese de doutoramento apresentada ao Depto. de Medicina Preventiva e Social da Fac. de Ciências Médicas da UNICAMP.. Também as atividades práticas são ampliadas e os alunos do 2o ano passam a desenvolver um programa junto às enfermarias do Hospital-Escola para observação e estudo do relacionamento médico-paciente1010. REUNIÃO DE DOCENTES DE MEDICINA PREVENTIVA E SOCIAL. Relatório das atividades do Departamento de Medicina Preventiva e Social. Campinas, UNICAMP , 1969. mimeo..

Nestes anos iniciais, a organização do Departamento pode ser denominada incorporativa. Isto porque, na medida em que a educação médica vigente era considerada incompleta e outros departamentos não tinham a preocupação de reestruturá-la, os Departamentos de Medicina Preventiva e Social chamaram para si esta missão. Assim, há a incorporação de conhecimentos, de profissionais e de atividades as mais diversas. Enfermeiras, Assistentes Sociais, Odontólogos fazem parte do quadro do Departamento. Esta organização corresponde ao que tem sido analisado como o “modelo liberal” de Departamento - que se caracteriza por uma pauta de disciplinas, um campo de atividades práticas de cunho experimental e também “numa estratégia intra-escolar em que a medicina preventiva se confunde com a Escola Médica” e “no surgimento de uma linha de tensão entre a estrutura tradicional das escolas médicas com base na especialização e a existência de um departamento de Medicina Preventiva”22. PROGRAMA DE ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS EM SAUDE. Investigação nacional sobre o ensino da medicina preventiva. Rio de Janeiro, PESES/ FINEP/FIOCRUZ, s.d..

No final da década de 60, mais precisamente em 1968, vai ocorrer em nível internacional, uma avaliação que evidenciou pontos críticos do ensino da medicina preventiva. Nesse Seminário, realizado pela OPS,1111. SEMINÁRIOS DE VINÃ DEL MAR, op. cit. discutiu-se o baixo interesse dos alunos da maioria das escolas latino­americanas por essas matérias; propôs-se o estabelecimento dos objetivos específicos para as escolas médicas em três níveis: cognitivos, valores e atitudes, habilidades e destrezas. Ao enfatizar as questões de saúde coletiva colocava que os conteúdos dos programas não devem ser rígidos, mas adaptados às mudanças do conhecimento e às necessidades dos países. O grande destaque nessa análise refere-se aos programas extramurais que deveriam ser feitos “em consultórios periféricos em comunidades que ofereçam ao aluno a oportunidade de executar funções profissionais, dentro das formas locais de trabalho médico e, de toda preferência, coordenada com departamentos assistenciais docentes. Deste modo se evitariam esquemas artificiais baseados em circunstâncias culturais diferentes, como podem ser as clínicas independentes ou programas de seguimento de famílias, independentes dos serviços existentes”.

Estabeleciam-se, assim, no final dos anos 60 e início dos 70, alguns pontos que, com maior ou menor intensidade e de acordo com algumas características locais, seriam assimilados pelos Departamentos de Medicina Preventiva e Social. Além dessa influência, as avaliações feitas pelo próprio Departamento quanto às suas atividades e à intensificação de uma análise reflexiva sobre o ensino médico, realizada com a participação direta da Direção da Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP iriam determinar importantes modificações nas atividades do Departamento.

2 - OS ANOS 70

- AS REDEFINIÇÕES

Como dissemos anteriormente, a principal questão que se irá colocar para os Departamentos de Medicina Preventiva e Social refere-se às atividades práticas; e o conceito de programas extramurais, que começara a ser redefinido no final dos anos 60, encontrará as suas mais importantes mudanças na década seguinte.

