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Fatores associados a ansiedade, depressão e estresse em estudantes de Medicina na pandemia da Covid-19

Factors associated with anxiety, depression and stress in medical students in the Covid-19 pandemic

Resumo:

Introdução:

O curso de Medicina apresenta alta prevalência de transtornos mentais, e essa situação é agravada com a pandemia da Covid-19.

Objetivo:

Assim, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores associados aos sintomas de ansiedade, depressão e estresse em estudantes de Medicina durante o período pandêmico.

Método:

Trata-se de um estudo transversal analítico com abordagem quantitativa. Foram aplicados dois questionários: um sobre dados sociodemográficos, pessoais e acadêmicos, e a DASS-21.

Resultado:

Investigou-se uma amostra de 274 estudantes de Medicina. A maioria dos participantes era do sexo feminino (63,5%) com idade que variava de 21 a 25 anos (58,4%). Dos entrevistados, 40,1% raramente encontraram os amigos. A maior parte estava insatisfeita com o rendimento acadêmico (79,9%) e acusou piora na qualidade de vida (54,7%). Em relação aos dados sociodemográficos, foi evidenciada uma incidência muito maior de depressão, ansiedade e estresse em estudantes do sexo feminino (p < 0,0001). No que diz respeito aos dados pessoais e clínicos, os estudantes que já tinham doença psiquiátrica apresentaram mais comumente ansiedade, estresse e depressão (p < 0,0001), e aqueles já faziam terapias psicológicas tiveram o mesmo resultado (p < 0,0001). Quanto aos aspectos acadêmicos, no grupo que referiu já ter pensado em abandonar o curso, houve maior incidência de depressão, ansiedade e estresse (p < 0,0001), bem como quem referiu piora na qualidade de vida durante a pandemia teve depressão, ansiedade e estresse com maior frequência (p < 0,0001).

Conclusão:

Este estudo evidenciou aspectos sociodemográficos, pessoais e acadêmicos, e, consequentemente, os fatores que estiveram associados a maiores níveis de ansiedade, depressão e estresse em estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19. Tendo em vista o impacto da pandemia na saúde mental dos estudantes, é essencial a adoção de medidas e programas específicos que visem à diminuição e à prevenção dos transtornos psíquicos no ambiente estudantil.

Palavras-chave:
Covid-19; Educação Médica; Estudantes de Medicina; Saúde Mental

Abstract:

Introduction:

Medical school reports a high prevalence of mental disorders, and this situation has been aggravated by the Covid-19 pandemic. Thus, the aim of this study was to analyze the factors associated with symptoms of anxiety, depression, and stress in medical students during the pandemic.

Methods:

This is an analytical cross-sectional study with a quantitative approach. Two questionnaires were applied, the first on sociodemographic, personal, and academic data and the second on the DASS-21 Scale

Results:

A sample of 274 medical students was investigated. Most participants were female (63.5%) and aged between 21 and 25 years (58.4%). Of those interviewed, 40.1% rarely meet up with friends. Most were dissatisfied with their academic performance (79.9%) and reported a worsening in their quality of life (54.7%). Regarding sociodemographic data, a much higher incidence of depression, anxiety and stress was evidenced in female students (p<0.0001). Considering the personal and clinical data, students who had previously suffered psychiatric illness were more likely to present anxiety, stress and depression (p<0.0001), with the same result reported by those who were already undergoing psychological therapies (p<0.0001). As for academic aspects, in the group that reported having thought about leaving the course, there was a higher incidence of depression, anxiety and stress (p<0.0001), and those who reported a declining quality of life during the pandemic suffered from depression, anxiety and stress more frequently (p<0.0001).

Conclusion:

This study demonstrated sociodemographic, personal and academic aspects and, consequently, the factors that were associated with higher levels of anxiety, depression and stress in medical students during the Covid-19 pandemic. In view of the impact of the pandemic on the mental health of students, it is essential to adopt specific measures and programs aimed at reducing and preventing mental disorders in the student environment.

Keywords:
Covid-19; Medical education; Medical students; Mental health

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já há tempos consolidou um conceito de saúde amplo e que contempla os aspectos do bem-estar biopsicossocial dos indivíduos. Porém, para o estudante de Medicina, isso é uma realidade distante, pois o modelo do curso, a cobrança e a carga horária excessiva geram um ambiente que predispõe ao desenvolvimento de transtornos psicológicos11. Conceição LS, Batista CB, Dâmaso JGB, Pereira BS, Carniele RC, Pereira GS. Saúde mental dos estudantes de medicina brasileiros: uma revisão sistemática da literatura. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior. 2019;24(3):785-802..

