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CIRURGIA GERAL

O erro médico é filho direto e reto da imperícia. A omissão e a negligência são filhas da deformação ético-moral do profissional.

Erro médico e imperícia andam, pois, de braços dados e, parece-me, são inseparáveis. A imperícia é o agente e o erro, o efeito.

Comete-se imperícia através de vários caminhos: despreparo intelectual ou técnico; uso inadequado de procedimentos ou instrumentos; má indicação de atos médicos; avançar além do permitido pela ciência e condições do doente; recuar antes de se atingir o que o conhecimento e o bom senso ditam; falta de espírito crítico para discernir o indicar, o avançar e o recuar; inexperiência às vezes; descuidos na execução de um ato técnico; impropriedades em conjugar indicação com a melhor técnica... Enfim, são tantas variáveis que algumas escapam a uma análise pormenorizada que, às vezes, ou muitas vezes, podem até justificar atos imperitos.

Identificado ou não o agente imperito, se racionalizarmos o raciocínio, poderemos sumariar em duas palavras: conhecimento e adestramento técnico.

Conhece-se um fato através da observação, experimentação, estudo, reflexão, amadurecimento, revisão de aprendizado e experiência vivida.

Adestra-se tecnicamente, experimentando, exercitando-se, requintando-se, revendo procedimentos à luz de resultados e operando com as mãos voltadas para a delicadeza e segurança.

O exercício da técnica cirúrgica demanda, pois, erudição e habilidade, ou seja, competência.

Tanto mais erudito quanto mais se lê; tanto mais hábil quanto mais se opera.

Na relação conhecer e fazer bem, há uma tendência imponderável para um entre dois profissionais (especialistas). O primeiro conhece e viveu o geral e o outro passou por aí sem se deter ou “amaciar” as mãos.

O que isto significa?

Um toque a mais diferencia o cirurgião do clínico, pois além de todo o exercício médico, aquele tem que fazer (operar). Para tal, exige-se uma hierarquização de conhecimentos e adestramentos. É óbvio, sem sofismas, que o profissional que se hierarquizou culturalmente, indo do geral para o particular (especialidade), tem mais visão, maior campo de ação, mais recursos técnicos e táticos (improvisação) e mais criatividade. Aquele que queimou etapas, não subindo degraus, não adquire parte desses recursos, ficando limitado ao campo especializado, pois seus conhecimentos e treinamentos são, também, unilaterais.

O Cirurgião Geral não é o que opera tudo. É o que bem diagnostica e bem conduz um caso complicado, centralizando a participação das especialidades cirúrgicas.

O Cirurgião Geral é o profissional que na Traumatologia coordena as ações de emergência ou urgência, incluindo o especialista na medida do necessário e para prevenir iatrogenias. O doente que se inicia pelo especialista pode ter seu diagnóstico ou tratamento unilateralizado, quando antes deveria ser analisado com enfoque geral, de onde a(s) prioridade(s) surgirá após uma análise mais coerente e mais acertada.

O Cirurgião Geral dá vazão, mais fácil e rápida, a todos os procedimentos menores em nível ambulatorial, encaminhando bem os procedimentos especializados.

Nos casos complicados ou decorrentes de iatrogenias, a solução técnica se obtém com um cirurgião que tenha trânsito por vários aspectos de especialidades envolvidas em tratamento complexo.

Nas operações oncológicas de porte maior, ou nas ressecções que exigem do cirurgião domínio de princípios fundamentais para tratar tecidos vários, melhor as realiza aquele profissional diferenciado num setor oncológico, tendo antes desenvolvido a introdução à cirurgia.

Nas operações gerais de superfície, parede abdominal e retroperitônio há necessidade de tratar dos tecidos com características diferentes que exigem operações fundamentais diversas. Só o profissional bem introduzido na cirurgia as realiza em harmonia.

Nas comunidades menores, onde a demanda cirúrgica de urgência fica ligada às áreas básicas da medicina, só um médico está à disposição para tal competência. É o médico que clinica, opera, assiste a partos, corrige fraturas e torna todas as medidas urgentes e emergentes na preservação da vida. Sobre isto, exige-se dele um espírito crítico e bom senso suficientes para fazer uma triagem correta, após as medidas a favor da vida.

É o responsável pelo atendimento da maior demanda cirúrgica numa comunidade. Logo, atende a mais pessoas e promove mais a sociedade. Treinando, pode fazer tudo o que os especialistas fazem. O inverso não é verdadeiro quando o especialista não passou pela cirurgia geral.

Num hospital onde se atende à população em geral, excluindo o trauma, provavelmente, 80% dos procedimentos são cirúrgicos não especializados.

E o cliente vendo resolver a grande maioria de seus problema cirúrgicos.

São problemas de natureza variada, desde pequenas drenagens ou suturas até ressecções maiores por tumores malígnos. Sendo variada, é geral e o instrumento é o homem com qualificação para tal e ele se chama ou se chamava Cirurgião Geral.

A realidade brasileira da assistência médico-cirúrgica, naquela perspectiva, está ligada, intimamente, a alguns fatores: grande demanda pela freqüência das afecções; um homem disposto e preparado para resolvê-las e um local onde será feito o atendimento.

O local existe, talvez em número suficiente, senão excessivo. Pouco adianta, porque está pobre, sem recursos modernos, com segurança comprometida, porque não há quem sustente um padrão de qualidade. Não há recurso individual e muito menos previdenciário.

A demanda, sempre presente e contínua, não se acaba. Aumenta, pois além de freqüente não se vê esquema previdenciário tentando resolvê-la. Há que se estabelecer a política de saúde e a sua manutenção.

O homem, disposto e suficiente em número, até que existe porque é o contingente maior de profissional e porque as escolas não param de formar além da necessidade.

Se o Cirurgião Geral atende a mais pessoas, nas doenças mais simples e com custo inferior a procedimentos especializados, tem uma função sócio-econômica, também. Numa política de saúde onde o intuito é atender bem à população na sua maior demanda e protegê-la quando necessita um procedimento especializado, há que investir na formação, generalização e promoção do Cirurgião Geral. Pelo que temos visto, junto à Previdência Social (a empregadora) e às Faculdades (formadoras), não está havendo preocupação com o preparo do Cirurgião Geral.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1993
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