Análises feitas por este Departamento, em 1970, apontam que os trabalhos de comunidade estavam esgotando as suas possibilidades: a falta de infra-estrutura do Bairro e a impossibilidade da Universidade arcar com responsabilidades financeiras (construção de um Centro de Saúde) são considerados dois fatores importantes na reconsideração desse tipo de trabalho; além desses, a análise crítica sobre a “medicina comunitária”, que se faria no decorrer de 1970, já despontava e a repercussão desse tipo de trabalho junto aos estudantes era alvo de avaliações. Neste último aspecto pode-se citar a apreciação feita sobre “Medicina de Comunidade no Bairro Jardim dos Oliveiras”. “Os resultados deste tipo de trabalho não foram consistentes, pois um significativo número de estudantes não encontrou suficiente motivação e, sobretudo, se frustrou, pois os problemas levantados, muitos deles nem sequer percebidos pela família, não puderam ser resolvidos, dada a falta de recursos, porém, especialmente, por falta de infra-estrutura da comunidade”1212. ACOSTA, M. I. T. Medicina de la comunidad en el barrio “Jardim dos Oliveiras”, município de Campinas, Estado de São Paulo. In: SEMINÁRIO DO PROGRAMA MILBANK FACULTY FELLOWSHIP. Brasília, 3-13 jun. 1970. mimeo.. Assim, durante 1970, não foi programada a clínica de família. Este programa será substituído pelo exame médico dos calouros, feito pelos estudantes do 5º ano supervisionados pelos médicos do Departamento, cujos objetivos eram: a análise da saúde (psicossomática), diagnóstico pré-clínico, tratamento, proteção e estabelecimento de parâmetros clínicos. No Seminário sobre Ensino da Clínica Preventiva,1313. SEMINÁRIO SOBRE CLÍNICA PREVENTIVA. Laboratório de educação médica para a comunidade: (LECM). Campinas, UNICAMP, dez. 1973. mimeo. realizado em dezembro de 1973, este programa receberia o seguinte comentário: “Julgamos uma falha de análise colocar como problema da população em geral o problema de um grupo da população que representa uma classe social determinada”. Em 1971/72 o programa elaborado tem em vista o ensino de medicina de ambulatório, como complementação de programas de Clínica Médica, refletindo uma apropriação de funções pelo Departamento de Medicina Preventiva e Social. Como analisa o Documento anteriormente citado: “O programa se reveste de grande dose de autoritarismo, já que a população selecionada era a de calouros da UNICAMP, que obrigatoriamente deveriam comparecer ao exame. Os objetivos do programa eram o ensino de uma padronização de técnicas de exame clínico de condutas e apuração de dados”.

Observa-se que, nos anos iniciais de 1970, a questão de uma prática preventivista estava fortemente presente nas discussões e os programas executados estiveram sempre em busca de uma coletividade que servisse de apoio a esta prática. Há, portanto, uma redefinição do modelo de ensino e prestação de serviços que será acompanhada de uma ampla discussão sobre a questão da inserção do ensino na rede de serviços. Em 1971, a Faculdade de Ciências Médicas propõe e executa, pela primeira vez, a definição dos objetivos educacionais e específicos de cada disciplina do currículo e um grupo de trabalho elabora uma análise sobre as faculdades de medicina tradicionais e inovadas1414. AROUCA, A. S. S., AROUCA, A. T., PINOTTI, J. A. (redatores) Novas faculdades de medicina: uma tentativa da abordagem analítica: dificuldades e proposçiões. Campinas, UNICAMP , set. 1971. mimeo.. Em 1972 é elaborado o “Plano de Ensino de Ciências da Saúde em uma rede de Serviços”, como diz este Documento, “Do ponto de vista operacional, o que pretendemos é uma área de saúde que será o ponto de encontro dos serviços de saúde e da escola médica e essas duas realidades, que de forma alguma se podem opor, deverão compor uma nova realidade e então não teríamos a educação médica voltada para a realidade, mas na realidade”1515. PROGRAMA DE PAULÍNIA. Plano de ensino de ciências da saúde em uma rede de serviços. Campinas, UNICAMP , 1972. mimeo.. A reelaboração de modelos de serviços de saúde, ensino e investigação colocava-se como ponto da máxima importância, ultrapassando a simples prestação de serviços. Esta foi a proposta, que teria no Município de Paulínia a sua localização, através de um convênio entre a Universidade, a Municipalidade e o Estado. Assinado em 1971, e amplamente discutido pelo Departamento, somente entrou em execução em janeiro de 1973. Anteriormente já era executado um programa de atenção à criança, e em 1973 atende-se à população pré-escolar em sua quase totalidade, estende-se o programa aos escolares, e inicia-se o atendimento ao adulto doente e o controle da tuberculose e esquistossomose, estabelece-se a visita domiciliar, a organização da comunidade e programas de educação em saúde.