Com o início da pandemia da Covid-19, a educação sofreu mudanças globais. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) estima que haja 890 milhões de estudantes afetados em 114 países. No Brasil, o ensino teve que se adaptar à realidade do distanciamento social, e para isso foi implementado o ensino remoto como alternativa. Para o curso de Medicina não foi diferente, o ensino remoto substituiu a maioria das aulas presenciais, inclusive algumas práticas. Essa nova realidade é de extremo impacto na vida do acadêmico de Medicina, visto que o contato com os pacientes é um fator importante na boa formação médica22. Gomes VTS, Rodrigues RO, Gomes RNS, Gomes MS, Viana LVM, Silva FS. A pandemia da Covid-19: repercussões do ensino remoto na formação médica. Rev Bras Educ Med. 2020;44(4):e114..

A pandemia chegou como mais uma problemática para influenciar a saúde mental do estudante de Medicina. Isso tudo em um curso que já apresenta as maiores prevalências de depressão, ansiedade, estresse, consumo de drogas e suicídio em todos os outros cursos. Portanto, a pandemia tornou-se mais um fator de preocupação para a vida dos acadêmicos33. Neponuceno HJ, Souza BDM, Neves NMBC. Transtornos mentais comuns em estudantes de medicina. Rev Bioét. 2019;27(3):465-70..

Nesse contexto, tem-se a ansiedade como um transtorno relacionado às preocupações cotidianas do indivíduo, que chegam ao ponto de afetá-lo fisicamente. Situação semelhante ocorre com o estresse, no qual eventos estressores desencadeiam alterações comportamentais e emocionais. Já a depressão é um transtorno que se manifesta com inapetência, humor triste e perda de prazer na realização de atividades diárias44. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed; 2014.),(55. Esteves CS, Argimon IIDL, Ferreira RM, Sampaio LR, Esteves PS. Avaliação de sintomas depressivos em estudantes durante a pandemia do Covid-19. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social. 2021;9(1):9-17..

O contexto pandêmico e as medidas adotadas para controle afetam toda a população em várias esferas da vida, como a social, a econômica, a da saúde e, entre elas, de forma significativa, o componente de saúde mental66. Barros MBA, Lima MG, Malta DC, Szwarcwald CL, Azevedo RCS, Romero D, et al. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de Covid-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(4):e2020427.. Esse componente sempre esteve afetado entre os estudantes de Medicina, agravando-se ainda mais na atual situação de pandemia. Isso ocorre porque, com a adoção de medidas como distanciamento, isolamento social e ensino remoto, o acadêmico deparou-se com uma nova rotina repleta de ainda mais desafios. O tempo exacerbado em frente às telas, a falta de contato com colegas e pacientes, a maior compreensão em relação à doença e as mudanças na programação acadêmica são fatores que deixam os estudantes ainda mais ansiosos ou deprimidos77. Pereira MD, Oliveira LC, Costa CFT, Bezerra CMO, Pereira MD, Santos CKA, et al. A pandemia de Covid-19, o isolamento social, consequências na saúde mental e estratégias de enfrentamento: uma revisão integrativa. Res Soc Dev. 2020;9:e652974548.),(88. Rodrigues BB, Cardoso RRJ, Peres CHR, Marques FF. Aprendendo com o imprevisível: saúde mental dos universitários e educação médica na pandemia de Covid-19. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1):8-12..

Essa situação gerou e ainda está gerando reflexos preocupantes. Além da exacerbação dos próprios transtornos psíquicos, o estudante de Medicina está convivendo com o adoecimento ou a morte de familiares e pessoas próximas por conta da Covid-19, com instabilidade financeira e com o adiamento do cronograma acadêmico, o que repercute nos planos do futuro profissional e na busca pela estabilidade e independência financeira, as quais estão associadas à expectativa de formação universitária99. Gundim VA, Encarnação JP, Santos FC, Santos JE, Vasconcellos EA, Souza RC. Mental health of university students during the Covid-19 pandemic. Rev Baiana Enferm. 2021;35:1-14.),(1010. Silva RA, Paula BO, Vieira LS, Lopes PRJ, Bonini LMM. Avaliação do estresse em estudantes de medicina de uma universidade particular de São Paulo. Rev Extensão. 2020;4:17-27..

Dessa forma, nota-se que os transtornos de ansiedade, depressão e estresse, muito presentes entre os estudantes de Medicina, requerem uma atenção ainda mais especial por causa da atual pandemia da Covid-19. Ações de saúde e de educação mediadas pelas instituições públicas, pautadas na prevenção ou redução de danos, são essenciais, com vistas a preservar atual e futuramente a saúde mental desses acadêmicos.

Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar os fatores associados aos sintomas de ansiedade, depressão e estresse em estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal analítico com abordagem quantitativa. Esse é um método de pesquisa que se enquadra nos estudos observacionais e tem como finalidade analisar condições de saúde e doenças numa população ou em populações, num determinado lugar e tempo. Os estudos transversais referem-se a um ponto no tempo ou a um curto intervalo de tempo, e a informação sobre a exposição é coletada simultaneamente à doença, permitindo comparar diferentes subpopulações de exposição à prevalência de doença. Ao permitir o estudo simultâneo de várias doenças e de seus determinantes, o estudo transversal, quando repetido ao longo do tempo, possibilta também a avaliação da evolução do problema. Como vantagens desse tipo de estudo, destacam-se o baixo custo, o tempo relativamente curto de execução, o amplo potencial descritivo, a simplicidade analítica e a rapidez de coleta associada à facilidade na representatividade de uma população1111. Fronteira I. Observational studies in the era of evidence based medicine: short review on their relevance, taxonomy, and designs. Acta Med Port. 2013;26(2):161-70.),(1212. Sitta ÉI, Arakawa AM, Caldana ML. Contribution of cross-section studies in the language area with focus on aphasia. Rev CEFAC. 2010;12(6):1059-66..

A pesquisa foi realizada por meio de questionários aplicados aos estudantes de Medicina de todo país. Não envolveu nenhuma universidade em particular, já que toda pesquisa se desenvolveu em formato digital por meio de redes sociais, como WhatsApp, e-mail e Facebook. O link contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os questionários foram encaminhados pelos pesquisadores a grupos dos quais fazem parte e também a colegas estudantes de Medicina de várias partes do país. Solicitou-se aos colegas estudantes de Medicina que replicassem esse link em suas redes sociais e e-mails constituindo uma amostragem por “bola de neve” (snow ball).

Para que a pesquisa fosse realizada ainda em um momento de pandemia com a utilização de aulas remotas, fez-se a coleta de dados entre os dias 1º e 11 de dezembro de 2020, ou seja, no final de semestre em uma experiência totalmente nova com aulas remotas e em isolamento social.

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: discentes de Medicina, com idade igual ou superior a 18 anos e que frequentavam o curso durante a pandemia causada pela Covid-19. Eis o critérios de exclusão: discentes que não estavam frequentando o curso e que não responderam a todas as perguntas dos questionários.

Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizaram-se dois instrumentos de coleta de dados. O primeiro foi um questionário sociodemográfico, pessoal e acadêmico criado pelos pesquisadores com variáveis de interesse para a pesquisa, as quais, segundo a literatura científica, relacionam-se ao fenômeno investigado.

O segundo instrumento foi a Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse (Depression, Anxiety and Stress Scale - DASS-21), que avalia o estado geral de humor da pessoa medindo estados depressivos, ansiosos e de estresse. Esse instrumento foi desenvolvido na Universidade de New South Waltes, no ano de 1995, por Lobivond e Lobivond, sendo adaptado e validado no Brasil por Machado e Bandeira no ano 201313. Originalmente, a DASS foi desenvolvida em língua inglesa com 42 itens distribuídos em três fatores, no entanto a versão reduzida com 21 itens é mais utilizada1313. Patias ND, Machado WDL, Bandeira DR, Dell’Aglio DD. Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21) - Short Form: adaptation and validation for brazilian adolescents. Psico USF. 2016;21(3):459-69..

No Brasil, a DASS-21 já foi utilizada para avaliar indivíduos adultos, idosos e adolescentes, respectivamente, a fim de investigar a validade e confiabilidade da escala1313. Patias ND, Machado WDL, Bandeira DR, Dell’Aglio DD. Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21) - Short Form: adaptation and validation for brazilian adolescents. Psico USF. 2016;21(3):459-69.),(1414. Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the Depression, Anxiety, and Stress Scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155(1):104-9.. Outro aspecto que pode ser destacado no que tange à utilização da DASS-21 é sua aplicabilidade em estudantes universitários, haja vista que essa população é apontada como suscetível a estados emocionais aversivos1515. Martins BG, Silva WR, Maroco J, Campos JADB. Depression, Anxiety, and Stress Scale: psychometric properties and affectivity prevalence. J Bras Psiquiatr. 2019;68(1):32-41..

Os itens da DASS-21 estão divididos em três fatores: depressão: 3, 5, 10, 13, 16, 17, 21; ansiedade: 2, 4, 7, 9, 15, 19, 20; e estresse: 1, 6, 8, 11, 12, 14, 18. A respostas são dadas em uma escala Likert de 4 pontos (0 = não se aplicou a mim, 1 = aplicou-se a mim um pouco ou durante parte do tempo, 2 = aplicou-se bastante a mim ou durante uma boa parte do tempo, 3 = aplicou-se muito a mim ou a maior parte do tempo). Os escores para depressão, ansiedade e estresse são calculados como a soma dos escores para os sete itens relevantes e variam de 0 a 21. Maiores escores indicam maior predisposição para os sintomas de depressão, ansiedade e estresse1515. Martins BG, Silva WR, Maroco J, Campos JADB. Depression, Anxiety, and Stress Scale: psychometric properties and affectivity prevalence. J Bras Psiquiatr. 2019;68(1):32-41..

Com os dados coletados, foi confeccionado um banco de dados utilizando o software IBM SPSS Statistics 18. Posteriormente, realizou-se a estatística descritiva com o cálculo das frequências absoluta e relativa percentual, bem como do desvio padrão. Na sequência, aplicou-se o teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) para distinguir as distribuições paramétricas e não paramétricas, com o intuito de comparação dos resultados do questionário estratificado pelas variáveis sociodemográficas. Utilizaram-se, para as distribuições paramétricas, os testes t de Student e ANOVA, e, para as distribuições não paramétricas, os testes Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Para todos os testes comparativos, assumiu-se p-valor inferior ou igual a 0,05 como significativo.

Antes de iniciar a coleta de dados, o presente trabalho foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), obtendo sua aprovação com o Parecer nº 4.423.451 em 26 de novembro de 2020.

RESULTADOS

A pesquisa investigou uma amostra de 274 estudantes de Medicina, dos quais 174 (63,5%) eram do sexo feminino e 100 (36,5%) do sexo masculino. Dos participantes, 58,4% estavam na faixa etária de 21 a 25 anos, 56,9% eram solteiros, 54,4% afirmavam ter um envolvimento religioso fraco e 75,9% moravam com os familiares (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos aspectos sociodemográficos dos 274 estudantes de Medicina, Goiânia, Goiás, Brasil, 2020

No que se refere à caracterização dos aspectos pessoais e acadêmicos, identificou-se que os entrevistados raramente encontraram os amigos (40,1%). No que tange ao sono dos estudantes, observou-se que 24,8% referiram insônia e 42,7% afirmaram dormir menos de sete horas por noite. A grande maioria dos participantes consome bebida alcoólica (73,4%) (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização dos aspectos pessoais e acadêmicos dos 274 estudantes de Medicina, Goiânia, Goiás, Brasil, 2020

Observou-se que 23,7% dos participantes afirmaram ter alguma doença psiquiátrica e 33,9% faziam terapia. Dos participantes, 79,9% não estavam satisfeitos com o rendimento e 31,4% pensaram em abandonar o curso. Em relação à qualidade de vida, mais da metade dos participantes (54,7%) acusou piora (Tabela 2).

Na comparação dos dados sociodemográficos com os escores da DASS-21, foi observado que as estudantes de Medicina do sexo feminino apresentaram maiores escores para depressão (p < 0,0001), ansiedade (p < 0,0001) e estresse (p < 0,0001) em relação aos discentes do sexo masculino (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação dos aspectos sociodemográficos com os níveis da condição de saúde mental dos 274 estudantes de Medicina, Goiânia, Goiás, Brasil, 2020

Na comparação dos aspectos pessoais e acadêmicos com os escores da DASS-21, identificou-se que maiores escores em relação à depressão foram obtidos nas seguintes variáveis: não encontrar com os amigos (p = 0,0485), não praticar atividade física (p = 0,0103), ter doença psiquiátrica diagnosticada (p < 0,0001), fazer terapia psiquiátrica/psicológica (p = 0,0001), ter insônia (p = 0,0004), dormir mais de nove horas por noite (p = 0,0398), insatisfação com rendimento acadêmico (p = 0,0136), ter pensado em abandonar o curso (p < 0,0001), não realizar outras atividades durante o curso (p = 0,0005) e ter referido piora na qualidade de vida durante a pandemia (p < 0,0001) (Tabela 4).

Tabela 4
Comparação dos aspectos pessoais e acadêmicos com os níveis da condição de saúde mental dos 274 estudantes de Medicina, Goiânia, Goiás, Brasil, 2020

Em relação aos sintomas de ansiedade, houve maiores escores nas seguintes variáveis: não realizar atividades extracurriculares (p = 0,0056), ter doença psiquiátrica diagnosticada (p < 0,0001), fazer terapia psiquiátrica/psicológica (p < 0,0001), ter insônia (p<0,0001), dormir mais de nove horas por noite (p = 0,0084), ter pensado em abandonar o curso (p < 0,0001), não realizar outras atividades durante o curso (p = 0,0064) e ter referido redução na qualidade de vida após a pandemia (p < 0,0001) (Tabela 4).