Não constitui objeto deste trabalho avaliar o Programa de Comunidade, mas sim localizá-lo em relação às transformações ocorridas no Departamento. Nesse sentido, e visto de maneira geral, esta forma de atuação marcaria, para o Departamento, uma perspectiva diferente, pois acrescentava uma característica que é basicamente encontrada no chamado “Modelo racionalizador”. Isto é, uma prática que se vincula ao sistema institucional de saúde existente e que vai além da atividade docente, com ênfase na prestação de serviços. Mesmo aceitando este tipo de trabalho extramural, o Departamento continuou a sua elaboração crítico-reflexiva e desenvolveu, nos anos iniciais, participação efetiva no Projeto de Paulínia. O distanciamento que iria ocorrer levaria à manutenção de duas áreas: de um lado, um conjunto de disciplinas e de outro uma prática médica, que se iria também estruturar como uma disciplina - Medicina Comunitária. É interessante, por exemplo, verificar que embora estivessem sob a mesma rubrica, Clínica Preventiva e Medicina Social constituiam áreas que desde 1971 analisavam temáticas distintas. A primeira com um programa voltado para os Exames de Coletividade, mas assentado na discussão da dimensão biológica da população e, como vimos anteriormente, com ênfase nos aspectos clínicos e individuais. De outro lado, a Medicina Social procurando equacionar a questão saúde-doença em uma perspectiva macro-analítica (Ecologia e Saúde, População e Saúde, Desenvolvimento e Saúde); Recursos Humanos para a Saúde; o Sistema de Atenção Médica (Evolução, O Sistema de Atenção Médica Brasileiro, Análise dos Diversos Sistemas de Atenção Médica), em uma última unidade: Política de Saúde, Planejamento em Saúde, Administração Sanitária, Hospitalar e Arquivo, Medicina Social.

A redefinição de um campo para a prática de comunidade, os intensos debates sobre os diversos aspectos relacionados ao ensino da Medicina Preventiva e Social, a criação e o funcionamento do Laboratório de Educação Médica para a Comunidade, são as marcas principais do Departamento nos anos iniciais da década de 70. Os anos de 1974-1975 marcam o desenrolar-se de uma longa e intensa crise interna do Departamento, a qual deixaria, como saldo final, a transferência de vários de seus membros para outros departamentos e outras Universidades.

- AS DISCIPLINAS

No item anterior procuramos, em linhas gerais, caracterizar as principais redefinições que ocorreram em relação aos trabalhos extramurais. Detendo-nos, porém, em relação às disciplinas, trata-se também de período marcado pela introdução de novas disciplinas e alterações nos conteúdos teóricos e práticos.

Data de 1970 o aparecimento de uma disciplina que receberia a denominação de Introdução à Medicina Preventiva e Social, ministrada no 1o ano, e que sofreu sensíveis alterações desde a sua criação. Tendo aparecido como um espaço para colocar o estudante em contato com as questões gerais da saúde e da profissão, nunca constituiu área específica para o ensino de noções de prevenção. Em sua fase inicial, voltou-se para a realização de conferências e aulas onde médicos especialistas tratavam de aspectos de sua especialidade; posteriormente, tentou-se, através de um núcleo de interesses do estudante, analisar um determinado problema, em seus aspectos epidemiológicos, médicos, sociais, culturais, farmacológicos. Este curso foi estruturado por alunos e professores, através de seminários e discussões em grupos. Partia-se para a experiência de um curso não estruturado “a priori” e que permitisse a mais ampla participação do estudante. Esta experiência, cujo terna central foi drogas, realizou-se uma única vez; havia a impossibilidade de satisfazer plenamente todos os estudantes, considerando que os interesses eram os mais variados e também pela necessidade de material bibliográfico, pessoal diversificado, disposto a trabalhar numa experiência altamente dinâmica. Em seguida, o curso toma como tema questões teóricas e teóricas-aplicadas no campo da saúde, como por exemplo a discussão do normal e patológico, a saúde do ponto de vista social, etc. A complexidade dos assuntos e a dificuldade que os alunos tinham em acompanhar os textos utilizados conduziriam a mais uma mudança.