Já no que se refere aos sintomas de estresse, maiores escores foram identificados nas seguintes variáveis: não realizar atividades extracurriculares (p = 0,0009), ter doença psiquiátrica (p < 0,0001), fazer terapia psiquiátrica/psicológica (p < 0,0001), ter insônia (p < 0,0001), ter pensado em abandonar o curso (p < 0,0001), não realizar outras atividades durante o curso (p = 0,0197) e ter referido redução na qualidade de vida após a pandemia (p < 0,0001) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Diante dos resultados apresentados, este estudo evidenciou um perfil de estudante de Medicina em que a maioria era do sexo feminino, na faixa etária dos 21 a 25 anos e solteira. Esse cenário reflete a maior inserção das mulheres no curso de Medicina, processo que se iniciou na década de 1970 e foi acompanhado por conquistas de mais liberdade e autonomia do sexo feminino em várias esferas1616. Pereira MG, Silva BN, Vieira LRF, Quaresma FEL, Cezario PFO, Silva CRDV. Saúde mental de mulheres profissionais de saúde no Brasil: uma revisão narrativa. In: Nascimento ARS, Rodrigues ARGM, Castro AP, Medeiros NM, organizadoras. Saúde mental e suas interfaces: rompendo paradigmas. Belo Horizonte: Poisson; 2021. p. 24-9.. O processo de feminização do curso de Medicina fica evidenciado quando se comparam os dados atuais com os de anos anteriores: em 1970, o curso de Medicina tinha 11% de mulheres; em 1980 e 1990, essa porcentagem se ampliou para 22% e 33%, respectivamente; e, em 2020, esse índice já atingiu a marca de 47,5% de mulheres ingressantes1717. HERNANDES, L. C.; VIEIRA, L. A guerra tem rosto de mulher: trabalhadoras da saúde no enfrentamento à Covid-19. ANESP. Publicado em 17 de Abril de 2020. Disponível em: Disponível em: http://anesp.org.br/todas-asnoticias/2020/4/16/a-guerra-tem-rosto-de-mulher-trabalhadoras-da-sade-no-enfrentamento-covid-19 . Acesso em: 10 de mar. de 2021.
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.

Identifica-se não só o aumento de mulheres no curso de Medicina, mas também na área da saúde em geral. No cenário pandêmico, constata-se que em torno 70% das equipes mundiais de saúde são compostas por mulheres, as quais têm representantes em cargos de diversas complexidades1717. HERNANDES, L. C.; VIEIRA, L. A guerra tem rosto de mulher: trabalhadoras da saúde no enfrentamento à Covid-19. ANESP. Publicado em 17 de Abril de 2020. Disponível em: Disponível em: http://anesp.org.br/todas-asnoticias/2020/4/16/a-guerra-tem-rosto-de-mulher-trabalhadoras-da-sade-no-enfrentamento-covid-19 . Acesso em: 10 de mar. de 2021.
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. Esse cenário evidencia o enorme avanço e as conquistas do sexo feminino em um mercado de trabalho antes dominado pelos homens. Todavia, traz à tona a importância da preservação da saúde mental, haja vista que o contexto assistencialista do cuidado destinado ao paciente demanda muito esforço do profissional da saúde, o qual enfrenta carga horária de trabalho extenuante e pressão por ter que lidar com a vida do outro, fatores bastante potencializados durante a pandemia1717. HERNANDES, L. C.; VIEIRA, L. A guerra tem rosto de mulher: trabalhadoras da saúde no enfrentamento à Covid-19. ANESP. Publicado em 17 de Abril de 2020. Disponível em: Disponível em: http://anesp.org.br/todas-asnoticias/2020/4/16/a-guerra-tem-rosto-de-mulher-trabalhadoras-da-sade-no-enfrentamento-covid-19 . Acesso em: 10 de mar. de 2021.
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)-(1919. Lima AS, Farah BF, Bustamante-Teixeira MT. Análise da prevalência da síndrome de burnout em profissionais da atenção primária em saúde. Trab Educ Saúde. 2017;16(1):283-304..

Outro ponto relevante deste estudo foi a idade, sendo maior a prevalência de estudantes na faixa etária dos 21 a 25 anos. Esse achado está de acordo com o estudo Demografia médica no Brasil 2018, o qual evidencia o rejuvenescimento da medicina no Brasil, com a média de idade dos profissionais decrescendo ao longo dos anos. Essa tendência está relacionada à abertura recente de novos cursos médicos e ao aumento do ingresso de profissionais mais jovens no mercado de trabalho2020. Rego RM, Marques NA, Monteiro PC, Oliveira CLB, Lins NAA, Caldas CAM. O perfil atual do estudante de Medicina e sua repercussão na vivência do curso. Para Res Med J. 2018;2:1-4..

No que se refere à caracterização dos aspectos pessoais e acadêmicos dos estudantes, identificou-se que a maior parte deles raramente encontrou os amigos durante a pandemia, estava insatisfeita com o rendimento acadêmico e acusou piora na qualidade de vida no período pandêmico. Com a pandemia houve a necessidade do distanciamento social, que, por sua vez, alterou bastante o cotidiano das pessoas2121. Nakata LE, Bertoia N. Mudanças de hábitos e qualidade de vida durante a quarentena de acordo com os diferentes grupos geracionais. Estudos e Negócios Acadêmicos. 2021;1(1):57-68..

A permanência em casa para trabalhar ou estudar pode gerar uma sobrecarga nas pessoas, além da impossibilidade de realizar diversas atividades recreativas fora do ambiente domiciliar2121. Nakata LE, Bertoia N. Mudanças de hábitos e qualidade de vida durante a quarentena de acordo com os diferentes grupos geracionais. Estudos e Negócios Acadêmicos. 2021;1(1):57-68.. Os estudantes de Medicina possuem mais fatores que podem provocar uma alteração na qualidade de vida, como contato mais próximo com a morte, medo de contaminar pessoas próximas e até mesmo as incertezas sobre o ano letivo2222. Felippe TO, Spaniol CM, Silva LA, Calabria AC, Ferreira G, Carvalho NL, et al. O estresse do estudante de Medicina durante a pandemia de Covid-19. Res Soc Dev . 2021;10(9):e58310918372..

Na comparação dos dados sociodemográficos com a DASS-21, este estudo evidenciou uma predominância dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina do sexo feminino, o que é condizente com achados de vários outros estudos1515. Martins BG, Silva WR, Maroco J, Campos JADB. Depression, Anxiety, and Stress Scale: psychometric properties and affectivity prevalence. J Bras Psiquiatr. 2019;68(1):32-41.),(2323. Cardoso YS, Lima LV, Miranda LR, Ferreira SJS, Carvalho AA. Levantamento de sintomas depressivos e ansiosos entre estudantes de medicina de uma universidade brasileira. Rev Med. 2021;100(3):204-11.),(2424. Costa DS, Medeiros NSB, Cordeiro RA, Frutuoso ES, Lopes JM, Moreira SNT. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina e estratégias institucionais de enfrentamento. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1):e040.. As mulheres, no geral, são mais acometidas pelas desordens de depressão e ansiedade em comparação aos homens, bem como há uma maior prevalência de casos de depressão no sexo feminino1515. Martins BG, Silva WR, Maroco J, Campos JADB. Depression, Anxiety, and Stress Scale: psychometric properties and affectivity prevalence. J Bras Psiquiatr. 2019;68(1):32-41.. Esse padrão também é observado no curso de Medicina e está relacionado ao fato de as mulheres serem mais vulneráveis a esses sintomas, o que está ligado à maior clareza para expressá-los, às alterações hormonais do próprio sexo feminino e ao maior envolvimento empático com os pacientes2323. Cardoso YS, Lima LV, Miranda LR, Ferreira SJS, Carvalho AA. Levantamento de sintomas depressivos e ansiosos entre estudantes de medicina de uma universidade brasileira. Rev Med. 2021;100(3):204-11.),(2424. Costa DS, Medeiros NSB, Cordeiro RA, Frutuoso ES, Lopes JM, Moreira SNT. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina e estratégias institucionais de enfrentamento. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1):e040..

No que se refere ao estresse, nota-se que o sexo feminino também possui maior predisposição a esse transtorno em comparação ao sexo oposto, o que está associado aos mesmos fatores que provocam maiores sintomas de depressão e ansiedade25. Neste estudo, evidenciou-se maior associação ao estresse para as acadêmicas de Medicina, o que está em conformidade com achados de outros estudos que abordaram essa temática1010. Silva RA, Paula BO, Vieira LS, Lopes PRJ, Bonini LMM. Avaliação do estresse em estudantes de medicina de uma universidade particular de São Paulo. Rev Extensão. 2020;4:17-27.),(2626. Kam SXL, Toledo ALS, Pacheco CC, Souza GFB, Santana VLM, Bonfá-Araujo B, et al. Estresse em estudantes ao longo da graduação médica. Rev Bras Educ Med . 2019;43(1 supl 1):246-53..

Sabe-se que o estresse é caracterizado por uma resposta multifatorial que pode acometer o estudante nas dimensões física, emocional e social. Prejuízo na aprendizagem e na memória e sintomas como cefaleia, sudorese e alterações gastrintestinais são alguns dos fatores que apontam para a necessidade de estratégias que busquem amenizar o estresse entre os estudantes de Medicina, principalmente em relação ao sexo feminino2424. Costa DS, Medeiros NSB, Cordeiro RA, Frutuoso ES, Lopes JM, Moreira SNT. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina e estratégias institucionais de enfrentamento. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1):e040.),(2727. Mendes TC, Dias ACP. Sintomas de depressão, ansiedade, estresse e fatores associados em estudantes de medicina brasileiros: revisão integrativa. Res Soc Dev . 2021;10(4):e14910414033..