Data de 1976 a fixação dos conteúdos do curso em torno das questões demográficas, das estatísticas vitais, de alguns problemas de saúde e da organização dos serviços de saúde no Brasil. Em 1978, sob a denominação de População e Saúde, o curso tomaria o formato que conserva até hoje, tendo como objetivo fornecer ao estudante um primeiro nível de informação sobre as relações saúde e sociedade através de uma abordagem que associe, particularmente, a demografia, as estatísticas vitais e a sociologia. Apresenta algumas inovações, pois em realidade foi a primeira tentativa de integrar dentro do Departamento três áreas de conhecimento, com a participação de diversos docentes, médicos e sociólogos. De outro lado, as aulas deixaram de ter um caráter magistral e passaram a ser dadas em grupos de estudantes. Estas modificações favoreceram grandemente a aceitação por parte dos estudantes, tanto de medicina como de enfermagem. Do ponto de vista do seu conteúdo, parece-nos que esta abordagem, dada no início do curso médico e de enfermagem (1o ano - 1o e 2o semestres), é extremamente importante, pois coloca o estudante em contato com problemas de saúde coletiva, fornecendo-lhe instrumentos iniciais para a mensuração da saúde da coletividade, assim como dos conceitos introdutórios de estrutura social e desenvolvimento, pontos que serão trabalhados em outros cursos - Ciências Sociais aplicadas à Medicina e Medicina Social, assim como em Epidemiologia.

As outras disciplinas do Departamento procurariam, também, durante esse período, caminhos que melhor adequassem seus conteúdos teóricos, teóricos-aplicados e sua parte prática. Está neste caso a disciplina de Ciências Sociais Aplicadas à Medicina. Uma rápida visão mostra que, muito embora os conteúdos teóricos-aplicados constituíssem a grande preocupação do curso, e os aspectos conceituais das ciências sociais, especialmente da sociologia, estivessem entremeando esses conteúdos, houve momentos (em 76, 77, 78) em que a teoria sociológica foi mais enfatizada. Do ponto de vista dos conteúdos teóricos aplicados, vão-se referir de um modo geral, aos fatores sociais, culturais, psicológicos e ecológicos no processo saúde-doença; sistema de saúde, profissionais de saúde. A busca de uma metodologia que assegurasse maior motivação dos estudantes levou ao desenvolvimento de algumas experiências de ensino, como é o caso do curso de 1971, desenvolvido, totalmente, através de projetos de investigação, num trabalho feito com grupos de estudantes, e no qual as partes teórica de ciências sociais e a teórico-aplicada eram integradas com o tema que os alunos investigavam. Em 1974, também, complementavam-se as aulas expositivas com seminários, painéis e conferências sobre temas diversos: programa de saúde de comunidade, nutrição e saúde, fatores sócio-ambientais relacionados a determinadas doenças, morte e eutanásia, etc.

Como pode ser constatado pelos programas, durante toda a década de 70 e na atualidade o curso de Ciências Sociais sempre se colocou como um curso básico para o estudante, transmitindo conhecimentos fundamentais das ciências sociais e demonstrando a sua aplicabilidade em problemas relacionados à saúde. Procura-se, dessa forma, capacitar o estudante para a compreensão dos fatores sociais, culturais e psicológicos na etiologia da doença, assim como das formas em que a sociedade está organizada para tratá-la. Este último aspecto leva a considerar ainda a necessidade de contextualizar as atividades médicas e definir os papéis das pessoas que interferem no processo de tratamento, assim como contribuir para que o estudante compreenda a estrutura e a organização dos serviços de saúde. Estas características estruturam o curso em alguns conteúdos que sempre estiveram presentes: os fatores sociais na etiologia e distribuição da doença, o comportamento na saúde e na doença - definição, percepção e reação à doença; o relacionamento médico-paciente; o hospital como instituição social; o sistema de saúde; sistemas comparativos de saúde. Houve, como já assinalamos, em alguns momentos, uma ênfase maior nos aspectos teóricos, pois a falta de informação básica de sociologia é fato reconhecido, assim como de uma visão histórica que permita analisar a evolução da medicina e sua prática. Por volta de 78-79, o curso se irá estruturar em grandes Unidades: fatores sociais na doença, incluindo a história da incorporação do social à medicina, os estudos sobre a produção e distribuição da doença, os eventos da vida; a construção social da doença; a organização social da doença, incluindo a medicina como instituição social, o cuidado médico contemporâneo, o hospital como instituição social. Os cursos de 1980-1982 não apresentam variação, a não ser pela melhor distribuição de alguns conteúdos e mudança na denominação das unidades.