O isolamento social, apesar de necessário, causou diversos impactos negativos na vida cotidiana e na saúde mental da população. Um desses impactos foi a redução do contato das pessoas com seu círculo social. Diante disso, problemas como a frustração e o tédio ficam maiores nesses estudantes de Medicina, o que os predispõem ainda mais à deterioração da saúde mental2828. Sturza JM, Tonel R. Os desafios impostos pela pandemia Covid-19: das medidas de proteção do direito à saúde aos impactos na saúde mental. Rev Opinião Jurídica. 2020;18(29):1-27..

No que se refere à prática de atividade física, observou-se neste estudo que os estudantes sedentários apresentaram maior associação aos sintomas de depressão, o que é corroborado por outros estudos2929. Azevedo LG, Silva DC, Correa AAM, Camargos GL. Prevalência de ansiedade e depressão, nível de atividade física e qualidade de vida em estudantes universitários da área de saúde. Revista Científica Unifagoc - Multidisciplinar. 2020;5(1):30-38.),(3030. Maia BR, Dias PC. Ansiedade, depressão e estresse em estudantes universitários: o impacto da Covid-19. Estud Psicol. 2020;37:1-8.. O tratamento para o transtorno depressivo consiste em psicoterapia, administração de medicamentos e/ou mudanças no estilo de vida. A atividade física enquadra-se nesse último item, aliviando sintomas de depressão por mecanismos envolvendo o eixo hipotálamo-hipófise, com liberação de hormônios como a endorfina, responsável pelas sensações de bem-estar do indivíduo, além de oferecer efeito protetor àqueles indivíduos geneticamente propensos a desenvolver transtornos mentais3131. Maximiano VDS, Hudson TA, Ferreira LK, Dornellas LCG, Paula OR, Neves CM, et al. Physical activity level, depression, and anxiety of undergraduate students in Physical Education. Motricidade. 2020;16(1):104-12.. Em países como Suécia e Canadá, a atividade física está incluída nos guidelines como tratamento complementar da depressão, sendo, portanto, um fator de proteção e que deve ser estimulado entre os estudantes de Medicina3232. Carneiro LSRSF, Mota MP, Schuch F, Deslandes A, Vasconcelos-Raposo J. Portuguese and Brazilian guidelines for the treatment of depression: exercise as medicine. Rev Bras Psiquiatr. 2018;40(2):210-1..

As doenças psiquiátricas associadas às demais vulnerabilidades da vida cotidiana, principalmente depois da pandemia da Covid-19, são um importante fator que causa maior ocorrência de depressão entre os estudantes que relataram ter doenças psiquiátricas e fazer terapia. O estresse é um importante fator que causa o esgotamento psíquico desses estudantes, consequentemente maior suscetibilidade à depressão2424. Costa DS, Medeiros NSB, Cordeiro RA, Frutuoso ES, Lopes JM, Moreira SNT. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina e estratégias institucionais de enfrentamento. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1):e040..

Conforme os resultados apresentados, verificou-se que a insônia se destacou como um fator predisponente a maiores sintomas de depressão, ansiedade e estresse para os acadêmicos de Medicina. O sono é uma função biológica essencial ao ser humano, desempenhando ampla importância nos processos cognitivos e na saúde física e mental, tendo como duração adequada de sete a oito horas por noite3333. Vaz ALL, Gléria VO, Bastos CFC, Sousa IF, Silva AMTC, Almeida RJ. Fatores associados aos níveis de fadiga e sonolência excessiva diurna em estudantes do internato de um curso de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2020;44(1):e011.. Entretanto, observa-se uma realidade diferente entre os estudantes de Medicina, em que as exigências do próprio curso prejudicam as horas e a qualidade do sono3434. Dutra LL, Aquino ACN, Lima SE, Barros LN. Avaliação do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh em estudantes de medicina: uma revisão integrativa da literatura. Res Soc Dev . 2021;10(8):e52410817530.. Esse fato leva a uma exacerbação dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre os acadêmicos, tal como observado neste e em outros estudos2222. Felippe TO, Spaniol CM, Silva LA, Calabria AC, Ferreira G, Carvalho NL, et al. O estresse do estudante de Medicina durante a pandemia de Covid-19. Res Soc Dev . 2021;10(9):e58310918372.),(3535. Nogueira ÉG, Matos NC, Machado JN, Araújo LB, Silva AMTC, Almeida RJ. Avaliação dos níveis de ansiedade e seus fatores associados em estudantes internos de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2021;45(1):1-9..