Outro ponto que necessita algumas observações é a questão das atividades práticas. Ela tem, como vimos, constituído a grande preocupação da medicina preventiva e social - dar ao estudante uma forma de atividade que operacionalize o seu discurso no nível pedagógico. Esta foi também uma das imposições ao campo das ciências sociais na área da saúde - o desenvolvimento de experiências que levassem o estudante a observar, estudar e atuar junto a populações carentes. Aí se localizaria, segundo alguns estudiosos, o papel das ciências sociais, no sentido que elas “podem ajudar a compreender e a solucionar o impacto preponderante que os fatores ambientais têm sobre certos grupos marginais da sociedade. Deste modo, os programas de medicina familiar têm sua raiz nesta concepção, que, por outra parte, toma como padrão desejável certos valores da classe média e supõe que a experiência com famílias desintegradas ou marginais pode criar no estudante atitudes de compreensão ou caridade”11. GARCIA, J. C. La educación en la América Latina. Washington, D. C., OPS, 1972. Publicación Científica n.o 255.. Como analisa Garcia, subjacentes a estas concepções estão certos princípios básicos, geralmente não explícitas: “a) que o contato do sujeito com a realidade, sobretudo se se trata de casos sociais extremos, induziria a uma mudança desejável dessas atitudes no comportamento, como seria, por exemplo, a criação de uma maior sensibilidade social no estudante de medicina, pela experiência com populações ou com famílias extremamente pobres e b) que a aquisição do conhecimento “per si” induz a mudanças nas atitudes e no comportamento”. Como conclui o autor, “Tais premissas são falsas quando sustentadas de maneira absoluta, como fazem alguns educadores médicos, e contradizem a evidência acumulada pelas mesmas ciências sociais quanto à multideterminação de atitudes e do comportamento nas pessoas”11. GARCIA, J. C. La educación en la América Latina. Washington, D. C., OPS, 1972. Publicación Científica n.o 255..

Como vimos, este Departamento, através da própria orientação que lhe foi dada, não fugiu à questão de um trabalho prático, ora junto à comunidade, ora junto ao hospital. Os cursos de ciências sociais terão diferentes “práticas”: projetos de investigação (1971, 1980, 1981, 1982); treino em observação e entrevistas junto a pacientes ambulatoriais e hospitalizados, (1974, 1975).

A disciplina de Medicina Social que, como vimos anteriormente, constituía parte de uma disciplina de Clínica Preventiva e Medicina Social, irá, em 1974, constituir-se em disciplina autônoma. Isto, como já comentamos, era o esperado, pois os conteúdos dos dois campos e a metodologia de ensino eram diferentes. Considerando sempre que lhe cabia dar uma visão da problemática de saúde, e que nos cursos que a precediam os aspectos econômicos e políticos não eram tratados, especialmente para focalizar uma formação econômico - social concreta, a Medicina Social vinha preencher essa lacuna. Tendo como tônica, até 1975, centralizar a discussão em torno do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, a partir desse fato, verifica-se que grande ênfase vai ser dada na análise do modelo de desenvolvimento econômico e social brasileiro, das políticas sociais e da prática médica no Brasil. Acrescente-se que, além dos conhecimentos inerentes ao campo, este curso, dado aos estudantes do quarto ano médico, oferece um momento importante para a reflexão crítica das questões de saúde. As relações da saúde com a organização político-social vista através da história constitui uma importante abordagem desse curso. Citando as unidades que constituíram o curso em diversos anos, evidencia-se o que afirmamos; por exemplo, em 1980-1982, o modelo econômico brasileiro; políticas sociais do Brasil; o aparelho formador do profissional médico; a assistência médica no Brasil; o trabalho médico e seus instrumentos; ideologias médico-profissionais no Brasil.

Sem dúvida, uma das disciplinas que apresentou maior constância de conteúdos e métodos de ensino durante todo o período, desde a sua origem, no Departamento, foi a Epidemiologia. Basicamente o seu conteúdo é dado pela análise da História Natural da Doença, conceitos de incidência e prevalência, os diversos tipos de estudos epidemiológicos - descritivos, prospectivos, transversais; análise dos indicadores de saúde, coeficientes e índices; análise das doenças transmissíveis e não-transmissíveis. Geralmente feito através de aulas expositivas e exercícios, inclui às vezes alguma atividade prática junto a populações, como levantamento de dados1 1 Esta modalidade somente foi usada nos cursos de Enfermagem. e estudos de casos de doenças de notificação compulsória. Em alguns anos, o curso apresentou uma divisão em epidemiologia geral, que tratava do método epidemiológico, e a epidemiologia especial, quando relacionada ao conhecimento sobre cada doença. Essas características do curso de Epidemiologia já haviam sido apontadas desde 1967 para a maioria das escolas latino-americanas1 e só recentemente, ainda do ponto de vista da produção científica1616. ROMERO, A & TRONCOSO, M. del C. La vigilancia epidemiológica: significado e implicaciones en la práctica y en la docencia. Cuadernos Médico-Sociales, 17: 17-28, 1981.),(1717. LAURELL, A. C. Acerca de la reconceptualización de la epidemiologia. Salud Problema, 8:5-9, 1982., é que a epidemiologia vem procurando novas abordagens no sentido de uma reconceituação com os elementos teóricos-conceituais das ciências sociais.

As atividades em nível do 5º ano sempre procuraram ter um caráter prático. Há em alguns programas conteúdos teóricos específicos à Clínica Preventiva que incluía entre outros assuntos os seguintes: conceito e níveis de aplicação de Medicina Preventiva, saneamento básico, registros vitais, diagnóstico precoce, atenção médica, estudos de doenças diversas, etc. Vimos que a Medicina Social esteve durante algum tempo (1971-1973) incorporada a esta disciplina. Foi em 1974 que Medicina Social passou para o 4º ano, continuando Clínica Preventiva no 5o ano. Esta disciplina apresenta sensíveis mudanças no ano de 1978 quando seu conteúdo e prática vão-se referir à Saúde Ocupacional. Através de seminários e aulas são apresentados tópicos diversos: o papel do médico num serviço de Medicina do Trabalho, prevenção de acidentes do trabalho e doenças profissionais, intoxicações, prevenção de acidentes no setor agrícola, doenças profissionais, saúde ocupacional no meio industrial. A parte prática será feita por meio de visitas às indústrias. Este programa com algumas alterações seria repetido em 1980, 81 e 82. Neste último ano seria incluída uma parte de Saúde Ambiental com aulas teóricas sobre problemas do meio ambiente: contaminação do solo, água, resíduos, toxicologia dos alimentos, pesticidas.

Em relação aos programas do 6o ano, durante um longo período o internato foi optativo, e os programas eram organizados levando-se em consideração os interesses dos estudantes que optavam por algum tempo no Departamento. A partir de 1973 passa a ser desenvolvido junto ao Programa de Comunidade de Paulínia, vindo a assumir um formato mais acabado nos últimos anos. Em 1979, o internato em Medicina de Comunidade, com carga horária prática de 196 horas desenvolve atividades em setores ambulatoriais, visitas domiciliares, serviços estatísticos, serviço de imunizações além de seminários para a discussão de temas sobre o funcionamento do posto, sistema de saúde, atenção primária, vigilância epidemiológica, etc. Data de 1977 a fixação dessa área como uma disciplina2 2 A Disciplina foi criada como exigência do currículo pleno do Curso de Graduação em 21/12/76 (conforme n.o 156/79 AP). .

Durante o período de 70 a 80 e nos primeiros anos desta década, a organização curricular apresentou inúmeras mudanças. Vimos que as atividades práticas e os conteúdos procuraram uma ordenação que, abrangendo aspectos os mais diversos, favorecesse a compreensão da saúde coletiva. Neste sentido estariam sendo cobertas as áreas que tratam dos aspectos sociais, incluindo econômicos, políticos e culturais; epidemiológicos; saúde ocupacional, saúde ambiental e medicina comunitária3 3 A partir de 1978, com a criação do Curso Superior de Enfermagem, três disciplinas foram estendidas a esse Curso; População e Saúde, Elementos de Ciências Sociais aplicadas à Saúde e Epidemiologia e Saneamento. O programa de População e Saúde é o mesmo ministrado aos alunos de medicina, e de Elementos de Ciências Sociais aplicadas à Saúde e o de Epidemiologia e Saneamento não apresentam conteúdos diferentes, mas graus diferentes de complexidade. Acrescente-se que o curso de Elementos de Ciências Sociais tem a duração de 45 horas, sendo ministrado sob a forma de seminários. .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, ao longo deste trabalho, seguir o encaminhamento dado às disciplinas e cursos do Departamento, que, como pudemos notar, se de um lado apresenta características vindas de fora, através das discussões e da ordenação oferecida, de outro lado tem as suas peculiaridades. Sem a pretensão de apresentar todas as conclusões e fechar a discussão sobre essa experiência de quase duas décadas, ressaltamos os seguintes pontos:

  1. - Há uma diversidade crescente de conhecimentos que são incorporados durante esses anos, sem a preocupação maior de integração, portanto com alto grau de compartimentalização, mas tentando dar-lhes algum tipo de ordenação.