Em contrapartida, este estudo evidenciou que dormir muito foi um fator predisponente a maiores sintomas de depressão e ansiedade entre os alunos de Medicina. Com o fechamento das universidades e a adoção do ensino remoto, bem como a aplicação de medidas de isolamento social, o estudante passou a ficar mais tempo em casa, não precisando se deslocar até a universidade ou o hospital, o que permitiu maiores horas de sono3636. Aragao JA, Santos IF, Pimentel JVA, Nunes MSF, Cruz MLA, Silva WML, et al. Ansiedade, depressão e outros transtornos mentais no estudante de medicina durante a pandemia da Covid-19. In: Dal Molin RS. Saúde em foco: doenças emergentes e reemergente. Guarujá: Científica Digital; 2021. v. 2, 15-30.. Contudo, notou-se que dormir mais de nove horas por noite aumenta a tendência de desenvolver sintomas de depressão e ansiedade. Tal como descrito em um estudo sobre a mudança comportamental da população durante a pandemia da Covid-19, 67% dos entrevistados acusaram modificação na rotina do sono, o que influenciou no aparecimento de distúrbios mentais3737. Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Factors associated with people’s behavior in social isolation during the covid-19 pandemic. Ciênc Saúde Colet. 2020;25:2411-21..

A insatisfação com o rendimento acadêmico gera um quadro de angústia e preocupação no estudante. Tal quadro tende a piorar a saúde mental e levar o indivíduo a ter pensamentos de abandonar o curso. Essa problemática situação acaba piorando ainda mais o rendimento acadêmico, quanto mais esse estudante deteriora a própria saúde mental. Por conta disso, ele fica extremamente vulnerável a quadros depressivos2525. Machado JN, Araújo LB, Nogueira ÉG, Matos NC, Silva AMTC, Almeida RJ. Fatores associados aos níveis de estresse percebido em estudantes internos de um curso de medicina. Rev Bras Mil Ciências. 2020;6(16):15-22.),(2727. Mendes TC, Dias ACP. Sintomas de depressão, ansiedade, estresse e fatores associados em estudantes de medicina brasileiros: revisão integrativa. Res Soc Dev . 2021;10(4):e14910414033..

O distanciamento social foi a medida mais eficaz para conter a propagação do vírus, todavia teve repercussões clínicas e comportamentais, de modo que o menor contato interpessoal teve repercussões na saúde mental de toda a população, inclusive nos estudantes de Medicina66. Barros MBA, Lima MG, Malta DC, Szwarcwald CL, Azevedo RCS, Romero D, et al. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de Covid-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(4):e2020427.),(3838. Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, et al. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saúde Debate. 2020;44(4):177-90..

CONCLUSÃO

O presente estudo identificou diversos fatores associados a sintomas de depressão, estresse e ansiedade em estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19. Os fatores associados à depressão foram: sexo feminino, não encontrar amigos, não praticar atividades física, ter doença psiquiátrica, fazer terapia psiquiátrica/psicológica, ter insônia, dormir mais de nove horas, estar insatisfeito com o rendimento acadêmico, pensar em abandonar o curso, não realizar atividades fora da universidade e uma percepção ruim da qualidade de vida. Os fatores associados à ansiedade foram: sexo feminino, não realizar atividades extracurriculares, ter doença psiquiátrica, fazer terapia psiquiátrica/psicológica, ter insônia, dormir mais de nove horas, pensar em abandonar o curso, não realizar atividades fora da universidade e uma percepção ruim da qualidade de vida. Já os fatores associados ao estresse foram: sexo feminino, não realizar atividades extracurriculares, ter doença psiquiátrica, fazer terapia psiquiátrica/psicológica, ter insônia, pensar em abandonar o curso, não realizar atividades fora da universidade e uma percepção ruim da qualidade de vida.

Abordar a saúde mental dos estudantes de Medicina é uma questão fundamental, haja vista a maior prevalência de transtornos psíquicos no campo da educação médica. Essa abordagem faz-se ainda mais necessária ao se associar a pandemia da Covid-19 como fator agravante. Como consequência, o acadêmico de Medicina passou a enfrentar novos desafios, como o ensino remoto, a falta de contato com colegas e pacientes, a convivência com o adoecimento ou morte de familiares e pessoas próximas, bem como o adiamento do cronograma acadêmico e as incertezas em relação ao futuro universitário. Esse cenário favoreceu o aumento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre os alunos de Medicina, evidenciando uma questão de saúde pública.

Os resultados encontrados nesta pesquisa podem auxiliar na delimitação de um perfil de estudante de Medicina que tem mais risco de desenvolver sintomas de depressão, ansiedade e/ou estresse. A partir dos fatores associados identificados neste estudo, poderão ser elaboradas medidas que visem à diminuição e à prevenção dos transtornos psíquicos no ambiente estudantil. É de suma importância que as instituições acadêmicas desenvolvam programas e ações de suporte voltados para a preservação da saúde mental do estudante de Medicina, de modo a diminuir o impacto gerado pela pandemia da Covid-19.

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    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Diniz. Editora associada: Maria Viviane Vasconcelos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2021
  • Aceito
    08 Set 2022
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