  2. - O desenvolvimento da prática teórica do social, desvinculada de uma prática médica, veio a constituir dois campos de atividades.

É claro que qualquer tentativa de superação dessas situações, no sentido de integração ou de reordenação dessas práticas, exige um intenso exercício em nível de teoria do conhecimento e da análise da ciência como teoria e prática. A este respeito, a mais recente literatura sobre a reconceituação das ciências sociais e da epidemiologia no campo da saúde aponta caminhos promissores no sentido de que, reconstruindo-se a doença e saúde como objetivos de estudo, elas serão recuperadas como processo da coletividade1616. ROMERO, A & TRONCOSO, M. del C. La vigilancia epidemiológica: significado e implicaciones en la práctica y en la docencia. Cuadernos Médico-Sociales, 17: 17-28, 1981.),(1717. LAURELL, A. C. Acerca de la reconceptualización de la epidemiologia. Salud Problema, 8:5-9, 1982.),(1818. LAURELL, A. C. - A Saúde-doença como processo social. In: NUNES, E. D. (org.) Medicina Social: aspectos históricos e teóricos. São Paulo, Global, 1983, p. 132-158..

  1. - Acreditamos que no sentido de dar os fundamentos da saúde e da doença, em termos da coletividade, as disciplinas são básicas, portanto, mesmo no caso de aplicação prática no desenvolvimento do processo pedagógico, para ilustrar o conhecimento, a sua situação é a de fornecer ao estudante esquemas de referência que lhe permitam refletir e analisar criticamente a realidade médico-social.

  2. - Do ponto de vista didático, algum as dificuldades aparecem. O número crescente de estudantes tem impedido que os cursos se estruturem de forma a permitir um contato maior entre professor e aluno. A divisão em grupos, no caso dos cursos de População e Saúde e de Ciências Sociais aplicadas à Medicina tem tentado minimizar o impacto de aulas magistrais, porém, mesmo assim, a média de estudantes, por grupo, é de cerca de 25 alunos; no curso de Medicina Social é de 30 a 35 estudantes, o que muitas vezes converte as discussões em grupo e seminários em aulas expositivas para pequenos grupos.

  3. - Do ponto de vista do estudante, a área como um todo, e em especial algumas disciplinas, geralmente as relacionadas ao social, apresentam, ainda, um impacto variável de motivação. Dar o fato dessas áreas terem apresentado, durante o período, a procura de uma forma mais atraente de apresentação; considere-se também que a formação que os estudantes trazem dessas áreas é precária ou nula, pela própria orientação imprimida aos candidatos às áreas de ciências médicas.

  4. - Finalmente, gostaríamos de transcrever as oportunas observações feitas por Paim44. PAIM, J. S. Desenvolvimento teórico conceitual do ensino em saúde coletiva. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública medicina preventiva e social no Brasil. Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982. p. 5-17., pois elas se aplicam a uma situação geral. Como diz o autor, “Enfim, os obstáculos que se apresentam para a Medicina Preventiva e Social não se colocam no plano do conhecimento, onde vem sendo superado pela produção científica. Os que pesam, na realidade, são os obstáculos da práxis. Estes são os que comprometem a eficiência e eficácia docente, não podendo ser removidos exclusivamente pelas inovações das técnicas pedagógicas e de pesquisa”. O autor refere-se à importância que assume o “significado da redefinição das políticas de saúde e do controle democrático das instituições de Saúde como parte do processo do desenvolvimento da Medicina Preventiva e Social”. Para ele, estaríamos num momento de transição, não existindo um processo definido e acabado de Medicina Social.

  5. - É claro que a experiência relatada não é única, e tem muitos pontos em comum com a de outras escolas. Esta reconstrução histórica não pretende somente servir como testemunho, mas também contribuir para uma reflexão crítica sobre o ensino da medicina preventiva e social. Como conseqüência desta reflexão poderão ser estabelecidas novas propostas que procurem situar de forma inovadora as amplas possibilidades que sempre estiveram presentes no ensino da medicina preventiva e social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 4
    PAIM, J. S. Desenvolvimento teórico conceitual do ensino em saúde coletiva. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública medicina preventiva e social no Brasil Rio de Janeiro, NUTES/CLATES, 1982. p. 5-17.
  • 5
    SEMINÁRIOS DE VINÃ DEL MAR, Chile 1955 , Tehuacán México 1956. REUNIONES DEL COMITÉ DE LIBROS DE TEXTO DE LA OPS/OMS, Washington, 1968, 1974. Enseñanza de la medicina preventiva y social: 20 años de experiencia latinoamericana. Washington, OPAS/OMS, 1976. Publicación Científica n.o 324.
  • 6
    Ibid.
  • 7
    Ibid.
  • 8
    REUNIÃO DE DOCENTES DE MEDICINA PREVENTI VA E SOCIAL DAS ESCOLAS MÉDICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 7. São Paulo, 24-25 out. 1970. Documento básico. Campinas, UNICAMP, 1970, mimeo.
  • 9
    SILVA, G. R. da. Origens da medicina preventiva como disciplina do ensino médico. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med S. Paulo, 28:91-96, 1973.
  • 10
    REUNIÃO DE DOCENTES DE MEDICINA PREVENTIVA E SOCIAL. Relatório das atividades do Departamento de Medicina Preventiva e Social Campinas, UNICAMP , 1969. mimeo.
  • 11
    SEMINÁRIOS DE VINÃ DEL MAR, op. cit.
  • 12
    ACOSTA, M. I. T. Medicina de la comunidad en el barrio “Jardim dos Oliveiras”, município de Campinas, Estado de São Paulo. In: SEMINÁRIO DO PROGRAMA MILBANK FACULTY FELLOWSHIP. Brasília, 3-13 jun. 1970. mimeo.
  • 13
    SEMINÁRIO SOBRE CLÍNICA PREVENTIVA. Laboratório de educação médica para a comunidade: (LECM) Campinas, UNICAMP, dez. 1973. mimeo.
  • 14
    AROUCA, A. S. S., AROUCA, A. T., PINOTTI, J. A. (redatores) Novas faculdades de medicina: uma tentativa da abordagem analítica: dificuldades e proposçiões. Campinas, UNICAMP , set. 1971. mimeo.
  • 15
    PROGRAMA DE PAULÍNIA. Plano de ensino de ciências da saúde em uma rede de serviços. Campinas, UNICAMP , 1972. mimeo.
  • 16
    ROMERO, A & TRONCOSO, M. del C. La vigilancia epidemiológica: significado e implicaciones en la práctica y en la docencia. Cuadernos Médico-Sociales, 17: 17-28, 1981.
  • 17
    LAURELL, A. C. Acerca de la reconceptualización de la epidemiologia. Salud Problema, 8:5-9, 1982.
  • 18
    LAURELL, A. C. - A Saúde-doença como processo social. In: NUNES, E. D. (org.) Medicina Social: aspectos históricos e teóricos São Paulo, Global, 1983, p. 132-158.
  • 1
    Esta modalidade somente foi usada nos cursos de Enfermagem.
  • 2
    A Disciplina foi criada como exigência do currículo pleno do Curso de Graduação em 21/12/76 (conforme n.o 156/79 AP).
  • 3
    A partir de 1978, com a criação do Curso Superior de Enfermagem, três disciplinas foram estendidas a esse Curso; População e Saúde, Elementos de Ciências Sociais aplicadas à Saúde e Epidemiologia e Saneamento. O programa de População e Saúde é o mesmo ministrado aos alunos de medicina, e de Elementos de Ciências Sociais aplicadas à Saúde e o de Epidemiologia e Saneamento não apresentam conteúdos diferentes, mas graus diferentes de complexidade. Acrescente-se que o curso de Elementos de Ciências Sociais tem a duração de 45 horas, sendo ministrado sob a forma de seminários.

NOTA DE REDAÇÃO

  • 4
    O artigo apresenta dois anexos (Organização curricular do Departamento de Medicina Preventiva e Social - 1965-1982; Departamento de Medicina Preventiva e Social (FCM/UNICAMP - Currículo de 1982), os quais não foram publicados por questão de espaço. A ABEM se compromete a enviar cópias destes anexos aos leitores interessados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1984
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